Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0480/17
Data do Acordão:03/08/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:FUNDO EUROPEU DE ORIENTAÇÃO E GARANTIA AGRÍCOLA
ORDEM DE DEVOLUÇÃO DE QUANTIAS
IRREGULARIDADE
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO DO PROCEDIMENTO
Sumário:I - O prazo para ser pedida a devolução das quantias recebidas irregularmente no âmbito do Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola [FEOGA] é o de 4 anos, previsto no nº1, do artigo 3º, do Regulamento CE EURATOM nº2988/95, do Conselho, de 18.12.1995, por se tratar de uma norma jurídica directamente aplicável na ordem interna, e por não existir no ordenamento nacional norma especificamente aplicável que preveja prazo superior;
II - Na acepção do artigo 3º, nº1 - segundo parágrafo - desse mesmo Regulamento, uma irregularidade é continuada ou repetida quando for cometida por operador comunitário que retire benefícios económicos de um conjunto de operações similares que violem a mesma disposição de direito comunitário;
III - Várias condutas, violadoras da mesma disposição de direito comunitário, todas respeitantes a operações de exportação de carne de suíno, efectuadas durante a mesma campanha de 1999 e relativas a diferentes lotes do mesmo produto, integram uma irregularidade continuada ou repetida;
IV - A notificação do eventual prevaricador para audiência prévia, realizada num procedimento de restituição de quantias irregularmente recebidas no âmbito do FEOGA, não interrompe o prazo de prescrição de um outro procedimento, com idêntica finalidade, e relativo a diferente campanha de exportação.
Nº Convencional:JSTA00070590
Nº do Documento:SA1201803080480
Data de Entrada:05/29/2017
Recorrente:INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS, IP
Recorrido 1:A............, SA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCAS DE 2017/02/02
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR ADM ECON - APOIO FINANC PRODUÇÃO
Legislação Nacional:CCIV66 ART309.
DL 155/92 ART40.
CCOM ART40.
CIRS ART118.
CIRC ART115.
Legislação Comunitária:REG CE/EURATOM 2988/95 ART3.
REC CE 800/99 ART51 ART52.
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC0173/13 DE 2015/02/26.
Jurisprudência Internacional:AC TJUE PROC C-279/05 DE 2007/01/11.
Aditamento:
Texto Integral: I. Relatório
1. O INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS, IP [IFAP], interpõe «recurso de revista» do acórdão proferido em 02.02.2017 pelo Tribunal Central Administrativo Sul [TCAS], o qual negou provimento ao recurso de apelação que ele interpusera da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa [TAC] que julgou procedente a acção administrativa especial [AAE] intentada pela A…………, SA [A…………], e na qual pedia «a anulação da deliberação do seu Conselho de Administração, de 14.10.2015, que lhe ordenou a reposição de quantia recebida a título de ajuda comunitária à exportação».

Concluiu assim as suas alegações:

A) Este recurso vem interposto do acórdão de 02.02.2017, que entendeu que o acto impugnado desrespeitou as regras de prescrição previstas no artigo 3º do Regulamento [CE, EURATOM] nº2988/95, fundamentando a sua decisão à luz da jurisprudência do AC STA de 08.10.2014, proferido no âmbito do Processo nº0398/12, após pronúncia do TJUE, através de acórdão de 17.09.2014, no âmbito do Processo nºC-341/13, onde consta o entendimento que os actos de concessão de ajudas financeiras ilegais só podem ser revogados no prazo de 4 anos a contar da data em que foi praticada a irregularidade, confirmando a sentença e negando provimento ao recurso do ora recorrente;

B) Salvo melhor opinião, o presente recurso preenche os requisitos de admissibilidade previstos no artigo 150º do CPTA, pelo que deverá ser admitido, para uma melhor aplicação do Direito, pois a interpretação do tribunal «a quo» sobre a prescrição do procedimento, manifestamente viola a 2ª parte do 2º parágrafo do artigo 3º do Regulamento [CE, EURATOM] nº2988/95, porque se trata de uma irregularidade repetida pela recorrida foram apresentados 8 pedidos de pagamento, todos eles irregulares, com violação da apresentação de um certificado de descarga do produto artigo 1º, nº1, 2º travessão, da «Decisão da Rússia» [decisão C (1999) 2497 de 28.07.1999) e nº4 do artigo 16º do Regulamento [CEE] nº1766/92, do Conselho, de 30.06.1992] - ver alíneas c) e h) dos Factos Provados no AC do TCAS, porque não cessaram;

C) Estando na origem da violação da disposição de direito comunitário, isto é do disposto no artigo 1º, nº1, 2º travessão, da «Decisão da Rússia» [decisão C (1999) 2497 de 28.07.1999] e do nº4 do artigo 16º do Regulamento [CEE] nº1766/92, do Conselho, de 30.06.1992, a irregularidade é repetida ou continuada na acepção do artigo 3º, nº1, segundo parágrafo, do Regulamento [CE, EURATOM] nº2988/95;

D) Face ao exposto, ao contrário do TCAS, não se trata de questão qualificativa nova, salvo o devido respeito, porque a questão foi suscitada pelo Tribunal de 1ª instância ao decidir pela prescrição ao abrigo do Regulamento nº2988/95, quando a então autora apenas havia invocado a prescrição ao abrigo do artigo 5º, nº4, alínea b), do Regulamento [CE 800/1999], concluindo que a mesma não lhe era aplicável;

E) Sucede que é desta sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, e respectiva decisão qualificativa nova ao abrigo do Regulamento nº2988/95, que o IFAP apresentou recurso para o TCAS e invocou uma das excepções constantes do referido Regulamento nº2988/95 aplicado pela sentença recorrida, designadamente o estarmos perante irregularidades continuadas ou repetidas que consubstanciam excepções à regra geral de quatro anos para prescrição do procedimento administrativo;

F) Por outro lado, a admissão do presente recurso assume a maior relevância jurídica pois a controvérsia acarretada a entendimento, é susceptível de extravasar os limites da situação singular em apreço, como aliás já sucede, pois tem-se assistido a uma aplicação indiscriminada pelos Tribunais, da mais recente jurisprudência do STA sobre a regra da prescrição [num acórdão em que é analisada uma ajuda directa], sem atender à natureza específica das ajudas ao investimento, nem a existência de irregularidades continuadas [como a dos presentes autos];

G) O recurso de revista revela-se também da maior utilidade jurídica, na medida em que, a posição a adoptar por este Venerando Tribunal irá assumir um ponto obrigatório de referência, que servirá de linha orientadora para os demais casos análogos, na medida em que irá esclarecer os exactos termos em que será aplicável o disposto no artigo 3º do Regulamento nº2988/95, no âmbito de ajudas pagas em que são praticadas irregularidades continuadas ou repetidas;

