Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0110/22.3BALSB
Data do Acordão:05/04/2023
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:PROCESSO DISCIPLINAR
CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO
CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO
Sumário:Nos casos de aplicação de uma sanção disciplinar por decisão da Secção Disciplinar do CSMP há recurso necessário para o Plenário do CSMP (artigo 34.º, n.º 8 do EMP) e mesmo nos casos em que esta segunda entidade se limita a confirmar a decisão da primeira, sendo a decisão do Plenário do CSMP um pressuposto processual necessário para a impugnação do acto lesivo, ex vi do disposto no n.º 4 do artigo 59.º do CPTA e 198.º, n.º 4 do CPA, o prazo para impugnação conta-se desde a data da notificação da decisão do recurso necessário.
Nº Convencional:JSTA000P30950
Nº do Documento:SA1202305040110/22
Data de Entrada:03/07/2023
Recorrente:AA
Recorrido 1:CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Processo n.º 110/22.3BALSB

I. RELATÓRIO

1. AA, com os sinais dos autos, propôs neste Supremo Tribunal Administrativo, contra o CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO, igualmente identificado nos autos, acção administrativa, na qual formulou o seguinte pedido:
«[…]
Nestes termos e nos mais de Direito doutamente supridos por V.ªs Excias requer-se que seja declarada procedente, por provada, a presente acção administrativa de impugnação de actos administrativos e, em consequência:
¾ Se determine a apensação aos presentes autos do Processo Cautelar n.º 103/22.... e respectivo Incidente de Declaração de Ineficácia dos Actos de Execução Devida;
¾ Se declare a prescrição e caducidade do procedimento disciplinar invocadas, determinando-se o arquivamento do Processo Disciplinar n.º ...0 movido à A. pelo CSMP;
¾ Se declare a nulidade insanável do Acórdão condenatório do CSMP Plenário de .../.../2022 proferido no âmbito do Processo Disciplinar n.º ...0 e aprovado por Deliberação do CSMP Plenário de .../.../2022, por verificação das supra invocadas nulidades insupríveis e, em consequência, se declare que o Acórdão impugnado não produz quaisquer efeitos jurídicos, determinando-se o arquivamento do processo disciplinar;
¾ Ou, se proceda à anulação do Acórdão condenatório do CSMP Plenário de .../.../2022 proferido no âmbito do Processo Disciplinar n.º ...0 e aprovado por Deliberação do CSMP Plenário de .../.../2022, por verificação das supra invocadas violações de Lei.

¾ Se declare a nulidade do Acórdão do CSMP Plenário de .../.../2022 proferido no âmbito do Processo Disciplinar n.º ...0 e aprovado por Deliberação do CSMP Plenário de .../.../2022, por verificação das supra invocadas nulidades insupríveis e, em consequência, se declare que o Acórdão impugnado não produz quaisquer efeitos jurídicos, determinando-se o arquivamento do processo disciplinar;

¾ Ou, se proceda à anulação do Acórdão do CSMP Plenário de .../.../2022 proferido no âmbito do Processo Disciplinar n.º ...0 e aprovado por Deliberação do CSMP Plenário de .../.../2022, por verificação das supra invocadas violações de Lei.

¾ Se declare a manifesta insubsistência da materialidade dos factos e se determine o arquivamento do processo disciplinar por os factos não constituírem crime e a acusação/factualidade dada como provada serem manifestamente infundadas e manifestamente não constituírem a prática continuada de infracções disciplinares e, em consequência, se determine o arquivamento dos autos.

[…]».


2. A Entidade Demandada apresentou contestação [fls. 1955 e ss. do SITAF], na qual suscitou a excepção de caducidade do direito de acção, bem como pugnou pela improcedência do pedido.

3 – A A. apresentou réplica [fls. 4409 e ss. do SITAF], em que sustentou a improcedência da excepção.

5 – A Relatora proferiu, em 15.01.2023, despacho saneador [fls. 4562 e ss. do SITAF], relegando para a decisão final o conhecimento da excepção e considerando irrelevantes para a decisão as diligências probatórias requeridas pela A. no sentido de instruir o processo com elementos referentes a processos judiciais e outros processos de averiguações e disciplinares em curso.

6 - As partes não impugnaram o decidido no despacho saneador, que já transitou em julgado.



Cumpre apreciar e decidir em conferência.



II. DE FACTO

Com relevância para o objecto desta acção resultam provados nos autos os seguintes factos pertinentes:

1. A A. é Magistrada do Ministério Público e exerce funções na Comarca ... desde 03.09.2015 (cf. artigo 170.º da p.i. não impugnado na contestação)

2. Em ....01.2020, a A. dirigiu à Senhora Procuradora-Geral da República uma exposição, com o “assunto” “eventual responsabilidade disciplinar e inquérito n.º 2153/19....”, respeitante a um processo em que era ofendido o respectivo marido – cf. fls. 3 a 16 do PA junto aos autos.

3. Por acórdão da Secção Disciplinar do Conselho Superior do Ministério Público de .../.../2020, cujo teor integral aqui se dá por reproduzido, foi determinado o seguinte: “(…) a realização de processo de averiguação sobre as participações apresentadas pela Sra. Procuradora da República AA com vista a aferir­se se as condutas aí denunciadas e se os atos praticados no âmbito do relacionamento institucional entre a referida magistrada e a Sra. MMPCC da ... são suscetíveis de constituir infração(ões) disciplinar(es) por parte da Sra. MMPCC ou por parte da magistrada participante (…)”; processo ao qual foi atribuído o n.º ...0 – cf. fls. 73 do PA junto aos autos.

