Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0519/11
Data do Acordão:12/12/2012
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:RECURSO POR OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
REQUISITOS
Sumário:I - O recurso por oposição de acórdãos interposto em processo judicial tributário instaurado após a entrada em vigor do ETAF de 2002 depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos legais: que se verifique contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA.
II - Não se verifica o 1.º requisito se no acórdão recorrido se apreciou a questão de o título executivo ter sido extraído antes de a decisão que aplicou a coima ter transitado em julgado, tendo-se concluído negativamente com fundamento no prazo legal previsto para o recurso, e no acórdão fundamento se apreciou expressamente a questão do prazo para o recurso, tendo-se concluído que o mesmo era de 20 dias após a notificação da decisão, mas sendo a notificação de duvidosa compreensão, se julgou tempestivo o recurso interposto no prazo referido na notificação.
Nº Convencional:JSTA00068005
Nº do Documento:SAP201212120519
Data de Entrada:05/25/2011
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:A..., S.A. E FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC OPOS JULGADOS
Objecto:AC STA PROC0519/12 DE 2011/09/21 - AC STA PROC0993/09 DE 2010/02/10
Decisão:FINDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - REC JURISDICIONAL
Legislação Nacional:CPPT99 ART284 N5
RGIT ART80 N1
ETAF02 ART27 B
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0452/07 DE 2007/09/26; AC STA PROC01065/05 DE 2006/03/29
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I. O MºPº veio recorrer do acórdão proferido por este Supremo Tribunal em 21.09.2011, que consta de fls. 247 e segs., por oposição com o acórdão proferido por este mesmo Tribunal em 10.02.2010 no Processo nº 0993/09, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:

1ª) Existe oposição de acórdãos quanto à melhor interpretação do prazo para recorrer, o qual se encontra previsto no artº 80º do RGIT, no caso de na notificação efetuada pela administração tributária constar que o mesmo só se inicia após o termo do prazo de 15 dias para se proceder ao pagamento voluntário da coima, o que não foi admitido;

2ª) Com efeito, o proferido nos autos encontra-se em contradição com o decidido no acórdão do STA, proferido a 10.02.2010, proferido no recurso nº 993/09, da 2ª Secção, o qual transitou em julgado, decidindo-se semelhantemente que tal prazo é de 20 dias, mas só se inicia após o termo do referido prazo de 15 dias;

3ª) Com efeito, os factos em apreciação são idênticos em ambos os acórdãos, consubstanciando os mesmos decisões de direito contraditórias, sendo ainda que tal se relaciona com o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, conforme previsto no artº 32º, nº 10 da CRP.

Nestes termos, deve o presente recurso ser admitido, mandando-se notificar, após, para que se produzam alegações, e remeter o processo ao Pleno da Secção de Contencioso Tributário para que sobre o mesmo seja proferido acórdão, nos termos dos artºs 284º e 286º do CPPT e 27º, nº 1 alínea b) do ETAF.

II. Proferido despacho reconhecendo a oposição de acórdãos (fls. 278) o recorrente apresentou alegações ao abrigo do artº 284º, nº 5 do CPPT, nas quais concluiu:

1ª) O quadro normativo relativo à redução de coimas que consta do RGIT é incongruente;

2ª) Em face do dito quadro legal, e tendo a AT procedido num único ato às notificações previstas para tais efeitos nos artºs 79º, nº 2 e 78º, nºs 1 e 2 do RGIT, é de dirimir o conflito, julgando oportuno o recurso da decisão da contraordenação interposto no prazo de 20 dias previsto também no artº 80º do RGIT, acrescido de 15 dias, conforme indicação que também foi efetuada;

3ª) Tal impõe-se também em obediência aos princípios da confiança e da boa fé consagrados nos artºs 2º e 266º, nº 2 da CRP e de que são afloramentos os artºs 37º, nº 4 do CPPT e os 266º, nº 1 e 266º-A do CPC.