H) Ignorar, como o Tribunal a quo fez, o disposto no 2° parágrafo do artigo 3° do Regulamento n°2988/95, viola expressamente as regras de interpretação previstas no disposto nos artigos 8° e 9° do Código Civil, tendo o Tribunal a quo feito uma interpretação errada e contra legem da legislação comunitária aplicável não tendo sido devidamente ponderado e valorado o respectivo regime jurídico aplicável;

I) Vem este recurso de revista do acórdão proferido em 02.02.2017, através do qual, entendeu o TCAS que o acto impugnado desrespeitou as regras de prescrição previstas no artigo 3º do Regulamento [CE, EURATOM] nº2988/95, confirmando a sentença recorrida e negando provimento ao recurso do ora recorrente;

J) Salvo melhor entendimento, na situação em apreço nos autos, o Tribunal a quo não parece ter feito uma correta aplicação do direito, pois no citado artigo é expressamente prevista uma excepção à regra geral da prescrição do procedimento [4 anos a contar da prática da irregularidade], estipulando-se que o prazo de prescrição relativo às irregularidades continuadas ou repetidas corre desde o dia em que cessou a irregularidade;

K) Assim, sempre se dirá que inexiste qualquer prescrição do procedimento, pois estamos perante uma irregularidade continuada ou repetida. Com efeito, como resulta da alínea c) do Ponto II.1 do acórdão de 02.02.2017, proferido pelo TCAS, pela recorrente foram apresentados não um, mas oito pedidos de pagamento de restituições à exportação, tendo sido apuradas irregularidades em todos eles;

L) Conforme melhor resulta das alíneas h) e n) do Ponto II.1 do acórdão datado de 02.02.2017, proferido pelo TCAS, a deliberação do Conselho de Administração do IFADAP/INGA [documento 1 junto à petição inicial, dado por integralmente reproduzido] o recorrente concedeu à recorrida a «faculdade de apresentar prova susceptível de suprir as irregularidades constatadas, devendo, para o efeito, apresentar junto deste Organismo e no prazo máximo de um ano, a contar da data da recepção da presente decisão final, os seguintes documentos exigidos pela citada Decisão [«Decisão da Rússia» - Decisão C (1999) 2497 de 28.07.1999]:

b) Para os processos de exportação respeitantes às Declarações de exportação DAU’s n°s 4961 de 19.07.1999, 4962 de 19.07.1999, 4963 de 19.07.1999, 4964 de 19.07.1999, 5056 de 22.07.1999, 20168 de 03.08.1999 e 5881 de 26.08.1999, um certificado de descarga dos produtos, emitido, quer pelo transportador ou transitário, quer por um serviço oficial do país terceiro em questão, quer pelos serviços oficiais de um dos Estados-Membros estabelecidos no país de destino [artigo 1º, nº1, 2º travessão, da Decisão;

M) Tal facto é da máxima relevância, pois ao estarmos perante uma irregularidade continuada ou repetida, a interpretação dada pelo Tribunal a quo viola claramente o teor da segunda parte do segundo parágrafo do artigo 3º do Regulamento [CE, EURATOM] nº2988/95, porque se trata de uma irregularidade repetida [pela recorrida foram apresentados 8 pedidos de pagamento, todos eles irregulares, com violação da apresentação de «um certificado de descarga do produto» artigo 1º, nº1, 2º travessão, da «Decisão da Rússia» [decisão C (1999) 2497 de 28/07/1999) e nº4 do artigo 16º do Regulamento [CEE] nº176/92, do Conselho, de 30.06.1992];

N) Estando na origem da violação da disposição de direito comunitário, isto é do disposto no artigo 1º, nº1, 2º travessão, da «Decisão da Rússia» [decisão C (1999) 2497 de 28.07.1999] e do nº4 do artigo 16º do Regulamento [CEE] nº1766/92, do Conselho, de 30.06.1992, a irregularidade é repetida ou continuada na acepção do artigo 3º, nº1, segundo parágrafo, do Regulamento [CE, EURATOM] nº2988/95, o prazo de prescrição correspondente apenas começaria a correr a contar da data em que foi posto termo à irregularidade;

O) Conforme melhor resulta da alínea n) do Ponto 11.1 do acórdão datado de 02.02.2017, proferido pelo TCAS, o recorrente entendeu que as irregularidades praticadas pela recorrida nunca foram supridas, uma vez que a ora recorrida não «apresentou documentação suficiente e ou idónea», pelo que não se pode considerar que as irregularidades praticadas pela recorrida tenham cessado, inexistindo qualquer tipo de prescrição do procedimento;

P) Assim, apesar do Tribunal ter concluído que a recorrida «não apresentou documentação suficiente e/ou idónea, nem em sede de pronúncia no âmbito do procedimento administrativo nem em sede do exercício da faculdade de, após a decisão de reembolso - aqui impugnada -, vir juntar mais documentos, para afastar as conclusões da investigação decorrentes das informações prestadas», violando dessa forma disposição de direito comunitário, isto é do disposto no artigo 1º, nº1, 2º travessão, da «Decisão da Rússia» [decisão C (1999) 2497 de 28.07.1999] e do nº4 do artigo 16º do Regulamento [CEE] nº1766/92, do Conselho, de 30.06.92;

Q) Não considerou, erradamente, que se tratavam de irregularidades repetidas ou continuadas na acepção do artigo 3º, nº1, segundo parágrafo, do Regulamento [CE, EURATOM] nº2988/95, ao considerar que ocorrera, nos termos do artigo 3º do Regulamento [CE, EURATOM], nº2988/95, a prescrição, ao arrepio de jurisprudência do TJUE, através de acórdão proferido em 11.01.2007 no âmbito do Processo C-279/05, que «uma irregularidade é continuada ou repetida quando for cometida por um operador comunitário que retire benefícios económicos de um conjunto de operações similares que violem a mesma disposição de direito comunitário» [ponto 44];

R) Salienta-se que o citado acórdão do TJUE, proferido no âmbito do Processo C-279/05, tem como questão de fundo a aplicação de regras comuns de execução do regime das restituições à exportação para os produtos agrícolas [a mesma ajuda em análise nos presentes autos];

S) Face ao exposto, uma vez que as irregularidades praticadas pela recorrida nunca foram supridas, não se pode considerar que tenham cessado, pelo que inexiste, qualquer tipo de prescrição do procedimento;

T) Caso assim não se entenda, o que só por mero dever de patrocínio se refere, sem conceder, sempre se dirá que invoca o Tribunal a quo que a última irregularidade foi praticada no dia 11.11.1999 e que o prazo de prescrição do procedimento terminaria no dia 11.11.2003;