4. Por despacho do Vice-Procurador-Geral da República de 09.06.2020, foi designada a Sr.ª Dr.ª BB como instrutora do processo de averiguação n.º .../20- cf. fls. 73 do PA junto aos autos;

5. No relatório de instrução do processo de averiguação apresentado em .../.../2020, cujo teor integral aqui se dá por reproduzido, concluiu-se o seguinte: “(…) propõe-se a instauração de procedimento Disciplinar contra a Sras. Procuradoras da República, Coordenadora da Comarca ... – CC -, e P.R. do DIAP ... - AA - em exercício de funções no ... - ..., pela existência de matéria com relevância disciplinar supra mencionada, que urge apurar (…)”cf. fls. 130-151 do PA junto aos autos;

6. Em 08.09.2020, a Secção Disciplinar do CSMP deliberou, por unanimidade, converter o processo de averiguação em processo disciplinar, o qual foi autuado sob a referência n.º ...0, e ainda nomear a Sr.ª Dr.ª BB como instrutora do mesmo - cf. fls. 156 do PA junto aos autos;

7. Por ofício n.º ...0, de 08.10.2020, via SIMP, foi a A. notificada do seguinte: “(…) Informo V. Ex.ªs que a .../.../2020 foi dado início ao Processo Disciplinar nº ...20 sequência do processo de averiguação nº .../20, o qual visa apurar se as condutas que vêm sendo denunciadas, e os actos praticados no âmbito do relacionamento institucional entre V Ex" e a Dra. CC, são susceptíveis de configurar infracção disciplinar, por eventual violação dos deveres funcionais que a ambas incumbem (…)” - cf. fls. 193 do PA junto aos autos;

8. Por comunicação (ofício n.º ...0) de 11.10.2020, via SIMP, a A. remeteu à Senhora Procuradora Geral da República o seguinte: “(…) Tenho a honra de acusar a recepção do Vosso ofício n.º ...0 de 8.10 e o conhecimento de que foi instaurado contra mim o processo disciplinar n.º ...0... sequência do que, nos termos legais, venho por este meio, solicitar a V.ª Excia se digne notificar-me da Deliberação, e data da mesma, do CSMP através da qual foi apreciado e deliberado a conversão do processo de averiguação n.º .../20 em processo disciplinar. Solicito ainda notificação da deliberação do CSMP, e data da mesma, a nomear V.ª Excia Instrutora do processo disciplinar contra mim agora instaurado. Mais solicito a V.ª Excia se digne informar-me qual o enquadramento jurídico da eventual violação de deveres funcionais que me são, em abstracto, imputadas (que violação de deveres legais estatutários da minha parte estão, em abstracto, em causa) (…)” cf. fls. 196 do PA junto aos autos;

9. Na sequência de pedido de nulidade do processo disciplinar apresentado pela A., foi proferido, em .../.../2020, acórdão no Plenário do CSMP, cujo teor integral aqui se dá por reproduzido, em que se negou provimento àquele pedido – cf. fls. 211-216 do PA junto aos autos;

10. Em 12.11.2020 foi enviado ofício via SIMP à A. a comunicar aquela decisão – cf. fls. 217 do PA junto aos autos;

11. Em ....11.2020, a instrutora consignou a retoma da tramitação do processo disciplinar – cf. fls. 282-283 do PA junto aos autos;

12. Em resposta a um pedido formulado pela Instrutora do Processo disciplinar, a Secção Disciplinar do CSMP deliberou, por acórdão de .../.../2020, a prorrogação do prazo para a conclusão do processo pelo período de 30 dias – cf. fls. 309-310 do PA junto aos autos;

13. Por ofício n.º ...0, de 04.12.2020, via SIMP, foi a A. notificada do seguinte: “(…) Encarrega-me a Exma. Senhora Inspetora do Ministério Público, Instrutora dos presentes autos, Dra. BB, de solicitar a comparência de V. Ex" no Tribunal ..., no próximo dia .../.../2020, pelas 10:00 horas, onde esta equipa de inspeção igualmente se deslocará, a fim de proceder à sua constituição e interrogatório como arguida, no âmbito do Inquérito Disciplinar n.º ..../20, em que é uma das visadas (…)” cf. fls. 322 do PA junto aos autos;

14. Em .../.../2020, pelas 12h00, o secretário de inspecção consignou no processo que a A. não compareceu na diligência e que não abriu o ofício de notificação no SIMP – cf. fls. 384 do PA junto aos autos;

15. Em 18.12.2020, a Instrutora consignou o seguinte no processo: “(…) A senhora magistrada arguida veio requerer, para além do mais, a consulta do processo. Nos termos do disposto do art.º 248.º, nº 2, do EMP, defere-se o requerido. Tendo, todavia em conta que nos encontramos deslocados na Comarca ..., com viagem de regresso marcada para amanhã, dia ..., de manhã, a senhora magistrada apenas hoje, dia 18, poderá efectuar tal consulta. Assim, providencie-se pelo contacto telefónico da sra. magistrada arguida, dando nota do deferimento e solicite que informe a que horas se poderá deslocar para a referida consulta cf. fls 384 do PA junto aos autos;

16. No relatório apresentado em 29.12.2020, cujo teor integral aqui se dá por reproduzido, a Instrutora do processo disciplinar propôs o seguinte: “Assim, nos termos e com os fundamentos expendidos ao longo do presente Relatório, quer no que à conduta da Sra. magistrada arguida CC, quer na postura e comportamento da Sra. PR AA, concerne, se ouse propor à secção Disciplinar do CSMP seja, sem mais, porque se não verificam integradas infracções disciplinares, no sentido exposto supra, que careça de qualquer sanção, mormente por violação dos deveres que, estatutariamente aos magistrados do Ministério Público competem, seja arquivado o presente Processo de Inquérito Disciplinar.

