Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01063/16.2BELRA
Data do Acordão:10/09/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO FISCAL
FALTA DE ENTREGA DE IMPOSTO
IVA
RGIT
Sumário:I - Não enferma de nulidade a decisão de aplicação da coima que, conquanto de forma sintética e estandardizada, cumpre os requisitos legalmente exigíveis, nomeadamente a descrição sumária dos factos, a indicação das normas violadas e punitivas, a quantificação da coima e a indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação.
II - O facto de nela não se fazer referência à circunstância de o imposto ter ou não sido recebido deixou de relevar, para o futuro, a partir da alteração introduzida na alínea a) do n.º 5 do artigo 114.º do RGIT pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, pela qual se passou também a tipificar como contra-ordenação de falta de entrega da prestação tributária a falta de entrega ao credor tributário do imposto devido que tenha sido liquidado ou que o devesse ser e em relação à qual, contrariamente ao que sucede com o tipo previsto no n.º 3 do artigo 114.º do RGIT, não é elemento essencial da infracção que o imposto tenha sido recebido.
Nº Convencional:JSTA000P24997
Nº do Documento:SA22019100901063/16
Data de Entrada:10/24/2018
Recorrente:A....,LDA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
I.-Relatório

A…….., LDA., com os sinais dos autos, vem interpor recurso da sentença proferida pelo TAF de Leiria que negou provimento ao recurso interposto pela recorrente, confirmando a decisão do Chefe de Finanças de Óbidos que condenou aquela pela prática da contra-ordenação prevista no art. 27° n° 1 e 41° n° 1 a) do CIVA e punida nos termos do art. e 26° n° 4,114° n° 2 e 5 e 5° al. a) do RGIT na coima de 8.254,81€.

Apresentou as imperativas alegações que ostentam o seguinte quadro conclusivo:

A) O presente recurso tem como objecto a douta decisão que julgou o recurso de contra-ordenação e as nulidades nele invocadas pela recorrente totalmente improcedente e, em consequência manteve a decisão de aplicação da coima, no valor de € 8.254,81, acrescida de custas, no valor de € 76,50, proferida no âmbito do processo de contra-ordenação n° 14142015060000020470 e nas custas que se fixaram em 1UC.
B) Não aceita a recorrente a douta decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria.
C) A recorrente não aceita a aplicação da coima no processo de contra-ordenação n° 14142015060000020470 por quanto o processo contra-ordenacional enferma de diversas nulidades.
D) Da falta dos requisitos constantes do artigo 79° N° 1 alínea b) e 2 do RGIT.
E) Nos termos do artigo 79° n° 2 do RGIT “ A notificação da decisão que aplicou a coima contém, além dos termos da decisão e do montante das custas”.
F) Sucede que a notificação da decisão dos presentes autos não contém os termos da decisão da aplicação da coima.
G) Nomeadamente, olvida a identificação do infractor e dos elementos que determinaram a aplicação da coima.
H) Não constam também os requisitos de fixação da coima, nem a existência ou não de actos de ocultação, a existência ou não de benefício económico, a frequência da prática de contra-ordenações, a existência de dolo ou negligência, obrigação de não cometer a infracção, a situação económica financeira da recorrente e o período de tempo decorrido desde a prática da infracção.
I) Pelo que nos termos do artigo 63° n° 1, alínea d) do RGIT sempre terá que se considerar a nulidade da notificação ora recorrida.
J) Nulidade que a recorrente desde já argui.
K) Por outro lado, a decisão da aplicação da coima enferma da falta de fundamentação para o preenchimento dos elementos típicos da contra-ordenação do artigo 114° n° 2, n° 5 a) do RGIT.
L) A decisão de aplicação da coima deverá fazer referência na punição, aos factos que consubstanciam a aplicação da coima e consequente aplicação da norma punitiva.
M) No caso em apreço nos presentes a dedução da prestação tributária constitui elemento essencial do tipo de contra-ordenação em causa.
N) Não constando a este respeito qualquer indicação na decisão da contra-ordenação que aplicou a coima à recorrente.
O) Faltando naturalmente “os requisitos legais da decisão de aplicação das coimas”.
P) O que como já referido e nos termos do artigo 63° n° 1 alínea d) do RGIT, comporta uma nulidade insuprível que a ora recorrente desde já argui.
Q) Por outro lado, entende a recorrente que a situação dos presentes autos não se subsume a nenhuma das normas punitivas aplicadas, nomeadamente artigo 114° n° 2 e 5 do RGIT.
R) Mas antes ao normativo do artigo 114° n° 3 do RGIT.
S) Vide a este respeito sempre se dirá o constante no Acórdão do STA, Processo 0209/11 datado de 11 de Maio de 2011, do Relator Casimiro Gonçalves, não indicando a recorrente mais vasta jurisprudência acerca desta matéria, porquanto o presente acórdão já o faz, in http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3c96ff5591 cea88880257893003c0491?OpenDocument&ExpandSection=1
T) Enfermando também por este motivo a decisão de aplicação da coima de uma nulidade insuprível, artigo 63° n° 1 alínea d) do RGIT, o que implica a nulidade do processo contra-ordenacional e sua correspondente extinção.
Termos em que
- Deverá a douta sentença ser revogada e proferido Acórdão no sentido de o processo de contra- ordenação n° 14142015060000020470 ser declarado nulo pelos motivos ora alegados, absolvendo-se a Recorrente da coima aplicada e das custas em que foi condenada,
Assim se fará Justiça!”