U) Ora, no caso concreto, entre a prática da irregularidade, que, como ficou demonstrado, ocorreu em momento posterior ao adiantamento/pagamento da ajuda à beneficiária, [ainda assim considera-se este momento - 15.02.2000] e o início da fase de instauração do procedimento, nomeadamente através de notificação da existência de um controlo/instrução de irregularidades, notificada através do ofício nº47335, em 04.12.2001, não decorreram 4 anos [ver facto S) da matéria de facto assente da sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância];

V) Deste modo, sempre se dirá que o recorrente remeteu à recorrida:

- Em 04.12.2001, o ofício com a referência 47335, nos termos e para os efeitos dos artigos 100º e 101º do CPA [como resulta provado na alínea S) do acórdão de 30.11.2015, proferido pelo TAC de Lisboa];

- Em 14.10.2005, decisão final [alínea h) do Ponto 11.1 do acórdão de 02.02.2017, proferido pelo TCAS];

W) Razão pela qual, para efeitos de contagem do prazo de prescrição do procedimento, deverá ser tida em consideração a data da apresentação do último pedido de pagamento [mais correctamente seria da data do pagamento da ajuda], que ocorreu em 15.02.2000, pelo que tendo a notificação para efeitos de audiência prévia ocorrido 04.12.2001, não se encontravam decorridos 4 anos, nem se encontrava decorrido o prazo de 8 anos, quando a recorrida foi notificada da decisão final em 14.10.2005;

X) Dada a complexidade da situação em apreço, cabendo a interpretação do direito comunitário ao TJUE, subsistindo dúvidas quanto à correta aplicação do artigo 3° do Regulamento [CE, EURATOM] nº2988/95 - prescrição do procedimento no âmbito de irregularidades continuadas ou repetidas - requeremos que sejam colocadas a esse Tribunal em sede de reenvio prejudicial, as seguintes questões:

i) Resultando da matéria provada nos autos, ter existido a violação pela beneficiária da não apresentação de «um certificado de descarga do produto», em violação ao disposto no artigo 1º, nº1, 2º travessão, da «Decisão da Rússia» [decisão C (1999) 2497 de 28.07.1999] e do nº4 do artigo 16º do Regulamento [CEE] nº1766/92, do Conselho, de 30.06.1992, nos pedidos de pagamento da ajuda apresentados em 27.08.99, 28.09.99 e em 11.11.99, no âmbito da «Ajuda Comunitária Restituições à Exportação de Carne de Suíno», deverão estas irregularidades ser consideradas continuadas ou repetidas, na acepção dada pelo 2º parágrafo do nº1 do artigo 3º do Regulamento [CE, EURATOM] nº2988/95?

ii) Considerando-se as irregularidades praticadas pela beneficiária da ajuda paga no âmbito da «Ajuda Comunitária Restituições à Exportação de Carne de Suíno», como irregularidades continuadas ou repetidas a prescrição do procedimento administrativo abertos no seu âmbito está sujeita ao prazo de 4 anos prescrito no nº1 do artigo 3º? Ou ao prazo previsto no segundo parágrafo do artigo 3º do Regulamento [CE, EURATOM] nº2988/95?

iii) Caso se entenda que o prazo de prescrição do procedimento administrativo no âmbito da «Ajuda Comunitária Restituições à Exportação de Carne de Suíno», nos termos do previsto no segundo parágrafo do artigo 3º do Regulamento [CE, EURAITOM] nº2988/95 «...corre desde o dia em que cessou a irregularidade», tendo existido por parte da beneficiária a violação da regra da apresentação de «um certificado de descarga do produto» e consequentemente violação ao disposto no artigo 1º, nº1, 2º travessão, da «Decisão da Rússia» [decisão C (1999) 2497 de 28.07.1999] e do nº4 do artigo 16º do Regulamento [CEE] nº1766/92, do Conselho, de 30.06.1992, nos pedidos de pagamento apresentados em 27.08.99, 28.09.99 e 11.11.99: - em que data deverão ser consideradas cessadas as irregularidades praticadas pela beneficiária? Ou não tendo as irregularidades sido supridas, dever-se-á considerar que as mesmas não cessaram?

Y) Face ao exposto, o entendimento do Tribunal ao negar provimento ao recurso, mantendo a decisão de procedência da excepção de prescrição da obrigação de restituição não parece ter sido correta, pelo que, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e em consequência ser proferido acórdão revogando o acórdão ora impugnado.

2. A recorrida A………… contra-alegou, concluindo assim:

A) O que a recorrente pretende com este pedido de revista é tão-somente a reapreciação da decisão do TCAS, na vertente da fixação dos factos materiais da causa, seja, ainda, na vertente das ilações de facto que o julgador retirou dessa factualidade;

B) Ora, a reapreciação pretendida pelo recorrente obriga à alteração da matéria de facto fixada e à sua reinterpretação em moldes diferentes;

C) Por outro lado, a questão jurídica colocada pela recorrente tem natureza pontual e casuística, estando umbilicalmente ligada à análise e ponderação da matéria de facto articulada, à fixação dos factos materiais da causa e à concreta e específica leitura que lhes foi dada pelo julgador;

D) Em suma: trata-se de questão que respeita ao caso concreto e ao princípio da livre apreciação dos factos alegados, fixados e interpretados pelo julgador;

COM EFEITO

E) A questão da prescrição do procedimento vem suscitada desde a audição prévia, tendo a 1ª instância, nos termos preceituados no nº3 do artigo 5º do CPC, dado razão à recorrida, embora elegendo a aplicação prioritária do regime geral sobre prescrição instituído pelo REG 2988/95 sobre o regime sectorial estipulado no REG 800/1999;

F) A eventual natureza repetida e/ou continuada das operações em causa nestes autos, só foi «construída» pela recorrente no seu recurso da sentença proferida em 1ª instância como excepção ao início da contagem do prazo previsto no artigo 3º, nº1, do REG 2988/95;

G) E, só agora, em sede de revista, é que a recorrente identifica a violação do artigo 1º, nº1, 2º travessão, da «Decisão da Rússia» [Decisão C (1999) 2497 de 28.07.1999] e nº4 do artigo 16º do Regulamento [CEE] nº1766/92 do Conselho de 30.06.1992, como a «mesma disposição de direito comunitário», uma vez que o TJUE considera que «uma irregularidade é continuada ou repetida quando for cometida por um operador comunitário que retire benefícios económicos de um conjunto de operações similares que violem a mesma disposição de direito comunitário» - AC TJUE de 11.01.2007, Processo C-279/05;

H) Ora, a «Decisão da Rússia» é posterior às operações de exportação, pois é datada de 28.07.99, não foi objecto de publicação oficial e, tendo por destinatários exclusivamente os Estados-Membros, desconhece-se quando chegou ao conhecimento da recorrente, e o artigo 16º do Regulamento [CEE] nº1766/92 só tem 2 números, nenhum aplicável ao caso sub judice;

ALIÁS,

I) Como decidido pelo TCAS, a questão da natureza das irregularidades seria irrelevante, em face da interpretação dada pelo TJUE ao 1º período do 2º parágrafo do nº1 do artigo 3º do REG 2988/95 segundo a qual «o conceito cessou a irregularidade» previsto nessa disposição, deve ser interpretado «no sentido de que se refere ao dia em que cessou a última operação constitutiva de uma mesma irregularidade repetida» - AC TJUE de 11.06.2015, Processo C-59/14;

J) Bem decidiram as instâncias ao considerar que o prazo de prescrição se iniciou em 12.11.99 e a mesma ocorreu mesmo em 11.11.2003.

