Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0600/12
Data do Acordão:02/14/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:FUNDAMENTOS
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
ILEGALIDADE ABSTRACTA
ILEGALIDADE CONCRETA
ISENÇÃO DE IMPOSTO
Sumário:I - A existência de uma isenção constitui fundamento de ilegalidade do acto tributário e, por isso, só pode ser invocada como causa de pedir da respectiva anulação no processo de impugnação judicial e não como fundamento de oposição à execução fiscal.
II - A oposição só pode ter por fundamento a ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, quando a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação.
Nº Convencional:JSTA000P15297
Nº do Documento:SA2201302140600
Data de Entrada:05/29/2012
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A……., S.A., com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, de 13 de Janeiro de 2012, que julgou improcedente a oposição à execução fiscal n.º 0094200701015400, instaurada no Serviço de Finanças de Santa Maria da Feira 1, para cobrança coerciva de dívidas relativas a imposto especial sobre o álcool dos anos de 2003 e 2004, juros compensatórios, juros moratórios e custas, no valor total de €376 702,56, apresentando para tal as seguintes conclusões:

I. A douta sentença recorrida violou a alínea a), do art. 204.º do CPPT al. a) e o n.º 3, do art. 49.º do CIEC, aprovado pelo Dec. Lei n.º 566/99, de 22 de Dezembro.
II. A recorrente isenta do respectivo pagamento, não pode exigir-se coercivamente o pagamento de qualquer quantia relacionada com o Imposto Especial sobre o Consumo.
III. Pelo que a Recorrente não é devedora de qualquer imposto e, como tal, a execução instaurada enferma de ausência de obrigação tributária e, como tal, de título executivo.
IV. A oposição à execução apresentada pela Recorrente tem como fundamento a inexistência do imposto.
V. No caso vertente inexiste qualquer obrigação tributária, pelo que o título executivo incorpora uma obrigação inexistente e, como tal, inexiste título executivo para a cobrança coerciva da quantia exequenda.
Sem prescindir e ad cautelam,
VI. A Recorrente não violou nenhum dos pressupostos inerentes à concessão da isenção e nunca utilizou indevidamente o álcool para a produção dos produtos químicos que comercializa.
VII. Por douto despacho proferido pelo Exmo. Senhor Director da Alfândega de Aveiro, datado de 03.12.2003, foi concedido à Recorrente o deferimento do pedido (de isenção) de imposto sobre o álcool para fins industriais, nos termos e condicionalismos previstos na al. a), do n.º 3, do art. 49.º do CIEC, aprovado pelo Dec. Lei nº 566/99, de 22 de Dezembro.
VIII. Tal aprovação (e deferimento) consta do documento emitido pela Alfândega de Aveiro, decretado ao abrigo do processo n.º NIEC/IABA/398, de 04.12.2003, destinado sem qualquer condicionante ao seguinte produto:
- Álcool Etílico ……………. NC 22071000100.
IX. A Recorrente ficou autorizada e isentada do I.S.A., desde 03.12.2003, para – sem qualquer condicionante – utilizar álcool etílico desnaturado para fim industrial, ao abrigo do disposto no art. 49.º, n.º 3, alínea a) do Dec. Lei n.º 566/99 de 22.12.
X. A Recorrente estava autorizada, como está, a utilizar álcool não desnaturado ou álcool puro a 100%, para fins industriais sem qualquer condicionante ou limitação, nos produtos que comercializa e que desde sempre foram relatados aos organismos e entidades oficiais e, bem como, se encontra isentada do pagamento do imposto sobre o álcool e bebidas alcoólicas.
XI. Posteriormente, a Recorrente foi forçada a proceder a alterações na composição química do produto fabricado e comercializado no sentido de aumentar a percentagem de álcool e diminuir qualquer outro reactivo que fosse prejudicial ao fim em causa.
XII. Daí a necessidade de se proceder à alteração da composição do produto comercializado “Diluente ....”, passando a utilizar uma concentração de álcool de 100% em vez da inicialmente utilizada de 90%.
XIII. Uma vez que a autorização e isenção concedida à Recorrente não impunha – como não impõe – qualquer condicionante ou qualquer obrigação, a Recorrente, ao proceder à alteração da composição do produto nada comunicou, pois desconhecia em absoluto tal obrigatoriedade, pois caso assim não fosse o fazia imediatamente e sem demoras pois é assim pautada a sua actuação, conforme se verifica e constata dos seus registos e cumpridora integral e religiosa das suas obrigações fiscais, pessoais, aduaneiras e outras.
XIV. A Recorrente está autorizada pela isenção do I.S.A., que lhe foi concedida e está em vigor, nos termos da alínea a) do n.º 3, do art. 49.º, do C.I.E.C., aprovado pelo DL n.º 566/99, de 22.12, que, como se sabe, remete para os art.ºs 50.º e 51.º, do mesmo diploma e assim lhe dá permissão para a utilização de álcool desnaturado (puro) para fins industriais, como é o caso.
XV. O “Diluente ......” é um produto químico destinado à utilização industrial para lavagem e desinfecção de rolhas e artigos de cortiça.
XVI. Não podem ser utilizados e aplicados no processo de limpeza e desinfecção de cortiça e das rolhas, todos e quaisquer produtos que coloquem em risco a saúde pública.
XVII. Um desses produtos é a CETRIMIDA.
XVIII. No entanto, ao contrário do que foi mencionado pela Direcção-Geral das Alfândegas, a cetrimida não é recomendada para utilização na lavagem e desinfecção das rolhas.
XIX. A própria ASAE confirma que a “CETRIMIDA é um produto com sabor amargo e que ao ser utilizado como desinfectante facilmente pode migrar para o género alimentício e consequentemente transformá-lo em não próprio para consumo humano”.
XX. Pelo que, em conformidade com tudo o exposto, é forçoso concluir que a recorrente não cometeu a infracção fiscal aduaneira que lhe é imputada devendo, em consequência, ser revogada a douta sentença em apreço e a oposição á execução fiscal apresentada ser julgada procedente.
Nestes termos e nos demais que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, dando provimento ao recurso, julgando-o procedente em conformidade com as presentes conclusões e revogando a douta sentença recorrida, farão, como de costume, inteira e sã JUSTIÇA.