Pelo Ministério Público foi coligida resposta, em que conclui do seguinte modo:

1. A decisão de aplicação da coima em análise cumpre assim com o disposto no artº 79.°, n.° 1, al. b) e c) do RGIT,
2. Não se verificando pois as nulidades invocadas pela recorrente relativamente à decisão administrativa.
3. A redacção dada à alínea a) do n.° 5 do artigo 114.° do RGIT, pela Lei 64- A/2008, de 31 de Dezembro, com entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2009, visou o alargamento da previsão legal de modo a abarcar todas as condutas omissivas da obrigação tributária, independentemente do recebimento do imposto por parte do adquirente dos bens/serviços.
4. Preenche assim o tipo legal da infracção em causa a conduta da ora recorrente de falta de entrega da prestação tributária.
5. Assim, não se verificando qualquer nulidade e estando preenchida a previsão legal do tipo da infracção bem andou o M° Juiz a quo ao confirmar a decisão do Chefe de Finanças de Óbidos,
6. Não enfermando a douta sentença recorrida de qualquer vício, pelo que deve ser integralmente mantida, negando-se provimento ao recurso.
VOSSAS EXCELÊNCIAS PORÉM, COMO SEMPRE, MELHOR DECIDIRÃO FAZENDO JUSTIÇA!”

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 Dos Factos:

Na decisão recorrida e com interesse para a solução do pleito deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
A) Em 29/04/2015, foi levantado contra a Arguida/Recorrente o Auto de Notícia n.° 20150009786/2015, do qual constam os seguintes “Elementos que caracterizam a infracção
“1. Montante de imposto exigível: 26.585,55
2. Valor da prestação tributária entregue: 0,00
3. Valor da prestação tributária em falta: 26.585,55
4. Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 2015-01-12
5. Período a que respeita a infração: 2014/11
6. Normas infringidas: Art° 27 n°1 e 41 n°1 a) CIVA - Falta de pagamento do imposto (M)
7. Normas punitivas: Art° 114 n°2, n°5 a) e 26 n°4 do RGIT - Falta entrega prest. tributária dentro prazo (M)".
[cfr. auto de notícia a fls. 4 dos autos];
B) No mesmo dia 29/04/2015, foi autuado pelo Serviço de Finanças de Óbidos o processo de contraordenação n.° 14142015060000020470 contra a Arguida/Recorrente, por infração dos artigos 27.°, n.° 1, e 41.°, n.° 1, alínea a), do CIVA, punida pelos artigos 114.°, n.os 2 e 5, alínea a), e 26.°, n.° 4, do RGIT [cfr. autuação a fls. 3 dos autos];
C) Em 17/06/2015, o Diretor de Finanças de Leiria proferiu a decisão de fixação de coima de fls. 6-7 dos autos, da qual consta o seguinte:
“(…)