III. Os recorridos não apresentaram contra-alegações.

IV. Com interesse para a decisão foram dados como provados os seguintes factos:

A) No acórdão recorrido:

a) Pelo Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia 4 foi autuada a execução fiscal n.º 3964200801039504 contra a oponente por dívidas relativas a coimas fiscais, no montante global de 105.959,74 euros.

b) A execução fiscal indicada em a) assentou nas certidões de dívida juntas a fls. 95 a 115 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.

c) Posteriormente, o Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia 4 anulou 20 dessas certidões de dívida, no valor global de 84.070,58 euros – cfr. fls. 121 a 140 e informação de fls. 142 dos autos.

d) Por ofício datado de 5/8/2008, o referido Serviço de Finanças informou a oponente de que o PEF indicado na al. a) iria prosseguir apenas pelo montante de € 22.117,27, por dívidas de coimas e custas relativas aos seguintes processos de contraordenação, extintos por emissão de certidão de dívida antes da entrada neste serviço dos recursos judiciais das decisões de fixação das coimas:
“3964200706084591, certidão de dívida n.º 5002974, no valor de € 3.198,53;
3964200706090567, certidão de dívida n.º 5003352, no valor de € 2.511,59;
3964200706084648, certidão de dívida n.º 5002978, no valor de € 7.115,95;
3964200706084621, certidão de dívida n.º 5002976, no valor de € 83,75;
3964200706084575, certidão de dívida n.º 5002972, no valor de € 3.106,06;
3964200706084559, certidão de dívida n.º 5002970, no valor de € 5.873,28” – cfr. fls. 51 dos autos.

e) Em 1/4/2008, a oponente foi notificada das decisões de aplicação de coima proferidas no âmbito dos processos de contraordenação referidos na alínea anterior e que estão subjacentes à execução a que se reporta a presente oposição – cfr. fls. 52/64 dos autos.

f) Em 8/5/2008, a oponente apresentou recurso judicial contra cada uma das decisões de aplicação de coima proferidas no âmbito daqueles processos de contraordenação, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do art.º 80.º do RGIT – cfr. fls. 65/81 dos autos.

g) A oponente foi citada para a execução em 20/5/2008 – cfr. fls. 116/117 dos autos.

h) A presente oposição foi apresentada em 20/6/2008 – cfr. fls. 2 dos autos.

B) No acórdão fundamento:

No acórdão fundamento não se encontra fixado probatório em sentido formal, mas dele resulta que foi interposto recurso da decisão administrativa de aplicação da coima, da qual o recorrente foi notificado em 21/04/09, em 26/05/09. O prazo de 20 dias previsto no artigo 80.°, n.° 1 do RGIT expirara em 20/05/09.

V. Antes de mais, e apesar de o Relator ter proferido despacho em que reconhece a alegada oposição de acórdãos, importa reapreciar se a mesma se verifica, pois tal decisão não faz caso julgado e não impede ou desobriga o Tribunal de recurso de a apreciar, em conformidade com o disposto no artigo 687.º, n.º 4, do Código de Processo Civil (hoje artº 685º-C, nº 5 do mesmo diploma).

Tendo os autos dado entrada posteriormente a 1 de janeiro de 2004, são aplicáveis as normas dos artºs 27º, alínea b) do ETAF de 2002 e 152º do CPTA (neste sentido, entre outros, v. o acórdão de 26/09/2007 do Pleno desta Secção, proferido no Processo nº 0452/07).

Sendo assim, a oposição depende da satisfação dos seguintes requisitos:

a) Existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito;

b) A decisão impugnada não estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.

Quanto ao primeiro requisito, de acordo com o acórdão de 29.03.2006 – Recurso nº 01065/05, do Pleno desta mesma Secção, relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adotar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da LPTA, para detetar a existência de uma contradição, a saber:
- identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, o que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;
- que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica;
- que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;
- a oposição deverá decorrer de decisões expressas e não apenas implícitas (Neste sentido podem ver-se, entre outros, os seguintes acórdãos:
- de 29.03.2006 – Processo nº 01065/05; de 17.01.2007 – Processo nº 048/06;
- de 06.03.2007 – Processo nº 0762/05; - de 29.03.2007 – Processo nº 01233/06. No mesmo sentido, v. ainda Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha – Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª edição, págs. 765-766).

A oposição deverá, por um lado, decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta e, por outro lado, a oposição de soluções jurídicas pressupõe identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais.

Vejamos então se, no caso dos autos, se verificam tais requisitos, começando pela questão da oposição entre os arestos acima identificados.

