Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0638/13
Data do Acordão:10/23/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PRESSUPOSTOS
Sumário:I - O recurso de revista excecional previsto no artº 150º do CPTA só é admissível se for claramente necessário para uma melhor aplicação do direito ou se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental.
II - Não se justifica, à luz da apontada disposição legal, a admissão de revista para reapreciar a questão de saber se, no caso de um agregado familiar, a verificação dos pressupostos quantitativos de aplicação da norma do artigo 87.º, alínea f), da LGT, se afere relativamente a cada um dos sujeitos passivos que o componha (como desde o início foi alegado pelos recorrentes), ou se, pelo contrário, se afere relativamente ao agregado familiar no seu conjunto (como resulta das decisões proferidas nos autos, nos termos atrás referidos).
Nº Convencional:JSTA000P16442
Nº do Documento:SA2201310230638
Data de Entrada:04/22/2013
Recorrente:A............ E OUTRO
Recorrido 1:DIRGER DOS IMPOSTOS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I – A………… e B…………, com os demais sinais nos autos, vêm, ao abrigo do disposto no artº 150º do CPTA, recorrer do acórdão do TCA Norte proferido em 15/02/2013, que negou provimento ao recurso por eles interposto, da decisão do TAF do Porto que julgara improcedente o recurso apresentado contra a decisão do Diretor de Finanças de Coimbra que fixou o seu rendimento coletável por métodos indiretos, para efeitos de IRS dos anos 2005, 2006, 2007, 2008 e 2009, apresentando para o efeito, alegações nas quais conclui:

A). Com o presente recurso de revista, pretende impugnar-se o entendimento segundo o qual, estando em causa um problema relativo à determinação [indireta] da matéria tributável e quando perante uma tributação conjunta do agregado familiar, se admita que a matéria tributável não carece de ser determinada, seja nos pressupostos, seja na sua quantificação, por referência individual a cada um dos sujeitos passivos que componha o agregado familiar, como assim se entendeu no acórdão recorrido, onde se refere que, no caso de tributação conjunta, os pressupostos de facto do imposto “terão de considerar-se preenchidos em relação a ambos os cônjuges e sem ser necessário estabelecer a titularidade do rendimento para efeitos de tributação”.

B). Tendo em conta esse entendimento, que se impugna, no presente recurso está em causa a questão de saber se, no caso de um agregado familiar, a verificação dos pressupostos quantitativos de aplicação da norma do artigo 87.º, alínea f), da LGT, se afere relativamente a cada um dos sujeitos passivos que o componha (como desde o início foi alegado pelos recorrentes), ou se, pelo contrário, se afere relativamente ao agregado familiar no seu conjunto (como resulta das decisões proferidas nos autos, nos termos atrás referidos).

C). Devem considerar-se preenchidos os pressupostos do recurso de revista, porquanto:
a) Para além da decisão casuística que venha a ser proferida em sede de revista, o facto é que a utilidade desta extravasa os limites do caso concreto e das partes envolvidas no litígio e representa uma orientação para a resolução de possíveis casos que, no futuro podem repetir-se, sendo, também por isso, a revista necessária para uma melhor aplicação do direito de modo a garantir a sua uniformização perante uma matéria que, como se verá, foi tratada pelas instâncias de forma pouco consistente e equívoca, não se olvidando que a matéria interliga institutos jurídico-tributários fundamentais, quais sejam o da tributação conjunta do rendimento da família e as consequências que daí se possam extrair em sede de avaliação indireta do rendimento, maxime ao nível da influência que a tributação conjunta possa em sede de determinação da matéria coletável.
b) Paralelamente, saber se a aplicação de um determinado regime legal que está dependente de uma ponderação quantitativa quanto aos rendimentos, pode, ou não, representar um agravamento da tributação por se considerarem os rendimentos do agregado familiar e não os rendimentos individuais de cada sujeito passivo, é matéria com manifesto interesse comunitário uma vez que contende com uma instituição central da tecido social e que abrange uma vastíssima panóplia de sujeitos.
c) Assim, o facto de se saber se, havendo tributação conjunta, torna-se desnecessário estabelecer a titularidade do rendimento para efeito de tributação daí se entendendo que a verificação dos pressupostos quantitativos estabelecidos na alínea f) do artigo 87.º, da LGT, não tem de ser efetuada por sujeito passivo, podendo sê-lo por agregado familiar, é, por excelência matéria “talhada” para este recurso excecional que o legislador estabeleceu como válvula de segurança do sistema jurídico para casos como o presente.

D). Ao tempo dos factos tributários de 2005 a 2008, inclusive, a alínea f) do art.º 87.º da LGT, aditada pela Lei n.º 55- B/2004, de 30 de dezembro, dispunha do seguinte modo:
“Existência de uma divergência não justificada de, pelo menos, um terço entre os rendimentos declarados e o acréscimo de património ou o consumo evidenciados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação”;

E). Perante os termos verbais, a ratio e a teleologia do artº 18.º, n.º 3, da LGT, e 13.º, n.º 2, do CIRS, os sujeitos passivos do IRS, no caso de existir agregado familiar, são as pessoas a quem incumbe a sua direção, e essas pessoas, no caso de agregado familiar constituído por cônjuges, são, atualmente, perante o disposto no art.º 1671.º, n.º 2, do Código Civil, marido e mulher;