PROCESSO:
Identificação do(a) Arguido(a):
14142015060000020470Designação…… Sede…………..
NIPC

Descrição Sumária dos Factos
Ao(À) arguido(a) foi levantado Auto de Noticia pelos seguintes factos: 1. Montante de imposto exigível: 26.585,55; 2. Valor da prestação tributária entregue: 0,00; 3. Valor da prestação tributária em falta: 26.585,55; 4. Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 2015-01-12; 5. Periodo a que respeita a infração: 2014/11, os quais se dão como provados. Número da Liquidação L.2015.017010862065.

Normas Infringidas e Punitivas
Os factos relatados constituem violação do(s) artigo(s) abaixo indicado(s). punidos pelo(s) artigo(s) do RGIT referidos no quadro, aprovado pela Lei n° 15/2001 , de 05/07, constituindo contra-ordenação(ões).
Responsabilidade contra-ordenacional
A responsabilidade própria do(s) arguido(s) deriva do Art° 7o do Dec-Lei N° 433/82, de 27/10, aplicável por força do Art° 3°do RGIT, concluindo-se dos autos a prática, pelo(s) arguido(s) e como autor(es) material(ais) da(s) contra-ordenação(ões) identificada(s) supra.

Medida da Coima
Para fixação da(s) coima(s) em concreto deva ter-se em conta a gravidade objectiva e subjectiva da(s) contra-ordenação(ões) praticada(s), para tanto Importa ter presente e considerar o(s) seguinte(s) quadro(s) (Art°27 do RGIT)

Requisitos / Contribuintes


Actos de Ocultação Benefício Económico Frequência da prática Negligência Obrigação de não cometer infracção
Situação Económica e Financeira
Tempo decorrido desde a prática da infracção

DESPACHO
Assim, tendo em conta estes elementos para a graduação da coima e de acordo com o disposto no Art° 79° do RGIT aplico ao arguido a coima de Eur. 8.254,81 cominada no(s) Arr(s)° Art° 114 n°2, n°5 a) e 26 n°4°, do RGIT, com respeito pelos limites do Art° 26° do mesmo diploma, sendo ainda devidas custas (Eur. 76,50) nos termos do N° 2 do Dec-Lei N° 29/98 de 11 de Fevereiro.

Notifique-se o arguido dos termos da presente decisão, juntando-se-lhe cópia, para, efectuar o pagamento da coima aplicável, prestação tributária em falta e respectivos juros no prazo de 30 dias, sob pena de eventual instauração do processo de inquérito criminal fiscal (105°/4b RGIT) por indícios de crime de abuso de confiança fiscal.

D) Com data de 05/04/2016, o Serviço de Finanças de Óbidos remeteu à Arguida/Recorrente, que recebeu, ofício a dar-lhe conhecimento da decisão de aplicação da coima [cfr. ofício a fls. 19 dos autos];
E) Em 09/05/2016, a Arguida/Recorrente apresentou no Serviço de Finanças de Óbidos a petição de recurso de fls. 11-18 dos autos [cfr. comprovativo a fls. 10 dos autos].
Não há factos com relevância para a decisão da causa que importe dar como não provados.