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.
3 – O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer nos seguintes termos:
(…)
A nosso ver o recurso não merece provimento.
A questão controversa consiste em saber se a alegada isenção do tributo exequendo consubstancia ilegalidade concreta ou abstracta da liquidação.
A recorrente alega, em síntese, que a liquidação exequenda está eivada de ilegalidade abstracta, uma vez que está isenta de pagamento de IBA, nos termos do estatuído no artigo 49.º/3/a) do CIEC, pelo que inexiste obrigação exequenda e o título executivo incorpora uma obrigação inexistente, e como tal, inexiste título executivo.
Como ensina o Exmo. Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (Código de procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 6.ª edição 2011, página 443, nota 4 ao artigo 204.º) “Na alínea a) do n.º 1 deste artigo prevê-se como fundamento de oposição à execução fiscal a inexistência do tributo nas leis em vigor à data dos factos a que respeita ou não estar autorizada a sua cobrança à data da liquidação, se se tratar de um tributo relativamente ao qual ela dependa de autorização.
Está-se aqui, perante aquilo que doutrinal e jurisprudencialmente se designa por ilegalidade abstracta ou absoluta da liquidação, que se distingue da «ilegalidade em concreto» por na primeira estar em causa a ilegalidade do tributo e não a mera ilegalidade do acto tributário ou da liquidação; isto é, na ilegalidade abstracta a ilegalidade não reside directamente no acto que faz aplicação da lei ao caso concreto, mas na própria lei cuja aplicação é feita, não sendo, por isso, a existência de vício dependente da situação real a que a lei foi aplicada nem do circunstancialismo em que o acto foi praticado.”
Ora, o alegado pelo recorrente reconduz-se, obviamente, não à ilegalidade abstracta do tributo (IABA), que nem é, de facto, questionada, mas sim à discussão da legalidade concreta da liquidação.
Ora, a ilegalidade concreta da dívida só poderá servir de fundamento à oposição, quando a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação, o que não acontece na situação em análise (Acórdãos do STA de 20/10/2010 – P. 01089/09; 24/11/2010 – P. 0597/10 e de 23/02/2012 – P. 0956/11, todos eles disponíveis no sítio da internet www.dgsi.pt).
Efectivamente, o oponente poderia, nos prazos legalmente estabelecidos, ter intentado reclamação graciosa, recurso hierárquico ou impugnação judicial (o que já fez, como resulta do probatório), cujos fundamentos se encontram estatuídos nos artigos 70.º, 76.º e 99.º do CPPT.
Seria no âmbito de tais meios processuais que a oponente poderia e deveria discutir as questões, ora, suscitadas.
Não pode é, com fundamento na ilegalidade concreta da dívida, vir opor-se à execução fiscal, porquanto os fundamentos de oposição à execução estão, taxativamente, previstos no artigo 204.º do CPPT e a pretensa ilegalidade invocada não constitui fundamento de oposição à execução.
Uma vez que o recorrente já fez uso dos meios contenciosos para impugnar a liquidação em causa (impugnação judicial) não se coloca a questão da eventual necessidade e possibilidade de convolação dos autos em impugnação judicial, nos termos do estatuído nos artigos 97.º/3 da LGT e 98.º/4 do CPPT.
A sentença recorrida fez uma correcta interpretação e aplicação do direito à factualidade apurada, pelo que não merece censura.
Termos em que deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida na ordem jurídica.