F). Ao impor a tributação conjunta dos rendimentos do agregado familiar, o art.º 13º, n.º 2, do CIRS, ou qualquer outra norma do sistema, não prescreve qualquer confusão entre os rendimentos brutos das pessoas que constituem o agregado familiar ou a fusão de todos esses rendimentos brutos numa nova unidade orgânico-tríbutária em relação à qual todos os efeitos fiscais passem depois a ser estabelecidos imediatamente, mas continua, antes, a manter-se a autonomia dos rendimentos de cada uma das pessoas do agregado familiar até à fase da englobamento, nomeadamente, para efeitos das deduções específicas sobre cada um desses rendimentos e seus diversos tipos, mesmo que estes sejam da categoria G;

G). Se o art.º 87.º, alínea f), da LGT fala de “acréscimo patrimonial evidenciado pelo sujeito passivo” e se os rendimentos, incluindo os advindos de incrementos patrimoniais, são imputados ao agregado familiar como rendimentos próprios de que os cônjuges sejam, pessoal ou conjuntamente, titulares apenas para englobamento e depois das deduções específicas, não tem a mínima justificação racional dar ao acréscimo patrimonial a que alude o artº 87.º, alínea f), da LGT um sentido diferente, imputando-o logo ao agregado familiar, sem primeiro o imputar coma rendimentos próprios a cada um dos membros da sociedade familiar;

H). As normas do artº 87.º, alínea f), e 89.º-A, n.º 5, da LGT não são normas definidoras da titularidade de rendimentos fiscais ou normas de incidência tributária, mas sim normas de avaliação (indireta) da matéria tributável, sendo que esta se exprime em elementos positivos e negativos;

I). A interpretação do art.º 87.º, alínea f), da LGT, conforme com os valores constitucionais de não discriminação negativa da família, consagrados nos art°s 67.º. n.º 2, alínea f), e 104.º, n.º 1; da igualdade, prescrito no artº 13 (basta pensar na existência de rendimentos diferentes dentro do agregado e iguais fora do agregado familiar) e da limitação das em face da regra constante do artº 18.º, n.º 2, da CRP, de limitação das leis restritivas de direitos constitucionais, como são os da proteção da família, apenas ao necessário para salvaguardar outros direitos constitucionais, como é o direito do Estado a arrecadar as receitas fiscais necessárias para satisfazer as suas necessidades financeiras (art.º 103.º, nº 1) — limitação essa prescrita no art.º 18.º, n.º 2 -, todos os preceitos da CRP, é aguda segundo a qual o apuramento das situações que cabem no preceito se deve fazer em relação a cada um dos cônjuges, no caso de agregado familiar;

J). O uso, pela LGT, de um instrumento jurídico-fiscal, como é o previsto no art.º 87.º, alínea f), e 89.º-A, n.º 5, que tenha por resultado, ter-se por verificados os pressupostos dessa norma e, em consequência, poder-se imputar, direta e imediatamente, a cada um dos dois cônjuges, ou a quem tiver a direção conjunta do agregado familiar, o rendimento bruto indistinto apurado em relação ao agregado familiar, advindo de tais acréscimos patrimoniais não justificados, é, chocantemente, desproporcionado e ilegítimo constitucionalmente, em face da regra constante do art.º 18.º, nº 2, da CRP, de limitação das leis restritivas de direitos constitucionais, como são os da proteção da família, ao necessário para salvaguardar outros direitos constitucionais, e da possibilidade de ambos os cônjuges poderem ser diretamente constituídos como arguidos do crime de burla p. e p. pelo art.º 103.º do RGIT;

K). A exigência constante do art.º 9.º do C. Civil, adquirida também para o direito fiscal, por mor da regra constante do art.º 11º da LGT, de que “não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”, tem de ser entendida, no domínio do direito definidor de tipos legais, como é o direito fiscal que se prende com os elementos essenciais dos impostos [art.º 103.º, nºs 2 e 3, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP], como sendo aquele sentido que pode ser captado pelo cidadão medianamente diligente, sensato e avisado, e esse sentido do art.º 87.º, alínea f), da LGT não é o de que o apuramento das situações que cabem no preceito se faça em relação ao agregado familiar, mas em relação a cada um dos cônjuges;

R). A disposição do art.º 87.º, alínea f) da LGT, na versão que foi introduzida pela Lei n.º 94/2009, de 1 de setembro, não deve ser interpretada de forma diferente no tocante à questão analisada nas conclusões antecedentes

S). A norma do artigo 87.º, f), da LGT, quer na redação original, quer na versão introduzida pela Lei n.º 94/2009, interpretada no sentido de que a verificação dos pressupostos quantitativos nele estabelecidos (para que possa haver lugar a tal forma de avaliação indireta) não tem de ser efetuada por sujeito passivo, podendo sê-lo por agregado familiar, é inconstitucional por violação do disposto nos artigos 13.º, 67.º. n.º 2, alínea f), e 104.º, n.º 1, da norma normarum.

II. Em contra alegações veio a recorrida Fazenda Publica concluir, da seguinte forma:

Iª). A Entidade Recorrida entende que inexiste a relevância jurídica ou social importância fundamental ou que recurso seja claramente necessário para uma melhor aplicação do direito, requisitos que a lei faz depender a admissibilidade do recurso de revista.

IIª). A questão invocada pelos Recorrentes é, grosso modo, a seguinte:
Em casos de evasão fiscal - porque é disso que se tratam as situações que preenchem o artigo 87.º, al. f), da LGT - os sujeitos passivos casados devem ser tratados, para efeitos de verificação dos pressupostos de avaliação indireta, como se fossem sujeitos passivos autónomos?

IIIª). Não reveste relevância social fundamental dar tutela à evasão fiscal, nem se vislumbra que interesse comunitário aí se pode descortinar.