Termina pedindo a recusa da revista, ou, de todo o modo, que lhe seja negado provimento.

3. Mas o recurso de revista foi «admitido» pelo STA - formação a que alude o artigo 150º, nº5, do CPTA.

4. O Ministério Público pronunciou-se [artigo 146º, nº1, do CPTA] pelo «não provimento» do presente recurso.

O recorrente veio discordar desta pronúncia, reiterando o sentido da sua tese - artigo 146º, nº2, do CPTA.

5. Colhidos que foram os «vistos» legais, importa apreciar e decidir o recurso.

II. De Facto

São os seguintes os factos provados que nos vêm das instâncias:

1) Por ofício de 29.10.2004 [junto à petição inicial como documento 3 - a folhas 56 a 61, que se dá por integralmente reproduzido], recebido pela autora a 04.11.2004, comunicou-lhe o réu a intenção de determinar a reposição do valor indevidamente pago relativo à ajuda comunitária «Restituições à Exportação de Carne de Suíno, campanha de 1999», acrescido de penalização e de juros, no montante total de 1.288.121,30€;

2) A intenção de determinar a reposição mencionada refere-se, conforme consta, quer do assunto quer do corpo, daquele ofício, às seguintes declarações de exportação [DU], datas e nºs de processo:

3) Às declarações de exportação [DU] mencionadas na tabela supra correspondem as seguintes datas de entrada do pedido de restituição [e documentação respectiva] nos serviços do, então, INGA, bem como as seguintes datas em que os montantes de restituição foram pagos à aqui autora [ver documento 2 junto à petição inicial - a folhas 49 a 55 - e tabela - a folha 58 do documento 3 mencionado]:

4) A autora pronunciou-se sobre aquela intenção mencionada em 1 e juntou 128 documentos que constam do processo administrativo, a 17.11.2004 [ver PA (pasta 2) junto aos autos];

5) Esses 128 documentos compõem-se de:

a) DU 4961 - exemplar 3 do DU de exportação [documento 1], CMR nº172431 [documento 2], carnet TIR nºXW26603245 [documento 3], e exemplar 3 do DU de importação [nº de referência 90152/30079/000372] [documento 4], factura [documento 5];

b) DU 4962 - exemplar 3 do DU de exportação (doc. 6), CMR (doc. 7), carnet TIR n°JX25348306 (doc. 8), exemplar 3 do DU de importação (nº de referência 90152/30079/000364) (doc. 9), factura (doc. 10);

c) DU 4963 - exemplar 3 do DU de exportação (doc. 11), CMR nº068368 (doc. 12), carnet TIR nºMX25997712 (doc. 13), exemplar 3 do DU de importação (nº de referência 90152/30079/000375 (doc. 14), factura (doc. 15);

d) DU 4964 - exemplar 3 do DU de exportação (doc. 16), CMR nº886314 (doc. 17), carnet TIR nºSX26292597 (doc. 18), exemplar 3 do DU de importação (nº de referência 90152/02089/000384) (doc. 19), factura (doc. 20);

e) DU 5056 - exemplar 3 do DU de exportação (doc. 21), CMR nº0047898 (doc. 22), carnet TIR nºYX 26525244 (doc. 23), exemplar 3 do DU de importação (nº de referência 90152/03089/0000395) (doc. 24), factura (doc. 25);

f) DU 20168 - exemplar 3 do DU de exportação (doc. 26), 21 exemplares 3 dos DU de importação e 21 CMR (docs. 27 a 67), «Bill of Landing» (doc. 68), relatório nº461.0899, de 17108/1999, da empresa de segurança e controlo «………… LTD.» (doc. 69), factura (doc. 70);

g) DU 5881 - exemplar 3 do DU de exportação (doc. 71), 21 exemplares dos DU de importação (docs. 72 a 93), «Bill of Landing» B/L nº RIGA-l (doc. 94), relatório de 23/0911999 da empresa de segurança e controlo «…………» (doc. 95), factura (doc. 96);

h) DU 26541 - exemplar 3 do DU de exportação (doc. 97), 14 exemplares 3 dos DU de importação e 14 CMR (docs. 98 a 125), «Sul of Landing» B/L Nº RIGA-2 (doc. 126), relatório de 01111/1999 da empresa de segurança e controlo «…………» (doc. 127), factura (doc. 128) (tudo conforme alegação a folhas 13/14 dos autos, não impugnada, e coincidente com conteúdo do PA).

6) Aos pedidos e DU mencionados em 3 correspondem os seguintes DU de importação/nº de referência:

7) Quanto aos demais DU de exportação [nºs 20168, 5881 e 26541], processados na Alfândega de Alcântara Norte, foi apurado no procedimento administrativo que corresponderiam a diversas declarações de importação [ver Informação junta à petição inicial como documento 7, a folha 71];

8) Por deliberação do Conselho de Administração do IFADAP/INGA, constante de ofício nº050992, de 14.10.2005, foi determinada «a reposição de 603.783,29€, considerada como indevidamente recebida, relativamente à Ajuda Comunitária Restituições à Exportação de Carne de Suíno, acrescida do montante exigido pela alínea a) do nº1 do artigo 51º do Regulamento [CE] nº800/99 da Comissão, de 15.04.1999, de 302.891,65€, e dos juros vencidos até ao dia, os quais ascendem a 195.335,43€, o que perfaz um total de 1.101.010,37€ [um milhão cento e um mil e dez euros e trinta e sete cêntimos] calculados de acordo com o mapa supra ao qual serão acrescidos juros vincendos contados até ao efectivo pagamento dessa importância» [ver folhas 46 do documento 1, junto à petição inicial, que se dá por integralmente reproduzido];