*

A decisão da matéria de facto foi tomada com base no teor dos documentos constantes dos autos, não impugnados, conforme especificado em cada um dos pontos do probatório.
*

2.2.- Motivação de direito

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, no caso e em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, as questões que cumpre decidir subsumem-se a saber se a decisão vertida na sentença a qual julgou totalmente improcedente a acção, padece de erro de julgamento ao considerar que:
(i) - Não se verifica a falta dos requisitos constantes do artigo 79° n° 1 alínea b) e 2 do RGIT porquanto a notificação da decisão dos presentes autos não contém os termos da decisão da aplicação da coima, pelo que ocorre a nulidade da notificação nos termos do artigo 63° n° 1, alínea d) do RGIT;
(ii) - A decisão da aplicação da coima não enferma da falta de fundamentação para o preenchimento dos elementos típicos da contra- ordenação do artigo 114° n° 2, n° 5 a) do RGIT; e
(iii) - A situação dos presentes autos não se subsume a nenhuma das normas punitivas aplicadas, nomeadamente artigo 114° n° 2 e 5 do RGIT, mas antes ao normativo do artigo 114° n° 3 do RGIT motivo porque a decisão de aplicação da coima de uma nulidade insuprível, artigo 63° n° 1 alínea d) do RGIT, o que implica a nulidade do processo contra-ordenacional e sua correspondente extinção.
Vejamos.
Vem interposto recurso da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria em que julgou totalmente improcedente o recurso interposto pela arguida e, em consequência, manteve a decisão de aplicação de coima proferida no processo de contra-ordenação n.° 14142015060000020470.
E, para assim o decidir, o Tribunal recorrido expendeu o seguinte discurso fundamentador:
“Importa apreciar se é de manter a decisão de aplicação de coima pela prática da infração prevista nos artigos 27.°, n.° 1, e 41.°, n.° 1, alínea a), do CIVA e punida pelos artigos 114.°, n.os 2 e 5, alínea a), e 26.°, n.° 4, do RGIT.
Por força do disposto no artigo 63.°, n.° 5, do RGIT, cumpre conhecer oficiosamente das nulidades previstas no n.° 1 do mesmo artigo, sendo certo que, existindo auto de notícia levantado e assinado por funcionário da Autoridade Tributária (AT), que contém os elementos essenciais da infração, e tendo a Arguida/Recorrente sido notificada para apresentação de defesa, assume especial relevância a nulidade que traduz a falta dos requisitos legais da decisão de aplicação de coima.
Dispõe o artigo 79.°, n.° 1, alíneas b) e c), do RGIT que a decisão de aplicação de coima contém “a descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas” e “a coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação”.
Recorrendo aos ensinamentos de Jorge Lopes de Sousa e de Manuel Simas Santos [in Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, Áreas Editora, 2010, pág. 485], “os requisitos previstos neste artigo para a decisão condenatória do processo contra-ordenacional tributário visam assegurar ao arguido a possibilidade do exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão".
E, no seu Acórdão de 07/10/2015, proferido no Proc. n.°0218/15 e integralmente disponível em http://www.dgsi.pt. o Supremo Tribunal Administrativo entendeu que “o requisito da decisão administrativa de aplicação da coima “descrição sumária dos factos”, constante da primeira parte da alínea b) do n.°1 do artigo 79.° do RGIT, há-de interpretar-se em correlação necessária com o tipo legal de infracção no qual se prevê e pune a contra-ordenação imputada à arguida, pois que os factos que importa descrever, embora sumariamente, na decisão de aplicação da coima não são outros senão os factos tipicamente ilícitos declarados puníveis pela norma fiscal punitiva aplicada. ”
Nos presentes autos, as normas legais tidas por violadas são as dos artigos 27.°, n.°1, e 41.°, n.°1, alínea a), do CIVA e as normas legais punitivas invocadas pela AT são as dos artigos 114.°, n.ºs 2 e 5, alínea a), e 26.°, n.° 4, do RGIT - cfr. alínea C) dos factos provados; cfr. também alíneas A) e B) dos mesmos factos.
No que releva para o caso dos presentes autos, o artigo 27.°, n.° 1, do CIVA estabelece o seguinte:
“1. Sem prejuízo do disposto no regime especial referido nos artigos 60.° e seguintes, os sujeitos passivos são obrigados a entregar o montante do imposto exigível, apurado nos termos dos artigos 19.° a 26.° e 78.°, no prazo previsto no artigo 41.°, nos locais de cobrança legalmente autorizados.”
Por outro lado, o artigo 41.° do CIVA dispõe:
“1 - Para efeitos do disposto na alínea c) do n.° 1 do artigo 29. °, a declaração periódica deve ser enviada por transmissão electrónica de dados, nos seguintes prazos:
a) Até ao dia 10 do 2.° mês seguinte àquele a que respeitam as operações, no caso de sujeitos passivos com um volume de negócios igual ou superior a (euro) 650 000 no ano civil anterior;
(…)”.
Sob a epígrafe “Falta de entrega da prestação tributária”, estabelece o artigo 114.° do RGIT, na redação que lhe foi dada pela Lei n.°64-B/2011, de 30 de dezembro, vigente à data do cometimento da infração - cfr. alínea A) dos factos provados:
“1 - A não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período superior, desde que os factos não constituam crime, ao credor tributário, da prestação tributária deduzida nos termos da lei é punível com coima variável entre o valor da prestação em falta e o seu dobro, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido.
2 - Se a conduta prevista no número anterior for imputável a título de negligência, e ainda que o período da não entrega ultrapasse os 90 dias, será aplicável coima variável entre 15 % e metade do imposto em falta, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido.
3 - Para os efeitos do disposto nos números anteriores considera-se também prestação tributária a que foi deduzida por conta daquela, bem como aquela que, tendo sido recebida, haja obrigação legal de liquidar nos casos em que a lei o preveja.
4 - As coimas previstas nos números anteriores são também aplicáveis em qualquer caso de não entrega, dolosa ou negligente, da prestação tributária que, embora não tenha sido deduzida, o devesse ser nos termos da lei.
5 - Para efeitos contra-ordenacionais são puníveis como falta de entrega da prestação tributária:
a) A falta de liquidação, liquidação inferior à devida ou liquidação indevida de imposto em factura ou documento equivalente, a falta de entrega, total ou parcial, ao credor tributário do imposto devido que tenha sido liquidado ou que devesse ter sido liquidado em factura ou documento equivalente, ou a sua menção, dedução ou rectificação sem observância dos termos legais;
(…)”.
Esta disposição legal, na sua atual redação, faz equivaler à falta de entrega da prestação tributária a falta de entrega, total ou parcial, do imposto devido que tenha sido liquidado ou que devesse ter sido liquidado em fatura ou documento equivalente, o que constitui um alargamento da previsão legal, não sendo condição sine qua non o efetivo recebimento do imposto a entregar.
A este respeito, importa chamar à colação o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16/05/2012, proferido no Proc. n.°0160/12 e integralmente disponível em http://www.dgsi.pt, no qual se pode ler:
“(...) o referido preceito teve como objectivo alargar a previsão legal de molde a abarcar todas as condutas omissivas da obrigação tributária, independentemente do recebimento do imposto por parte do adquirente dos bens ou serviços (Esta parece ser igualmente a opinião de JORGE DE SOUSA e MANUEL SIMAS SANTOS, ob. cit., p. 815.).” (sublinhado nosso)
Assim, o efetivo recebimento do imposto deixou de ser elemento do tipo legal da contraordenação; consequentemente, deixa de ser exigida a fundamentação e a prova, por parte da AT, do recebimento, pela Arguida/Recorrente, do imposto não entregue.
No caso dos presentes autos, a factualidade contida na decisão de aplicação da coima permite à Arguida/Recorrente apreender de forma suficiente, sem necessidade de grande esforço interpretativo, os concretos factos que lhe vêm imputados, tendo presente que está em causa a falta de pagamento de imposto, obrigação que a Arguida/Recorrente tem consciência que sobre ela recai sempre que haja imposto a entregar ao Estado - cfr. alíneas C) e D) dos factos provados.