IVª). O artigo 87.º, f), da LGT, vigora no nosso ordenamento jurídico já lá vão mais de 8 (oito) anos, sendo esta a primeira vez que a questão se suscita - talvez também pela óbvia falta de sustentação -, em centenas de processos desta natureza.

Vª). Razão pela qual dificilmente se antevê uma capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular.

VIª). O mesmo se diga quanto à relevância jurídica fundamental, pois estamos perante uma questão que encontra pleno assentimento quer na letra quer no espírito da lei.

VIIª). Leia-se, para o efeito, o disposto no artigo 13.º, nº 6, do CIRS:
«(...) as pessoas referidas nos números anteriores [as pessoas que integrem um agregado familiar] não podem fazer parte de mais do que um agregado familiar nem, integrando um agregado familiar, ser consideradas sujeitos passivos autónomos».

VIIIª). Nem esta questão suscitou qualquer dúvida ou diferendo, tendo o Tribunal Central Administrativo Norte - aduzindo fundamentação é certo face ao reforço argumentativo dos Recorrentes - meramente confirmado o que já claro havia ficado na douta sentença do TAF do Porto.

IXª). Não se indicia sequer do presente recurso que complexidade é essa fora do vulgar que justifique a intervenção de uma terceira instância...

Xª). Permitir qualquer outra leitura, não só esvazia de conteúdo o disposto no artigo 87.º al. f), como viola frontalmente o princípio da igualdade, na sua vertente do combate à fraude e evasão fiscal, que subjaz e norteia a tributação dos incrementos patrimoniais não justificados.
Caso se entenda admitir o presente recurso, dir-se-á ainda o seguinte,

XIª). Ainda que se aceitasse a tese dos Recorrentes, isto é que os mesmos deveriam ser considerados como sujeitos passivos autónomos, apesar de casados, para efeitos de verificação dos pressupostos do artigo 87.º, al. f), da LGT, ainda assim, nos anos de 2006, 2007 e 2008 estariam verificados os referidos pressupostos.

XIIª). Delimita-se pois assim, desde já, a questão aos anos de 2005 e 2009, pois que para os restantes (2006, 2007 e 2008) ainda que se acolhesse a tese do Recorrentes, sempre teriam de se ter por verificados os pressupostos de aplicação do artigo 87.º, al. f) da LGT.

XIIIª). Começando pelo óbvio, mas aparentemente olvidado pelos Recorrentes, ainda que se verifiquem os pressupostos a tributação do artigo 87.º, n.º 1, al. f), da LGT, esta só ocorre efetivamente, e por isso esta lide existe, se e somente se, os sujeitos passivos não justificarem a origem não tributável dos incrementos patrimoniais.

XIVª). Por outras palavras, a obrigação de imposto não nasce por mera verificação da existência de um incremento patrimonial.

XVª). Nasce porque não houve justificação desse mesmo incremento patrimonial.

XVIª). Nasce da evasão fiscal...

XVIIª). Entendem os Recorrentes, porque são casados, que tem direito a evadir-se da obrigação de imposto até €200.000,00.

XVIIIª). Não deixa pois de ser curiosa a interpretação fiscal da família que os Recorrentes adotam.

XIXª). Chamar neste âmbito à colação o princípio da igualdade merece apenas uma reação da maior repulsa e vergonha!

XXª). Então e a igualdade com quem não se exime às suas obrigações de cidadania?

XXIª). Não há, nem pode haver, proteção jurídica para a evasão fiscal!

XXIIª). Seguindo a tese interpretativa dos Recorrentes, apresente-se o seguinte exemplo:
No ano “n” duas pessoas unidas de facto - “A” a “B” - apresentam declarações de rendimentos separadas. No ano n+1 o senhor “A” vai receber umas verbas que não pretende declarar no seu IRS, no montante de €150.000,00, o que é que ele faz?

XXIIIª). Bem, seguindo a interpretação dos Recorrentes é fácil eximir-se à obrigação de imposto, basta apresentar uma declaração conjunta com a senhora “E”.

XXIVª). Mas continue-se neste exercício, vejamos a congruência do sistema fiscal.

XXVª). Defendem os Recorrentes que a verificação dos pressupostos de aplicação do artigo 87.º, n.º1, al. f), da LGT, se deve realizar autonomamente para cada elemento do agregado familiar.

XXVIª). Vamos então uma vez mais indulgenciar a tese do Recorrente com um exemplo, “A” e “B”, casados, entregam declaração conjunta de IRS, sendo que foram detetados incrementos patrimoniais não justificados no valor de € 250.000,00 e o senhor “A” até vem ao procedimento declarar que esse rendimento foi obtido por si.

XXVIIª). Bem, significará isso que só o senhor “A” é sujeito passivo do IRS, só este deverá suportar o respetivo imposto?

XXVIIIª). Claro que não, a responsabilidade de imposto é do senhor “A” e da senhora “B” na medida em que constituem um agregado familiar, na medida em que constituem uma economia comum.

