Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0690/19.0BEALM
Data do Acordão:01/13/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:CONTRATAÇÃO PÚBLICA
VIOLAÇÃO
CONCORRÊNCIA
REENVIO PREJUDICIAL
Sumário:Existindo dúvidas sobre a interpretação do sentido e alcance do artigo 57.º, n.º 4, al. d) da Directiva 2014/24/UE e da conformidade das normas do artigo 55.º, n.º 1, al. f), 55.º-A e 70.º, n.º 2, al. g) do CCP com aquelas normas de direito da União, impõe-se um reenvio prejudicial ao TJUE.
Nº Convencional:JSTA00071362
Nº do Documento:SA1202201130690/19
Data de Entrada:10/13/2021
Recorrente:INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, S.A. E OUTROS
Recorrido 1:A..............., LDA
Votação:UNANIMIDADE
Legislação Nacional:ARTS. 55.º, n.º 1, al f), 55.º-A, 70.º, n.º 2, al. g), CCP
Legislação Comunitária:ART. 267.º TFUE
ART. 57.º, n.º 4, al. d) DIRECTIVA 2014/24/UE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo


I - Relatório

1. A……………, Lda. (de ora em diante apenas A………..), com os sinais dos autos, intentou no TAF de Viseu acção de contencioso pré-contratual contra a INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, S.A. e indicou como contra-interessada a B……………, S.A. (de ora em diante apenas B……….), ambas igualmente com os sinais dos autos. Pediu nessa acção a anulação do acto de adjudicação da proposta da B…………. praticado pelo Conselho de Administração da Entidade Demandada em 25 de Julho de 2019, a exclusão da referida proposta e a adjudicação da sua, no concurso para a aquisição de cavilhas e travessas de madeira de pinho creosotadas, pelo preço base de €2.979.200,00.
Fundamenou o pedido em diversas ilegalidades do acto de adjudicação impugnado, que identificou com: i) a violação dos artigos 57.º, n.º 4 e 72.º, n.º 3 do CCP; ii) a violação dos artigos 8.º, n.º 1 do Programa do Concurso, e 57.º, n.º 1, 146.º, n.º 2, alínea d), e 1.º-A do CCP; e ainda, iii) a violação da alínea g) do n.º 2 do artigo 70.º do CCP.


2. Por sentença de 21 de Fevereiro de 2020, o TAF de Viseu "julgou totalmente improcedente a acção", tendo considerado, quanto à alegada violação da alínea g) do n.º 2 do artigo 70.° do CCP, que "os fortes indícios de eventual falseamento da concorrência deverão verificar-se em sede do próprio procedimento em análise".

3. Inconformada, a A............... recorreu daquela sentença para o TCA Norte, que, por acórdão de 29 de Maio de 2020, conheceu da questão, limitada ao erro de julgamento de direito sobre a interpretação e aplicação da referida alínea g) do n.º 2 do artigo 70.° do CCP, revogando a sentença, julgando a acção procedente, e, condenando a Entidade Demandada a adjudicar o contrato àquela, por, em seu entender, tal corresponder à melhor interpretação e aplicação da referida alínea g) do n.º 2 do artigo 70.º do CCP, em conformidade com a Directiva 2014/24/EU.

4. Inconformados com aquele acórdão, quer a contra-interessada B………., quer a Entidade Requerida INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, S.A. vieram interpor recurso de revista para este STA, os quais foram admitidos. Com efeito, por acórdão de 22 de Abril de 2021 este STA concedeu provimento ao recurso da Entidade Requerida, por verificação de nulidade da decisão, anulou o acórdão recorrido, por falta de fundamentação, e determinou a baixa dos autos ao TCA Norte para efeitos de suprimento de tal nulidade.

5. Em 2 de Junho de 2021, o TCA Norte proferiu o acórdão agora recorrido, no qual concedeu provimento ao recurso da Autora, revogou a sentença de 1.ª instância, julgou a acção procedente e condenou a Entidade Requerida a praticar o acto devido: "o acto de adjudicação da aquisição de cavilhas e travessas de madeira de pinho cresotado à Autora/Recorrente", com fundamentos semelhantes aos do acórdão que havia sido anulado.

6. Novamente inconformados com aquele acórdão, quer a contra-interessada B………., quer a Entidade Requerida INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, S.A. vieram interpor novamente recurso de revista para este STA, os quais foram admitidos, essencialmente, pelas seguintes razões:
«[…]
o acórdão de 29.10.2020 desta Formação de Apreciação Preliminar apreciou o referido erro de julgamento de direito que entendeu nuclearizar-se na aplicação, neste caso concreto "em que a adjudicatária B…………. tinha sido condenada a pagar uma coima no âmbito de processo contra-ordenacional movido pela Autoridade da Concorrência, e relacionado com práticas anticoncorrenciais", da causa de exclusão prevista no artigo 70.°, n.º 2, alínea g) do CCP, juntamente com a previsão do artigo 55.°, n.º 1, al. f) do CCP, no sentido de que "bastará esta «questão», sobre a qual não é pacífica a doutrina, nem há jurisprudência concludente, para aconselhar esta Formação a admitir a revista. Efectivamente, trata-se de interpretação que envolve direito da UE e dita consequências práticas relevantes no âmbito dos concursos públicos, podendo, assim, ser repetível'.

E não há qualquer motivo que justifique que se divirja da admissão das revistas nos apontados termos, já que a questão de fundo a discutir nas revistas', permanece a identificada no acórdão de 29.10.2020.
[…]».
7. A Recorrente INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, S.A. rematou as suas alegações com as seguintes conclusões:
«[…]
A) O Acórdão decidiu manifestamente mal, e contra o direito, a questão jurídica que foi objecto do recurso de apelação. Na verdade,

B) Invoca que a Sentença interpretou mal o disposto no art. 70.º n.º 2 alínea g) do CCP, pois que, no seu entender, e por força da sua consciência ético-jurídica e do direito comunitário, essa causa de exclusão específica abrange também necessariamente os casos passados de indícios de condutas anti-concorrenciais pelos concorrentes, ainda que de há vários anos, e não presentes ou indiciados na proposta do concorrente;

C) Todavia, e ao contrário do que acórdão recorrido aduz e defende, da lei portuguesa não deriva isso: tais factos, exteriores à proposta do procedimento em causa e sem que no seu teor (da proposta, e do concurso) se projectem ou tenham qualquer reflexo, apenas nesta relevam se tiverem dado azo a uma decisão sancionatória que determine uma “proibição de participação” em concursos públicos futuros durante determinado período de tempo (tal como se dispõe na alínea f) do n.º 1 do art. 55.º do CCP).

D) Sanção acessória esta, de participação, que não existe e nunca existiu no caso presente.

E) O legislador português nas duas normas referidas do CCP [o art. 55.º/1 f) – que prevê uma situação específica de “impedimento” para o concorrente apresentar propostas em concursos, por causa e factos passados; e o art. 70.º n.º 2 g) – que prevê a exclusão de “propostas” cuja análise revele indícios presentes de prática anti-concorrencial] deu aplicação plena às hipóteses consagradas na directiva europeia (art. 57.º da 2014/14/UE).

F) De resto, e como se sabe, a própria causa de exclusão prevista no n.º 4 do art. 57.º da Directiva, é uma causa não “obrigatória”, mas antes “facultativa”.