Mais se ousa propor a realização de eventual inspecção extraordinária ao exercício funcional da Sra. PR AA e/ou apuramento das suas condições intelectuais, face à possibilidade de algum entorpecimento estrutural de algumas faculdades intelectuais, relevantes para o exercício normal da função, e face aos expostos transtornos para um normal funcionamento institucional (…)” - cf. fls. 396-445 do PA junto aos autos;

17. Em ....01.2021, foi proferido acórdão na Secção Disciplinar do CSMP, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido, no qual se decidiu o seguinte: “(…) prorrogar o prazo de instrução pelo período de 30 dias, ao abrigo do disposto no art.253.º n.º 3 do EMP, devendo durante esse período serem realizadas as diligências supra referidas e outras que, decorrendo das entretanto realizadas, se mostrem eventualmente necessárias, tendo-se ainda em consideração que a senhora Procuradora da República, Drª AA, tem junta médica marcada para dia 11.02.2021, conforme resulta de fls. 376 dos autos (…)” e com interesse para os autos transcreve-se, também a seguinte passagem: “(…) Em relação às condutas da senhora PR AA, que se deliberou como susceptíveis de configurarem ilícitos disciplinares, e que se enunciam nos Pontos 6 a 9 e 11 (...) deve sobre elas ser ouvida a senhora Procuradora, na qualidade de arguida (…)” - cf. fls. 449-453 do PA junto aos autos;

18. Por ofício n.º ...1, de 16.02.2021, foi a A, notificada, via SIMP, do seguinte: “(…) Encarrega-me a Exma. Senhora Instrutora, Dra. BB, de informar V. Exª que, tendo em conta o vigente Estado de Emergência, e a publicação da Lei 4-B/2021, de 01/02/2021, que alterou a Lei 1-A/2020, de .../03/2020, aplicável aos processos disciplinares, conforme preceituado no art.º 6.º-C), n.º 1, b) e n.ºs. 3.º. e 4.º, por despacho de 15/02/2021, foi determinada a suspensão do decurso dos prazos no presente Processo Disciplinar, no qual é visada (…)” - cf. fls. 457 do PA junto aos autos;

19. No relatório apresentado em 28.4.2021, cujo teor integral aqui se dá por reproduzido, a Instrutora do processo disciplinar propôs o seguinte: “As infracções disciplinares imputadas à arguida por violação dos deveres de isenção e objectividade, dever de urbanidade e de zelo, como referido pela descrição factual imputada, constituem infracções graves, e muito grave, nos termos do disposto nos art.ºs 214.º, b); 215.º, n.º 1, a), b), e) e j) do E.M.P., puníveis com pena de multa, nos termos do disposto no art.º 229.º EMP, sendo a remuneração base diária, mínima, para o cálculo de 187,55 €, sendo adequada a pena que se propõe (…)

Notifique-se a Magistrada visada, com cópia da acusação, esclarecendo-o de que com a defesa pode indicar testemunhas (não mais de três por cada facto), juntar documentos ou requerer diligências, em conformidade com o preceituado no art.º 257.º, nº.1, do EMP (…)”. - cf. fls. 524-565 do PA junto aos autos;

20. Em 28.05.2021, a A. requereu a consulta do processo, a respectiva confiança e o esclarecimento do prazo para a apresentação de defesa - cf. fls. 569-570 do PA junto aos autos;

21. Por acórdão de .../.../2021, cujo teor integral aqui se dá por reproduzido, o CSMP deferiu o pedido de escusa da Senhora Procuradora-Geral-Adjunta BB como instrutora do processo - cf. fls. 607-611 do PA junto aos autos;

22. Por despacho do Senhor Vice-Procurador-Geral da República de 16.07.2021 foi nomeado como Instrutor do processo o Senhor Vice-Procurador-Geral da República Dr. DD - cf. fls. 615 do PA junto aos autos;

23. Em 06.09.2021, foi proferido despacho pelo Instrutor, cujo teor integral aqui se dá por reproduzido, no qual se fundamentou a não realizações de algumas diligências de prova requeridas pela A. – cf. fls. 632-634 do PA junto aos autos.

24. Por acórdão de .../.../2021, o Conselho Disciplinar do CSMP, cujo teor integral aqui se dá por reproduzido, decidiu o seguinte:

“[…] Relativamente à matéria constante do Ponto II - A da Fundamentação, entendendo-se que a conduta que assumiu a magistrada arguida, a senhora procuradora da República, Lic. AA, ainda que eticamente censurável, não preenche os requisitos necessários para que assim se possa imputar à senhora magistrada uma violação dos seus deveres funcionais que mereça ser sancionada, atento todo o circunstancialismo apurado e o quadro normativo aplicável, determinar, nesta parte, o arquivamento dos autos;

Indeferir a arguição da nulidade da atividade procedimental da senhora inspetora instrutora e da acusação, nos termos e com os fundamentos expressos supra (II - B);

Aplicar à senhora procuradora da República, Lic. AA, pela prática de (i) uma infração continuada grave do dever de zelo, (ii) de uma infração continuada grave do dever de urbanidade, (iii) de uma infração continuada grave de violação dos princípios gerais da responsabilidade e de subordinação hierárquica e (iv) de uma infração continuada muito grave por violação do dever de isenção e de objetividade, a sanção disciplinar única de transferência […]”.