4 – Notificadas as partes do parecer do Ministério Público (fls. 253 a 255 dos autos), nada vieram dizer.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação -
5 – Questão a decidir
É a de saber se a alegada isenção de Imposto sobre o Álcool e Bebidas Alcoólicas (IABA) concedida à ora recorrente constitui fundamento de oposição à execução fiscal que lhe foi movida para cobrança coerciva desse imposto relativo aos anos de 2003 a 2005 ou se, como decidido, constitui, ao invés, fundamento de impugnação judicial (também deduzida pela ora recorrente).

6 – Na sentença objecto do presente recurso foram dados como provados os seguintes factos:
A) Com base em certidão de dívida emitida pela Alfândega de Aveiro em 03/04/2007 para pagamento da quantia exequenda relativa liquidações de imposto especial sobre o álcool do ano de 2003 a 2005 (€341 205,00) juros compensatórios (€23 582,37), no montante global de € 364 787,37 e acrescidos, foi instaurado contra a aqui Oponente no Serviço de Finanças da Feira 1 o processo de execução n.º 0094200701015400 (fls. 76 a 79 dos Autos);
B) Acompanhavam a certidão identificada em A) os seguintes documentos:
- Requerimento executivo fundamentando a utilização da execução fiscal ao abrigo dos artigos 488 do Regulamento das Alfândegas e 88.º e 148.º do CPPT;
- Fotocópia de impresso de liquidação;
- Fotocópia da notificação ao devedor;
- Fotocópia de parecer do serviço (fls. 77 a 82 dos autos)
C) A Oponente foi citada por carta registada com aviso de recepção assinado em 18/05/2007, para proceder ao pagamento do imposto especial sobre o álcool dos anos de 2003 a 2005 (€341 205,00) juros compensatórios (€23 582,37), acrescidas de juros moratórios (€10 943,61) e custas (€707,46), tudo no montante global de €376 702,56, ou querendo deduzir oposição (fls. 29 e 83 dos autos);
D) A presente Oposição deu entrada no Serviço de Finanças da Feira 1 em 18/06/2007 (fls. 3 dos Autos);
E) A Oponente apresentou na Alfândega de Aveiro em 21/06/2007, ulteriormente remetida ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu e entretanto transferida para este Tribunal, a Impugnação Judicial a correr termos sob n.º 1054/07.4BEVIS, requerendo a anulação da liquidação referida em A) (fls. 103 a 132 dos Autos, admitido e SITAF);