G) Não é preciso, pois, e nem sequer é minimamente correcto, interpretar a norma da alínea g) do n.º 2 do art. 70.º do CCP, com um alcance mais vasto do que aquele que resulta do seu sentido expresso e literal, e que se refere aos indícios de prática anti-concorrencial revelados na própria proposta (i.e., “resultantes da sua análise”).

H) A norma europeia não obriga a uma leitura diferente dessa norma específica; e para os casos antigos ou passados – que não resultem da análise de proposta actual, nem nela tenham qualquer incidência ou reflexo (viciante, pois) –, vale a regra e os mecanismos dos impedimentos de concorrer, previstos noutra sede.

I) De facto, quanto ao “desenho” da causa facultativa prevista na alínea d) do n.º 4 do art. 57.º da Directiva (2014/24/UE) – e que é invocado pelo acórdão –, é bom não esquecer que a própria directiva prevê, para ela, a necessidade de se fazer acompanhar tal previsão quando acolhida desse modo na legislação nacional, de eventuais mecanismos de minorar tais consequências (cf. considerando 102; e nºs 6 e 7 do mesmo art. 57.º: “Qualquer operador económico que se encontre numa das situações referidas nos n.ºs 1 e 4 pode fornecer provas de que as medidas por si tomadas são suficientes para demonstrar a sua fiabilidade não obstante a existência de uma importante causa de exclusão. Se essas provas forem consideradas suficientes, o operador económico em causa não é excluído do procedimento de contratação”; e “7. Os Estados-Membros devem (...) determinar o período máximo de exclusão no caso de o operador económico não ter tomado medidas, como as especificadas no n.º 6, para demonstrar a sua fiabilidade. … esse prazo não pode ser superior a … três anos a contar da data do facto pertinente nos casos referidos no n.º 4).

J) Aliás, quanto ao próprio alcance específico da alínea d) do n.º 4 do art. 57.º da Directiva, Autores têm-se pronunciado no sentido de que “este fundamento se aplica apenas a ilícitos concorrenciais praticados no âmbito do procedimento específico” (cf. PEDRO GONÇALVES, Direito dos Contratos Públicos, 2ª ed., Almedina, 2018, pág. 659). Também, a posição, neste mesmo sentido de SÁNCHEZ GRAELLS, “Prevention and decorrence of bid rigging”, in G.M. Racca/C. Yukins, Integrity and efficiency in sustainable public contracts”, p.194, apud anterior, op. cit.).

K) No fundo, e bem, o legislador português procedeu, como se tem escrito (e sem crítica, a não ser agora a alegação da recorrente), a uma dicotomia quanto a este tema previsto nas directivas, abrangendo todas as hipóteses nela possivelmente contempladas (mesmo facultativas, e não-obrigatórias), e foi claro:

a) - se condutas anti-concorrenciais anteriores, cometidas fora do procedimento adjudicatório em causa, e nele não reflectidas (não o viciando), são vistas pela Autoridade da Concorrência e podem acarretar, para o concorrente, o impedimento legal de participar em procedimentos como esse: nos termos do art. 55.º/1-f), do CCP;

b) - já se forem condutas, ou fortes indícios delas, reveladas na análise da própria proposta do concurso em causa, será motivo de decisão de exclusão dessa proposta e de comunicação para os devidos efeitos à autoridade da concorrência (art. 70.º/2-g), do CCP).

L) Com o devido respeito, a apelante/acórdão que a cópia desvirtuou o sentido das citações que faz de PEDRO SÁNCHEZ, na obra Direito da Contratação Pública, AAFDL, 2020, Vol. II. Na verdade, em lado nenhum da referida obra (e até nos locais de texto a que se reportam as citações feitas) o ilustre Autor afirma ou sufraga a tese de que a causa de exclusão aqui em causa (da alínea g/ do n.º 2 do art. 70.º do CCP) diga respeito a outras condutas anti-concorrenciais tomadas fora do âmbito do procedimento adjudicatório concursal que está em causa [como diz a lei: …”propostas cuja análise revele” esses fortes indícios…].

M) Muito pelo contrário, nas páginas citadas da obra mencionada extrai-se claramente que o Autor sempre tem subjacente e se está a referir, quanto a essa hipótese legal de exclusão de propostas no concurso (da alínea g)), a condutas ocorridas no âmbito ou a propósito do procedimento concorrencial em causa.

N) Por outro lado, nos próprios termos da directiva (n.º 7 do artigo citado), e tal como nela vêm desenhados os efeitos das causas de exclusão, os Estado-Membros devem em particular, determinar o período máximo de exclusão no caso de o operador económico não ter tomado medidas… para demonstrar a sua fiabilidade. … esse prazo não pode ser superior a ….a três anos a contar da data do facto pertinente nos casos referidos no n.º 4.

O) Assim, mesmo que, por hipótese em que se não concede, a interpretação da norma portuguesa da alínea g) do nº 2 do art. 70º tivesse de ser feita nos termos muito vastos que a apelante/acórdão que a copia, preconiza por força de uma invocada “exigência” do direito europeu, mesmo em tal hipótese…, então, por força do disposto expressamente nesse no n.º 7, in fine, do mesmo artigo da Directiva, uma tal “exclusão” a decidir apenas pela entidade adjudicante no concurso nunca poderia derivar de factos outros, extra procedimento ocorridos em uma época distanciada de há mais de três anos...

P) Ora, os factos aludidos nos autos, e que a apelante/acórdão invocou, reportam-se a um caso de há mais de três e quatro anos. Pelo que também por aí soçobraria a alegação da apelante/e o acórdão que a copiou.

Q) A interpretação da apelante/acórdão é, pois, completamente forçada e inadequada. Se, como pretende ela/ele, o júri tivesse um dever de propor a exclusão de propostas, e a entidade adjudicante de as excluir, por indícios de factos anticoncorrenciais mas ocorridos fora do âmbito do procedimento adjudicatório em causa, então… como se delimitariam estes no tempo (e em que procedimentos)? … de até quando para o passado? … A casos de há mais de 3 ou 4 ou 5 anos? …ou de 10 anos?

R) E, em um tal cenário, que possibilidades de defesa, relativamente às consequências disso ou a remédios (de que fala expressamente a Directiva, como algo de previsão associada necessária) estaria o concorrente dotado? Nada se diz. O que é mais uma comprovação, inequívoca, do quão desajustada é, agora, a interpretação pretendida pela apelante/acórdão recorrido.

S) O princípio constitucional da certeza jurídica (art. 2.º CRP) opõe-se a umas tais construções (limitativas em “puzzle” integrativo, “em castelo” de segmentos diversos): de alargamento final da letra da norma, do seu campo de previsão explícito, em matéria sancionatória ou restritiva de acesso a concurso público ou liberdade de concorrer, por via de uma regra europeia que tem outros contornos e condicionamentos expressos (garantias do concorrente) e limites (direitos do ou a favor do concorrente afectado) aqui não previstos.

T) Ou seja, é e será inconstitucional a interpretação da regra do art. 70.º/ n.º 2 g) do CCP no sentido de que nela se abrangem também situações que nada têm a ver com a análise das propostas apresentadas, mas com o curriculum do concorrente ou com o seu passado fora deste procedimento.

