Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01098/12
Data do Acordão:04/17/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:IMPORTAÇÃO DE AUTOMÓVEIS
ISENÇÃO DE IMPOSTO SOBRE VEICULO
IMPOSTO AUTOMÓVEL
Sumário:A al. b) do nº 1 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 264/93 de 30 de Julho dispunha que: “Sejam propriedade e tenham sido afectos ao uso pessoal do interessado no Estado membro de proveniência desde, pelo menos, seis meses antes da transferência da residência”.
I - Porém, com a Lei n.º 30-C/2000 de 29/12 através do seu artº 43º nº 3, a alínea b) do n.º 1 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 264/93 passou a ter a seguinte redacção: “Tenham sido propriedade do interessado no Estado membro de proveniência durante, pelo menos, seis meses antes da transferência da residência para Portugal”.
III - Constata-se pois, que o legislador procedeu à alteração dos requisitos da isenção (embora só para futuro, como decorre da estatuição do artº 12º do C.CIVIL) mas numa linha de clarificação do conceito de “ afectação ao uso pessoal” o qual se prestava a algumas dificuldades de interpretação por falta de objectivação do conteúdo do referido conceito.
IV - Ao caso dos autos aplica-se a lei na sua formulação dita em I. Mas, verificam-se os condicionalismos para a concessão da impetrada isenção de IA, considerados os elementos probatórios trazidos aos autos pelo recorrente com expressão nos pontos 5) e 9) que revelam, desde logo, a observância formal do período de 6 meses a que alude a lei como condicionante da concessão da isenção.
V - Acresce que, é de aceitar uma interpretação da lei em que a afectação “ao uso pessoal do interessado no Estado membro de proveniência” possa passar ou coincidir com uma disponibilidade sobre o veiculo que possa não se concretizar na sua utilização efectiva (no que estariam impedidos os proprietários de veículos automóveis que viessem, depois da aquisição a sofrer qualquer diminuição física que os impossibilitasse de conduzir).
Nº Convencional:JSTA00068216
Nº do Documento:SA22013041701098
Data de Entrada:10/19/2012
Recorrente:A.........
Recorrido 1:DIRGER DAS ALFÂNDEGAS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PORTO
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR FISC - IA - ISENÇÃO
Legislação Nacional:DL 264/93 DE 1993/07/30 ART13 N1 B
ART12
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0585/06 DE 2006/12/12; AC STA022786 DE 2000/05/26
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – RELATÓRIO


A………, interpôs recurso contencioso do despacho do Director da Alfândega do Freixieiro, de 20/08/2002, que indefere o pedido de benefício fiscal e que teve como consequência a liquidação de imposto automóvel efectuada pela Alfândega do Freixieiro, no montante de €4.682,06.
Por sentença de 14 de Setembro de 2009, o TAF do Porto negou provimento ao recurso. Reagiu o particular A………, interpondo o presente recurso jurisdicional para o Tribunal Central Administrativo Norte que, se declarou incompetente em razão da hierarquia. As suas alegações integram as seguintes conclusões:

A
Salvo o devido respeito o recorrente entende que a Douta Sentença recorrida violou a al. b) do n.° 1 do artigo 13º do Dec. Lei 264/93 de 30 de Julho, quer na sua versão originária quer na versão dada pelo n.° 3 do artigo 43° da Lei n.° 30-C/2000 de 29 de Dezembro.
B
Pois, se, na sua versão originária, dispunha a citada alínea b) do n.° 1 do artigo 13º do Dec. Lei 264/93 que o veículo devia ter sido nos seis meses que precederem a transferência da residência para Portugal, afecto ao uso pessoal do interessado / recorrente,
C
Tal exigência legal significava que o veículo deveria ter estado na posse e disponibilidade exclusiva do interessado / recorrente,

Isto é, significava que o veículo não podia ser usado por outrem, fosse a que titulo fosse, (empréstimo, etc.).