XXIXª). Disto mesmo, nos deu conta, o douto Acórdão do TCA Norte, Processo n.º 00470/05.OBEERG, de 13-11-2008, onde se pode ler:
«No caso específico do IRS, julgamos ser, ainda, imprescindível, objetivando um amplo e pleno tratamento da questão em curso, atentar na especificidade decorrente do estatuído no art. 14.º nºs 2 e 3 al. a) CIRS (redação vigente nos anos de 1997, 1998 e 1999)
Com reprodução integral no, atual, art. 13.º nºs 2 e 3 al. a) CIRS., no sentido de que “Existindo agregado familiar, o imposto é devido pelo conjunto dos rendimentos das pessoas que o constituem, considerando-se como sujeitos passivos aqueles a quem incumbe a sua direção” sendo que o agregado familiar é constituído, desde logo, pelos cônjuges não separados judicialmente de pessoas e bens e os seus dependentes.
Ou seja, no campo deste imposto sobre o rendimento, a disciplina substantiva do tributo estabelece um regime privativo, próprio, para a incidência pessoal do tributo, procedendo a uma identificação clara e precisa de quem reúne as condições para, ser sujeito passivo, ficar sujeito a IRS.
Consequentemente, no caso de cônjuges não separados judicialmente de pessoas e bens, os pressupostos do facto tributário devem ter-se por preenchidos em relação a ambos, sem que se torne necessário estabelecer a titularidade de cada parcela do rendimento englobado para efeitos de tributação, do que deriva serem ambos, solidariamente, responsáveis pelo cumprimento da dívida tributária, nos termos e para os efeitos do artº 21.º n.º 1 LGT».

XXXª). Então que sentido faria que para efeitos de verificação dos pressupostos de aplicação do artigo 87º, nº 1, al. f), da LGT, os cônjuges devessem ser tidos como sujeitos passivos autónomos, mas que quanto à obrigação de imposto daí resultante fossem responsáveis ambos?

XXXIª). É simples. Não faz sentido.

XXXIIª). Aliás a lei é clara, determina o artigo 13.º, nº. 6, do CIRS, que:
«(....)as pessoas referidas nos números anteriores não podem fazer parte de mais do que um agregado familiar nem, integrando um agregado familiar, ser consideradas sujeitos passivos autónomos».

XXXIIIª) Alegam ainda os Recorrentes que “os rendimentos brutos fiscalmente relevantes são de quem os adquire. Se um cônjuge ganha 1.000 e outro apenas 100 euros, cada rendimento tem-se fiscalmente adquirido por quem o ganhou” - p. 15 do recurso de revista

XXXIVª). Pois é, mas isso é precisamente para efeitos de controle declarativo da administração tributária.

XXXVª). Controlo declarativo esse que inexiste, por razões óbvias, nos incrementos patrimoniais não justificados.

XXXVIª). É perfeitamente inócuo, para efeitos de liquidação, que tenha sido o cônjuge “A” a ganhar os € 1000 e o cônjuge “B” a ganhar os 100 euros ou vice-versa...

XXXVIIª). Aliás, diga-se, seguir o entendimento propugnado pelos Recorrentes a prazo o artigo 87.º, n.º 1, al. f), da LGT, de nada servirá como instrumento de combate à fraude e evasão fiscal.

XXXVIIIª). Se a imputação se deve efetuar como se de sujeitos passivos autónomos se tratassem, perante um incremento patrimonial não justificado o cônjuge “A” diria que o incremento era do cônjuge “B”, fazendo este o inverso...

XXXIXª). Apesar de ambos, como agregado familiar que são beneficiarem do referido incremento patrimonial...

XLª). Resumindo, os Recorrentes pretendem comparar o incomparável alegando que daí resulta uma violação do princípio da igualdade.

XLIª). Primeiro, não cremos que haja um qualquer direito à igualdade na evasão fiscal merecedor de tutela constitucional ou sequer legal.

XLIIª). Segundo, só existiria violação do princípio da igualdade se estivéssemos perante situações iguais, que não estamos, como bem explica quer o douto acórdão recorrido, quer a douta sentença do TAF do Porto.

XLIIIª). Por assim ser, e por todo o constante do douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, não pode o mesmo merecer qualquer censura.

III. O Mº Pº emitiu o parecer que consta de fls.1400/1401 no qual sustenta que a sua intervenção circunscreve-se “…à apreciação do mérito do recurso…” sendo “…posterior à apreciação preliminar sumária sobre a verificação dos pressupostos para conhecimento do recurso, por formação constituída pelo Juízes mais antigos da secção (artº 146º, nº 1 e 150º, nº 5 do CPTA).

IV. Colhidos os vistos legais cabe agora decidir.

V. Com interesse para a decisão foram dadas como provados no acórdão recorrido os seguintes factos:

1º). Em 22/07/2010, foi elaborada informação pela Direção de Finanças de Aveiro, na qual se solicitou à Direção de Finanças de Coimbra autorização para elaboração de atos de inspeção aos Impugnantes; (fls. 322 a 336 dos autos).

2º). A informação foi determinada em consequência das ações inspetivas às empresas “C…, S.A.” NIF ...., e “D….., S.A.” NIF ....“ que culminaram na abertura de Processo de Inquérito, n.º 93/08.2IDAVR (fls. 322 a 336 dos autos);

3º). Em 30/03/2009, no âmbito do referido Processo de Inquérito procedeu-se ao Mandado de busca e apreensão, quer nas referidas empresas, quer na residência dos recorrentes, tendo sido apreendidos na residência destes, entre outros, documentos bancários de contas particulares, dólares e dinheiro. (fls. 322 a 336 dos autos);

4º). Os recorrentes eram à data dos atos administradores comuns às três empresas: C…., S.A. e D……, S.A.”e E…..,S.A. (fls. 322 a 336 dos autos);

5ª). Em 18/03/2011, os Serviços de Inspeção Tributária da Direção Distrital de Finanças de Aveiro elaboraram o projeto de relatório de inspeção tributária de que se junta cópia certificada de fls. 43 a 57 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e de onde, além do mais, consta o seguinte:


«DESCRIÇÃO SUCINTA DAS CONCLUSÕES DA AÇÃO DE INSPEÇÃO

Em sede de Imposto S/ Rendimento Pessoas Singulares ……€1.761.890,76

Em sede de Imposto S/ Rendimento Pessoas Singulares…… €1.761.890,76

Exercício de 2005…………………………………….. 106.328,28€



(…)

IV.6

Ora no caso em apreço verificamos que, se por um lado:

O valor correspondente aos depósitos efetuados, que integram os saldos das contas bancárias, cujos titulares são o casal (B… e A... ), ascendem o €193.880,60 (2005); €501.086,60(2006); €963.320,00(2007); €359.872,26 (2008) e €93.561,94 (2009).