U) Não se pode, na verdade, converter uma mera “causa facultativa” que o Direito Europeu faz acompanhar expressamente (e necessariamente) de garantias de segurança e de defesa (nomeadamente não podendo dizer respeito a factos ocorridos há mais de 3 anos: cf. supra) do operador económico concorrente, em uma causa de exclusão absoluta e obrigatória de proposta e, ainda por cima, sem qualquer possibilidade de defesa do seu autor…

V) …e causa essa (assim congeminada) sem um recorte mínimo ou delimitação qualquer conceptual na lei: podendo pois abranger indícios e factualidade de há vários anos… sem qualquer limite… E dizendo-se, para mais, que tem de ser assim, que só assim se consegue “um efeito útil” para a Directiva (pág. 26), como decorrência do primado ou primazia do Direito da União Europeia

W) Será caso para dizer que o direito da União Europeia muitas vezes “tem as costas largas”!...

X) Por outro lado, mesmo que a interpretação (ou “desenho”) da própria disposição comunitária específica em causa (o nº 4 alínea d) do art. 57º da directiva 2014/24/UE) fosse a mais ampla preconizada pela apelante/acórdão (e, como se viu, os Autores acima citados assim o não entendem), a verdade é que, seja como for, tal causa de exclusão europeia é meramente “facultativa”, e por isso, se “quem pode o mais, pode o menos”, também a norma interna do Estado-Membro pode perfeitamente prever uma tal possibilidade de exclusão da proposta ditada no concurso pela entidade adjudicante mas “reduzida” (na óptica da Recorrente) a situações em que os indícios anticoncorrenciais se verificam no próprio concurso em causa, revelados da análise da proposta nele apresentada.

Y) Para os demais casos, está a previsão do art. 55.º/ f) do CCP – e suas consequências.

Z) O douto acórdão ora recorrido, para além da adesão e cópia da maior parte das razões e conclusões da apelante (e até de contra-alegação na revista precedente), toma uma posição – após ter dito que a questão era apenas de Direito, e complexa, e que ambas as partes esgrimiram argumentação técnica muito válida, mas que o Tribunal não poderá razão a ambas as partes, tem de optar [cf supra 1.º- d)] –, desempata o assunto louvando-se num patamar (de argumentação) que apelida de consciência “ético-jurídica”. Não por construções técnico-jurídicas, mas por que – num plano mais “humano” (ou “popular”?), e de combate a práticas anti-concorrenciais, – lhe parece que não pode ser outra a solução: Seria até “indecoroso” – chega a afirmar! – o decidir-se de outra maneira!...

AA) Só que, mesmo a situarmo-nos em tal patamar (como que extra-técnico- jurídico, mais de uma “consciência social”) e nesse plano de reacção, são mesmo aí muito falíveis e contraditórios ou excessivos os argumentos usados: carecendo ou convocando para eles matizações necessárias e uma contradita manifesta.

BB) Ser contra as “más práticas”…, todos o são, e o Direito é: não há possibilidade de ser a favor; ou de as querer “compensar” positivamente ou “premiar”, como alguma vez retoricamente hipotiza/afirma o acórdão (v supra, 1.º pontos 7, 10, 19). A questão está depois – como quase sempre acontece – na “medida”, na “justa medida”, não na bondade dos princípios declarados e suas proclamações teóricas, mas na sua adequada concretização e proporcionada medida, na “justa aplicação”, no “detalhe”, enfim.

CC) Ora, as tiradas vastas como que “desempatantes” e autónomas do douto acórdão recorrido, afiguram-se, salvo o devido respeito, demasiado generalistas e condenatórias sem limite ou qualquer recorte, para poderem ser arvoradas em critério seguro, em regra adequada e princípio válido de decisão.

DD) Manifesto é, pois, que se trata em tais passagens (autónomas e decisivas, do acórdão) de “proclamações” excessivas e radicais, apontadas sem limites nem condicionalismos, assim erradas quando visadas aplicar-se, como se visou (“desempatando”), ao presente caso. Pois, não só está o – precisamente – o contrário dessa ilimitação sancionatória, assim irrestrita, absoluta e incondicionada) no espírito do legislador (cf. também a exposição de motivos: supra 11º), como o estão, tais limites e condicionamentos de aplicação, totalmente expressos na letra da própria lei : no art. 57.º, n.ºs 4-c), 6 e 7 da Directiva cit.; e no art. 55.º-A do CCP.

- ADMISSIBILIDADE DO RECURSO EXCEPCIONAL DE REVISTA:

(…)

TERMOS EM QUE, e com o Douto suprimento de V. Ex.ªs, deve ser admitido e julgado procedente o presente recurso de revista, devendo ao final revogar-se o douto acórdão recorrido confirmando-se a douta sentença do TAF de Viseu.

E assim far-se-á sã e plena JUSTIÇA!

[…]».