Em face do exposto, conclui-se que, não obstante a sintética indicação dos factos imputados à Arguida/Recorrente, a mesma contém o núcleo essencial dos factos cuja descrição se mostra legalmente exigida, para efeitos de imputação e verificação da infração prevista no artigo 114.°, n.os 2 e 5, alínea a), do RGIT, não sendo, como já ficou dito, exigida a fundamentação e a prova, por parte da AT, do recebimento, pela Arguida/Recorrente, do imposto não entregue.
Por isso, e ao contrário do que alega a Arguida/Recorrente, não é nula a decisão de aplicação da coima que lhe imputa a prática da contraordenação prevista e punida nos artigos 114.°, n.ºs 2 e 5, alínea a), e 26.°, n.°4, do RGIT, precisamente porque na decisão recorrida é expressamente indicada a norma do n.°5 do artigo 114.° do RGIT, e não apenas a do n.°2.
A decisão aqui recorrida contém igualmente todos os elementos que contribuíram para a fixação da coima.
Efetivamente, o que se pretende “com a inclusão na decisão de todos os elementos relevantes para a aplicação da coima é que o destinatário possa aperceber-se facilmente de todos os elementos necessários para a sua defesa, sem necessidade de se deslocar aos serviços da administração tributária para examinar o processo, o que está em sintonia com o direito constitucional à notificação de actos lesivos e à respectiva fundamentação expressa e acessível” (in Jorge Lopes de Sousa, ob cit. pág. 517).
Ora, na decisão de aplicação da coima vêm indicados os elementos que contribuíram para a sua fixação - cfr. artigo 79.°, n.° 1, alínea c), do RGIT -, contendo a mesma a determinação da medida da coima e constando expressamente a graduação em função da gravidade do facto, da culpa do agente, da sua situação económica e da determinação do benefício económico que o agente retirou da prática da contraordenação - cfr. alínea C) dos factos provados.
Em face do exposto, não enferma de nulidade a decisão administrativa aqui recorrida, não se mostrando que tenham sido violadas as alíneas b) e c) do artigo 79.°, n.° 1, do RGIT.
Concluindo-se que nenhuma censura merece a decisão de aplicação de coima aqui recorrida, será de julgar o presente recurso totalmente improcedente.”
Com o assim decidido não se conforma a recorrente que entende ocorrerem as nulidades que assacara à decisão recorrida pelos fundamentos que supra ficaram expostos.
Como decorre do antedito, a questão em dissídio passa fundamentalmente por saber se a decisão aplicativa das coimas padece de nulidade insuprível por não satisfazer as exigências legais da alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT, como estatuído no artigo 63.º, n.º 1, al. b) do mesmo diploma.
Tal como menciona o M° Juiz a quo na decisão de aplicação da coima vêm indicados os elementos que contribuíram para a sua fixação em obediência ao disposto no art. 79° n° 1 b) do RGIT, contendo a mesma a determinação da medida da coima e constando expressamente a graduação em função da gravidade do facto, da culpa do agente, da sua situação económica e da determinação do benefício económico que o agente retirou da prática da contra-ordenação - remetendo para a alínea c) dos factos provados, pelo que tal decisão não enferma de nulidade não se mostrando violadas as normas do artº 79.°, n.°1, al. b), do RGIT.
Evocando o doutrinado por Jorge Lopes de Sousa e de Manuel Simas Santos [in Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, Áreas Editora, 2010, pág. 485], citado, como vimos, na decisão sob censura, “os requisitos previstos neste artigo para a decisão condenatória do processo contra-ordenacional tributário visam assegurar ao arguido a possibilidade do exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão".
Ora, como também é para nós pacífico e em sintonia com o Acórdão deste STA de 07/10/2015, proferido no Proc. n.°0218/15, no requisito da decisão administrativa de aplicação da coima “descrição sumária dos factos”, indicada na primeira parte da alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT, há-de interpretar-se em correlação necessária com o tipo legal de infracção no qual se prevê e pune a contra-ordenação imputada à arguida, pois que os factos que importa descrever, embora sumariamente, na decisão de aplicação da coima não são outros senão os factos tipicamente ilícitos declarados puníveis pela norma fiscal punitiva aplicada.