E este condicionalismo foi realmente observado pelo ora recorrente, conforme se deduz da matéria de facto provada e dos documentos nos autos, (a fls. 129, 130, 131, e 135 a 137).
D
Tal exigência legal não significava que o recorrente, possuindo o veículo e mantendo-o na sua posse e disponibilidade permanente, não pudesse todavia ausentar-se para férias, num país estrangeiro, num certo período de um ou dois meses, e naturalmente deixando o veículo em França, (pois não é normal que se exigisse que o interessado — um interessado — levasse o veículo no avião e obrigatoriamente o tivesse de usar durante o período de férias).
E
E o mesmo se deve entender relativamente ao período de tempo em que o recorrente se deslocou a Portugal, em Abril, provisoriamente para preparar o seu futuro emprego quando regressasse definitivamente de França.
F
Tendo pois o despacho de 20-08-2002, que revogou o deferimento da isenção, feita interpretação muito restritiva e injusta do condicionalismo previsto na citada al. b) do n.° 1 do artigo 13°.
G
E o mesmo sucedeu na Douta Sentença sub judice.
H
MAS SUCEDEU QUE, tendo sido deferida a isenção por despacho de 20-11-2000, cerca de um mês após, o legislador, o Estado, através do n.° 3 do artigo 43° da Lei n.° 30-C/2000 de 29 de Dezembro, alterou a redacção da citada al. b) do n.° 1 do artigo 13° do Dec. Lei 264/93 de 30 de Julho, suprimindo a referência “e tenham sido afectos ao uso pessoal do interessado”.
I
A supressão de tal referência, por vontade legislativa, do Estado, veio pôr fim ao debate que até aí existia acerca do real alcance e significado daquela referência da afectação ao uso pessoal do interessado.
J
Passando, após 30 de Dezembro de 2000, a redacção da al. b) do n.° 1 do artigo 13° do Dec. Lei 264/93 de 30 de Julho, a ser a seguinte:

“Tenham sido propriedade do interessado no Estado membro de proveniência durante pelo menos seis meses antes da transferência de residência para Portugal”.
K
E, assim, tanto o referido despacho de 20-08-2002, como a Sentença sub judice, não fizeram aplicação da cit. al. b) do n.° 1 do artigo 13º na sua redacção mais favorável ao recorrente, que já estava em vigor.
L
Violando assim o princípio da aplicação da lei mais favorável.
M
Tal vontade legislativa, de prescindir daquela referência, geradora de dúvidas na sua interpretação, do “afecto ao uso pessoal”, foi sempre mantida pelo Estado, nomeadamente na alteração legislativa que ocorreu através do n.° 2 do artigo 35° da Lei n.° 55-B/2004 de 30 de Dezembro.
N
E assim foi o entendimento do Senhor Procurador da República no seu Douto Parecer, a fls. 145/6 dos autos, que, considerando que o recorrente adquiriu a viatura em 31-01-2000 e transferiu a sua residência para Portugal em Outubro de 2000, (cfr. fls. 129, 130, 131, e 135 a 137), se pronunciou pela procedência do recurso contencioso do ora recorrente.

Termos em que pede a procedência do recurso, assim se realizando JUSTIÇA.

Não houve contra-alegações.

O EMMP pronunciou-se remetendo para o parecer emitido pelo MP no TCA Norte com o seguinte conteúdo:

Entendemos que a pretensão do recorrente deve proceder.

A decisão recorrida fez uma incorrecta apreciação da prova constante nos autos e uma incorrecta interpretação dos preceitos legais que a fundamentam sendo passível de censura.

Para além disso a mesma apresenta os vícios que lhe são apontados nas conclusões das alegações.

O M. Juiz “a quo” decidiu incorrectamente ao negar provimento ao presente recurso contencioso.

Discordamos da sentença impugnada.

Concordamos por inteiro com o teor das alegações constantes de fls 166 e seguintes dos autos.

Em causa está a decisão do Director da Alfandega do Freixieiro de 20.08.2002 que indeferiu o pedido de benefício fiscal que deu origem à liquidação de IA no montante de 4.682,06.

O contribuinte entende que estão preenchidos os requisitos legais de tal isenção de acordo com o DL 264/93 de 30.06,artigos 12 e 13.
O veículo automóvel em questão foi comprado em França em 31.01.2000, tem título de registo de propriedade de 10.02.2000.
O contribuinte regressou definitivamente a Portugal em Outubro de 2000, tendo antes dessa data estado em Portugal mas mantendo residência em França onde se encontrava o carro.

No despacho em análise apenas foi contestado o requisito da alínea b) do artigo 1 do referido DL.