8. A Recorrente B……….. concluiu as suas alegações com as seguintes conclusões:
«[…]


Quanto à admissibilidade do recurso
(…)
Dos erros de julgamento do Tribunal a quo
J) O Acórdão recorrido - como base nalguma jurisprudência do TJUE, particularmente, o Acórdão de 18 de Dezembro de 2014 (proc. n.º 470/13) - entendeu que a alínea g) do n.º 2 do artigo 70.º do CCP deveria ser interpretada em conformidade com a alínea d) do n.º 4 do artigo 57.º da Directiva 2014/24/UE, e que, portanto, a Contrainteressada B……… deveria ser excluída do procedimento aqui em causa pelo facto de ter sido condenada em coima por infracção às regras da concorrência no âmbito de processo contraordenacional promovido pela AdC;
K) Conclusão que se tem por completamente errónea, desde logo, porque o artigo 70.º, n.º 2, alínea g), do CCP, não constitui transposição da causa de exclusão facultativa constante da alínea d) do n.º 4 do artigo 57.º da Directiva 2014/24/UE, nem pode ser interpretado com o sentido propugnado no Acórdão recorrido;
L) Com efeito, como se demonstrou nestas alegações, a Directiva 2014/24/UE - que veio substituir a Directiva 2004/18/CE, em 2014 -, no respectivo artigo 57.º, n.ºs 1, 2 e 4, conservou a dicotomia entre causas de exclusão obrigatória e causas de exclusão facultativa que se encontrava prevista nos n.ºs 1 e 2 do artigo 45.º da anterior Directiva;
M) No que respeita às causas de exclusão obrigatória dos n.ºs 1 e 2 do artigo 57.º da Directiva 2014/24/UE, as mesmas devem encontrar-se transpostas nas legislações dos diversos ordenamentos nacionais. E se, por hipótese, um desses ordenamentos não contemple todas as causas de exclusão obrigatória, deve ser feita uma interpretação conforme à Directiva nesse ponto;
N) Já no que respeita à segunda categoria de exclusões (de natureza facultativa), e que actuamente constam do n.º 4 do artigo 57.º da Directiva 2014/24/UE, a mesma sempre foi interpretada - e continua a sê-lo - no sentido de que os Estados-Membros não estavam obrigados a acolher estes fundamentos de exclusão no seu ordenamento jurídico interno, dispondo antes de uma liberdade para decidir sobre se estes fundamentos de exclusão devem ser colocados à disposição das suas autoridades adjudicantes;
O) Do mesmo modo, a jurisprudência do TJUE sempre entendeu que os diversos Estados-Membros tinham a faculdade de transpor estas causas para os respectivos ordenamentos em termos menos rigorosos - nesse sentido, entre outros, ver o Acórdão de 9 de Fevereiro de 2006 (La Cascina) e o Acórdão de 10 de Julho de 2014 (Consorzio Stabile Libor Lavori Pubblici);
P) Do exposto decorre que as causas de exclusão (impedimentos) de natureza facultativa previstas nas várias alíneas do n.º 4 do artigo 57.º da Directiva 2014/24/UE não são de adopção obrigatória nos diversos ordenamentos e que, no caso de um determinado Estado-Membro optar por não incorporar essas causas de exclusão no seu ordenamento, não poderá, em circunstância alguma, ser invocado o efeito directo dessas normas;
Q) No caso de a causa de exclusão (facultativa) da alínea d) do n.º 4 da Directiva 2014/24/UE não ser transposta para o direito interno, poderá porventura entender-se — o que se admitiu nestas alegações, sem conceder, por mera cautela de patrocínio — que as entidades adjudicantes têm o direito de invocar directamente o mencionado preceito da Directiva para suscitar a questão da exclusão (impedimento) de um operador económico, mas a admitir-se este efeito directo, tratar-se-ia sempre de uma mera faculdade da entidade adjudicante e não de uma causa de exclusão (de impedimento) obrigatória;
R) O legislador nacional, em 2017, não incorporou no CCP a causa de exclusão (facultativa) da alínea d) do n.º 4 do artigo 57.º da Directiva 2014/24/UE no nosso ordenamento, mantendo antes como causa de impedimento apenas o caso de aplicação de sanção acessória de proibição temporária de participação em procedimentos de contratação pública, aplicada pela Autoridade da Concorrência por infracções às leis da concorrência (alínea f) do n.º 1 do artigo 55.º do Código) e mantendo nos seus exactos termos a norma da alínea g) do n.º 2 do artigo 70.º do CCP;
S) Nem pode pretender-se que o legislador nacional, na transposição feita em 2017, tenha transformado o impedimento previsto na alínea d) do n.º 4 do artigo 57.º da Directiva 2014/24/UE numa causa de exclusão de propostas, vertendo-a na mencionada alínea g) do n.º 2 do artigo 70.º do CCP;
T) Desde logo, porque, como assinala PEDRO COSTA GONÇALVES no seu parecer, é legítimo sustentar que o próprio artigo 57.º, n.º 4, alínea d), da Directiva — enquanto causa de impedimento — se refere exclusivamente a factos praticados (acordos celebrados) no âmbito de um determinado procedimento ou em vista e na preparação da apresentação de propostas num certo procedimento;
U) Sendo, portanto, completamente deslocada a convocação por parte do Tribunal a quo do cânone de interpretação em conformidade com o direito da União Europeia, para, por essa via, "reescrever" o artigo 70.º, n.º 2, alínea g), do CCP;
V) Mas, mais importante ainda é que o artigo 70.º do CCP diz respeito à exclusão de propostas, sendo que está em causa, no caso da alínea d) do seu n.º 2, a exclusão de proposta "cuja análise revele": "a existência de fortes indícios de atos, acordos, práticas ou informações suscetíveis de falsear as regras da concorrência";
W) Ou seja, é a própria letra da lei que afasta radicalmente a solução no sentido da aplicação da norma aqui em causa a práticas anticoncorrenciais exteriores ao procedimento;
X) Conforme refere PEDRO COSTA GONÇALVES, a exclusão de propostas com fundamento no artigo 70.º, n.º 2, alínea g), do CCP (preceito anterior às diretivas de 2014), pressupõe a verificação da existência de fortes indícios em relação a situações ocorridas no desenvolvimento do procedimento; nos termos literais do preceito, a proposta tem de revelar esses indícios. Não é possível aplicar essa norma - para exclusão de uma proposta - num circunstancialismo alheio ao procedimento e, em especial, aos concretos termos em que a proposta se encontra formulada;
Y) Fica evidente, portanto, que não se trata no caso de um impedimento geral derivado de comportamentos exteriores ao procedimento concreto, mas antes de uma infracção da concorrência revelada na própria proposta apresentada, no contexto do procedimento concreto;
Z) Aliás, seria um verdadeiro absurdo que o legislador nacional, em 2017, mantivesse como causa de impedimento apenas o caso de aplicação pela AdC de sanção acessória de proibição de participar em procedimentos de contratação pública (cf. alínea f do n.º 1 do artigo 55.º do CCP) e, depois, fosse prever como causa de exclusão de propostas toda e qualquer infracção à Lei da Concorrência, nomeadamente, por aplicação de coimas relativamente a infracções do passado;
AA) Resulta claro, portanto, de tudo o que se invocou, que a situação aqui em causa só poderia eventualmente levar a que a entidade adjudicante suscitasse a questão da exclusão de participação da ora Recorrente do procedimento - ou à exclusão da sua proposta - se o legislador tivesse incorporado no nosso ordenamento jurídico a causa de exclusão facultativa da alínea d) do n.º 4 do artigo 57.º da Directiva 2014/24/UE, nos exactos termos e com a amplitude sustentada no Acórdão a quo;
BB) Ficou também demonstrado nestas alegações que o caso decidido no Acórdão do TJUE de 18 de Dezembro de 2014, e que constitui o principal fundamento do Acórdão a quo, nada tem a ver com o caso dos autos;
CC) Pelo exposto, fica demonstrado o manifesto erro de direito do Acórdão Recorrido, ao considerar que a alínea g) do n.º 2 do artigo 70.º do CCP deve ser interpretada em conformidade com o disposto na mencionada alínea d) do n.º 4 do artigo 57.º da Directiva 2014/24/UE;
DD) Por outro lado, ficou demonstrado que o Acórdão recorrido, ao considerar que a alínea d) do n.º 4 do artigo 57.º da Directiva 2014/24/UE impõe que a entidade adjudicante, no caso concreto — por aplicação da alínea g) do n.º 2 do artigo 70.º do CCP —, deva excluir a proposta da ora Recorrente pelo facto de a mesma ter sido condenada em coima pela Autoridade da Concorrência, fez incorrecta aplicação das referidas normas, em clara violação do disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 55.º do CCP e do Regime Jurídico da Concorrência contido na Lei n.º 19/2012;
EE) É que na verdade, nos termos da lei, é à Autoridade da Concorrência que compete aplicar a sanção acessória de proibição de participação em procedimentos de contratação pública por infracções em matéria de concorrência (cf. artigo 71.º, n.º 1, alínea b, da Lei n.º 19/2012) — opção do legislador nacional que também se encontra de forma expressa na alínea f) do n.º 1 do artigo 55.º do CCP;
FF) O que significa que, no direito português, uma prática anticoncorrencial (exterior ao procedimento) só pode relevar como causa de impedimento nos termos do artigo 55.º do CCP se e quando a autoridade competente para sancionar essa prática, para além da aplicação de uma coima, decretar também a sanção acessória de privação de participação em procedimentos de contratação pública;
GG) Demonstrou-se ainda, a este propósito, que a interpretação defendida pelo Tribunal a quo, no sentido em que considera um interessado impedido de apresentar uma candidatura ou uma proposta em procedimentos de contratação pública, por violação das regras da concorrência, quando esse interessado foi sujeito a aplicação de contra-ordenação punida com coima mas não com sanção acessória de proibição de participação em procedimentos de contratação pública, redunda numa evidente violação do princípio ne bis in idem, com assento no n.º 5 do artigo 29.º da Constituição, como desde já se deixa arguido para todos os efeitos legais;
HH) Caso devesse interpretar-se a alínea g) do n.º 2 do artigo 70.º do CCP em conformidade com o disposto na alínea d) do artigo 57.º da Directiva 2014/24/UE, nos termos acima assinalados - o que se admite aqui, sem conceder, por mera cautela de patrocínio —, isso não permitiria concluir, como se fez no Acórdão recorrido, que a ora Recorrente deveria ser imediatamente excluída do procedimento por força de tal decisão judicial, devendo o contrato ser atribuído à Autora;
II) Desde logo, porque o que o artigo 57.º, n.º 4, alínea d), da Directiva 2014/24/UE permite, no caso, é que a entidade adjudicante, com base na verificação de tal infracção às regras da concorrência, se assim o entender, faça um juízo sobre a necessidade (ou não) de excluir a ora Recorrente do procedimento;
JJ) Por outro lado, e mais importante ainda, é que, quer a Directiva (no n.º 6 do artigo 57.º), quer o CCP (no artigo 55.º-A) prevêem, para todas as situações do n.º 4 do mencionado artigo 57.º sem excepção, a possibilidade de relevação desses impedimentos;
KK) Significa isto que, mesmo que o artigo 70.º, n.º 2, alínea g), do CCP, devesse ser interpretado em conformidade com o artigo 57.º da Directiva 2014/24/UE, deveria sempre compaginar-se com a observação do regime imperativo do respectivo n.º 6 e do n.º 2 do artigo 55.º-A do CCP que o transpôs;
LL) Ou seja, sempre a entidade adjudicantes se encontraria obrigada, por aplicação do disposto no artigo 55.º-A do CCP, a ponderar as circunstâncias que pudessem determinar a relevação do impedimento;
MM) Como fez a Autoridade da Concorrência no seio do procedimento contraordenacional, tendo decidido não aplicar à Recorrente a sanção acessória de proibição de participação em procedimentos de contratação pública, em face das medidas que a Recorrente se propôs adoptar no sentido de prevenir a ocorrência de quaisquer novas infracções à concorrência no futuro;
NN) Conclui-se assim que o Acórdão a quo, ao pura e simplesmente desconsiderar este regime imperativo da relevação de impedimentos, incorreu em novo erro de direito, neste caso, em violação do disposto no mencionado n.º 6 do artigo 57.º da Directiva 2014/24/UE e no n.º 2 do artigo 55.º-A do CCP;
OO) Igualmente se demonstrou nestas alegações, por último, que uma interpretação como a que foi feita pelo Tribunal a quo - no sentido de que a alínea g) do n.º 2 do artigo 70.º do CCP, permite considerar, sem mais, impedido um operador que tenha sido condenado numa coima por infracção às regras da concorrência-, também colidiria com o disposto no n.º 7 do artigo 57.º da Directiva 2014/24/UE;
PP) É que, para que a tese do Acórdão a quo pudesse funcionar, era necessário que a lei – no caso, a alínea g) do n.º 2 do artigo 70.º do CCP ou outra qualquer norma do nosso ordenamento jurídico - estabelecesse um prazo máximo de exclusão (ou de impedimento) à participação em concursos públicos para as situações em que foi aplicada uma coima por infracção às regras da concorrência;
QQ) Não constando esse prazo da citada norma do CCP, nem outra lei, necessariamente se terá de concluir que a decisão recorrida incorreu em novo erro de direito, em violação do disposto no n.º 7 do artigo 57.º da Directiva 2014/24/UE.
Nestes termos, e nos demais de Direito aplicáveis:
A) Deve o presente Recurso de Revista ser admitido por este Venerando Tribunal, por se encontrarem manifestamente preenchidos os requisitos de que depende a sua interposição e, consequentemente,
B) Deve o Acórdão do Tribunal Central Administrativo (…) de 2 de Junho de 2021 ser parcialmente revogado, com todas as consequências legais;
Como é de,
DIREITO E JUSTIÇA!
[…]»
5. A Recorrida A…………, Lda apresentou contra-alegações nas quais pugnou pela manutenção do julgado.

