Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0678/12
Data do Acordão:09/26/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:OPOSIÇÃO
IMPUGNAÇÃO
CONVOLAÇÃO
Sumário:I – Julgado verificado o erro na forma do processo utilizado haverá que, em face dos termos imperativos do disposto nos artigos 97.º, n.º 3 da LGT e 98.º, n.º 4 do CPPT e por razões de economia processual, ordenar a convolação da petição apresentada para a forma de processo adequada, quando tal convolação seja necessária para que o interessado possa obter o efeito útil pretendido e a menos que a convolação se traduza na prática de um acto inútil, e como tal proibido por lei.
II – Não se verifica obstáculo à “convolação” em impugnação judicial de uma oposição à execução fiscal interposta dentro do prazo e na qual se questiona a legalidade em concreto da dívida exequenda, ainda que o oponente tenha formulado pedido de “levantamento da execução”.
Nº Convencional:JSTA00067804
Nº do Documento:SA2201209260678
Data de Entrada:06/18/2012
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PORTO
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART204 ART98 N4 ART102 N1 A.
LGT98 ART97 N3.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC051/08 DE 2008/04/16.; AC STA PROC0925/08 DE 2009/02/04.; AC STA PROC0924/08 DE 2009/02/11.; AC STA PROC0366/10 DE 2010/07/07.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO VOLII 6ED 2011 PAG92.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório-
1 – A……, com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal administrativo e Fiscal do Porto, de 24 de Fevereiro de 2010, que, por erro na forma de processo, indeferiu liminarmente a oposição por si deduzida contra a execução fiscal n.º 3352200701006474, instaurada para cobrança coerciva de dívida de IRS relativa ao ano de 2002, para o que apresentou as seguintes conclusões:
1) O requerimento de Oposição à execução Fiscal apresentado pelo Requerente encontra-se inquinado por erro na forma de processo aplicável,
2) Sendo obrigatória, nos termos do artigo 97.º, n.º 3 da LGT e 98.º, n.º 4 do CPPT, a convolação da dita Oposição em meio de Impugnação Judicial.
3) Uma vez que nada obsta à dita convolação.
4) De facto, a impugnação, a ter sido a forma de processo utilizada, foi deduzida tempestivamente,
5) E, para mais, apesar de não ter sido pedida explicitamente a anulação do acto tributário no articulado da Oposição à Execução Fiscal, é perceptível a intenção do oponente de o atacar,
6) Como, aliás, se reconhece na sentença recorrida, particularmente quando se afirma que o que o recorrente pretendeu alegar foi “a ilegalidade em concreto da liquidação que deu origem à execução”.
7) Assim sendo, a sentença recorrida deveria ter admitido a convolação do Requerimento de Oposição à Execução Fiscal em Impugnação Judicial, como, aliás, resultava do Parecer do ilustre Mandatário do Ministério Público.
8) Ao entender de forma diversa, a sentença recorrida violou as disposições conjugadas dos artigos 97.º n.º 3 da LGT e 98.º, n.º 4 do CPPT, e, consequentemente, o princípio da economia processual previsto no art. 7.º do CPTA e aplicável ao procedimento nos termos do art. 2.º do CPPT.
TERMOS EM QUE, REVOGANDO-SE A SENTENÇA DO TRIBUNAL A QUO, SUBSTITUINDO-A POR UMA OUTRA QUE PROCEDA À CONVOLAÇÃO EM IMPUGNAÇÃO, FAR-SE-Á JUSTIÇA:

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 135 e 136, concluindo no sentido de que o recurso merece provimento.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação -

4 – Questão a decidir
É apenas a de saber se, in casu, devia a oposição deduzida - em relação à qual se julgou haver erro na forma de processo, pois que o oponente pretendia, de facto, questionar a legalidade em concreto da dívida – ter sido convolada em impugnação judicial (meio processual adequado para questionar a legalidade da liquidação de IRS que está na origem da dívida exequenda).