- cf. fls. 735-809- do PA junto aos autos;

25. Em ...12.2021, a A. remeteu à Senhora Procuradora-Geral da República um email, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido, em que alegava não ter sido notificada no âmbito do processo disciplinar por não ter dado o consentimento para a recepção das notificações via SIMP – cf. fls 817-818 do PA junto aos autos.

26. Por despacho do relator do processo nomeado pela Secção Disciplinar do CSMP, cujo teor integral aqui se dá por reproduzido, foi determinado que as notificações seriam efectuadas à magistrada-arguida pessoalmente ou por correio registado com AR e que, na qualidade de advogada em causa própria, também através de carta registada simples – cf. fls 827 do PA junto aos autos.

27. Em .../.../2022, veio a A. apresentar perante o CSMP reclamação do acórdão da respectiva secção disciplinar de .../.../2021 – cf. fls. 876-1186 do PA junto aos autos.

28. Por acórdão de .../.../2022, cujo teor integral aqui se dá por reproduzido, o Plenário do CSMP decidiu.

“[…]

Indeferir, "in totum", as arguições das nulidades invocadas pela senhora magistrada, nos termos e com os fundamentos expressos supra;

Manter o decidido pelo Acórdão da secção Disciplinar em aplicar à senhora procuradora da República, Lic. AA, pela prática de (i) uma infração continuada grave do dever de zelo, (ii) de uma infração continuada grave do dever de urbanidade, (iii) de uma infração continuada grave de violação dos princípios gerais da responsabilidade e de subordinação hierárquica e (iv) de uma infração continuada muito grave por violação do dever de isenção e de objetividade, a sanção disciplinar única de transferência.

[…]”.

cf. fls. 1782-1802 do PA junto aos autos.

29. A A. foi notificada do acórdão do Plenário do CSMP em 31.05.2022, conforme AR junto a fls. 1808 do PA junto aos autos;

30. Por acórdão do Plenário do CSMP de .../.../2022 foi decidido o seguinte: “(…) Na sequência do seu Acórdão de ... de abril de 2022, que mantendo o decidido por Acórdão da Secção Disciplinar, aplicou à Senhora Procuradora da República Lic. AA, a sanção disciplinar única de transferência, determinar como local de destino para a efetiva concretização e execução desta transferência a Comarca ..., DIAP ... (…)”.

cf. fls. 1816-1817- do PA junto aos autos.

31. Em .../.../2022, a A. enviou um email endereçado à Senhora Procuradora-Geral da República, cujo teor integral aqui se dá por reproduzido, que intitulou “aditamento à impugnação necessária efectuada no âmbito do processo especial de averiguações n.º n.º .../20” – cf. fls. 1852-1853 do PA junto aos autos;

32. Por acórdão do Plenário do CSMP de .../.../2022 foi decidido o seguinte: “(…) confirmar as decisões dos plenários de ... de abril e ... de julho de 2022, que decidiram e efetivaram a aplicação, à Senhora Procuradora da República, Dr.ª AA, da pena de transferência da Comarca ... para a Comarca ..., DIAP ..., devendo a Senhora Magistrada apresentar-se ao serviço no prazo de 10 dias, junto do DIAP ... (…)”.

cf. fls. 4536 e ss. do SITAF.

33. Por acórdão do Plenário do CSMP de .../.../2022 foi decidido o seguinte: “(…) indeferir a reclamação apresentada pela Procuradora da República Lic. AA, por extemporânea, assim como pela inexistência de qualquer nulidade ou irregularidade do procedimento disciplinar (…)”.

cf. fls. 4549 e ss. do SITAF.

34. A acção administrativa foi proposta neste STA por email enviado em 04.09.2022, conforme registo do SITAF.

Inexiste outra factualidade com interesse para a decisão.

III. DE DIREITO


3.1. Da excepção de caducidade do direito de acção

3.1.1. O CSMP alega que a A. foi notificada do acórdão do plenário do CSMP em 31.05.2022 e que apenas propôs a acção em 04.09.2022, pelo que teriam já decorrido os três meses previstos no artigo 58.º, n.º 1, alínea b) do CPTA, o que determina a verificação da caducidade do direito de acção.
Na réplica a A. alega que na p.i. são suscitados fundamentos de nulidade do acto e do procedimento, os quais são invocáveis a todo o tempo. Porém, importa verificar a tempestividade da acção antes de proceder à análise dos alegados fundamentos de anulação do acto impugnado.
A este respeito a A. alega que o acórdão de .../.../2022 não pode qualificar-se como acto final, por a sanção só se poder considerar aplicada com a prolação do acórdão de .../.../2022 que fixou como lugar da transferência a Comarca ... – DIAP ...; e que por ser residente na ..., ..., al. a) do CPA.
Mas não tem razão em nenhum destes argumentos. Vejamos.

