Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0425/11.6BESNT
Data do Acordão:12/09/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL
DECISÃO
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Não se justifica admitir o recurso de revista de acórdão que está em conformidade com a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo acerca do regime de impugnação das decisões do juiz de tribunal administrativo e fiscal em ações administrativas especiais de valor superior à alçada do respetivo tribunal.
Nº Convencional:JSTA000P28632
Nº do Documento:SA1202112090425/11
Data de Entrada:11/23/2021
Recorrente:A.................., SA
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE SINTRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A………………….., SA [doravante A.], invocando o disposto no art. 150.º do Código de Processo nos Tribunais administrativos [CPTA], peticiona a admissão do recurso de revista por si interposto do acórdão de 23.09.2021 do Tribunal Central Administrativo Sul [doravante TCA/S] [cfr. fls. 326/341 - paginação «SITAF» do apenso tal como as ulteriores referências à mesma, salvo expressa indicação em contrário], que na ação administrativa especial por si deduzida contra MUNICÍPIO DE SINTRA [doravante R.] decidiu «[n]ão admitir, por irrecorribilidade da decisão impugnada, o requerimento de interposição de recurso jurisdicional» que a mesma havia dirigido ante a decisão proferida, em 27.06.2013, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra [doravante TAF/SNT] [cfr. fls. 146/156], que em sede de saneamento dos autos havia julgado «verificada a exceção da inimpugnabilidade do ato» e absolvido a «Entidade Demandada da instância».

2. Motiva a admissão do recurso de revista [cfr. fls. 365/402] na relevância jurídica da questão objeto de dissídio [definição, no âmbito do quadro normativo anterior à reforma/revisão operada pelo DL n.º 214-G/2015 no CPTA - arts. 27.º, n.º 1, al. i), e 87.º - e ETAF - art. 40.º, n.º 3 - da forma/meio impugnatório da decisão proferida em sede de despacho saneador, se o recurso jurisdicional para o TCA ou se, previamente, a reclamação para a conferência no TAF e apenas da decisão desta caberia recurso jurisdicional para o TCA] e, bem assim, na necessidade de «uma melhor aplicação do direito», dada a incorreta interpretação e aplicação feita do disposto nos arts. 27.º, n.º 1, al. i), 87.º, 88.º, 90.º, 91.º, 92.º, 94.º, 95.º e 142.º, n.º 3, al. d), do CPTA/2002, 40.º, n.ºs 1 e 3, do ETAF/2002, e 09.º da LPTA, bem como a inconstitucionalidade por violação dos arts. 02.º e 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa [CRP].

3. O R. produziu contra-alegações em sede de recurso de revista [cfr. fls. 409/422] nas quais pugna, desde logo, pela não admissão da presente revista.
Apreciando:

4. Dispõe-se no n.º 1 do art. 150.º do CPTA que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

5. Do referido preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s no uso dos poderes conferidos pelo art. 149.º do CPTA, conhecendo em segundo grau de jurisdição, não são, em regra, suscetíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar quando: i) esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, revista de importância fundamental; ou, ii) o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

6. Como vimos TAF/SNT havia proferido despacho saneador no qual julgou verificada exceção de inimpugnabilidade do ato impugnado, absolvendo o R. da instância [cfr. fls. 146/156], sendo que o TCA/S, em apreciação do objeto recursivo que lhe foi dirigido, decidiu não admitir, por irrecorribilidade da decisão impugnada, o requerimento de interposição de recurso jurisdicional dado antes caber ou haver lugar a reclamação para a conferência, louvando-se para tal no entendimento primeiramente daquele TCA e, depois, no entendimento reiterado que veio a ser firmado por este Supremo Tribunal e pelo TC em várias decisões proferidas sobre e na matéria.

7. Compulsados os autos importa, destarte, apreciar, «preliminar» e «sumariamente», se se verificam os pressupostos de admissibilidade referidos no n.º 1 do citado art. 150.º do CPTA quanto ao recurso de revista.

8. E entrando nessa análise refira-se, desde logo, que a motivação/argumentação expendida pela A./recorrente, não se mostra convincente, não se descortinando que o juízo firmado revele a necessidade de uma melhor aplicação do direito, nem que a questão ora colocada assuma atualmente relevância jurídica fundamental.