V.1. No acórdão recorrido escreveu-se, para além do mais, o seguinte:
“Veio a ora recorrida opor-se à execução fiscal contra si instaurada invocando, como fundamento da mesma, a inexigibilidade da dívida, porquanto as decisões de aplicação de coimas subjacentes à mesma decorrentes dos processos de contraordenação identificados nos autos não constituíam decisões definitivas, uma vez que das mesmas interpusera recurso judicial.
Não há dúvida que a inexigibilidade da dívida constitui fundamento de oposição à execução fiscal, nos termos do artigo 204.°, n.° 1, alínea i) do CPPT.
Como estabelece a alínea b) do n.° 1 do artigo 162.° do CPPT, podem servir de base à execução fiscal, entre outros títulos executivos, as certidões de decisões exequíveis proferidas em processo de aplicação de coimas.
Ora, as decisões exequíveis a que tal normativo se reporta são as proferidas por tribunais tributários ou pelas autoridades administrativas que se tornem definitivas, quer por trânsito em julgado, quer por não interposição de recurso judicial (v. artigos 79.°, n.° 2 do RGIT e 88.° e 89.° do RGCO, e Jorge Lopes de Sousa, in CPPT anotado e comentado, vol. II, p. 95).
No caso em apreço, sustenta a oponente ter interposto recurso judicial das decisões de aplicação das coimas que subjazem à dívida exequenda e disso nos dá conta o probatório (v. alínea f) do mesmo).
A questão que a recorrente invoca é que a emissão das respetivas certidões de dívida ocorreu antes da apresentação dos referidos recursos judiciais, os quais foram deduzidos para além do prazo de que a oponente dispunha para o fazer, nos termos do n.° 1 do artigo 80.° do RGIT, pelo que a dívida se tornara já exigível.

E, de facto, como resulta do probatório, tendo a oponente sido notificada em 1/4/2008 das decisões de aplicação das coimas proferidas no âmbito dos processos de contraordenação que estão subjacentes à execução a que se reportava a oposição, é manifesto que os recursos judiciais apresentados em 8/5/2008 foram interpostos para além do prazo de 20 dias estipulado no citado n.° 1 do artigo 80.° do RGIT, contado daquela notificação. Não colhendo aqui o argumento de que tal prazo se deve contar findo o de 15 dias para requerer o pagamento voluntário uma vez que o texto do normativo é inequívoco (cfr. neste sentido o acórdão do STA de 1/6/2011, proferido no recurso n.° 312/11).

Pelo que, assim sendo, com a legal extração das certidões de dívida nos respetivos processos de contraordenação, a dívida se tornou exigível, sendo, em consequência, instaurada a correspondente execução fiscal.
Não se verifica, por isso, a invocada inexigibilidade da dívida exequenda”.

V.2.No acórdão fundamento, por sua vez, ficou escrito o seguinte:

“A questão que importa dirimir prende-se em saber se o prazo atendível para a interposição do recurso judicial da decisão de aplicação da coima é o que se encontra estabelecida na lei, ou seja o prazo de 20 dias a contar da notificação nos termos do artigo 80.°, n.° 1 do RGIT, ou antes aquele que foi comunicado ao recorrente na notificação que lhe foi feita.
Com efeito, essa notificação não permite dúvidas que o recorrente foi informado de que teria um prazo de 20 dias subsequentes a um outro de 15 dias para interpor o recurso judicial, como se pode alcançar da seguinte transcrição parcial da notificação:
“ (…)1- Fica notificado, de acordo com o previsto no n° 2 do Art° 79º do Regime Geral das Infrações Tributárias, para no prazo de 20 (vinte) dias subsequentes ao prazo referido no ponto 2, efetuar o pagamento da coima(..)
(...) 2 - Fica ainda notificado, da possibilidade de efetuar o pagamento voluntário da coima no prazo de 15 dias a contar da presente notificação(..)
(..) 3- Mais fica notificado de que dentro do prazo referido no ponto 1 poderá, querendo, recorrer judicialmente, conforme dispõe o artigo 80.º do citado Regime Geral das Infrações Tributárias, vigorando o Princípio da Proibição da Reformatio in Pejus” (vide fls. 18).
Neste contexto, para mais sabendo-se, como se sabe, que o recurso judicial não carece de ser subscrito por advogado, a dissonância que se verifica entre o prazo legalmente previsto e aquele do qual o recorrente foi informado na notificação que lhe foi feita não pode ser superada em termos que lhe sejam desfavoráveis, o título executivo ter sido extraído antes de a decisão que aplicou a coima ter transitado em julgado. artigo 32.º, n.º 10 da CRP).
Como assim, tendo o recorrente sido notificado a 21/4/09, o prazo a atender de 35 dias (20+15 dias) que lhe foi concedido para interpor recurso apenas veio a terminar a 11/06/09, daí resultando que o recurso interposto a 26/05/09 não seja extemporâneo, ao invés do que se entendeu no despacho sob recurso.
Termos em que se acorda conceder provimento ao recurso, revogando-se, em consequência, o despacho recorrido, devendo os autos baixar ao TAF de Penafiel para conhecimento do recurso judicial, se a tal nada mais obstar.