6. O Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido do provimento dos recursos.

Cumpre apreciar e decidir


II – Fundamentação

II. 1. De facto
Remete-se para a matéria de facto dada como provada no acórdão recorrido, a qual aqui se dá por integralmente reproduzida, nos termos do artigo 663.º, n.º 6, do CPC.


II. 2. Do Direito

2.1. Enquadramento e enunciado das questões
2.1.1. Os recursos vêm interpostos para se analisar e decidir, fundamentalmente, se existe ou não erro de julgamento do Tribunal a quo na fundamentação expendida para condenar a Recorrida INFRA-ESTRUTURAS DE PORTUGAL, S.A. a adjudicar a aquisição de cavilhas e travessas de madeira de pinho creosotadas à A……….

2.1.2. No recurso que interpôs, a INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, SA considera que o erro de julgamento da decisão recorrida resulta de uma equivoca interpretação do artigo 70.º, n.º 2, al. g) do CCP, a qual, resulta, no essencial, de : i) erro na interpretação do disposto na alínea d) do n.º 4 do artigo 57.º da Directiva 2014/24/UE; e de ii) ampliação (ilícita) do âmbito normativo daquele preceito do CCP que se traduz numa violação do princípio fundamental da segurança jurídica e protecção da confiança, consagrado no artigo 2.º da CRP.

2.1.3. No recurso que apresentou a B……….. aponta também como fundamento do erro de julgamento da decisão recorrida a incorrecta interpretação e aplicação do disposto no artigo 70.º, n.º 2, alínea g) do CCP.
Neste caso a Recorrente aponta os seguintes erros: i) incorrecta interpretação do disposto no artigo 57.º, n.º 4, alínea d) e n.º 5 da Directiva 2014/24/UE; ii) incorrecta aplicação dos elementos da hermenêutica jurídica, maxime, do elemento sistemático, no resultado interpretativo que se alcançou por o mesmo não ser compaginável com o disposto no artigo 55.º, n.º 1, alínea f) do CCP; iii) aplicação ao caso de um segmento normativo interpretativo violador do princípio ne bis in idem, consagrado no n.º 5 do artigo 29.º da CRP; iii) obtenção de um segmento interpretativo que não observa o juízo de ponderação prévia, legalmente exigido pelo n.º 2 do artigo 55.º-A do CCP, em conformidade com o disposto no artigo 57.º da Directiva 2014/24/UE; e iv) violação do disposto no n.º 7 do artigo 57.º da Directiva 2014/24/UE.

2.1.4. Lembramos que a norma em crise tem a seguinte formulação textual:
Artigo 70.º
Análise das propostas
(…)
2 - São excluídas as propostas cuja análise revele:
(…)
g) A existência de fortes indícios de actos, acordos, práticas ou informações susceptíveis de falsear as regras de concorrência.
(…)
E que segundo a tese que fez vencimento no acórdão recorrido, a mesma deve ser interpretada e aplicada à factualidade dos autos com o seguinte sentido:
«[…] face ao invocado Direito originário e derivado da UE e considerando que, de acordo com o TJUE, a concorrência é o valor mais destacado do Direito da Contratação Pública, da chamada interpretação conforme do art.º 70.º, n.º 2, alínea g), do CCP ao Direito da União resulta que a proposta da então concorrente B……… tinha de ser excluída pelo júri do concurso em virtude de, repete-se, três semanas antes da elaboração do relatório final, ter a ora Recorrida particular sido condenada ao pagamento de uma coima pela prática de infrações muito graves à Lei 19/2012, de 08/5 […]».