Os montantes apreendidos na residência dos sujeitos passivos em 2009, ascendem a € 257.755,96. Por outro lado:

Os rendimentos declarados pelo sujeito passivo e cônjuge, cingiram-se às importâncias de € 87.552,32 (2005), €90.510,43 (2006), €93.034,04 (2007), €93.673,64 (2008) e €242.876 não comportam, em cada ano, o referido acréscimo patrimonial.



Questionados os sujeitos passivos, nos termos do disposto no n.º3 do artigo 89.ºA-da LGT, sobre a origem daqueles rendimentos, não foi prestado, até à data, qualquer esclarecimento e/ou justificação, pelo que os valores em causa, passam a constituir rendimentos auferidos pelos sujeitos passivos, integrando o seu património.
Assim, face a divergências não justificadas quando comparadas com os rendimentos declarados estão reunidos os pressupostos para o recurso à avaliação indireta, previstos na alíneas f) do artigo 87.º da LGT, a fim destes Serviços determinarem o rendimento tributável do sujeito passivo em apreço para os anos de 2005 a 2009, conforme se apura no capítulo seguinte.
Estes incrementos patrimoniais não justificados e determinados nos termos do art.º 87.º e 89.º-A da LGT, constituem rendimentos da categoria G, de acordo com o descrito na alínea d) do n.º 3 do artigo 9.ºdo CIRS.

V. CRITÉRIOS E CÁLCULOS DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRETOS
(…)

V.1.1 Exercício de 2005, 2006, 2007 e 2008

Nos termos da alínea f) do artigo 87.º da LGT, redação anterior à Lei n.º 94/2009 de 1 setembro, a avaliação indireta só pode efetuar-se no caso de “(...) Existência de uma divergência não justificada de, pelo menos um terço entre os rendimentos declarados e o acréscimo de património ou o consumo evidenciados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação.”

Assim existindo pressupostos para a aplicação dos métodos indiretos, propomos os seguintes incrementos patrimoniais a tributar, conforme quadro anexo:


Relativamente ao exercício de 2009, a alínea f) do art.º 87 da LGT, com a redação dada pela Lei n.º 94/2009 de /09, dispõe que a avaliação indireta pode efetuar-se em caso de “(...) Acréscimo de património ou despesa efetuada, incluindo liberalidades, de valor superior a € 100.000, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificado com os rendimentos declarados”, pelo que neste exercício propomos o seguinte incremento a tributar, conforme quadro abaixo:




6º). Os recorrentes foram notificados na pessoa do seu mandatário Dr. F por carta registada, datada de 21/03/2011 do projeto de decisão para efeitos de direito de audição, que aqui se dá por integralmente reproduzido. (fls. 42 dos autos);

7º). Em 04/04/2011, os Serviços de Inspeção Tributária da Direção Distrital de Finanças de Aveiro elaboraram o Relatório de Inspeção Tributária que mereceu provimento superior do Diretor de Finanças de Coimbra, conforme documento de fls. 322 a 336 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e de onde, consta que o descrito e proposto no projeto de relatório e ainda o seguinte:
«(…)

IX. DIREITO DE AUDIÇÃO - FUNDAMENTAÇÃO

Através do ofício n.º 8403367 do dia 21 de março de 2011, notificamos o mandatário de B….. e A…… por carta registada, (...), para no prazo de 15 dias exercer, querendo, o Direito de Audição, sobre o Projeto de Conclusões do Relatório de Inspecção (...)
No dia 25 de março, deu entrada nesta direção de Finanças, uma carta proveniente do mandatário dos sujeitos passivos, comunicando que prescindem do direito de audição e que requerem o prosseguimento do procedimento, pelo que mantêm na integra as correções constantes no Projeto de Relatório.


Em tempo:

No quadro constante da pág. 12 do relatório, por lapso foi mencionado como rendimento da categoria G, do exercício de 2009, o montante de €22.000,00. No entanto, este montante respeita a rendimentos da categoria A e não a rendimentos da categoria G. Tal inexatidão não interfere com o total dos rendimentos declarados no exercício de 2009, conforme se demonstra no quadro seguinte que se apresenta devidamente retificado:



8º). Os recorrentes não exerceram o direito de audição prévia;

9º). Em 11/04/2011, o Sr. Diretor de Finanças de Coimbra, lavrou decisão final, para cada um dos anos (2005, 2006, 2007, 2008 e 2009) nos termos que constam de fls. 322 a 336, aqui também dado por reproduzido.

10º). Os recorrentes foram notificados na pessoa do seu mandatário Dr. F…., por carta registada, datada de 11/04/2011, do Relatório de Inspeção Tributária, que consta de fls. 316 dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzindo:

11º). Nesta sequência foram fixado o conjunto de rendimentos líquidos, por métodos indiretos, nos termos previstos nos artigos 87.º e 89.º-A, ambos da LGT e do artigo 65.º do CIRS, no(s) seguinte(s) exercício(s):



12ª). Os recorrentes foram emigrantes em França;

13º). Nas declarações, modelo 3 de IRS, os sujeitos passivos, no exercício de 2005, 2006, 2007, 2008 e 2009 declaram, na categoria A, B e F, os rendimentos declarados de €87.552,32, €90.570,43, €93.673,64 e €242.876,77 respetivamente (fls. 43 a 57 dos autos):

14º). O presente recurso deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra em 20/04/2011 (fls. 1 dos presentes autos).