5 – Matéria de facto
Na decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto objecto do presente recurso foram dados como provados os seguintes factos:
a) Foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 3352200701006479 contra o agora oponente A...... para pagamento da quantia de 93.179,59 euros por dívida de IRS do ano de 2002 – cfr. folhas 79 e 80 dos autos;
b) O término do prazo de pagamento voluntário da dívida de IRS do ano de 2002 ocorreu em 26.12.2006 – cfr. notificação da liquidação de fls. 24 dos autos;
c) Não foi deduzido processo de impugnação judicial sobre a questão suscitada nos presentes autos – cfr. informação de fls. 98 dos autos;
e) (sic) A presente Oposição foi interposta em 07.03.2008 – cfr. fls. 2 dos autos.

6 – Apreciando.
6.1 Da possibilidade de “convolação” da oposição deduzida em impugnação judicial
A sentença recorrida, a fls. 100 a 106 dos autos, considerando que oponente questiona, tão só, a legalidade da liquidação efectuada e que deu origem à dívida exequenda e que não se enquadrando o fundamento invocado em qualquer das previsões do art. 204.º do CPPT e existindo legalmente meio judicial de impugnação julgou verificada a nulidade de erro na forma de processo (cfr. sentença recorrida a fls. 103 dos autos), insusceptível de convolação em impugnação judicial, ex vi do disposto nos artigos 97.º n.º 3 da LGT e 98.º n.º 4 do CPPT, pois que o oponente termina o seu articulado pedindo que “(…) se digne julgar procedente e provada a presente oposição com todas as legais consequências, designadamente a do levantamento da execução (…), pedido este julgado não consentâneo com o processo de impugnação judicial, pelo que não poderá haver convolação dos autos em autos de impugnação (cfr. sentença recorrida, a fls. 104 e 105 dos autos).
O recorrente, aceitando a decisão relativa à existência de erro na forma de processo (cfr. a conclusão 1) das suas alegações de recurso), insurge-se contra a não convolação da oposição em impugnação judicial, obrigatória, nos termos do artigo 97.º, n.º 3 da LGT e 98.º, n.º 4 do CPPT, uma vez que nada obsta à dita convolação, pois que a impugnação, a ter sido a forma de processo utilizada, foi deduzida tempestivamente, e, para mais, apesar de não ter sido pedida explicitamente a anulação do acto tributário no articulado da Oposição à Execução Fiscal, é perceptível a intenção do oponente de o atacar, como, aliás, se reconhece na sentença recorrida, particularmente quando se afirma que o que o recorrente pretendeu alegar foi “a ilegalidade em concreto da liquidação que deu origem à execução.
O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal, no seu parecer a fls. 135 e 136 dos autos, pronuncia-se no sentido do provimento do recurso, pois que a tal nada obsta, antes a convolação é legalmente imposta, visto que a petição de oposição foi apresentada em 8.03.2007 (e não, em 7.03.2008, como por lapso se estabelece a alínea e) no probatório, sendo tal lapso passível de correcção na medida em que respeita a uma ocorrência processual sujeita à percepção directa e imediata do tribunal de recurso), pelo que a impugnação é tempestiva, e o recorrente pretende questionar a legalidade concreta do acto de liquidação do imposto, embora formulando o pedido inadequado de levantamento da execução, que deve ser interpretado como sequencial do pedido implícito de anulação do acto tributário (cf. neste sentido acórdão STA-SCT 4.02.2009 processo nº 925/08).
Vejamos.
Julgado verificado o erro na forma do processo utilizado – não questionado, antes expressamente aceite pelo recorrente (cfr. a conclusão 1) das suas alegações) – haverá que, em face dos termos imperativos do disposto nos artigos 97.º, n.º 3 da LGT e 98.º, n.º 4 do CPPT e por razões de economia processual, ordenar a convolação da petição apresentada para a forma de processo adequada, quando tal convolação seja necessária para que o interessado possa obter o efeito útil pretendido e a menos que a convolação se traduza na prática de um acto inútil, e como tal proibido por lei, como paradigmaticamente sucede no caso de extemporaneidade do novo meio processual para o qual fosse convolada a petição.