2.1.5. Como resulta evidente das alegações recursivas e da enunciação dos argumentos em que ambos se apoiam, existe uma “sobreposição” e complementaridade de argumentos das alegações de ambos Recorrentes que justifica que se proceda a uma análise conjunta dos dois recursos.
Vejamos, então, cada um dos argumentos em que se estribam as partes para sustentar o alegado erro de julgamento decorrente da incorrecta interpretação do artigo 70.º, n.º 2, alínea g) do CCP.


2.2. Erros na interpretação e aplicação das normas

2.2.1. Os Recorrentes começam por sublinhar que o acórdão recorrido erra na interpretação do disposto no artigo 57.º, n.º 4, alínea d) e n.º 5 da Directiva 2014/24/UE e na alínea g) do n.º 2 do artigo 70.º do CCP

2.2.2. As normas em causa dispõem o seguinte:
Artigo 57.º - Directiva 2014/24/UE
Motivos de exclusão
(…)
4. As autoridades adjudicantes podem excluir ou podem ser solicitadas pelos Estados-Membros a excluir um operador económico da participação num procedimento de contratação, numa das seguintes situações:

(…)

d) Se a autoridade adjudicante tiver indícios suficientemente plausíveis para concluir que o operador económico celebrou acordos com outros operadores económicos com o objectivo de distorcer a concorrência;

(…)

5. As autoridades adjudicantes devem, a qualquer momento do procedimento, excluir um operador económico quando se verificar que o operador económico em causa, tendo em conta actos cometidos ou omitidos antes ou durante o procedimento, se encontra numa das situações referidas nos n.ºs 1 e 2.

(…)

Artigo 70.º - CCP
Análise das propostas
(…)
2. São excluídas as propostas cuja análise revele:

(…)

g) A existência de fortes indícios de actos, acordos, práticas ou informações susceptíveis de falsear as regras de concorrência.

(…)


2.2.3. Na tese defendida pelos Recorrentes, cabe distinguir entre as causas de exclusão obrigatória, que constam do n.º 1 do artigo 57.º da Directiva 2014/24/UE e que aí estão enunciadas sob a expressão “as autoridades adjudicantes devem excluir um operador económico…”, e as causas de exclusão de natureza facultativa, que constam do n.º 4 do artigo 57.º da referida Directiva 2014/24/UE, aí enunciadas sob a formulação “as autoridades adjudicantes podem excluir ou podem ser solicitadas pelos Estados-Membros a excluir um operador económico da participação num procedimento de contratação…”.
E daqui resultam duas consequências.
Em primeiro lugar – como alega a B……… (pontos J a P das conclusões) – sendo a causa de exclusão prevista na alínea d) do n.º 4 do artigo 57.º da Directiva 2014/24/UE facultativa, os Estados-Membros podem decidir acolhê-la ou não, e acolhê-la em termos menos rigorosos do que os dispostos na regulação europeia, razão pela qual não pode invocar-se o efeito directo dessas normas, uma vez que elas não têm conteúdo imperativo para os Estados ou, a admitir-se a possibilidade de invocar o efeito directo, então ele teria de entender-se como uma faculdade da entidade adjudicante (essa causa de exclusão teria de ser invocada por ela) e não como um “elemento de legalidade”, o que inviabilizaria que pudesse ser o Tribunal a aplicá-la sem a sua prévia invocação pela entidade adjudicante.
Em segundo lugar – como alega a Infraestruturas de Portugal S.A. (ponto I das conclusões) – seria ilegal (por ser desconforme com o direito europeu) uma solução jurídica que acolhesse aquela causa de exclusão facultativa e não transpusesse os termos em que o concorrente/operador económico poderia “afastar” os seus efeitos e fazer sobrepor a sua “fiabilidade”, como resulta do disposto no n.º 6 do mesmo artigo 57.º da Directiva 2014/24/UE.


2.2.4. No essencial, das peças processuais é possível inferir que as Recorrentes coincidem nos argumentos de que:
i) a causa de exclusão prevista na alínea d) do n.º 4 do artigo 57.º da Directiva 2014/24/UE não foi expressamente transposta para o direito interno, maxime para o CCP;
ii) por ser uma causa de exclusão facultativa, a não transposição da mesma pelo legislador nacional é uma opção legítima à luz do direito europeu;
iii) o disposto na referida alínea d) do n.º 4 do artigo 57.º da Directiva 2014/24/UE não pode considerar-se transposto para o direito interno pela norma da alínea g) do n.º 2 do artigo 70.º do CCP, desde logo porque aquela norma europeia versa sobre um motivo de exclusão de um concorrente (um “impedimento” à luz do CCP, estando estes regulados no artigo 55.º do CCP) e a norma do CCP diz respeito a causas de exclusão das propostas, ou seja, a violações do direito da concorrência verificadas no âmbito do concreto procedimento concursal em que a questão se coloque;
iv) a causa de exclusão das propostas prevista na alínea g) do n.º 2 do artigo 70.º do CCP, limitada aos casos em que a violação do direito da concorrência se apure no procedimento concursal em causa, consubstancia um sentido interpretativo que hermenêuticamente se retira dos elementos histórico e sistemático da interpretação jurídica, que é corroborado pelo elemento literal e não pode dissociar-se deles, pelo que não é juridicamente sustentável uma tentativa de ampliar o seu sentido interpretativo sob o argumento de uma alegada interpretação em conformidade com o direito europeu.

2.2.5. A esta tese a Recorrida contrapõe os seguintes argumentos essenciais:
i) não obstante estar prevista no n.º 4 do artigo 57.º da Directiva 2014/24/UE entre as causas facultativas de exclusão dos concorrentes, o disposto na alínea d) consubstancia, à luz da jurisprudência do TJUE, uma causa de exclusão que os Estados-membros estão “vinculados” a transpor para o ordenamento jurídico-nacional, na medida em que a violação (protecção) do direito da concorrência aí prevista consubstancia um valor-princípio fundamental do direito europeu e a sua “integração” no direito da contratação pública é “obrigatória, por decorrência dos princípios e regras do direito europeu dos tratados, maxime o princípio da efectividade do direito da União;
ii) a interpretação normativa das regras do CCP sufragada pelas Recorrentes — de que o direito português da contratação pública apenas contempla a possibilidade de exclusão de um concorrente (por verificação de um impedimento) quando ao mesmo tenha sido aplicada uma sanção acessória de proibição de participação em concurso público (artigo 55.º, n.º 1, al. f do CCP) ou a possibilidade exclusão de uma proposta quando a entidade adjudicante conclua que existem forte indícios no procedimento de contratação em causa de actos, acordos, práticas ou informações susceptíveis de falsear as regras de concorrência (artigo 70.º, n.º 2, al. g do CCP) – é desconforme com o direito europeu da contratação pública e que o Tribunal tem a obrigação, à luz do princípio da interpretação conforme com o direito europeu, de optar pelo sentido do artigo 70.º, n.º 2, al. g) do CCP que assegure a correcta transposição daquele direito, maxime o efeito útil da referida norma do artigo 57.º, n.º 4, al. d) da Directiva 2014/24/UE, o que equivale a considerar que na referida norma do CCP também têm de considerar-se como causas de exclusão das propostas as violações comprovadas do direito da concorrência que ocorram fora do concreto procedimento de contratação pública em apreço;
iii) que a interpretação das normas do CCP sufragada pelos Recorrentes – o segmento interpretativo que se extrai da conjugação das interpretações antes enunciadas do artigo 55.º, n.º 1 al. f e 70.º, n.º 2 al. g) do CCP, segundo o qual a violação das regras da concorrência fora de um procedimento concursal apenas consubstancia um impedimento (causa ou motivo de exclusão) quando a Autoridade da Concorrência aplique a sanção acessória de proibição de participação em concursos públicos – é também manifestamente violadora do direito europeu da contratação pública na medida em que priva (“expropria o seu poder”) a Entidade Adjudicante de formular um juízo sobre a “fiabilidade” do concorrente e da sua proposta, sendo esse juízo um poder-dever da Entidade Adjudicante em todos os concursos públicos.