In casu, perante a factualidade contida na decisão de aplicação da coima entendemos que, num juízo de normalidade, a mesma era apta a que a Arguida/Recorrente apreendesse de forma suficiente, sem necessidade de grande esforço interpretativo, os concretos factos que lhe vêm imputados, tendo presente que está em causa a falta de pagamento de imposto, obrigação que a Arguida/Recorrente tem consciência que sobre ela recai sempre que haja imposto a entregar ao Estado - cfr. alíneas C) e D) dos factos provados.
Assim, os factos tipicamente ilícitos cometidos encontram-se minimamente descritos, através de sumária referência a que foram omitidos os deveres decorrentes das normas tidas como infringidas e em que momento o foram, podendo sustentar-se ser tal descrição suficiente por estarmos perante infracções omissivas puras.
Daí, pois, que no pleno acolhimento das razões meticulosamente explanadas na sentença recorrida, também entendemos que não se verificam as nulidades invocadas pela recorrente quanto à decisão administrativa.
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E também se aprova a solução ditada na sentença recorrida quanto à falta de fundamentação da decisão da aplicação da coima no tocante ao preenchimento dos elementos típicos da contra-ordenação do artigo 114° n° 2, n° 5 a) do RGIT.
Nesta vertente, o pomo da discórdia radica na determinação sobre se a menção da dedução do imposto nos termos legais constitui elemento do tipo legal da contra-ordenação imputada à arguida pelas disposições conjugadas dos artigos 27.º/1 e 41.º/1 a) do CIVA e 26.º/4 e 114.º/1/5/ a) do RGIT e, como tal deverá constar da descrição sumária dos factos.
Nesta vertente, também se aprova o discurso jurídico da sentença, na medida em que a contra-ordenação em causa foi praticada após 1 de Janeiro de 2009, concretamente em 2014 (vide al. A) do probatório).
Como resulta insofismavelmente da sua literalidade, a redacção conferida à alínea a) do n.º 5 do artigo 114.º do RGIT, pela Lei 64-A/2008, de 31 de Dezembro, com entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2009, teve como escopo a expansão da previsão legal de modo a abranger todas as condutas omissivas da obrigação tributária, independentemente do recebimento do imposto por parte do adquirente dos bens/serviços.
Este novo regime aplica-se apenas a factos que sobrevenham após a sua entrada em vigor, marcada pela Lei para 1-1-2009, pois a punição da contra-ordenação é determinada pela lei vigente no momento da prática do facto ou do preenchimento dos pressupostos de que depende (art. 3.º, n.º 1, do RGCO, aplicável por força do disposto no art. 3.º, alínea b) do RGIT).
A partir dessa alteração a dedução do imposto nos termos legais deixou de ser elemento do tipo legal de contra-ordenação imputada à arguida/recorrente, bastando que conste a omissão de entrega da prestação tributária devida dentro do prazo legal, como acontece no caso em análise.
Nesse pendor se vem pronunciando o do STA, como pode ver-se, designadamente, no Acórdão de 03/02/2016, no Proc. 0753/15, publicado em www.dgsi.pt de que extracta o seguinte bloco fundamentador:
«Na al. a) do nº 5 do art. 114º do RGIT dispõe (na actual redacção, introduzida pela Lei nº 64-A/2008, de 31/12) dispõe-se que para efeitos contra-ordenacionais são puníveis como falta de entrega da prestação tributária «a) A falta de liquidação, liquidação inferior à devida ou liquidação indevida de imposto em factura ou documento equivalente, a falta de entrega, total ou parcial, ao credor tributário do imposto devido que tenha sido liquidado ou que devesse ter sido liquidado em factura ou documento equivalente, ou a sua menção, dedução ou rectificação sem observância dos termos legais» (a redacção anterior não incluía a referência «falta de entrega, total ou parcial, ao credor tributário do imposto devido que tenha sido liquidado ou que devesse ter sido liquidado em factura ou documento equivalente»).