9) O ofício em 8 foi recebido pela autora a 26.10.2005 [ver indicação aposta pela autora naquele documento 1 bem como carimbo de tarefas aposto no ex-INGA sobre o mesmo ofício na pasta 2 do PA - com data de 24.10.2005 - do qual consta «REGISTAR CORRESP. SAÍDA»];

10) Tanto o ofício referido em 1 como o ofício referido em 8 apontam para um processo de recuperação de verbas coincidente, a que foi dado administrativamente, pelo ex-INGA o número 2851/2004 IRV;

11) No âmbito da instrução do procedimento, levada a cabo pela Direcção de Serviços Antifraude da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, foi formulado um pedido de assistência mútua às autoridades aduaneiras russas, com o objectivo de que estas confirmassem a autenticidade dos documentos de introdução no consumo apresentados pela autora ao organismo pagador, referentes às declarações de exportação nº4961, nº4962, nº4963, nº4964, de 19.07.99, 5056, de 22.07.99 e 5881 de 26.08.99, todas da Alfândega de Alverca, bem como as declarações 20168 de 03.08.99 e 26541 de 14.10.99, processadas na Alfândega de Alcântara Norte - que correspondem aos processos mencionados em 2 [conforme resulta do exposto na informação da Direcção de Serviços Antifraude junta à petição inicial como documento 7];

12) Também às autoridades belgas foi formulado um pedido de assistência mútua no sentido de confirmarem as operações realizadas entre a B…………, LDA., e a «trading» belga C…………, uma vez que aquelas exportações haviam tido intervenção desta empresa [ver o mesmo documento 7 anexo à petição inicial];

13) Em resposta ao pedido de ajuda mútua, a 21.01.2003, as autoridades russas referem que em 5 das declarações enviadas para confirmação documental, a que correspondem os números 90152/0389/000395, 90152/30079/000372, 90152/30079/000364, 90152/30079/375, 90152/02089/000384, foram declaradas 870 caixas de vegetais e 30 caixas de carne de porco [ver documento 5 junto à petição inicial, cuja tradução consta dos autos a folha 387];

14) O réu considerou que, a ora autora, não apresentou documentação suficiente e ou idónea, nem em sede de pronúncia no âmbito do procedimento administrativo nem em sede do exercício da faculdade de, após a decisão de reembolso - aqui impugnada -, vir juntar mais documentos, para afastar as conclusões da investigação decorrentes das informações prestadas pelas autoridades russas em sede de pedidos de assistência mútua [ver articulado de folhas 342 e seguintes, que se dá por reproduzido, posterior à remessa de novos elementos à ré, bem como o texto da deliberação impugnada]; considerou também que a prova testemunhal oferecida em sede de audiência prévia não se mostrava idónea à prova dos factos na discussão, pelo que a dispensou;

15) As quantidades de carne de suíno declaradas pela autora para exportação para a Rússia não correspondem às quantias declaradas para importação e consideradas pelo réu como desalfandegadas na Rússia, nos termos do quadro abaixo:

16) A determinação dos valores a reembolsar por parte da autora assenta, no tocante aos DU de exportação nºs 20168, 5881 e 26541, no pressuposto de que porção alguma da carne de suíno aí declarada terá chegado à Rússia [ver quadro constante da decisão impugnada - documento 1 -, quadro constante do documento 3, e ainda quadro constante do documento 7, respectivamente a folhas 45, 57 e 74 dos autos];

17) Do ofício mencionado em 8 - a decisão aqui impugnada - consta ainda referência ao processo de recuperação de verbas nº1207 IRV/DAE SAE/2001;

18) Quanto a esse processo, menciona-se que «foi remetida decisão final, em 28 de Janeiro de 2002 [ver ofício nº3467] nela se determinando, nomeadamente, o reembolso do valor de 38.741,31€, o qual foi pago em tempo útil»;

19) O ofício nº3467 consta da pasta 1 do PA e nele pode ler-se:

«Finda a fase de instrução no procedimento administrativo relativo ao assunto supra identificado [RESTITUIÇÔES À EXPORTAÇÃO DE CARNE DE SUÍNO - Campanha de 1998/FIRMA: B…………, Lda – A…………, SA] cumpre tomar decisão final, nos termos e com os fundamentos seguintes:

Através do ofício nº047335, 04.12.2001, foi essa Sociedade notificada nos termos e para os efeitos dos artigos 100º e seguintes do CPA da intenção deste Instituto de recuperar o valor indevidamente pago relativo à exportação de carne de espécie suína na campanha de 1998.»

20) Nesse ofício nº047335, 04.12.2001 [também constante da pasta 1 do PA], é referido como assunto:



21) A delimitação constante do assunto, em termos de DU’s consideradas, tem correspondência com os quadros de recebimentos e reposições incluídos na informação e que fundamentam aquele projecto de decisão;

22) Do corpo de texto daquele ofício nº047335, 04.12.2001 [que aqui se dá como integralmente reproduzido], constam referências a um

«[…] relatório de controlo à posteriori realizado no âmbito do Regulamento [CEE] nº4045/89, levado a cabo pela Direcção Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, Direcção de Serviços de Prevenção e Repressão da Fraude, o qual permitiu apurar uma situação de incumprimento da legislação aplicável à Restituição à exportação de carne de suíno na campanha de 1998»;

23) E continua como segue:

«Com efeito, concluiu-se pela existência nalgumas operações de exportação, de diferenças entre a quantidade declarada para a exportação e a efectivamente exportada. Por outro lado igualmente se constatou que a mercadoria nem sempre foi devidamente classificada no respectivo código de restituição, e nalgumas situações o produto chegou ao destino impróprio para consumo.

Estes factos levaram a que a empresa B…………, Lda., tivesse recebido indevidamente os montantes a seguir descritos: [...]»;

24) Termina aquele ofício com os seguintes três parágrafos, que se transcrevem na íntegra:

«Podendo informar por escrito sobre o que se lhe oferecer, no prazo máximo de 10 [dez] dias úteis, contados a partir da data de recepção do presente ofício ou, supletivamente a partir do terceiro dia após a data constante no carimbo de expedição dos CTT.

Todavia, se V. Exa pretender proceder de imediato à liquidação do quantitativo supra referido, poderá fazê-lo através de cheque a remeter à Tesouraria do INGA, sendo que, nesse caso o presente ofício converter-se-á em decisão final logo após a recepção do cheque neste Instituto e sua respectiva boa cobrança, dando, assim, por encerrado o presente processo.