O contribuinte nunca negou ter estado temporariamente em Portugal mas mantendo a residência em França até Outubro de 2000 onde comprou a viatura em 31.01.2000.

O veículo teve afecto ao uso pessoal do contribuinte no estado membro de proveniência pelo menos antes da transferência da residência definitiva para Portugal.

A decisão de indeferimento enferma de vícios.

Os requisitos legais para isenção do IA estão provados.

Assim sendo o Ministério Público entende que:

1. Deve ser concedido provimento ao presente recurso;
2. A decisão recorrida deve ser revogada

2 – FUNDAMENTAÇÃO

O Tribunal “a quo” deu como provada a seguinte factualidade, subordinada a números da nossa iniciativa:

1• O recorrente requereu, ao abrigo do Decreto-Lei n.° 264/93, de 30/07, a isenção do pagamento de imposto automóvel de sua propriedade, marca Volvo — V40, matrícula ……… — cfr. fls. 7 e 23 dos autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido.
2• Por despacho do Director da Alfândega do Freixieiro, de 20/11/2000, veio tal pedido de isenção a ser deferido.
3• No entanto, ao abrigo do disposto no artigo 20.° desse Decreto-Lei, foi instaurada acção de controle do pedido do recorrente e, na sequência de tal acção, veio a ser revogado o despacho de deferimento, por despacho datado de 20/08/2002 do Director da Alfândega do Freixieiro, com fundamento em não se mostrarem cumpridos os pressupostos que estiveram na origem deste despacho de deferimento, “(...) nomeadamente o disposto na alínea b) do n.° 1 do artigo 13.° do Decreto-Lei n.° 264/93, de 30/07” — cfr. fls 10 dos autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido.
4• o veículo foi registado em nome do recorrente em 10/02/2000 — cfr. fls. 24 dos autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido.
5• O Chefe do Serviço de Acolhimento de Estrangeiros, em Lille, na França, certificou a partida definitiva do ora recorrente da sua morada, em Tourcoing, e a entrega do seu cartão de residente em França, em 09/10/2000 — cfr. fls. 25 a 27 dos autos, cujo teor aqui se tem por reproduzido.
6• Desde o dia 17/04/2000 que o aqui recorrente foi colaborador da empresa “B………, S.A.”, com sede no Seixal e filiais em Guimarães e no Algarve — cfr. fls. 39 dos autos, cujo teor aqui se tem por reproduzido.
7• Os Serviços do Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social do Porto informaram que o aqui requerente processou descontos para esse organismo desde Abril de 2000 — cfr. fls. 41 e 42 dos autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido.8• Em 01/03/2000, o ora recorrente havia suspendido/interrompido a prestação de trabalho na empresa “C………, S.A.”, sedeada em Bavikhove — cfr. fls. 119 e 120 dos autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido.
9• O Administrador desta empresa - “C………, S.A.” — D………, confirmou que o aqui recorrente esteve ao seu serviço como electricista desde 01/08/1999 até 31/10/2000 — cfr. o mesmo documento junto aos autos.

3 – DO DIREITO

A meritíssima juíza do TAF do Porto negou provimento ao recurso contencioso por entender que: (destacam-se apenas os trechos mais relevantes da decisão com interesse para o presente recurso)


“A………, contribuinte n.° ………, residente no ………, n.° ………, ………, em Guimarães, interpôs o presente recurso contencioso do despacho do Director da Alfândega do Freixieiro, de 20/08/2002, que indefere o pedido de benefício fiscal e que teve como consequência a liquidação de imposto automóvel efectuada pela Alfândega do Freixieiro, no montante de €4.682,06.
Alicerçou o seu recurso na consideração de que, contrariamente ao entendimento expendido no despacho de indeferimento, reúne os requisitos necessários à isenção de tal imposto.
Concluiu solicitando a revogação do despacho que indefere o pedido de isenção e a manutenção do que o defere, de 20/11/2000.
(…)
A autoridade recorrida foi notificada para responder, tendo sustentando não dever ser dado provimento ao recurso, tanto mais que o período que o recorrente esteve em Portugal “à experiência” corresponde ao indicado por lei para se considerar que houve uma transferência definitiva de residência.
Instruídos os autos, foram as partes notificadas para alegações, prerrogativa de que apenas o recorrente fez uso — cfr. fls. 127 a 137 verso dos autos.
Seguiu-se vista ao Magistrado do Ministério Público, o qual emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, por entender que o recorrente fez prova da verificação dos pressupostos necessários à sua pretensão (requisitos legais da isenção do IA) — cfr. fls. 144 a 146 dos autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido.
(…)