Ora, como salientam Jorge Lopes de Sousa e Simas Santos, (Regime Geral das Infracções Tributárias, anotado, 4ª ed., 2010, p. 815.) “as referências à «prestação tributária que nos termos da lei deduziu» e à «prestação tributária deduzida nos termos da lei», que se utilizam no art. 114º do RGIT, têm um evidente alcance restritivo em relação à expressão «imposto devido», que era utilizada no referido art. 95º do CIVA, pois as primeiras apenas abrangem situações em que o sujeito passivo procede à dedução do imposto, subtraindo-a de uma quantia global».
Dessa linha jurisprudencial fixada a partir da entrada em vigor da Lei nº 64-A/2008, de 31/12, decorre que a dedução do imposto nos termos legais não será actualmente elemento do tipo legal da respectiva contra-ordenação, não se impondo, por isso, que em decisão de aplicação de coima relativa a tal contra-ordenação conste a omissão de entrega da prestação tributária devida.
Pontifica, a respeito e em reforço, ou doutrinado no acórdão deste STA, de 25/6/2015, proc. nº 0382/15, no sentido de que o facto de na decisão de aplicação de coima «não haver referência à circunstância de o imposto ter ou não sido recebido deixou de relevar, para o futuro, a partir da alteração introduzida na alínea a) do nº 5 do artigo 114º do RGIT pela Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro, pela qual se passou também a tipificar como contra-ordenação de falta de entrega da prestação tributária a falta de entrega ao credor tributário do imposto devido que tenha sido liquidado ou que o devesse ser e em relação à qual, contrariamente ao que sucede com o tipo previsto no nº 3 do artigo 114º do RGIT, não é elemento essencial da infracção que o imposto tenha sido recebido».
Cfr. no mesmo sentido, o acórdão de 21/10/2015, no proc. nº01175/15.
Destarte, é forçoso concluir que a sentença recorrida, também na vertente sob análise, não enferma do erro de julgamento que a recorrente lhe imputa, pois que não se verifica a nulidade insuprível das decisões de aplicação de coima, delas constando os requisitos mínimos que a lei manda observar e que visam permitir ao visado reagir contra essas mesmas decisões, no exercício do seu direito de defesa, improcedendo, pois, esse fundamento de recurso.
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O acabado de decidir prejudica a cognição a sobrante questão de saber se a situação dos presentes autos não se subsume a nenhuma das normas punitivas aplicadas, nomeadamente artigo 114° n° 2 e 5 do RGIT, mas antes ao normativo do artigo 114° n° 3 do RGIT motivo porque a decisão de aplicação da coima de uma nulidade insuprível, artigo 63° n° 1 alínea d) do RGIT, o que implica a nulidade do processo contra-ordenacional e sua correspondente extinção.
Na verdade, a sentença recorrida não enferma do erro de julgamento que o recorrente lhe imputa, pois que não se verifica a nulidade insuprível da decisão de aplicação de coima, dela constando os requisitos mínimos que a lei manda observar e que visam permitir ao visado reagir contra essas mesmas decisões, no exercício do seu direito de defesa, sendo a situação dos presentes subsumível às normas punitivas aplicadas, como se deixou demonstrado.
Em suma:
Preenche assim o tipo legal da infracção em causa a conduta da arguida consistente na falta de entrega da prestação tributária pois deixou de ser requisito da mesma, a partir da entrada em vigor da lei 64-A/2008, de 31/12, o recebimento de tal prestação por parte do adquirente dos bens ou serviços.
E uma vez que a factualidade se subsume à previsão típica das normas contra-ordenacionais invocadas na decisão aplicativa de coimas e sufragadas na sentença no sentido de que não se verifica a ocorrência de qualquer das nulidades assacadas pela arguida e ora recorrente, por não ser merecedora da censura de que foi alvo, deverá a sentença ser integralmente mantida, negando-se provimento ao recurso.
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3.- Decisão

Termos em que, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Central Administrativo em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.
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Lisboa, 9 de Outubro de 2019. – José Gomes Correia (relator) – Francisco Rothes – Aragão Seia.