O processo poderá ser consultado, nos Serviços do INGA, na Direcção do Azeite e Ajudas Especificas [DAE/SAE], na Rua Fernando Curado Ribeiro, nº4-G, 1649-034 Lisboa, das 9:30 às 12:00 e das 14:30 às 16:00 horas»;

25) À data da notificação deste último ofício, continuavam em curso diligências inspectivas e de controlo tendentes à investigação da regularidade das restituições à exportação de carne de suíno para a Rússia pela empresa B…………, que havia sido «seleccionada para controlo no âmbito do Programa FEOGA 2000/2001 o qual inclui a análise dos pagamentos efectuados entre 16/10/98 e 15/10/99» [texto do ofício, de 11.12.2000, dirigido ao Presidente do INGA pelo Director de Serviços Antifraude da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo - constante do PA - pasta 2];

26) Desse mesmo ofício consta ainda referência específica a três dos processos abrangidos pela decisão de restituição aqui sindicada, a saber




27) A DGAIEC deu conta ao INGA, a 07.08.2001, mediante remessa do relatório de controlo efectuado à B…………, elaborado pela Direcção de Serviços Antifraude, de que o controlo documental e contabilístico em curso «incidiu sobre 33 processos de pagamento, relativos à restituição à exportação concedidas para os produtos do sector da carne de suíno, pagos à empresa desde 16/10/1998 até ao início da inspecção» [ver ofício, e anexos, constante da pasta 2 do PA];

28) A aqui autora não se pronunciou em sede de audiência prévia após o ofício nº047335, 04.12.2001 [também constante da pasta 1 do PA e mencionado supra nos pontos 21 a 25 desta factualidade] e repôs a quantia indicada pelo ex-INGA [conforme se refere na decisão aqui impugnada e resulta de diversos documentos constantes da pasta 1 do PA];

29) A presente acção deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loures - Lisboa 2 - a 26.01.2006 [ver carimbo de entrada aposto no rosto da petição inicial].

E é tudo quanto a matéria de facto provada.

II. De Direito

1. A autora desta AAEA………… - pediu ao TAF de Loures [Lisboa 2] que anulasse a deliberação do Conselho de Administração do actual IFAP, datada de 14.10.2015, que lhe ordenou a reposição da quantia de 603.783,29€, que tinha recebido a título de «ajuda comunitária à exportação de carne de suíno», e considerada como indevidamente recebida, acrescida de penalização no montante de 302.891,65€ [alínea a) do nº1 do artigo 51º do Regulamento (CE) 800/99 da Comissão, de 15.04.99], e de juros vencidos até ao dia [195.335,43€], e vincendos até efectivo pagamento [ver ponto h) do provado].

Apontou-lhe, para tal efeito, as seguintes «causas de anulação»: - prescrição do procedimento administrativo que levou à deliberação impugnada; - violação do artigo 52º, nº4, do Regulamento (CE) 800/99, da Comissão, de 15.04.99; - violação do dever de fundamentação e do direito de audiência prévia; - erros na apreciação da prova, e ilegal limitação dos meios de prova admissíveis no procedimento que levou à decisão.

O TAF julgou procedente o vício da prescrição, apontado ao procedimento que levou ao acto impugnado [procedimento nº2851/2004 IRV], e, não obstante ter presente o preceituado no artigo 95º, nº2, do CPTA, considerou «prejudicada a apreciação dos demais vícios» invocados.

Para esse julgamento de procedência, que justificou a anulação da deliberação impugnada, a 1ª instância estribou-se, essencialmente, na doutrina emergente do AC STA/Pleno de 26.02.2015 - Rº0173/13 - que uniformizou jurisprudência no sentido de «O prazo para ser pedida a devolução das quantias recebidas irregularmente no âmbito do Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola é o previsto no nº1 do artigo 3º do Regulamento [CE EURATOM] nº2988/95, do Conselho, de 18.12.95, por se tratar de uma norma jurídica directamente aplicável na ordem interna, e, porque não existe no ordenamento nacional norma especificamente aplicável que preveja prazo superior».

Entendeu, assim, nesse sentido jurisprudencial, que o prazo de prescrição aqui em causa, ou seja, o prazo «dentro do qual poderá ser pedida a devolução de quantias recebidas no âmbito do FUNDO EUROPEU DE ORIENTAÇÃO E GARANTIA AGRÍCOLA [FEOGA]», não é o prazo geral de prescrição, de 20 anos [artigo 309º do CC], nem o prazo especial, de 10 anos [artigos 40º do Código Comercial, 118º nº2, do CIRS, e 115º nº4 do CIRC], nem, tão pouco, o de 5 anos [artigo 40º do DL nº155/92, de 28.07], mas antes o de 4 anos previsto no nº1, do artigo 3º, do Regulamento [CE EURATOM] nº2988/95, do Conselho, de 18.12.1995.

Nesta base, e por referência à factualidade provada, entendeu o TAF que tendo o «último pedido de restituição» sido formulado em 11.11.99 [ver ponto 3 do provado - referente ao DU 26541], o respectivo procedimento prescreveu em 11.11.2003, e que, sendo os outros pedidos de restituição anteriores, os respectivos procedimentos prescreveram antes dessa data. Assim, quando o autor da acção foi notificado, em 04.11.2004, da intenção de lhe ser exigida a restituição dos valores recebidos e relativos aos pedidos ditos em 3 do provado, já a dita prescrição tinha ocorrido, razão pela qual esta notificação nunca poderia ter efeito interruptivo da mesma.

Esta decisão do TAF foi objecto de «apelação» para o TCAS, que a manteve nos seus precisos termos, acrescentando, em relação à decisão de 1ª instância, e em resposta a nova argumentação do apelante, que «não releva, no caso, a suposta continuidade das irregularidades. Por um lado, porque é questão qualificativa nova, não abordada na 1ª instância; por outro lado, não há dúvidas de que as várias irregularidades que podem estar em causa aqui, de acordo com a factualidade provada, são anteriores a 12.11.99».

É deste acórdão do TCAS que o IFAP interpõe a presente «revista», imputando-lhe erro de julgamento de direito, quer porque interpretou e aplicou mal o nº1, do artigo 3º, do Regulamento [CE EURATOM] nº2988/95, do Conselho, de 18.12.95, pois está em causa uma «irregularidade continuada ou repetida» que assim não foi considerada, quer porque o prazo de 4 anos deve começar a contar a partir da «data do último pagamento», que foi em 15.02.2000 [ponto 3 do provado], e foi interrompido a 04.12.2001 [ponto 20 do provado], resultando que não estava completo na data da deliberação impugnada, ou seja, 14.10.2005 [ponto 8 do provado].

A discordância ocorre, pois, não quanto ao «prazo aplicável», que o recorrente concorda ser o prazo de quatro anos, mas quanto à sua contagem, dado que o recorrente entende estarmos perante uma irregularidade continuada ou repetida, ou, a não ser assim, que a contagem desse prazo foi interrompida aquando da notificação que foi feita à ora recorrida em 04.12.2001, através do ofício com o número 047335.