V.3. Em face do que ficou escrito, desde logo parece que não estamos perante oposição de acórdãos nos termos acima definidos.

Com efeito, no acórdão recorrido estava em causa a questão jurídica da exigibilidade da dívida exequenda, por, alegadamente, o título executivo ter sido extraído antes de a decisão que aplicou a coima ter transitado em julgado.

E nele se diz que sendo o prazo para interpor recurso da decisão de aplicação de coima o de 20 dias previsto no art. 80º do RGIT, que já se encontrava ultrapassado quando foi extraído o título, a dívida era exigível.

E acrescentou-se apenas que não colhia o argumento de que tal prazo se deve contar findo o de 15 dias para requer o pagamento voluntário uma vez que o texto normativo é inequívoco quanto ao prazo.

Daqui resulta então que nem sequer foi examinada a notificação enviada ao arguido, a qual nem sequer consta do probatório.

Assim não houve pronúncia expressa sobre eventual erro de notificação, nem foi considerada a possibilidade de conceder ao recorrente o prazo mencionado na notificação.

Já no acórdão fundamento foi expressamente apreciada a questão de saber se o prazo atendível para a interposição do recurso judicial da decisão de aplicação da coima é o que se encontra estabelecida na lei, ou seja o prazo de 20 dias a contar da notificação nos termos do artigo 80.°, n.° 1 do RGIT, ou antes aquele que foi comunicado ao recorrente na notificação que lhe foi feita e que é do seguinte teor:
“ (…)1- Fica notificado, de acordo com o previsto no n° 2 do Art° 79º do Regime Geral das Infrações Tributárias, para no prazo de 20 (vinte) dias subsequentes ao prazo referido no ponto 2, efetuar o pagamento da coima(..)
(...) 2 - Fica ainda notificado, da possibilidade de efetuar o pagamento voluntário da coima no prazo de 15 dias a contar da presente notificação(..)
(..) 3- Mais fica notificado de que dentro do prazo referido no ponto 1 poderá, querendo, recorrer judicialmente, conforme dispõe o artigo 80.º do citado Regime Geral das Infrações Tributárias, vigorando o Princípio da Proibição da Reformatio in Pejus” (vide fls. 18).

E foi decidido que, não obstante o prazo para o recurso ser de 20 dias contados da notificação da decisão, era tempestivo o recurso apresentado no prazo concedido pela notificação, uma vez que a dissonância que se verifica entre o prazo legalmente previsto e aquele do qual o recorrente foi informado na notificação que lhe foi feita não pode ser superada em termos que lhe sejam desfavoráveis.

Pelo que ficou dito, não ocorre a invocada oposição de acórdãos, pelo que o recurso tem de ser julgado findo (artº 284º, nº 5 do CPPT)

VIII. Nestes termos e pelo exposto julga-se findo o recurso.

Sem custas.
Lisboa, 12 de dezembro de 2012. – João António Valente Torrão (relator) – Dulce Manuel da Conceição Neto – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Joaquim Casimiro Gonçalves – Pedro Manuel Dias Delgado – Lino José Batista Rodrigues Ribeiro – Maria Fernanda dos Santos Maçãs – José da Ascensão Nunes Lopes – Alfredo Aníbal Bravo Coelho Madureira.