2.2.6. Compulsados o direito e a jurisprudência europeia sobre o tema deles retiramos também algumas asserções importantes para a decisão do presente caso.
Com efeito, resulta evidente do teor do considerando 101 da Directiva 2014/24/UE que, à luz do novo regime jurídico europeu, as autoridades adjudicantes devem poder excluir os operadores económicos que se revelem pouco fiáveis por violação das regras da concorrência. E que o direito nacional deve prever uma duração máxima para essas exclusões. Ora, esta possibilidade não está expressamente consagrada no CCP, pois a exclusão de um concorrente com fundamento em falta de fiabilidade por violação do direito da concorrência fora do procedimento parece apenas ser admitida – como expressamente afirmam os Recorrentes – nos termos do disposto no artigo 55.º, n.º 1, al. f) do CCP, ou seja, por efeito de uma condenação expressa por parte da Autoridade da Concorrência que aplique a sanção acessória de proibição de participação em concursos públicos, cabendo também àquela entidade a determinação do tempo pelo qual há-de perdurar a referida exclusão.
E suscitam-se dúvidas quanto a saber se esta solução do direito nacional acolhe efectivamente as directrizes europeias, as quais parecem apontar para a necessidade de uma decisão autónoma, da entidade adjudicante, sobre a “fiabilidade” do concorrente. Acresce que esta desconformidade não parece reconduzir-se apenas a um problema de determinação da entidade responsável pela avaliação da “fiabilidade”. A solução do direito nacional parece estar também afectada pela natureza do próprio juízo a formular sobre a “fiabilidade”, pois não pode dizer-se que a racionalidade (as razões) que subjaz à determinação de aplicação de uma medida acessória genérica de proibição de participação geral em concursos públicos por um determinado período de tempo seja do mesmo tipo e natureza daquela que há-de estar implícita no juízo a formular por uma entidade adjudicante a respeito de um concreto concurso. Mais, pode e deve questionar-se se os princípios da integridade e da transparência, que hoje constituem dimensões concretizadoras do princípio do Estado de Direito Democrático na boa gestão dos recursos financeiros públicos, têm a efectividade mínima adequada nos procedimentos de contratação pública à luz das regras do CCP que antes enunciámos e segundo a interpretação das mesmas, proposta pelas Recorrentes, que é, efectivamente, a que parece corresponder melhor ao resultado da interpretação jurídica segundo os elementos histórico, sistemático e gramatical. Mais concretamente, deve questionar-se se a fundamentação do acto de adjudicação (ou mais rigorosamente, da decisão implícita de não exclusão de um concorrente) de um contrato a um concorrente que tenha sido condenado por violação do direito da concorrência, em procedimento anterior, aberto pela mesma entidade adjudicante, se pode considerar suficientemente fundamentada sem que essa entidade formule nesse procedimento um juízo autónomo sobre a “fiabilidade” do adjudicatário. Um juízo que possa ser sindicado pelos outros concorrentes, à luz, desde logo do dever de fundamentação expressa das decisões administrativas, hoje também uma dimensão expressa do direito a uma boa administração segundo o artigo 41.º, n.º 2, al. c) da CDFUE.
Na verdade, a diferença entre o juízo subjacente à aplicação ou não de uma medida acessória de proibição de participação em concursos públicos formulado pela Autoridade da Concorrência e o juízo de “fiabilidade” formulado pela Entidade Adjudicante do contrato afigura-se especialmente relevante no caso em apreço, pois está aqui em causa um contrato de aquisição de bens para o sector das infra-estruturas ferroviárias, aberto pela empresa pública a quem, por concessão, foi delegado o serviço público de gestão de infraestruturas, e uma decisão do conselho de administração dessa entidade que, na sequência da proposta do júri do concurso, deliberou, em 27.07.2019 (ponto N da matéria de facto), adjudicar aquele contrato a uma empresa que em 12.06.2019 (que se convolou em definitiva em 26/06/2019) havia sido condenada pela Autoridade da Concorrência em coima por violação do direito da concorrência em concursos públicos abertos em 2014 e 2015, para a prestação de serviços de manutenção de aparelhos e vias, na rede ferroviária nacional, uma infra-estrutura que era gerida pela REFER, E.P.E. (pontos U e V da matéria de facto assente); entidade pública empresarial entretanto integrada por fusão na INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, S.A. (Decreto-Lei n.º 91/2015, de 29 de Maio).
É verdade que a Entidade Adjudicante não mostra, nos presentes autos, interesse em formular um juízo próprio sobre a “fiabilidade” da concorrente a quem decidiu adjudicar o contrato de aquisição de bens aqui em apreço, pese embora a mesma ter sido condenada em coima por violação do direito da concorrência, em procedimento concursal anterior relativamente ao qual também ela (propriamente e por actuação da sua incorporada) era entidade adjudicante. Pelo contrário, defende a posição de que não tem que formular um tal juízo, pois ele esgota-se na decisão que foi tomada pela Autoridade da Concorrência. Porém, o que importa averiguar é se, no plano da legalidade, esta solução é compaginável com o direito europeu. Por outras palavras, importa apurar se esta solução adoptada pelo legislador nacional, segundo a qual a entidade adjudicante fica excluída de formular um juízo autónomo, no procedimento concursal, sobre a “fiabilidade” de um concorrente condenado por violação do direito da concorrência é conforme ao direito europeu, seja quanto à “gravidade da infracção” e a sua “projecção no concreto procedimento”, seja quanto à “adequação no âmbito do concreto procedimento” das medidas adoptadas pela empresa sancionada (o operador económico) para “remediar as consequências” da infracção cometida e pela qual foi sancionada. Também esta avaliação do “self-cleaning” fica, à luz do direito nacional, integralmente a cargo de um juízo genérico da Autoridade da Concorrência.
A solução jurídica adoptada pelo legislador nacional, como resulta a seu modo do argumentário vertido nas contra-alegações, parece não se coadunar com as exigências e preocupações do direito europeu expressas pela jurisprudência e vertidas na última Directiva 2014/24/UE, em especial no considerando 101, que está subjacente ao aditamento da alínea 4) do n.º 4 do artigo 57.º e, como vimos, também com a dimensão do direito a uma boa administração, vertido no artigo 42.º da CDFUE.
Efectivamente, do acórdão Meca (proc. C-41/18) parece inferir-se que o direito europeu se opõe a soluções ditadas pelo direito nacional que impeçam a entidade adjudicante de formular um juízo autónomo sobre a exclusão de um concorrente no âmbito da apreciação da idoneidade e fiabilidade do mesmo no âmbito do procedimento concursal (§ 29).
E na referida decisão Meca acolhe-se expressamente (§§ 30 e 33 do acórdão C-41/18) a posição do advogado-geral, que, nas suas conclusões afirma claramente não ser aceitável a tese de que, pelo facto de uma causa de exclusão ser facultativa – como é sucede com o artigo 57.º, n.º 4, al. d) da Directiva 2014/24/UE –, o Estado membro pode decidir acolhê-la de forma limitada, ou seja, restringindo a sua eficácia (§34 das conclusões do AG). Diz-se no §36 das conclusões que o direito europeu (no caso o n.º 7 do artigo 57.º da Directiva 2014/24/UE) “obsta a que, com as suas disposições nacionais, os Estados-Membros desvirtuem os motivos facultativos de exclusão nele integrados ou que ignorem os objectivos e os princípios reguladores subjacentes a cada um desses motivos, no quadro homogéneo da própria Directiva 2014/24”.
Resulta ainda expresso das referidas conclusões do advogado-geral no acórdão Meca que a violação de regras em matéria de concorrência a que se refere o considerando 101 e que foram acolhidas na alínea d) do n.º 4 do artigo 57.º da Directiva 2014/24/UE tem um carácter essencialmente extracontratual (§39) e que por isso deve ser apreciado pela entidade adjudicante no quadro do requisito da “fiabilidade” (confiança que a entidade adjudicante pode depositar no concorrente e na proposta por ele apresentada), tal como o TJUE veio a indicar nos acórdãos La Cascina e o. (proc. C-226/04 e C-228/04), Connexxion Taxi Services (proc. C-171/15) e Comissão/Áustria (proc. C-187/16) e acabou por ser expressamente acolhido na Directiva 2014/24/UE. Em outras palavras, o elemento relevante para a decisão a tomar nestes autos que se parece poder retirar da argumentação do advogado-geral na citação que faz da jurisprudência europeia anterior, e que foi acolhido no acórdão Meca (proc. C-41/18), é o de que a violação das regras do direito da concorrência, fora do procedimento concursal em questão, constituiu actualmente, segundo direito europeu, uma dimensão essencial do juízo sobre a “fiabilidade” do concorrente, que a autoridade adjudicante não pode deixar de formular por si no procedimento de modo devidamente fundamentado.
Ora, é isso que a lei portuguesa não contempla. Seja quando remete exclusivamente para a Autoridade da Concorrência o juízo sobre as consequências que uma violação das regras da concorrência pode vir a ter no âmbito dos procedimentos concursais futuros em geral (artigo 55.º, n.º 1, al. f) do CCP). Seja quando confia exclusivamente àquela entidade o poder para avaliar os termos em que devem relevar as medidas de self-cleaning adoptadas, impedindo que a entidade adjudicante formule um juízo sobre a matéria no âmbito do concreto procedimento concursal em que a questão surja (artigo 55.º-A do CCP).
Por essa razão, antes de prosseguir com um juízo sobre o caso, designadamente sobre a concreta interpretação das normas do CCP que deve ser adoptada e a subsunção dos factos, importa esclarecer primeiro aspectos que contendem com a correcta interpretação do direito europeu.
Para esta efeito, embora os tribunais dos Estados-membros sejam competentes para aplicar o direito europeu, a competência para a interpretação “dos actos adoptados pelas instituições, órgão ou organismo da União” cabe, segundo o disposto no artigo 267.º, al b) do TFUE, ao Tribunal de Justiça da União Europeia. Aliás, como se acrescenta no referido artigo 267.º, §3.º do TFUE, “Sempre que uma questão desta natureza [sobre a interpretação dos actos das Instituições da União] seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal”.
E as questões que se nos suscitam neste recurso não encontram na jurisprudência já proferida pelo TJUE uma resposta clara.