3.1.1.1. De acordo com o novo CPA, o acto lesivo é, em boa verdade, o acórdão da Secção Disciplinar do CSMP de .../.../2021, mas o prazo de caducidade do direito de acção só começa a correr com a notificação do acórdão do Plenário do CSMP, de .../.../2022, que decide o recurso necessário da decisão da secção disciplinar, tal como previsto no n.º 8 do artigo 34.º do EMP. É que, apesar de este segundo acto ser meramente confirmativo do primeiro no seu conteúdo, sendo a decisão do Plenário do CSMP um pressuposto processual necessário para a impugnação do acto lesivo, ex vi do disposto no n.º 4 do artigo 59.º do CPTA e 198.º, n.º 4 do CPA (v. acórdão deste STA de 24.11.2022, proc, 063/22.8BALSB-A), o prazo para impugnação conta-se desde a data da notificação da decisão do recurso necessário.
Já o acórdão do Plenário do CSMP de .../.../2022, que determinou como local de destino para a concretização da sanção a Comarca ..., é um acto meramente executivo do acórdão proferido por aquela Entidade em .../.../2022 e a sua impugnação só pode ter lugar na medida em que o respectivo conteúdo seja inovador, o que não sucede neste caso, ou quanto muito, apenas poderia questionar-se um vício próprio respeitante à decisão em concreto do local determinado para o cumprimento da pena disciplinar, o que a A. não põe em causa nestes termos, limitando-se a impugnar a medida de transferência em si, e por ser para uma Comarca fora da RAM, sem apontar qualquer vício em concreto pela escolha da Comarca ....
Assim, o prazo para a impugnação judicial das invalidades conducentes à anulação do acto impugnado conta-se da notificação do acórdão de .../.../2022.

3.1.1.2. E também não assiste razão à A. quando alega que, in casu, é aplicável uma dilação de cinco dias ex vi do disposto no artigo 88.º, n.º 1, al. a) do CPA.
A norma invocada pela A. reporta-se aos prazos para a prática de actos nos procedimentos e não à produção de efeitos das notificações para efeitos de contagem do prazo de impugnação judicial, ao qual se aplica o disposto no artigo 59.º, n.º 2 do CPTA, em que se estipula o seguinte: “o prazo para a impugnação pelos destinatários a quem o acto administrativo deva ser notificado só corre a partir da data da notificação ao interessado ou ao seu mandatário, quando este tenha sido como tal constituído no procedimento, ou da data da notificação efectuada em último lugar caso ambos tenham sido notificados, ainda que o acto tenha sido objecto de publicação, mesmo que obrigatória”. Ora, neste caso a A. foi notificada do acórdão do Plenário do CSMP de .../.../2022 por carta registada com AR, que foi assinado em 31.05.2022.
O prazo é de três meses e conta-se nos termos do disposto no artigo 279.º do Código Civil [artigo 58.º, n.º 1, al. b) e n.º 2 do CPTA]. Isto significa que o dies a quo é o dia 01.06.2022 [ex vi do artigo 279.º, al. b) do Código Civil] e que terminava no dia 01.09.2022, que, sendo um Sábado, determinava a transferência para o primeiro dia útil seguinte, que seria, o dia 03.09.2022 (Segunda-feira) [ex vi do artigo 58.º, n.º 2 do CPTA]. Tendo a acção sido proposta no dia 04.09.2022 não há dúvida de que a mesma é extemporânea e que nesse dia havia já caducado o direito de a A. discutir judicialmente a legalidade do acto por vícios geradores da sua anulabilidade.
E não vale aqui sequer a regra do artigo 139.º, n.º 5 do CPC, uma vez que aquela faculdade é reservada para os actos processuais praticados em processos já iniciados ou seja, para os prazos processuais, o que não é o caso aqui, em que está em apreço um prazo substantivo de caducidade de um direito, não podendo o pagamento imediato da multa obstar aos seus efeitos – v. acórdãos da Secção do Contencioso Tributário deste STA de 22.01.2020 (proc. 01083/14.1BELRS) e de 10.03.2021 (proc. 0781/16.0BEBRG).
Nestes termos, procede a alegada excepção de caducidade do direito de acção a respeito dos alegados vícios geradores da anulação do acórdão do CSMP que aplicou à A. a pena disciplinar de transferência.
Cabe, pois, conhecer apenas dos alegados vícios geradores de nulidade.


3.2 Das alegadas nulidades do acto impugnado

3.2.1. A A. imputa ao acórdão do CSMP de .../.../2022 o vício de nulidade por violação do conteúdo essencial de direitos fundamentais, decorrente da omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade e para a averiguação das condições sociais, pessoais, económicas e familiares da arguida e a ponderação das mesmas na aplicação da concreta sanção disciplinar.
A A. começa por alegar (artigos 223.º a 286.º da p.i.) que a sua concreta situação pessoal – viver numa casa arrendada, ser cuidadora de diversos animais, ter assumido despesas correntes que não lhe permitem prescindir dos 574€ mensais do subsídio de fixação e ter problemas de saúde –, a que o CSMP não atentou, como legalmente se lhe impunha, impede que lhe possa ser aplicada a pena disciplinar de transferência, uma vez que dessa aplicação resulta a violação do direito à qualidade de vida (financeira) do seu agregado familiar, decorrente da manifesta desproporção daquela sanção.
Mas sem razão. Vejamos.

3.2.1.1. Foi dada como provada no acórdão da Secção Disciplinar do CSMP, entre outras infracções, a violação do dever de isenção e objectividade (artigo 104.º, n.ºs 2 e 3 do EMP) nos seguintes termos: […] Bem como sabia que, ao pressionar a sua estrutura hierárquica, aqui incluindo Sua Excelência a Senhora Conselheira Procuradora-Geral da República e o próprio Conselho Superior do Ministério Público, para que fosse tomada uma posição quanto ao inquérito em que é ofendido o seu marido, no sentido de serem praticados determinados atos e dado certo rumo à investigação, pretendendo, assim, intervir ilegitimamente na atividade funcional de outro magistrado e, desse modo, obter decisões favoráveis aos interesses de familiar próximo, ao invés de intervir no processo, é incompatível com a responsabilidade e dignidade do exercício de funções, violando, também, para além destes princípios gerais, o dever de isenção e de objetividade fixados na Lei […]”.
A isso acresce que a pena disciplinar é, como se explica expressamente no acórdão da Secção Disciplinar do CSMP, uma pena calculada para o cúmulo das infracções dadas como verificadas e provadas, a saber, para além da infracção muito grave antes mencionada, uma infracção continuada grave do dever de zelo, uma infracção continuada grave do dever de urbanidade e uma infracção continuada grave de violação dos princípios gerais da responsabilidade e de subordinação hierárquica.