II — DA MATÉRIA DE FACTO APURADA
(…)

III — FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

Questões suscitadas:
Se o recorrente reúne os pressupostos para efectuar a importação definitiva do seu veículo automóvel ao abrigo do Decreto-Lei n.° 264/93, de 30/07

O Decreto-Lei n.° 264/93, de 30/07 criou o regime de isenção fiscal do imposto automóvel a conceder por ocasião de uma transferência de residência de um Estado membro da Comunidade Europeia para Portugal.
Como se viu, a pretensão do recorrente à isenção do imposto automóvel foi indeferida pelo Director da Alfândega do Freixieiro com fundamento em que a mesma não cumpria o condicionalismo do artigo 13.º, n.° 1 alínea b) desse diploma legal.
Da conjugação dos seus artigos 12.° e 13.º resulta, para além do mais, que um dos condicionalismos para que seja concedida a isenção do imposto automóvel é o de que os veículos “sejam propriedade e tenham sido afectos ao uso pessoal do interessado no Estado membro de proveniência desde há, pelo menos, seis meses antes da transferência da residência”.
Assim, para além dos demais pressupostos que não foram postos em causa pelos serviços da Alfândega, importava que o recorrente tivesse demonstrado que tinha o veículo afecto ao seu uso pessoal na França desde há pelo menos seis meses antes da transferência da residência para Portugal.
Ora, em face da factualidade apurada tem de se concluir que o recorrente não logrou tal demonstração, apesar de o veículo ter sido registado em seu nome em 10/02/2000 e existir certificação do seu regresso definitivo a Portugal, onde terá passado a residir com carácter permanente, emitido em 09/10/2000.
Na verdade, logrou provar-se toda a argumentação de facto do recorrente — genericamente, pontos 6 a 10 da petição inicial:
Quando o recorrente adquiriu o veículo em crise, residia em França e teria uma relação laboral com a empresa “C………, S.A.”. Entretanto, pretendendo transferir efectivamente a sua residência de França para Portugal, terá pedido a suspensão, sem pagamento, desse seu contrato de trabalho, desde 01/03/2000, com o intuito de prestar trabalho “à experiência” na empresa “B………, S.A.”, em Portugal, onde o concretizou desde 17/04/2000 — cfr. matéria de facto apurada.
O recorrente invocou, ainda, que manteve o veículo em causa em França, para onde regressaria caso não viesse a ser admitido a trabalhar em Portugal. Tendo obtido êxito na sua experiência, regressou a França e transferiu definitivamente a sua residência para Portugal em 09/10/2000, altura em que se fez acompanhar da viatura em crise.
Ora, resulta claro que seis meses antes de 09/10/2000 o recorrente não estava efectivamente em França, como o próprio reconhece, pois prestava serviço, “à experiência”, em Portugal, independentemente de apenas ter regressado definitivamente a Portugal nessa data.
Na verdade, se seis meses antes de 09/10/2000 o recorrente se encontrava em Portugal e o veículo em França (como alega), não se vislumbra como pode ter estado o veículo afecto ao seu uso pessoal na França desde há pelo menos seis meses antes da transferência da residência para Portugal.