Deste modo, existindo dúvidas sobre a interpretação do sentido e alcance do artigo 57.º, n.º 4, al. d) da Directiva 2014/24/UE e da conformidade das normas do artigo 55.º, n.º 1, al. f), 55.º-A e 70.º, n.º 2, al. g) do CCP com aquelas normas de direito da União, impõe-se, antes de proferir a decisão, submeter ao Tribunal de Justiça da União Europeia as seguintes questões:
I. A causa de exclusão contemplada na alínea d) do n.º 4 do artigo 57.º da Directiva 2014/24/UE constitui uma “reserva de decisão” da autoridade adjudicante?
II. Pode o legislador nacional substituir completamente a decisão a tomar pela autoridade adjudicante ao abrigo da alínea d) do n.º 4 do artigo 57.º da Directiva 2014/24/UE por uma decisão (pelos efeitos de uma decisão) genérica da Autoridade da Concorrência de aplicação de uma sanção acessória de proibição de participação em concursos públicos durante um determinado período de tempo no âmbito da aplicação de uma coima por violação das regras da concorrência?
III. Deve a decisão da autoridade adjudicante sobre a “fiabilidade” do operador económico à luz do respeito (desrespeito) pelas regras do direito da concorrência fora do concreto procedimento contratual entender-se como a necessidade de ser proferido um juízo fundamentado sobre a idoneidade relativa desse operador económico, a qual se inscreve numa dimensão concretizadora do direito à boa administração, previsto no artigo 41.º, n.º 2, al. b) da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia?
IV. Pode considerar-se conforme ao direito europeu e, em especial, ao disposto no artigo 57.º, n.º 4, al. d) da Directiva 2014/24/UE a solução adoptada pelo direito português no artigo 55.º, n.º 1, al. f) do CCP que faz depender a exclusão de um operador económico do procedimento contratual, com fundamento em violação das regras da concorrência fora do concreto procedimento contratual em questão, do que vier a ser decidido pela Autoridade da Concorrência em sede de aplicação da sanção acessória de proibição de participação em concursos públicos, procedimento no âmbito do qual é a Autoridade da Concorrência quem avalia nessa sede o modo como relevam as medidas de self-cleaning adoptadas?
V. E pode igualmente considerar-se conforme ao direito europeu e, em especial, ao disposto no artigo 57.º, n.º 4, al. d) da Directiva 2014/24/UE a solução adoptada pelo direito português no 70.º, n.º 2, al. g) do CCP de limitar a possibilidade de exclusão de uma proposta por existência de fortes indícios de actos, acordos, práticas ou informações susceptíveis de falsear as regras de concorrência ao concreto procedimento concursal em que aquelas práticas sejam detectadas?


III. Decisão

Em face do exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, reunidos em conferência, em:
a) Submeter à apreciação do Tribunal de Justiça da União Europeia as questões prejudiciais supra referidas e, em consequência,
b) Suspender a presente instância, nos termos dos artigos 267.º do TFUE e 269.º e 272.º do CPC, ex vi do artigo 1.º do CPTA.

A Secretaria deste Supremo Tribunal Administrativo procederá às diligências necessárias ao presente reenvio prejudicial, instruindo-o com observância das recomendações do TJUE [2019/C 380/01], relativas à sua apresentação/envio, publicadas no JOUE de 08.11.2019.

Sem custas.

Lisboa, 13 de Janeiro de 2022. – Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva – Carlos Luís Medeiros de Carvalho – Ana Paula Soares Leite Martins Portela.