Ao abrigo do disposto no artigo 662º, nº 1 do atual CPC, foi aditada a seguinte matéria de facto:

15º). Os recorrentes são, entre outros, titulares/beneficiários das contas bancárias sediadas nas seguintes instituições bancárias: (i) no ……..: conta nº 587.001.620.018; conta nº 353.002.410.001; conta nº 353.000.030.007; conta nº 202.904.050.008; conta nº 353.010.040.005; conta nº 53.010.700.005; conta nº 35.300.751.004; conta nº 353.014.030.004; conta nº 353.016.150.007; conta nº 353.000.040.002; 35.302.732.006; (ii) no …..: conta nº 700.700; (iii) no …..: conta nº 3.102.390.910.001; (iv) no …..: conta nº 50.131.589.568.
16º). Ao longo dos anos de 2005 a 2009, foram creditados nas contas referidas em 15) depósitos em numerário e cheques, que, no total, ascenderam aos seguintes montantes: i) ano de 2005 - € 193.880,60; (ii) ano de 2006 - € 501.086,60; (iii) ano de 2007 - € 963.320,00; (iv) ano de 2008- € 359.872,26; (v) ano de 2009- €93.561,94.- cf. quadro resumo constante do anexo 3 (fls. 54 a 56) e documentos constantes de fls. 57 a 231, todos do p.a apenso.

17º). A administração tributária imputou a totalidade dos montantes referidos em 16) aos recorrentes – cfr. relatório de inspeção tributária.

V. Conforme referido acima, vem o presente recurso interposto ao abrigo do disposto no artº 150º do CPTA, cabendo agora a apreciação preliminar da sua admissão.

V.1. O artº 150º citado, estabelece o seguinte:
“1. Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2. A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.
3. Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.
4. O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
5. A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do nº 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Administrativo”.

V.2. Interpretando aquele transcrito nº 1, tem este Supremo Tribunal vindo a acentuar, repetidamente, que, pela sua estrutura, pelos requisitos que condicionam a sua admissibilidade e ainda e principalmente, pela nota de excecionalidade expressamente estabelecida na lei, não deve aquele recurso ser entendido como um recurso generalizado de revista mas como um recurso que apenas poderá ser admitido num número limitado de casos previstos naquele preceito interpretado a uma luz fortemente restritiva (Neste sentido, v. o Acórdão desta Secção do STA de 24/05/05 - Processo nº 579/05).

Deste entendimento comunga também, o Prof. Mário Aroso, quando escreve que “não se pretende generalizar o recurso de revista, com o óbvio inconveniente de dar causa a uma acrescida morosidade na resolução final dos litígios”, cabendo ao STA “dosear a sua intervenção, por forma a permitir que esta via funcione como uma válvula de segurança do sistema”. (Cfr. O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2.ª edição, p. 323 e Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2005, p. 150 e ss.)
Deste modo, a admissão deste tipo de recurso depende:
a) Da necessidade de apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental;
b) De a apreciação do recurso ser claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

Ocorrerá o 1º requisito quando se verificar uma relevância prática que tenha como ponto obrigatório de referência, o interesse objetivo, isto é, a utilidade jurídica da revista e esta, em termos de capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular e não uma mera relevância teórica medida pelo exercício intelectual, mais ou menos complexo, que seja possível praticar sobre as normas discutidas.

Quanto ao 2º requisito - a melhor aplicação do direito - há de resultar da possibilidade de repetição, num número indeterminado de casos futuros, em termos de garantia de uniformização do direito (Neste sentido, v., entre outros, os Acórdãos desta Secção do STA de 20/05/09 - Processo nº 295/09 e de 29.06.2011- Processo nº 0568/11).

Ainda de acordo com o que ficou escrito no Acórdão desta Secção do STA de 30/05/07- Processo n.º 0357/07:
“(…) o que em primeira linha está em causa no recurso excecional de revista não é a solução concreta do caso subjacente, não é a eliminação da nulidade ou do erro de julgamento em que porventura caíram as instâncias, de modo a que o direito ou interesse do recorrente obtenha adequada tutela jurisdicional. Para isso existem os demais recursos, ditos ordinários. Aqui, estamos no campo de um recurso excecional, que só mediatamente serve para melhor tutelar os referidos direitos e interesses. Em primeira linha, o que se visa é submeter à apreciação do tribunal de revista excecional a apreciação de uma questão que, pela sua importância jurídica ou social, tenha importância fundamental; ou permitir a pronúncia desse mesmo tribunal quando ela seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.

Finalmente, e na mesma senda da doutrina anterior, o acórdão deste STA de 19.09.2012, veio reafirmar o seguinte:
“A jurisprudência das duas Secções deste Supremo Tribunal Administrativo (Contencioso Administrativo e Contencioso Tributário) perante o disposto no n.º 1 daquele preceito da lei adjetiva “Das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para a melhor aplicação do direito”, vem acentuando repetida, uniforme e pacificamente o caráter estritamente excecional deste recurso jurisdicional,
Pois que se não trata de recurso ordinário de revista, mas antes, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei n.º 92/VII e 93/VIII, de uma “válvula de segurança do sistema” a utilizar apenas e só nos estritos pressupostos que definiu,
Quer dizer, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para a melhor aplicação do direito.
E no preenchimento dos conceitos indeterminados acolhidos pelo legislador, a saber: relevância jurídica ou social de importância fundamental da questão suscitada e a clara necessidade da admissão do recurso para uma melhor aplicação do direito, a jurisprudência deste Supremo Tribunal vem doutrinando e sublinhando que apenas se verifica ocorrer aquela relevância jurídica ou social quando a questão a apreciar seja de complexidade superior ao comum em razão da dificuldade das operações exegéticas a efetuar, de enquadramento normativo especialmente complexo, ou da necessidade de compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis.