7 – Apreciando
7.1 Da inadmissibilidade de oposição com fundamento na ilegalidade das liquidações por alegada isenção do imposto exequendo
A sentença recorrida, a fls. 206 a 212 dos autos, julgou improcedente a oposição deduzida pela ora recorrente, por ter julgado, relativamente à alegada inexistência de imposto nos termos do artigo 204.º, n.º 1 al. a) do CPPT, que toda a argumentação expandida é reconduzível à apreciação em concreto da legalidade da dívida exequenda, não se configurando qualquer situação de inexistência de imposto enquadrada na al. a) do artigo 204.º do CPPT, como de resto nem sequer foi alegada, por referência à inexistência de prévia previsão legal ou de falta de autorização de cobrança à data em que tiver ocorrido a respectiva liquidação (cfr. sentença recorrida, a fls. 210/211) e quanto à alegada inexistência de título executivo, que face ao que vem documentalmente comprovado e considerado assente em A) o título executivo emitido pela Alfândega de Aveiro e que suporta a presente execução existe, e não padece de qualquer dos elementos referidos no artigo 163.º do CPPT determinantes da nulidade consagrada no artigo 165.º n.º 1, alínea b) do CPPT (cfr. sentença recorrida, a fls. 211 dos autos).
Discorda do decidido a recorrente, alegando, em síntese, que estando isenta do imposto objecto de cobrança coerciva no processo de execução fiscal inexiste qualquer obrigação tributária, pelo que o título executivo incorpora uma obrigação inexistente e, como tal, inexiste título executivo para a cobrança coerciva da quantia exequenda.
Vejamos.
A alegação da recorrente, invocando a inexistência do imposto e a do título executivo que serve de base à execução fiscal, fundamenta-se no facto de lhe ter sido reconhecida isenção de Imposto sobre o Álcool, daí que, segundo entende, estando isenta de imposto, inexiste este e bem assim o título executivo que serve de base à execução.
Não lhe assiste, porém, qualquer razão.
O fundamento invocado pela recorrente como alegadamente fundando a inexistência do imposto e do título executivo – o facto de lhe ter sido concedida isenção de imposto sobre o álcool, alegadamente não condicionada -, envolve a apreciação em concreto da legalidade do acto de liquidação – pois que este será ilegal se, de facto, se confirmar que a recorrente beneficiava de isenção do imposto que lhe foi liquidado e não incumpriu eventuais condições a que estivesse sujeita determinantes da caducidade desta -, e não a ilegalidade em abstracto ou absoluta a que se refere a alínea a) do n.º 1, do artigo 204.º do CPPT, ilegalidade esta da própria lei (por violação de norma de hierarquia superior) e não no acto que a aplica, sendo esta ilegalidade em concreto, e não aquela ilegalidade abstracta, a que se verifica quando é liquidado imposto a quem dele está alegadamente isento (cfr. os Acórdãos deste Tribunal de 7 de Fevereiro de 1996, rec. n.º 019077, onde se sumaria: A existência de uma isenção constitui fundamento de ilegalidade do acto tributário e, por isso, só pode ser invocada como causa de pedir da respectiva anulação no processo de impugnação judicial, e de 24 de Novembro de 2010, rec. n.º 0597/10).
A questão de saber se o imposto “existe ou não”, em concreto, para a ora recorrente – ou seja, se lhe foi ou não legalmente liquidado, atento ao facto de lhe ter sido concedida isenção – haverá de ser apreciada na impugnação judicial que deduziu já (cfr. a alínea E) do probatório fixado) contra as liquidações que lhe foram efectuadas pela Alfândega de Aveiro, não podendo proceder a oposição deduzida com esse fundamento salvo nos casos, que não é o dos autos em que há até impugnação judicial pendente, em que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação (cfr. a alínea h) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT).

Improcedem, deste modo, as alegações da recorrente, estando o recurso votado ao insucesso.

- Decisão -
8 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.
Lisboa, 14 de Fevereiro de 2013. – Isabel Marques da Silva (relatora) – Lino Ribeiro – Dulce Neto.