2. Antes de prosseguir, atentemos no texto das normas comunitárias em causa:

- O Regulamento [CE EURATOM] nº2988/95, do Conselho, de 18.12.1995 [Regulamento que estabelece disposições para lutar «contra a fraude lesiva dos interesses financeiros das Comunidades Europeias», e que, nomeadamente, regula a matéria da «prescrição» relativa a irregularidades no âmbito das ajudas comunitárias], estipula assim no seu artigo 3º:

«1. O prazo de prescrição do procedimento é de quatro anos a contar da data em que foi praticada a irregularidade referida no nº1 do artigo 1º. Todavia, as regulamentações sectoriais podem prever um prazo mais reduzido, que não pode ser inferior a três anos.

O prazo de prescrição relativo às irregularidades continuadas ou repetidas corre desde o dia em que cessou a irregularidade. O prazo de prescrição no que se refere aos programas plurianuais corre em todo o caso até ao encerramento definitivo do programa.

A prescrição do procedimento é interrompida por qualquer acto, de que seja dado conhecimento à pessoa em causa, emanado da autoridade competente tendo em vista instruir ou instaurar procedimento por irregularidade. O prazo de prescrição corre de novo a contar de cada interrupção.

Todavia, a prescrição tem lugar o mais tardar na data em que termina um prazo igual ao dobro do prazo de prescrição sem que a autoridade competente tenha aplicado uma sanção, excepto nos casos em que o procedimento administrativo tenha sido suspenso em conformidade com o nº1 do artigo 6º.

2. O prazo de execução da decisão que aplica a sanção administrativa é de três anos. Este prazo corre desde o dia em que a decisão se torna definitiva. Os casos de interrupção e de suspensão são regidos pelas disposições pertinentes do direito nacional.

3. Os Estados-membros conservam a possibilidade de aplicar um prazo mais longo que os previstos respectivamente nos nºs 1 e 2».

Por seu lado, o Regulamento [CE] nº800/99, da Comissão, de 15.04.99 [Regulamento que estabelece «regras comuns de execução do regime das restituições à exportação para os produtos agrícolas»], prescreve no seu artigo 51º, nº1 alínea a), e nº4, o seguinte:

«1. Sempre que se verifique que, com vista à concessão de uma restituição à exportação, um exportador solicitou uma restituição superior à aplicável, a restituição devida para a exportação em causa será a aplicável à exportação efectivamente realizada, diminuída de um montante correspondente: a) A metade da diferença entre a restituição solicitada e a restituição aplicável à exportação efectivamente realizada;».

4. Sempre que da redução referida na alínea a) […] do nº1 resulte um montante negativo, o exportador pagará esse montante negativo.»

E estipula no seu artigo 52º, nº1 e nº4 alínea b), assim:

«1. Sem prejuízo da obrigação de pagar o montante devido referido no nº4 do artigo 51º, em caso de pagamento indevido de uma restituição, o beneficiário terá de reembolsar os montantes indevidamente recebidos - incluindo qualquer sanção aplicável nos termos do primeiro parágrafo do nº1 do artigo 51º -, aumentados dos juros calculados em função do período decorrido entre o pagamento e o reembolso.

[…]

4. A obrigação de reembolso referida no nº1 não se aplica: […] b) Se o prazo decorrido entre a data da notificação ao beneficiário da decisão de concessão da restituição e o da primeira informação do beneficiário por uma autoridade nacional ou comunitária relativamente à natureza indevida do pagamento em causa for superior a quatro anos. Esta disposição só se aplica se o beneficiário tiver actuado de boa-fé.

3. Como vimos no anterior ponto 1, a autora entende que aquando da prolação da deliberação impugnada, o procedimento de recuperação de verbas por parte da entidade nacional INGA [procedimento nº2851/2004 IRV], actual IFAP, já se encontrava prescrito ao abrigo do artigo 52º, nº4 alínea b), do Regulamento [CE] nº800/99, da Comissão, de 15.04.99. Aliás, a autora nunca fez sequer alusão a qualquer outro Regulamento comunitário, uma vez que a «obrigação de reembolso» lhe foi imposta ao abrigo dos acima citados artigos deste.

As instâncias entenderam, porém, que a «prescrição do dito procedimento» era regulada pelo artigo 3º do Regulamento [CE EURATOM] nº2988/95, do Conselho, de 18.12.1995, e não pelo artigo 52º, nº4 alínea b), invocado na petição inicial.

Esta «alteração jurídica» tornou-se pacífica nos autos, de tal modo que, ora em sede de «revista», é a interpretação e a aplicação do artigo 3º nº1 deste último Regulamento que está em causa, que constitui verdadeiramente o seu objecto.

As instâncias entenderam que a prescrição do procedimento de recuperação de verbas se verificava, já que o prazo de «quatro anos» aplicável - o previsto no artigo nº1, do artigo 3º, do Regulamento [CE EURATOM] nº2988/95, do Conselho, de 18.12.95 - terá começado a decorrer com a prática das irregularidades assacadas às decisões de restituição, e imputadas ao beneficiário das mesmas, ou seja, nas datas em que este pediu a restituição à entidade competente para a decidir, o ex-INGA, uma vez que foi neste momento que ele, beneficiário peticionante, não instruiu devidamente a sua petição, pois não juntou prova justificativa da diferença entre a quantidade de carne de suíno declarada para exportação e a efectivamente exportada. Tais datas são as constantes do ponto 3 da matéria de facto provada [ver também o ponto 2]: - 27.08.99 [referente aos processos 99/TSU/318 (DU 4961); 99/TSU/314 (DU 4962); 99/TSU/319 (DU 4963); 99/TSU/320 (DU 4964); 99/TSU/322 (DU 5056); 99/TSU345 (DU 20168)]; - 28.09.99 [referente ao processo 99/TSU/387 (DU 5881)]; e, ainda, 11.11.99 [referente ao processo 99/TSU/440 (DU 26541)].

Contaram os quatro anos, sem interrupções, a partir desta última data, por ser a mais recente, e concluíram que a prescrição deste último procedimento se deu em 11.11.2003, estando os demais já necessariamente prescritos. Disseram as instâncias, também, que a única data em que o decurso deste prazo poderia ter sido interrompido seria a de 04.11.2004 [ver ponto 1 do provado], data em que o actual recorrente foi notificado para se pronunciar sobre a intenção do INGA lhe exigir a reposição do valor indevidamente pago acrescido de penalização e de juros, mas que, nesse momento, o procedimento já estava prescrito há cerca de 1 ano.