9. Com efeito, é certo que no quadro do regime legal então vigente do CPTA/ETAF a definição nas ações administrativas especiais de valor superior à alçada dos TAF de qual seria a via/meio impugnatório adequado quanto às decisões proferidas por juiz singular motivou, quanto a várias das suas questões/dimensões, a pronúncia por este Supremo Tribunal em diversas decisões, incluindo em formação normal, alargada e em Pleno da Secção de Contencioso Administrativo [CA], firmando-se entendimento de que, no domínio da redação do art. 40.º do ETAF que lhe foi dada pelo DL n.º 107-D/2003 das decisões do juiz relator [seja em sede de despacho saneador, seja em sede de mérito da causa], proferidas nos termos dos poderes conferidos do art. 27.º, n.º 1, al. i), do CPTA, cabia, por força do disposto no seu n.º 2, reclamação para a conferência e não recurso e de que este só poderia ser interposto do acórdão do TAF que se pronunciasse sobre a reclamação [cfr., entre outros, os Acs. de 05.06.2012 - Pleno CA (Proc. n.º 0420/12 - publicado no DR I.ª Série, de 19.09.2012, sob o n.º 3/2012), de 26.06.2014 - formação alargada da CA (Proc. n.º 01831/13 - publicado no DR I.ª Série, de 15.10.2014, sob o n.º 3/2014), de 29.01.2015 - Secção CA (Proc. n.º 099/14), de 25.11.2015 - Secção CA (Proc. n.º 0733/15), de 03.12.2015 - Secção CA (Procs. n.ºs 0204/15 e 059/15), de 07.01.2016 - Secção CA (Procs. n.ºs 0552/15 e 01886/13), de 28.01.2016 - Secção CA (Proc. n.º 01285/15), de 28.04.2016 - Secção CA (Proc. n.º 066/15), de 08.06.2017 - Pleno CA (Proc. n.º 01469/16 - publicado no DR I.ª Série, de 26.09.2017, sob o n.º 6/2017)].

10. No que para o caso releva mostra-se, aliás, uniformizada jurisprudência pelo referido acórdão do Pleno da CA deste Supremo Tribunal de 08.06.2017 [Proc. n.º 01469/16] no sentido de que «[d]o despacho saneador proferido em ação administrativa especial de valor superior à alçada do tribunal administrativo de círculo cabe prévia dedução de reclamação para a conferência do próprio tribunal de 1.ª instância, por aplicação dos arts. 27.º, n.º 2, 29.º, n.º 1, e 87.º do CPTA e 40.º, n.º 3, do ETAF na redação anterior à introduzida pelo DL n.º 214-G/2015, de 02 de outubro, e não imediata interposição de recurso jurisdicional».

11. O entendimento sobre a questão/matéria, firmado num primeiro momento por maioria, mostra-se, entretanto e ante o disposto no n.º 3 do art. 08.º do Código Civil [CC], estabilizado, sendo que, ulteriormente, não resulta, nem se constata o surgimento de jurisprudência dissonante do Supremo quanto à questão [cfr., entre outros, o Ac. de 24.05.2017 (Proc. n.º 01466/16)], nem se apresentou como relevante/necessário o revisitar da mesma questão/matéria, considerando-se não se justificar a admissão do recurso de revista de acórdão que está em conformidade com a jurisprudência consolidada do STA acerca do regime de impugnação das decisões de juiz de um TAF em ações administrativas especiais de valor superior à alçada do respetivo tribunal [cfr. entre outros, o entendimento constante e sucessivamente reiterado dos acórdãos desta Formação de Admissão Preliminar do STA de 07.01.2016 (Procs. n.ºs 01142/15 e 1517/15), de 14.01.2016 (Proc. n.º 01671/15), de 28.01.2016 (Proc. n.º 020/16), de 01.03.2016 (Procs. n.ºs 0432/15, 0525/15, 0702/15, 093/15 e 0704/15), de 17.03.2016 (Procs. n.ºs 01377/15, 0799/15, e 0131/15), de 07.04.2016 (Procs. n.ºs 01143/15, 0485/15, 0476/15, 0885/15, 0271/16 e 0217/16), de 28.04.2016 (Procs. n.ºs 0400/16, 0438/16 e 0439/16), de 15.06.2016 (Proc. n.º 0689/16), de 23.03.2016 (Proc. n.º 0742/16), de 14.09.2016 (Procs. n.ºs 0967/16 e 0968/16), de 10.11.2016 (Proc. n.º 01207/16), de 26.01.2017 (Proc. n.º 01322/16), de 16.02.2017 (Proc. n.º 01466/16), de 08.03.2017 (Procs. n.ºs 0180/17 e 0186/17), de 30.03.2017 (Proc. n.º 0327/17), de 16.11.2017 (Proc. n.º 01188/17)].