A lei não se satisfaz com um uso pessoal meramente potencial do veículo pelo interessado, ou uma simples capacidade de o usar e fruir. Conforme resulta claramente dos termos da lei — e constitui, de resto, jurisprudência corrente do Supremo Tribunal Administrativo (STA) — o «uso pessoal do interessado» requerido pela lei depende de uma comprovada e efectiva afectação àquele uso, durante os últimos seis meses, imediatamente anteriores à transferência da residência para Portugal. E é isso que não se prova ¹ (cfr. Acórdão do STA, de 12/12/2006, proferido no âmbito do processo n.° 0585/06.), pois logrou, antes, provar-se que nos seis meses antes do regresso definitivo recorrente e veículo nem sequer estavam juntos no mesmo local, por forma a possibilitar o tal uso determinado na lei.
O acórdão do STA, de 24/05/2000, proferido no âmbito do processo n.° 022786, espelha bem a importância desta afectação ao uso pessoal do veículo no Estado-Membro de proveniência, cujo sumário se transcreve para melhor apreensão do seu teor:
“1 - A isenção de imposto automóvel concedida pelos referidos diplomas legais está, em ambos e além do mais cumulativamente condicionada também à verificação da circunstância de o veículo importado se encontrar efectivamente afecto ao uso do interessado, no país de exportação, desde há pelo menos seis meses antes da transferência da residência - cfr . arts. 2° n° 1 e 3° aI. b) i) do DL 467/88 e art° 13°, aI. b) do DL n° 264/93.
II - Obsta à verificação do apontado pressuposto a apurada circunstância de o veículo em causa, embora propriedade do requerente há mais de seis meses, ter estado oficialmente imobilizado no país de origem durante parte desse período de tempo, em termos de se não lograr demonstrar a efectiva afectação àquele uso, durante os últimos seis meses, imediatamente anteriores à transferência da residência.”
Pela sua importância, transcreve-se, ainda, o sumário do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 16/10/2008, proferido no âmbito do processo n.° 00007/03:
“A isenção de imposto automóvel, por ocasião da transferência da residência de um Estado membro da União Europeia para o nosso país, depende, nomeadamente, da condição de ter estado o veículo respectivo afecto ao uso pessoal do interessado, no Estado de proveniência, há seis meses, pelo menos, antes da efectiva transferência de residência deste para Portugal — de harmonia com o disposto na alínea b) do n.° 1 do artigo 13.° do Decreto Lei n.° 264/93 de 30-7.
II - Tal condição deve reportar-se à residência efectiva que não ao respectivo cancelamento da residência no país de origem. (…)”
Nesta conformidade, os fundamentos de facto invocados pelo recorrente não se mostram conformes para concluir que o veículo em crise tenha sido afecto ao uso pessoal do recorrente no Estado membro de proveniência desde há, pelo menos, seis meses antes da transferência da residência ² (Provou-se, pelo contrário, que essa afectação nem seria possível, uma vez que o recorrente se encontrava temporariamente em Portugal e o veiculo terá ficado em França), pelo que inexiste a prova necessária do condicionalismo previsto na alínea b), do n.° 1 do artigo 13.° deste diploma.
Assim, a decisão de indeferimento aqui em crise não enferma dos vícios que lhe são assacados, devendo manter-se na ordem jurídica.
IV — DECISÃO