3.2.1.2. Compulsadas as regras estipuladas no EMP para a aplicação e graduação da pena a aplicar à infracção disciplinar antes mencionada, conclui-se o seguinte: i) que existe uma “escala de sanções” em função da gravidade das infracções verificadas e dadas como provadas (artigo 277.º do EMP); ii) que segundo essa escala a “pena de transferência” é aplicável a “infracções graves ou muito graves que afectem o prestígio exigível ao magistrado do Ministério Público e ponham em causa a sua manutenção no meio social em que desempenha o cargo ou no tribunal, juízo ou departamento onde exerce funções” (artigo 236.º, n.º 1 do EMP); iii) que são qualificados como infracção grave, os actos praticados com dolo ou negligência grosseira que revelem grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres funcionais, nomeadamente, o incumprimento injustificado de pedidos, legítimos e com a forma legal, de informações, instruções, deliberações ou provimentos funcionais emitidos por superior hierárquico, proferidos no âmbito das suas atribuições e a interferência ilegítima na actividade funcional de outro magistrado [artigo 215.º, n.º 1, als. f) e j) do EMP]; iv) que são qualificados como infracção muito grave os actos praticados com dolo ou negligência grosseira que, pela reiteração ou gravidade da violação dos deveres e incompatibilidades previstos neste Estatuto, se revelem como desprestigiantes para a administração da justiça e para o exercício da magistratura do Ministério Público, nomeadamente, a intromissão, mediante ordens ou pressões de qualquer tipo ou natureza, nas funções de outro magistrado com o fim de alcançar, por meio de decisão favorável, vantagens ilegítimas para si ou para outrem [artigo 214.º, n.º 1, al. b) do EMP]; v) que as condições pessoais do arguido e a sua situação económica são tidos em conta pelo CSMP na escolha e medida da sanção disciplinar a aplicar, quando, não estando contempladas no tipo de infracção cometida, deponham a favor ou contra o arguido [artigo 218.º, al. c) do EMP]; vi) que a pena de transferência não admite a suspensão da respectiva execução por razões respeitantes às condições da sua vida (artigo 224.º, n.º 1 do EMP).

3.2.1.3. Na fundamentação do acórdão proferido pela Secção Disciplinar do CSMP em .../.../2021 considerou-se – em sede de ponderação da medida a aplicar nos termos do artigo 218.º do EMP – que “(…) Na determinação da medida da sanção disciplinar, atendendo as circunstâncias referidas no art. 218.°, do EMP, tem-se por adequado aplicar a senhora magistrada arguida (aqui divergindo do senhor inspetor instrutor, que propõe a aplicação à senhora magistrada arguida, por cada uma das infrações disciplinares graves, da sanção de multa de duas remunerações base diárias; com efeito, a gravidade dos factos praticados que as integram, o elevado grau de ilicitude e a culpa intensa não comportam uma medida sancionatória que se quede, por injustificadamente condescendente, em patamar que esta quase no mínimo legalmente previsto (…)”. Ora resulta desta fundamentação, que o grau de ilicitude e a intensidade e o grau de culpa não se compaginavam, no entender do órgão estatutariamente responsável pelo exercício do poder disciplinar no âmbito do estatuto dos magistrados do MP, com uma sanção disciplinar de multa, e, nessa medida, as circunstâncias socioeconómicas da A. não poderiam justificar a adopção de uma pena disciplinar desadequada à sanção devida face ao grau da ilicitude e à intensidade da culpa. É, aliás, esta a fundamentação que vem expendida no acórdão do Plenário do CSMP para sustentar a inexistência da nulidade insanável da decisão sancionatória.
E é uma fundamentação correcta, pois não se revela desadequada, uma vez que a Requerente não é privada da sua remuneração, nem excessiva ou desproporcionada tendo em conta que os critérios do artigo 218.º do EMP têm de ser ponderados em conjunto. De resto, não se vê de que forma uma multa de montante avultado poderia não afectar igualmente as condições socioeconómicas da A. A isso acresce que a A. parece confundir a inarredável lesividade da medida sancionatória com a violação dos seus direitos fundamentais, olvidando que uma medida sancionatória, precisamente porque é aplicada “em resposta à infracção cometida pelo agente”, tem (e tem de ter) como intuito causar efeitos negativos sancionadores na sua esfera jurídica.
Ora, in casu, os efeitos não enfermam da alegada desproporcionalidade – a A. mantém o exercício das suas funções noutra comarca e não é privada de nenhuma parte da sua remuneração, pois a comparação tem de fazer-se com os restantes colegas que exercem funções na Comarca para a qual foi transferida.
O facto de deixar de auferir o subsídio de insularidade também não consubstancia qualquer medida desproporcionada, tendo em conta que deixará também, correspondentemente, de suportar os custos agravados pela insularidade ao ser transferida para o território do Continente.
E nem se alegue que no seu caso concreto essa transferência é lesiva por a A. ter familiares na RAM, pois os subsídios de insularidade consubstanciam prestações objectivas pagas aos magistrados segundo critérios legais aplicados a todos de forma igualitária e não em função de circunstancialismos pessoais e especiais.
Diga-se ainda que nada nas alegadas condições económicas, pessoais ou sociais da A. afectam a adequação ou proporcionalidade da medida. Pelo contrário, o facto de o agregado familiar ser composto apenas pelo marido e animais de companhia, e de aquele que não ter emprego (artigo 180.º da p.i.), afigura-se até um factor que em nada entorpece a possibilidade de ele continuar a prestar assistência à A. após a sua transferência para a nova Comarca. Soma-se ainda o facto de a área de ... e ... estar servida de qualificados e especializados serviços públicos de saúde, em número até superior aos existentes na RAM, que permitirão o apoio adequado à situação clínica da A..
Por último, é igualmente não atendível a argumentação de carência financeira do agregado familiar para fazer face aos custos de vida na nova Comarca.
Improcede, por isso, a alegada nulidade da medida sancionatória aplicada por violação de direitos fundamentais da A.



