Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0476/18.0BEBJA
Data do Acordão:05/06/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO
NOTIFICAÇÃO
MANDATÁRIO
Sumário:Nos processos de contra-ordenação, sempre que o arguido tenha constituído mandatário, o prazo para a interposição do recurso judicial conta-se a partir da data da notificação do mandatário, rectius, da data em que o mesmo se deve ter por notificado da decisão administrativa [artigo 47.º, n.º 2, do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO) ex vi do artigo 3.º, alínea b), do RGIT], sendo o arguido informado através de uma cópia da decisão ou despacho (artigo 47.º, n.º 3 do RGCO).
Nº Convencional:JSTA000P25841
Nº do Documento:SA2202005060476/18
Data de Entrada:06/24/2019
Recorrente:A............., LDA
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1 – A…………, Lda.”, com os sinais dos autos, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja que, em 9 de Julho de 2018, rejeitou liminarmente o recurso da decisão de aplicação de coima interposto contra a decisão do Chefe do Serviço de Finanças de Évora, proferida no âmbito do processo de contra-ordenação n.º 091420180600000025900, vem dela interpor recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando, para tanto, alegações que concluiu do seguinte modo:,
A - A Recorrente nunca foi notificada da exceção de caducidade do direito de ação da mesma.
B - A falta desta notificação influenciou a decisão tomada, pois a Recorrente não pôde conhecer a exceção invocada e contraditá-la, tendo esta exceção ditado a rejeição da petição.:
C - A referida falta de notificação configura uma nulidade que afeta todo o processo posterior à sua ocorrência e que inquina a sentença recorrida, violando também o princípio constitucional do contraditório.
D - Encontra-se provado por documentos junto aos autos que a arguida constituiu mandatário judicial na fase administrativa do processo de contraordenação, mais concretamente, aquando do exercício do direito de defesa.
E - Ao Mandatário da Arguida nunca foi notificada a Decisão de aplicação da Coima à Recorrente/Arguida.
F - O Tribunal a quo não menciona este facto, que é essencial para a boa resolução da exceção invocada.
G - É que a notificação da decisão de aplicação de coima notificação foi efetuada na pessoa da própria arguida e não na pessoa do seu mandatário judicial com procuração nos autos.
H - Conforme jurisprudência do STA, é da notificação da decisão ao mandatário judicial que se inicia a contagem do prazo de 20 dias para recorrer da mesma.
I - Não tendo o mandatário judicial sido notificado da decisão, não poderá a presente ação ser tida por intempestiva.
J - Termos em que a exceção de caducidade improcede, devendo a sentença recorrida ser revogada.
K - Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso, devendo, cm consequência, ser revogada a decisão recorrida.

NESTES TERMOS:
E com mui douto suprimento de V/Exas. deve ser dado provimento ao presente recurso, alterando-se o despacho proferido, no sentido de julgar a reclamação apresentada.
Com o que farão aliás como sempre inteira e sã justiça».


2 – O Ministério Público apresentou resposta às alegações que concluiu da seguinte forma:
1.º O presente recurso foi interposto da douta decisão que rejeitou liminarmente o recurso de impugnação judicial de fixação de coima, por intempestividade.
2.º A arguida constituiu mandatário no decurso do processo de contraordenação aquando do exercício do direito de defesa porém, a decisão de aplicação da coima foi apenas notificada à arguida e não ao seu mandatário, conforme impõe o nº 2 do art. 47º do RGCO aplicável ex vi al. b) do art. 3º do RGIT.
3.º Iniciando-se a contagem do prazo de 20 dias para a interposição do recurso de impugnação judicial de fixação de coima com a notificação ao mandatário constituído, não tendo esta ocorrido verifica-se que esse recurso não pode deixar de ser tempestivo, por não ter ocorrido a caducidade do direito de ação.
4.º Termos em que defendemos que a douta sentença deve ser revogada, por violação do referido preceito legal.
Assim sendo superiormente decidido, será feita a costumada, JUSTIÇA».


3 - O Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, notificado, remeteu para o teor da resposta às alegações.

4 - Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

II – Fundamentação

1. De facto
No despacho decisório deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
a) Em 27.04.2018, pelo chefe do serviço de finanças de Évora, foi proferida decisão de fixação de coima no processo de contra-ordenação n.º 09142018060000025900, que corria termos naquele serviço de finanças contra a arguida “A……….., Lda”; Cfr de fls 38 e 39 do processo de contra-ordenação 09142018060000025900, apenso aos autos;

b) Com data de 02.05.2018, foi remetida à arguida “A…………, Lda”, carta com registo postal n.º RF281813382PT, com o teor que consta de fls 45 do processo de contra-ordenação apenso aos autos, o qual aqui se dá por integralmente reproduzido, contendo, designadamente, a informação de que aquela poderia recorrer judicialmente daquela decisão, no prazo de 20 dias; Cfr doc de fls 45 do processo de contra ordenação 09142018060000025900, apenso aos autos

c) Essa carta chegou ao seu destino em 03.05.2018; Cfr doc de fls 47 do processo de contra-ordenação apenso aos autos

d) O Requerimento Inicial foi remetido ao serviço de finanças de Évora, via postal, através de carta registada em estação dos CTT do Porto em 07.06.2018; Cfr cópia do envelope postal constante dos autos

e) O Requerimento Inicial deu entrada no serviço de finanças de Évora em 08.06.2018; Cfr requerimento inicial constante dos autos.



2. Do Direito

O Tribunal a quo, considerando que estava já precludido o prazo para recorrer da decisão administrativa de aplicação da coima quando deu entrada o requerimento de interposição de recurso judicial, rejeitou o recurso judicial.

A Recorrente insurge-se contra essa decisão, não discutindo que o prazo para interpor o recurso seja o previsto no n.º 1 do art. 80.º do RGIT, mas sim que a contagem do prazo para interpor recurso deve ser feita a partir da notificação ao seu mandatário judicial, e não tendo aquele sido notificado da decisão de aplicação da coima, segundo exigia o disposto no artigo 47.º, n.º 2, do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO), a interposição do recurso terá de considerar-se tempestiva.

Assim, a questão suscitada é a de saber se o prazo do recurso judicial se deve contar da notificação do arguido, rectius, da data em que o mesmo se deve ter por notificado da decisão administrativa, ou da data em que se deve ter por notificado o seu mandatário, e, quando este não tenha sido notificado, o recurso há-de ter-se sempre por tempestivo.

Como bem salientou, também, o Ministério Público na resposta às alegações, tendo o arguido constituído mandatário, o artigo 47.º, n.º 2, do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO), aplicável subsidiariamente nos termos do artigo 3.º, alínea b), do RGIT, impõe que a notificação seja dirigida ao mandatário, enquanto o arguido é informado através de uma cópia da decisão ou despacho, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo.

De resto, e como destaca a Recorrente nas suas alegações, o Supremo Tribunal Administrativo havia já firmado este entendimento no acórdão de 30 de Novembro de 2011, exarado no processo n.º 904/11, não existindo razão para divergir desse entendimento no âmbito do presente recurso.

Assim, não tendo no caso sub judice a decisão de aplicação da coima sido notificada ao mandatário judicial da Arguida, constituído validamente como tal na fase administrativa do processo de contraordenação, não se verifica a intempestividade da interposição do recurso.

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e ordenar a baixa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja para prosseguimento da tramitação com conhecimento do recurso judicial, se a tal nada mais obstar.


Sem custas [nos termos dos artigos 94.º, n.º 3 e 4 do RGCO e artigo 66.º do RGIT].

Lisboa, 6 de Maio de 2020. - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.