E no que concerne à clara necessidade da admissão deste recurso para a melhor aplicação do direito a jurisprudência sublinha, concordante e uniformemente, que há de resultar da capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular, designadamente quando o caso concreto revele seguramente a possibilidade de ser visto como um tipo, contendo uma questão bem caracterizada, passível de se repetir em casos futuros e cuja decisão nas instâncias seja ostensivamente errada ou juridicamente insustentável.
Ou quando suscite fundadas dúvidas, nomeadamente por se verificar divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais, gerando incerteza e instabilidade na resolução dos litígios…(Neste sentido, os acórdãos de 31.03.2011, processo n.º 232/11, da 1ª Secção e de 30.12.2012, processo n.º 182/12, desta Secção de Contencioso Tributário).”

V.3. No caso dos autos, para fundamentar a admissão do recurso, os recorrentes invocam a seguinte argumentação:
No presente recurso está em causa a questão de saber se, no caso de um agregado familiar, a verificação dos pressupostos quantitativos de aplicação da norma do artigo 87.º, alínea f), da LGT, se afere relativamente a cada um dos sujeitos passivos que o componha (como desde o início foi alegado pelos recorrentes), ou se, pelo contrário, se afere relativamente ao agregado familiar no seu conjunto (como resulta das decisões proferidas nos autos, nos termos atrás referidos).

No caso concreto, para além da decisão que venha a ser proferida em sede de revista, o facto é que a utilidade desta extravasa os limites do caso concreto e das partes envolvidas no litígio e representa uma orientação para a resolução de possíveis casos que, no futuro podem repetir-se, sendo, também por isso, a revista necessária para uma melhor aplicação do direito de modo a garantir a sua uniformização perante uma matéria que, como se verá, foi tratada pelas instâncias de forma pouco consistente e equívoca, não se olvidando que a matéria interliga institutos jurídico-tributários fundamentais, quais sejam o da tributação conjunta do rendimento da família e as consequências que daí se possam extrair em sede de avaliação indireta do rendimento, maxime ao nível da influência que a tributação conjunta possa em sede de determinação da matéria coletável.
Por outro lado, saber se a aplicação de um determinado regime legal que está dependente de uma ponderação quantitativa quanto aos rendimentos, pode, ou não, representar um agravamento da tributação por se considerarem os rendimentos do agregado familiar e não os rendimentos individuais de cada sujeito passivo, é matéria com manifesto interesse comunitário uma vez que contende com uma instituição central da tecido social e que abrange uma vastíssima panóplia de sujeitos.
Assim, o facto de se saber se, havendo tributação conjunta, torna-se desnecessário estabelecer a titularidade do rendimento para efeito de tributação daí se entendendo que a verificação dos pressupostos quantitativos estabelecidos na alínea f) do artigo 87.º, da LGT, não tem de ser efetuada por sujeito passivo, podendo sê-lo por agregado familiar, é, por excelência matéria “talhada” para este recurso excecional que o legislador estabeleceu como válvula de segurança do sistema jurídico para casos como o presente.

A recorrida Fazenda Pública, por sua vez, entende que não ocorrem os requisitos para a admissão do recurso pois que:
A questão invocada pelos Recorrentes não reveste relevância social fundamental, nem se vislumbra que interesse comunitário aí se pode descortinar.

O artigo 87.º, f), da LGT, vigora no nosso ordenamento jurídico já lá vão mais de 8 (oito) anos, sendo esta a primeira vez que a questão se suscita - em centenas de processos desta natureza.
Razão pela qual dificilmente se antevê uma capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular.
O mesmo se diga quanto à relevância jurídica fundamental, pois estamos perante uma questão que encontra pleno assentimento quer na letra quer no espírito da lei, sendo ainda certo que nem esta questão suscitou qualquer dúvida ou diferendo, tendo o Tribunal Central Administrativo Norte - aduzindo fundamentação é certo face ao reforço argumentativo dos Recorrentes - meramente confirmado o que já claro havia ficado na douta sentença do TAF do Porto.
Não se indicia sequer do presente recurso que complexidade é essa fora do vulgar que justifique a intervenção de uma terceira instância...

Vejamos então se no caso concreto ocorrem os requisitos de admissão do recurso, que são os seguintes:

-relevância jurídica ou social de importância fundamental da questão ou questões a apreciar;

- clara necessidade para uma melhor aplicação do direito.

V.4. Sobre estes requisitos, e como acima se referiu, esta Secção tem-se pronunciado de forma reiterada e uniforme, pelo que iremos aqui reproduzir parte do que ficou escrito nesta matéria no recente acórdão de 25.09.2013 –Processo nº 01013/13 .