Ora, não obstante o consignado na alínea e) do probatório fixado, a intempestividade da petição não constitui in casu obstáculo à convolação, pois que o prazo de impugnação é de 90 dias contados do termo do prazo para pagamento voluntário (artigo 102.º n.º 1, alínea a) do CPPT), o que no caso dos autos corresponde ao dia 26.12.2006 (cfr a alínea b) do probatório fixado), e, embora a alínea e) do probatório fixado consigne que a oposição foi interposta em 07.03.2008, o certo é que o terá sido em data necessariamente anterior a 08.03.2007, pois que o processo de oposição foi autuado nesta última data (cfr. fls. 1 dos autos), sendo logicamente impossível que a autuação seja anterior à entrega da petição.
Assim, como bem diz o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal, verifica-se quanto à data constante da alínea e) do probatório fixado um lapso, importando e sendo possível proceder à sua correcção, pois que não pode, obviamente, de tal lapso decorrer prejuízo para o recorrente, a quem o lapso não é minimamente imputável, sendo desnecessário fazer baixar o processo à primeira instância para determinar essa correcção, pois que há elementos nos autos que permitem ao tribunal de recurso proceder à respectiva correcção.
Não sendo, no caso dos autos, a intempestividade da oposição obstáculo à convolação, também o não é, ao contrário do decidido, o facto de o oponente ter concluído a sua petição de oposição (a fls. 2 a 4 dos autos) requerendo ao tribunal que «se digne julgar procedente e provada a presente oposição com todas as legais consequências, designadamente a do levantamento da execução (cfr. fls. 4 dos autos)», tanto mais que o que nela questiona é, como julgado e resulta manifesto do teor da petição apresentada, a legalidade da liquidação.
É que, afastado o rigor formalista na interpretação das peças processuais, desadequado aos tempos presentes e expressamente rejeitado pelos modernos direitos processuais que procuram dar tradução ao princípio tutela jurisdicional efectiva dos direitos e interesses das partes, há-de concluir-se que a petição de oposição apresentada pode interpretar-se como contendo um pedido implícito no sentido da anulação da liquidação – pois que se questiona a legalidade em concreto da liquidação que está na origem da dívida exequenda - sendo de interpretar a referência ao “levantamento da execução” como decorrência expectável daquela anulação, ou como diz o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, como pedido consequencial do pedido implícito de anulação do acto tributário.
Ensina JORGE LOPES DE SOUSA que «(…) em situações deste tipo, deverá ter-se em conta a possibilidade de interpretação da petição, designadamente se nela é detectável um pedido implícito compatível com a forma de processo adequada. Na verdade, (…), para aproveitamento da petição não interessará que o pedido esteja devidamente formulado, sendo relevante o efeito jurídico que se tem em vista. Por isso, se, interpretando a petição, se conclui que o oponente pretende a eliminação jurídica de um acto que identifica, não haverá obstáculo à convolação.» (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, volume II, 6.ª edição, 2011, Lisboa, Áreas Editora, p. 92 - nota 10 e) in fine ao artigo 98.º do CPPT).
Este Supremo Tribunal já assim o entendeu em casos semelhantes – cfr. os Acórdãos deste Supremo Tribunal de 16 de Abril de 2008, rec. n.º 51/08, de 4 de Fevereiro de 2009, rec. n.º 925/08 (citado quer pelo recorrente quer pelo Ministério Público), de 11 de Fevereiro de 2009, rec. n.º 924/08 e de 7 de Julho de 2010, rec. n.º 366/10 – não havendo razão, antes pelo contrário, para decidir de modo diverso, como fez a sentença recorrida, que não pode, por isso, manter-se.

O recurso merece provimento.

- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em, no provimento do recurso, revogar a sentença recorrida e anular todo o processado desde a petição inicial (que se aproveita), determinando-se a convolação dessa petição de oposição em petição de impugnação, ex vi do disposto nos artigos 97.º, n.º 3 da LGT e 98.º, n.º 4 do CPPT.


Sem custas, pois a recorrida não contra-alegou.
Lisboa, 26 de Setembro de 2012. – Isabel Marques da Silva (relatora) – Lino Ribeiro – Dulce Neto.