12. No acórdão desta Formação de 28.01.2016 [Proc. n.º 020/16] afirmou-se, após convocação/explicitação do que na matéria constitui a orientação firme e reiterada do STA, que em face da natureza normas do DL n.º 214-G/2015 que procederam à revogação do n.º 3 do art. 40.º do ETAF e à alteração do art. 27.º do CPTA que «o acórdão recorrido procedeu à determinação da lei aplicável ao caso, afastando a interpretação autêntica que vinha alegada, mediante um discurso com suficiente e coerente fundamentação jurídica que se situa na faixa de interpretação objetivamente sustentável das normas em causa, designadamente em função do elemento literal, sendo de atentar, ainda, no que se refere no preâmbulo do Dec. Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro a propósito destas alterações, que não é de molde a instilar a dúvida sobre o acerto da interpretação acolhida pelo acórdão: “Dando resposta a anseio já antigo, eliminam-se, no artigo 40.º, as exceções à regra de que os tribunais administrativos de círculo funcionam com juiz singular, a cada juiz competindo a decisão, de facto e de direito, dos processos que lhe sejam distribuídos”» e, ainda, quanto a questões de constitucionalidade que «os recorrentes trazem à colação os acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 124/2015 e n.º 442/2015. Ocorre que aquele acórdão n.º 124/2015 foi revogado pelo acórdão n.º 577/2015, do Plenário do mesmo Tribunal. A questão de inconstitucionalidade não justifica, por si só, a admissão do recurso excecional de revista e este aspeto da questão tem sido, no essencial, respondido pelo STA de modo uniforme. Por outro lado, a não admissão da revista não impede os recorrentes, se assim o entenderem, de se dirigirem ao Tribunal Constitucional», pelo que «[n]estas circunstâncias, estando a matéria esclarecida ao nível deste Supremo Tribunal e tendo o acórdão recorrido seguido a respetiva linha de entendimento, a problemática trazida perdeu relevo, não podendo ser já considerada de importância fundamental e, naturalmente, não se revela, também, que a revista seja claramente necessária para melhor aplicação do direito».

13. Secundando e valendo também para a presente revista o entendimento expendido e aquilo que constitui a orientação desta Formação quanto à matéria, que ora se reitera, sendo que não descortinamos da e na argumentação expendida pela recorrente razões operantes e válidas para dela nos apartarmos, impõe-se concluir no sentido da inadmissibilidade da revista por não preenchimento dos requisitos previstos no n.º 1 do art. 150.º do CPTA, na certeza de que o julgado sob impugnação se mostra em linha com a jurisprudência deste Supremo, incluindo a produzida já após a revisão/reforma operada pelo DL n.º 214-G/2015.

14. De notar que não fora a anomalia ocorrida na tramitação da presente ação na remessa/transmissão do TAF/SNT para o TCA/S não se descortina que, ante a alteração legislativa operada no quadro normativo e o tempo entretanto decorrido, a questão ora suscitada na revista verse ou possua vocação para se repetir no futuro, não sendo replicável no quadro do contencioso administrativo.

15. E entendemos também não se justificar a intervenção deste Supremo Tribunal quanto às questões de constitucionalidade, porquanto o problema jurídico que, em essência, se mostra suscitado diz respeito a questão sobre a qual a sua intervenção não pode assegurar as finalidades inerentes à razão de ser do recurso excecional de revista, isto é, de, em termos finais, decidir litígios e/ou orientar e definir interpretações para futuras decisões de casos semelhantes no âmbito daquilo que constituem as matérias da sua competência especializada, tanto mais que em sede do controlo da constitucionalidade das normas e das interpretações normativas feitas a última palavra caberá ou mostra-se acometida ao Tribunal Constitucional [TC].

16. Com efeito, afigura-se-nos que para se lograr aceder ao TC e obter tutela em sede do controlo de questão de conformidade constitucional de normas não resulta como exigida, ou sequer como imposta, a necessidade de emissão de uma pronúncia sobre a questão por parte deste Supremo Tribunal no quadro do recurso de revista excecional tal como se mostra delimitado e gizado no art. 150.º do CPTA, tanto mais que um tal entendimento redundaria ou implicaria que, uma vez suscitada uma questão de constitucionalidade, houvesse lugar à necessária e imediata admissão do recurso de revista, ao arrepio daquilo que constituem as finalidades e âmbito do mesmo e dos critérios definidos.

17. Reiterando-se aqui o entendimento supra enunciado, o qual, aliás, faz aplicação à situação de posicionamento sucessivamente afirmado por esta Formação de Admissão quanto ao âmbito das questões objeto do recurso de revista quando, no essencial, este se cinge a questões de constitucionalidade [cfr., entre outros, os Acs. de 09.09.2015 - Proc. n.º 0881/15, de 03.12.2015 - 01544/15, de 08.03.2017 - Proc. n.º 0185/17, de 05.04.2017 - Proc. n.º 0352/17, de 11.01.2018 - Proc. n.º 01419/17, de 10.05.2019 - Proc. n.º 0445/15.1BEBRG, e nos mais recentes, os Acs. de 04.02.2021 - Procs. n.ºs 0549/13.5BEAVR, 0822/09.7BECBR e 02605/14.3BESNT, de 18.02.2021 - Procs. n.ºs 01382/20.3BELSB, 0804/17.5BEPRT, de 11.03.2021 - Proc. n.º 1240/19.4BEPNF-S1, de 25.03.2021 - Proc. n.º 0213/20.9BEALM-S1].

18. Flui do exposto que a presente revista mostra-se inviável, não se justificando submetê-la à análise deste Supremo, impondo-se in casu a valia da regra da excecionalidade supra enunciada.


DECISÃO
Nestes termos e de harmonia com o disposto no art. 150.º do CPTA, acordam os juízes da formação de apreciação preliminar da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal em não admitir a revista.
Custas a cargo da recorrente.
D.N..
Lisboa, 09 de dezembro de 2021. – Carlos Carvalho (relator) – Teresa de Sousa – José Veloso.