“ …Deste modo, e como tem sido explicado nos inúmeros acórdãos proferidos por esta formação, que aqui nos dispensamos de enumerar, a relevância jurídica fundamental deve ser detetada perante a relevância prática da questão, medida pela sua utilidade face à capacidade de expansão da controvérsia, e verificar-se-á tanto em face de questões de direito substantivo como de direito processual, quando apresentem especial ou elevada complexidade (seja em razão da dificuldade das operações exegéticas a efetuar, seja de um enquadramento normativo especialmente intrincado, complexo ou confuso, seja da necessidade de compatibilizar diversos regimes legais, princípios e institutos jurídicos) ou quando a sua análise suscite dúvidas sérias ao nível da jurisprudência e/ou da doutrina.
Já a relevância social fundamental verificar-se-á quando estiver em causa um caso que apresente contornos indiciadores de que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto e das partes envolvidas no litígio, representando uma orientação para a resolução desses prováveis futuros casos, e se detete um interesse comunitário significativo na resolução da questão.
Por outro lado, a clara necessidade da revista para uma melhor aplicação do direito há de resultar da repetição ou possibilidade de repetição noutros casos e necessidade de garantir a uniformização do direito, estando em causa matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente e/ou contraditória, impondo-se a intervenção do órgão de cúpula da justiça como condição para dissipar dúvidas e alcançar melhor aplicação do direito. Pelo que a admissão do recurso terá lugar, designadamente, quando o caso concreto contém uma questão bem caracterizada e passível de se repetir em casos futuros e a decisão nas instâncias esteja ostensivamente errada ou seja juridicamente insustentável, ou se suscitem fundadas dúvidas por se verificar uma divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais, gerando incerteza e instabilidade na resolução dos litígios, tornando-se objetivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.
Deste modo, e como repetidamente tem sido afirmado pela jurisprudência, o que em primeira linha está em causa no recurso excecional de revista não é a solução concreta do caso subjacente, não é a eliminação da nulidade ou do erro de julgamento em que porventura caíram as instâncias, de modo a que o direito ou interesse do recorrente obtenha adequada tutela jurisdicional, pois que para isso existem os demais recursos, ditos ordinários”.

V.5. A questão que os Recorrentes pretendem ver apreciada nesta revista e acima identificada é a de saber se, no caso de um agregado familiar, a verificação dos pressupostos quantitativos de aplicação da norma do artigo 87.º, alínea f), da LGT, se afere relativamente a cada um dos sujeitos passivos que o componha (como desde o início foi alegado pelos recorrentes), ou se, pelo contrário, se afere relativamente ao agregado familiar no seu conjunto (como resulta das decisões proferidas nos autos, nos termos atrás referidos).


O acórdão recorrido, proferido pelo TCAN, que confirmou a decisão da 1ª instância que havia julgado improcedente o recurso apresentado contra decisão do Diretor de Finanças de Coimbra que lhes fixou o rendimento coletável por métodos indiretos para efeitos de IRS dos anos de 2005 a 2009, entendeu em resumo, que os recorrentes não tinham razão, argumentando da seguinte forma:
No caso de cônjuges não separados judicialmente de pessoas e bens, os pressupostos do fato tributário devem ter-se por preenchidos em relação a ambos, sem que se torne necessário estabelecer a titularidade de cada parcela de rendimento englobado para efeitos de tributação, do que deriva que ambos são solidariamente responsáveis pelo cumprimento da dívida tributária.
Deste modo “os rendimentos declarados” referidos na alínea f) do artº 87º da LGT são reportados ao rendimento global do conjunto do agregado familiar, independentemente da ação ou ocorrência que está na origem do acréscimo patrimonial poder ser imputado a um dos cônjuges.

Toda esta fundamentação consta de fls. 1292 a 1294 dos autos e por ela se vê que, não estamos perante questão de elevada complexidade, quer em razão da dificuldade das operações exegéticas a efetuar, quer de um enquadramento normativo especialmente intrincado, complexo ou confuso, com necessidade de compatibilizar diversos regimes legais, princípios e institutos jurídicos ou ainda com questão cuja análise suscite dúvidas sérias ao nível da jurisprudência e/ou da doutrina.

E também não se vê relevância social fundamental na questão tendo em vista a utilidade de decisão extravasando os limites do caso concreto e das partes envolvidas no litígio, representando uma orientação para a resolução desses prováveis futuros casos, e com um interesse comunitário significativo na resolução da questão.

Finalmente também não se antevê a possibilidade de repetição noutros casos com a necessidade de garantir a uniformização do direito, não estando em causa matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente e/ou contraditória, impondo-se a intervenção do órgão de cúpula da justiça como condição para dissipar dúvidas e alcançar melhor aplicação do direito.

Pelo exposto não estamos perante uma questão passível de se repetir em casos futuros, nem perante decisão ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, nem questão em que se suscitem fundadas dúvidas por se verificar uma divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais, gerando incerteza e instabilidade na resolução.

A decisão recorrida adotou uma perspetiva jurídica fundamentada que, não se mostra ostensivamente errada. De qualquer forma ainda que existisse mero erro de julgamento sempre o mesmo ficaria afastado do âmbito deste recurso, que não visa - como acima ficou escrito – a eliminação da nulidade ou do erro de julgamento em que porventura caíram as instâncias, de modo a que o direito ou interesse do recorrente obtenha adequada tutela jurisdicional. Para isso existem os demais recursos, ditos ordinários. Aqui, estamos no campo de um recurso excecional, que só mediatamente serve para melhor tutelar os referidos direitos e interesses.

Pelo exposto e porque se consideram inverificados os requisitos do citado artº 150º do CPTA, este não pode ser admitido.

VI. Nestes termos acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo que integram a formação referida no nº 5 do artigo 150º do CPTA, em não admitir a revista.

Custas pelos Recorrentes.

Lisboa, 23 de outubro de 2013. – Valente Torrão (relator) – Dulce Neto – Casimiro Gonçalves.