O recorrente, actual IFAP, discorda desta abordagem jurídica. Para ele, estamos perante irregularidades continuadas ou repetidas - à luz do 2º parágrafo do nº1, do artigo 3º, do Regulamento [CE EURATOM] nº2988/95 - e, portanto, o decurso do prazo de prescrição, de quatro anos, terá sido «interrompido em 04.12.2001», com a notificação da ora recorrida para se pronunciar sobre a intenção do INGA de recuperar o valor indevidamente pago relativo à «exportação de carne de suíno na campanha de 1998» - notificação feita através do ofício nº047335, conforme pontos 20 a 24 do provado. E deste jeito, a 14.10.2005, data da deliberação aqui impugnada, o procedimento ainda não se encontrava prescrito.

4. Embora o acórdão recorrido assim as não tenha considerado, escudando-se na razão de que se tratava de questão não abordada pela 1ª instância, não há dúvida de que estamos perante «irregularidades continuadas ou repetidas».

Foi, efectivamente, a 1ª instância que partiu para a aplicação ao caso do artigo 3º do Regulamento [CE EURATOM] nº2988/19, do Conselho, e não do artigo 52º, nº4 alínea b), do Regulamento [CE] nº800/99, da Comissão, alteração que, como dissemos, foi pacificamente aceite pelas partes. Daí que, apenas na sequência desta nova aplicação do direito tenha surgido a questão, à luz do 2º parágrafo do nº1 daquele artigo 3º, da qualificação das irregularidades como continuadas ou repetidas.

Tratava-se, pois, de questão de direito que a 2ª instância deveria ter apreciado, e que este tribunal de revista não está inibido de fazer, uma vez que se trata da «aplicação definitiva do regime jurídico julgado adequado» aos factos materiais fixados pelas instâncias [ver artigo 150º, nº3, do CPTA].

O TJUE, em acórdão proferido em «reenvio prejudicial», precisamente sobre a matéria ora em causa - restituições à exportação de produtos agrícolas - já se pronunciou sobre o conceito de «irregularidades continuadas ou repetidas» neste termos:

«Na acepção do artigo 3º, nº1, segundo parágrafo, do Regulamento [CE, EURATOM] nº2988/95 do Conselho, de 18 de Dezembro de 1995, relativo à protecção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias, uma irregularidade é continuada ou repetida quando for cometida por operador comunitário que retire benefícios económicos de um conjunto de operações similares que violem a mesma disposição de direito comunitário. Não tem qualquer importância para esse efeito o facto de a irregularidade respeitar a uma parte relativamente pequena do conjunto das operações efectuadas num período determinado e de as operações consideradas irregulares respeitarem sempre a lotes diferentes.» - Declaração 2) do AC do TJUE de 11.01.2007, Processo C-279/05, causa Vonk Dairy Products BV contra Productschap Zuivel.

É precisamente o que acontece com as irregularidades que constituem objecto dos processos 99/TSU/318 (DU 4961), 99/TSU/314 (DU 4962), 99/TSU/319 (DU 4963), 99/TSU/320 (DU 4964), 99/TSU/322 (DU 5056), 99/TSU345 (DU 20168), 99/TSU/387 (DU 5881), e 99/TSU/440 (DU 26541), todos relativos à «campanha de 1999» de exportação de carne da espécie suína, pela ora recorrida, e estando em causa, em todos eles, a «violação das mesmas normas de direito comunitário», ou seja, os artigos 51º, nº1 alínea a), e 52º, do Regulamento [CE] nº800/99, da Comissão.

Trata-se de irregularidades respeitantes, todas elas, a operações de exportação efectuadas durante um determinado período de tempo, isto é, «a campanha de 1999», relativas a diferentes lotes do mesmo produto, carne de suíno, e objecto do mesmo procedimento de reposição de quantias indevidamente restituídas ao beneficiário - procedimento nº2851/2004 IRV.

Quanto à campanha de exportação do mesmo produto no ano anterior - 1998 - tinham sido detectadas também várias e semelhantes irregularidades referentes a várias operações, e a vários lotes, que foram objecto do procedimento do INAG com o nº1207 IRV/DAE SAE/2001 [ver ponto 17 do provado], cujo reembolso, no montante de 38.741,31€ foi integralmente pago pela ora recorrida [ver ponto 17 do provado].

Como vemos, os pedidos de restituição e o seu respectivo pagamento, ou não, são tramitados em processos administrativos referentes a «ano de campanha», sendo por «ano de campanha» que é feito, também, o sorteio dos beneficiários sujeitos a «controlo» por parte da entidade nacional competente, e que finaliza, se for o caso, com a «determinação de reembolso» das quantias indevidamente restituídas, de sanções aplicáveis, e respectivos juros.

Ora, se a referida notificação de 04.11.2004 [ponto 1 do provado], foi efectuada para audiência prévia da ora recorrida no âmbito do procedimento de restituição, ou reembolso, nº2851/2004, relativa à campanha de 1999, a feita em 04.12.2001 [ponto 20 do provado] foi para audiência prévia, da mesma beneficiária, mas no âmbito do procedimento de restituição nº1207/2001, referente à campanha de 1998.

Estando em causa aferir da prescrição ou não de um procedimento de reembolso, carece de sentido jurídico estar a levar em conta, para efeito de qualificação das respectivas irregularidades como repetidas ou continuadas, infracções ocorridas numa outra campanha de exportação e cuja reposição de valores foi tramitada num outro procedimento de reposição.

Assim, a «notificação» para pronúncia «em sede de audiência prévia», feita ao visado num procedimento de reposição de valores indevidamente pagos a título de restituições à exportação - no âmbito aqui em causa - tem efeito interruptivo do prazo de prescrição apenas desse procedimento.

É verdade que, como resulta do provado, há três processos de restituição que, não obstante terem integrado a referida notificação de Dezembro de 2001 [ponto 26 do provado] integram processos relativos à campanha de 1999 [99/TSU345; 99/TSU/387; e 99/TSU/440]. Porém, claramente, tais processos de restituição - porventura ali inseridos por engano - foram integrados na respectiva campanha de 1999, e foram objecto, consequentemente, do «procedimento de reposição» que culminou com o acto impugnado.

5. Ressuma, pois, que não obstante estarmos perante irregularidades repetidas ou continuadas, não ocorreu, e pelos motivos expostos, a interrupção do prazo de prescrição do procedimento em causa, o que significa que aquando do acto impugnado tal procedimento já estava prescrito nos termos julgados pelas duas instâncias.

Deve manter-se na ordem jurídica, portanto, o acórdão recorrido.

IV. Decisão

Nestes termos, decidimos negar provimento a este recurso de revista e, em conformidade, manter o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 8 de Março de 2018. – José Augusto Araújo Veloso (relator) – Ana Paula Soares Leite Martins Portela – Jorge Artur Madeira dos Santos.