3.2.2. Em segundo lugar, a A. imputa também ao acórdão o alegado vício de nulidade por omissão de diligências procedimentais essenciais para a descoberta da verdade, o que violaria o seu direito a um tratamento procedimental justo, bem como o seu direito fundamental a ampla defesa (artigos 287.º ss da p.i.).
Sustenta aquelas omissões: i) na não decisão do aditamento ao “recurso necessário” que apresentara 07.02.2022, com o fundamento de que era extemporâneo; ii) com o facto de a Senhora Procuradora-Geral da República ter intervindo na deliberação dos acórdãos de .../.../2022 e de .../.../2022, quando estava impedida; iii) por na decisão que lhe aplicou a sanção não terem sido analisados e ponderados os diversos incidentes e decisões adoptadas em processos disciplinares e processos crime a que a A. deu origem através de participações apresentadas junto do CSMP, dos tribunais e do Provedor de Justiça, através dos quais se pretendia demonstrar que o comportamento da A. era uma reacção à “perseguição” (assédio moral) de que era alvo no exercício da sua actividade na Comarca ...; iv) na prescrição do procedimento disciplinar; v) na não apreciação da alegada nulidade procedimental da tramitação e instrução promovida pela Senhora Procuradora-Geral-Adjunta, Dr.ª BB em razão da falta de notificação da A. (violação do contraditório) e da sua notificação através de dados pessoais obtidos de forma ilegal (com violação do direito à privacidade e violação de telecomunicações); vi) por ter sido proposta a pena de multa no relatório do instrutor e a Secção Disciplinar do CSMP ter optado pela aplicação da pena de transferência (artigo 482.º da p.i.); vii) por os instrutores do processo disciplinar não terem apreciado a defesa da arguida com vista à sua salvaguarda (art. 525.º da p.i.); viii) por não lhe ter sido facultada a consulta atempada do processo disciplinar (artigo 609.º da p.i.); ix) por não ter sido observado o princípio da presunção de inocência (artigo 622.º da p.i.); x) por não existir narração dos factos que sustentam a violação dos deveres funcionais (artigo 663.º da p.i.); xi) por corresponder a uma “punição” pelo exercício do direito de queixa judicial e disciplinar (artigos 721.º e 865.º da p.i.); xii) por não estar fundamentado o incidente de falta de credibilidade das testemunhas arroladas na acusação (artigo 899.º da p.i.); xiii) por o acto punitivo ser indeterminado no que respeita à sanção aplicada (artigo 905.º da p.i.); xiv) por violação dos princípios da legalidade e da culpa (artigos 914.º e 939.º da p.i.); e por xv) por violação da integridade física e moral da A. (artigo 954.º da p.i.).

3.2.2.1. Ora, todos os fundamentos invocados pela A. para tentar sustentar a violação do direito fundamental à tutela jurisdicional efectiva e ao direito a um procedimento e processo justo e equitativo são, em boa verdade, dimensões de alegadas ilegalidades cometidas durante o procedimento, que têm de ser conhecidas em sede de possível anulação da decisão impugnada e não enquanto fundamento de nulidade da mesma. Lembre-se que a anulabilidade é o regime regra das invalidades administrativas e que a nulidade, é uma invalidade que o legislador reserva, exclusivamente, para as situações muito graves que elenca o artigo 161.º do CPA, bem como o artigo 263.º do EMP e 203.º da LGTFP.
Assim, compulsado o teor do PA consultado e do qual se extraiu a matéria de facto assente, não resulta que tenham sido inobservadas as regras ou os princípios procedimentais do EMP em matéria de procedimento disciplinar em termos que se possam qualificar como violação grosseira do direito a um procedimento justo e equitativo, pelo que a factualidade assente não é subsumível à previsão normativa de ofensa do conteúdo essencial dos direitos fundamentais à tutela jurisdicional efectiva e ao procedimento e processo justo e equitativo, requisito legalmente exigido para a verificação da nulidade do acto nos termos do artigo 161.º, n.º 2, al. d) do CPA.