Em consequência do exposto, nega-se provimento ao presente recurso contencioso.”

DECIDINDO NESTE STA:
Nos presentes autos questiona-se a decisão do Director da Alfandega do Freixieiro de 20.08.2002 que indeferiu o pedido de benefício fiscal que deu origem à liquidação de IA no montante de 4.682,06.Euros, confirmada na 1ª instância.
A questão a decidir é apenas a de verificar se no caso concreto estão ou não preenchidos os requisitos legais de tal isenção de acordo com o DL 264/93 de 30/06, artigos 12 e 13.
O referido Decreto-Lei – segundo o seu próprio preâmbulo – regula o regime de admissão temporária de certo tipo de veículos matriculados no espaço comunitário, bem como o regime de isenção fiscal a conceder por ocasião de uma transferência de residência de um Estado membro para Portugal.
O aludido preâmbulo do Decreto-Lei n.º 264/93, de 30 de Julho, diz ainda, e além do mais:
(…) No atinente ao regime de isenção do imposto automóvel a conceder por ocasião de uma transferência de residência habitual de um Estado membro da Comunidade para Portugal pretende-se preencher o vazio legislativo originado pela revogação do Decreto-Lei n.º 467/88, de 16 de Dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 290/92, de 28 de Dezembro.
Cria-se, assim, um novo regime de isenção, inovando-se em vertentes onde a prática foi evidenciando lacunas, imprecisões ou dificuldades interpretativas.
O capítulo II do mesmo Decreto-Lei n.º 264/93, de 30 de Julho, sob o título “Isenção do imposto a particulares por ocasião da transferência de residência”, abre com o artigo 12.º (Âmbito da isenção), o qual apresenta o seguinte teor.
É concedida a isenção do imposto automóvel na introdução no consumo de veículos automóveis propriedade de particulares, legalmente habilitados à respectiva condução, que transfiram a sua residência habitual de um Estado membro da Comunidade Europeia para Portugal, nos termos do disposto nos artigos seguintes.
O artigo 13.º ainda do mesmo Decreto-Lei n.º 264/93, porém, sob a epígrafe “Condicionalismos”, estabelece o seguinte.
1. A isenção prevista no artigo anterior só será concedida quando os veículos preencham, cumulativamente, as seguintes condições:
a) Tenham sido adquiridos no Estado membro de proveniência de acordo com as condições gerais de tributação no respectivo mercado interno e não tenham beneficiado na expedição de qualquer isenção ou reembolso de imposto sobre o valor acrescentado e ou de impostos especiais sobre o consumo;
b) Sejam propriedade e tenham sido afectos ao uso pessoal do interessado no Estado membro de proveniência desde, pelo menos, seis meses antes da transferência da residência. ( sublinhado nosso).
E, pela Lei n.º 30-C/2000 de 29/12 através do seu artº 43º nº 3, esta alínea b) do n.º 1 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 264/93 passou a ter a seguinte redacção:
b) Tenham sido propriedade do interessado no Estado membro de proveniência durante, pelo menos, seis meses antes da transferência da residência para Portugal.
Constata-se pois, que o legislador procedeu à alteração dos requisitos da isenção (embora só para futuro, como decorre da estatuição do artº 12º do C.CIVIL) mas numa linha de clarificação que o conceito de “ afectação ao uso pessoal” impedia já que se prestava a algumas dificuldades por falta de objectivação do conteúdo do referido conceito. Não se ignorando a jurisprudência citada na decisão recorrida que entendia que a lei não se satisfazia com um uso pessoal meramente potencial do veículo a verdade é que face ao probatório não damos por adquirida a conclusão expressa na decisão recorrida de que (…)”resulta claro que seis meses antes de 09/10/2000 o recorrente não estava efectivamente em França, como o próprio reconhece, pois prestava serviço, “à experiência”, em Portugal, independentemente de apenas ter regressado definitivamente a Portugal nessa data.
Na verdade, se seis meses antes de 09/10/2000 o recorrente se encontrava em Portugal e o veículo em França (como alega), não se vislumbra como pode ter estado o veículo afecto ao seu uso pessoal na França desde há pelo menos seis meses antes da transferência da residência para Portugal”.
Com efeito, não podemos deixar de considerar também os elementos probatórios trazidos aos autos pelo recorrente com expressão nos pontos 5) e 9) que revelam desde logo a observância formal do período de 6 meses a que alude a lei como condicionante da concessão da isenção, sendo ainda de aceitar uma interpretação da lei em que a afectação “ao uso pessoal do interessado no Estado membro de proveniência” possa passar ou coincidir com uma disponibilidade sobre o veiculo que possa não se concretizar na sua utilização efectiva (no que estariam impedidos os proprietários de veículos automóveis que viessem, depois da aquisição a sofrer qualquer diminuição física que os impossibilitasse de conduzir).
Assim, considerando a data de aquisição do veículo e a data em que terá ocorrido a partida definitiva do ora recorrente da sua morada, em Tourcoing, e a entrega do seu cartão de residente em França, em 09/10/2000 — cfr. fls. 25 a 27 dos autos temos de considerar que se verificaram os requisitos legais para a concessão da isenção.

Nesta linha de entendimento aceita-se, segundo as regras da experiência comum, que o ora recorrente tenha vindo a Portugal à procura de emprego e que tenha, até, contratualizado a sua prestação de trabalho. Mas, mostra-se decisivo estar certificado e não impugnado, “definitivamente só em 09/10/2000 deixou de ser residente em França” (sublinhado nosso). Assim sendo o recurso merece provimento.

4- DECISÃO:
Termos em que acordam os Juízes deste STA em conceder provimento ao recurso e em revogar a decisão recorrida, com as legais consequências.

Sem custas.

Lisboa, 17 de Abril de 2013. - Ascensão Lopes (relator) - Lino Ribeiro - Valente Torrão.