3.2.2.2. E o mesmo é válido para as alegadas violações do conteúdo essencial do direito de defesa em processo sancionatório ou do direito à integridade física e moral da A.. Dos elementos constantes do PA e dados como assentes na matéria de facto resulta que: i) a animosidade no ambiente laboral e profissional e o procedimento disciplinar aqui em causa foi desencadeado pela A. ao apresentar queixa de uma Colega em relação a um processo no qual tinha um interesse directo e pessoal por dizer respeito ao seu marido (ponto 2 da matéria de facto assente); ii) os ilícitos que lhe são imputados, designadamente a infracção muito grave por violação do dever de isenção e objectividade, decorrem da valoração negativa que o CSMP fez da actuação da A. ao tentar imiscuir-se no andamento de um processo de um Colega quando tinha um interesse pessoal no mesmo, o que em nada contende com a veracidade ou não da queixa por ela apresentada; iii) e o mesmo é válido para a violação daquele dever por “não cumprimento das ordens do superior hierárquico”, tendo essa conduta sido valorada enquanto tal, ou seja, pelo exclusivo comportamento da A. na relação com a sua hierarquia, o que em nada contende com o facto de lhe assistir ou não razão face às queixas apresentadas em que sustentou a existência de um tratamento discriminatório e consubstanciador de assédio moral. A discordância com as instruções dadas pela hierarquia, quando se crêem fundadas e merecedoras de alguma actuação, devem procurar ser revertidas ou questionadas por via da impugnação das mesmas no plano hierárquico do serviço e não por intermédio de queixas disciplinares e queixas-crime contra o superior hierárquico.
É patente que a A. tenta sustentar a violação do seu direito de defesa ao longo da p.i. no facto de o CSMP ter ignorado o resultado de processos desencadeados por queixas apresentadas por si e que motivaram a abertura de outros processos disciplinares e alguns processos de averiguação de responsabilidades criminais. Segundo a A., se o resultado desses processos fosse atendido e considerado a ilicitude do seu comportamento seria excluída. Mas sem razão, pois o que está valorado no processo disciplinar em que é sancionada é apenas o seu comportamento inter-relacional de forma objectiva, seja quanto ao móbil – por ter adoptado uma conduta que interfere com um processo em que tinha um interesse pessoal, o que consubstancia uma violação muito grave do dever de isenção e objectividade – seja quanto ao tipo de comportamento – por ter desacatado ordens e instruções do superior hierárquico, ter adoptado um relacionamento com os colegas que não observava as regras de urbanidade e ter descurado o dever de zelo.

3.2.2.3. A A. tenta também enquadrar juridicamente como fundamento de nulidade a violação do contraditório e da ampla defesa por não ter sido correctamente notificada na fase do procedimento disciplinar. Mas uma vez mais sem razão. É que a alegada falta de notificação válida (apesar de estar provado que as notificações existiram via SIMP), atendendo às concretas circunstâncias em que a mesma ocorreu expressam uma aparência clara de ter sido a A. a dificultar ou mesmo impedir a recepção dessas notificações. Mas, o que releva para o juízo que aqui cumpre fazer a respeito da verificação ou não da nulidade, é tão só a de saber se no caso a defesa da A. ficou ou não prejudicada, e concluímos que não ficou. Vejamos. Ela foi notificada da acusação e exerceu o seu direito de defesa, nos termos legais, previamente à deliberação do CSMP que lhe aplicou a medida sancionatória, pelo que inexiste vício no procedimento a respeito da sua notificação subsumível a uma nulidade.

3.2.2.4. E não pode igualmente colher a argumentação de que da aplicação de uma medida sancionatória prevista na lei e adoptada no seguimento de um processo disciplinar se considere produzida uma ofensa ao conteúdo essencial do direito à integridade física ou moral do arguido. De resto, inexiste sequer uma substanciação de tais ofensas, pois a aplicação de uma pena disciplinar, mesmo que se viesse a concluir ser uma medida administrativa ilegal, não é apta a causar lesões físicas ou morais.

3.2.2.5. Por último, a A. alega ainda que o procedimento disciplinar se deve considerar nulo por abusivo, nos termos do disposto no artigo 331.º, n.º 1, al. d) do Código do Trabalho aplicável por remissão do artigo 4.º, n.º 1, alínea d) da LGTFP, o qual, por seu turno, seria aplicável ex vi do artigo 283.º do EMP. Porém, também, sem razão, pois mesmo que se pudesse considerar aplicável ao caso o regime do artigo 331.º do Código do Trabalho por efeito da dupla remissão – o que não se afigura claro - , e ainda que a factualidade assente fosse subsumível àquela previsão – o que não sucede, uma vez que estão em causa factos que consubstanciam violações de deveres funcionais a se e não a aplicação de uma sanção disciplinar como “reacção” a um comportamento denunciante, tal como se pressupõe na norma invocada – sempre se teria de concluir uma “sanção abusiva” não é, em abstracto, fundamento de nulidade do acto, mas sim de mera anulabilidade daquele. Improcede também esta alegada causa de nulidade.

Em suma, improcedem todos os fundamentos alegados pela A. para sustentar a nulidade do acto impugnado.
E improcede o pedido na parte em que inexiste caducidade do direito de acção.


Fica, por isso, prejudicado o conhecimento da alegada litigância de má fé da Entidade Demandada suscitada pela A. na réplica.


IV. DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos antes aduzidos, decidimos julgar procedente a excepção de caducidade do direito de acção a respeito das invalidades anulatórias imputados ao acto impugnado e totalmente improcedente a acção quanto aos alegados vícios de nulidade daquele.
Custas pela Autora.


Lisboa, 4 de Maio de 2023. - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) - José Augusto Araújo Veloso - Adriano Fraxenet de Chuquere Gonçalves da Cunha (em substituição, artigo 18.º, n.º 2 do ETAF e 661.º, n.º 2 do CPC).