Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0225/12.6BEBJA
Data do Acordão:09/11/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:IRS
MAIS VALIAS
CONSTRUÇÃO
Sumário:I - No Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, diploma que aprovou o CIRS, foi fixado no n.º 1 do art. 5.º um regime transitório para os rendimentos da categoria G, nos termos do qual os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias só ficam sujeitos a IRS se a aquisição dos bens ou direitos de cuja transmissão provêm se houver efectuado após a entrada em vigor daquele código, em 1 de Janeiro de 1989.
II - A fim de ajuizar se estão sujeitos a tributação em IRS (ou, ao invés, se estão dispensados dessa tributação nos termos do referido regime transitório) os ganhos resultantes da venda efectuada em 2005 de uma fracção autónoma (inscrita na matriz predial em 2003) que resultou da sujeição ao regime da propriedade horizontal em 2004 de prédio adquirido em 1983, não basta o facto de a escritura de constituição da propriedade horizontal ser ulterior à data da entrada em vigor do CIRS, pois a constituição da propriedade horizontal, por si só, não determina modificação no conteúdo e na titularidade do direito de propriedade, que poderão manter-se inalterados.
III - No entanto, se em 2003 foi apresentada a declaração prevista no art. 13.º, n.º 1, alínea d), do CIMI, por força do preenchimento da previsão do n.º 3 do art. 12.º do mesmo Código, dando conta de que o prédio passou a ser constituído por 4 fracções autónomas (quando antes não constava da matriz predial qualquer parte do mesmo como susceptível de utilização independente), bem andou a sentença ao concluir (na ausência de alegação em contrário), como também tinha concluído a AT para indeferir o pedido de revisão, que foram realizadas no prédio obras que determinaram (cf. art. 46.º, n.º 3, do CIRS), não só a alteração do conteúdo do originário do direito de propriedade, como também a titularidade das partes sujeitas a utilização independente (no mesmo sentido, cf. Circular n.º 8/92, de 3 de Junho).
IV - Em face deste quadro, não é possível considerar que os ganhos resultantes da referida venda de uma das fracções autónomas, que são subsumíveis à previsão da alínea a) do art. 10.º do CIRS, estão abrangidos pela delimitação negativa de incidência nos termos do regime transitório do n.º 1 do art. 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro.
Nº Convencional:JSTA000P24858
Nº do Documento:SA2201909110225/12
Data de Entrada:12/20/2018
Recorrente:A............ E B............
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 225/12.6BEBJA
Recorrentes: A………… e mulher, B…………
Recorrida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)

1. RELATÓRIO

1.1 Os acima identificados sujeitos passivos recorreram para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja que julgou improcedente a impugnação judicial por eles deduzida, na sequência do indeferimento do pedido de revisão da liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) que lhes foi efectuada relativamente ao ano de 2005.

1.2 O recurso foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e os Recorrentes apresentaram as alegações, com conclusões do seguinte teor:

«1- Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo efectuou uma errada interpretação do regime transitório consagrado no art. 5.º, n.º 1 do DL n.º 442-A/88, de 30 de Novembro para efeitos da tributação de rendimentos da categoria G em sede de IRS.

2- À data da aquisição, por sucessão, o prédio estava isento de imposto de mais-valias.

3- A AT não pode considerar que a fracção autónoma alienada em 2005, como um prédio novo e, por conseguinte, sujeito a tributação de mais-valias de acordo com o art. 10.º, n.º 1 al. a) do CIRS.

4- Os recorrentes provaram e demonstraram que o prédio foi adquirido antes de 1/1/1989 e não em 2005.

5- O Tribunal a quo, ao entender que no caso dos autos, estamos perante um prédio novo e sujeito a tributação em sede de mais-valias, fez errada apreciação e interpretação do regime transitório consagrado no art. 5.º, n.º 1 do DL n.º 442-A/88, de 30 de Novembro para efeitos da tributação de rendimentos da categoria G em sede de IRS, violando o princípio da não retroactividade, previsto no art. 103.º, n.º 3 da CRP e no art. 12.º, n.º 1 da LGT.

6- A AT não pode “escudar-se na classificação de um prédio novo” para tributar rendimentos de categoria G (mais-valias) e assim contornar a violação do princípio da não retroactividade do imposto.

7- O princípio da não retroactividade foi consagrado para transmitir segurança jurídica e confiança aos contribuintes.

8- Se a alienação da fracção autónoma em 2005 foi tributada em sede de IRS, rendimentos de categoria G (mais-valias), quando deveria estar isenta de acordo com o regime transitório consagrado no art. 5.º, n.º 1 do DL n.º 442- A/88, de 30 de Novembro, essa tributação foi exagerada e desproporcionada.

Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser admitido, devendo ser: a) ao ganhos com a alienação, da fracção B do prédio inscrito sob o artigo 713, não estarem sujeitos a tributação como rendimentos da categoria G (mais-valias), atento o disposto no art. 5.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 442-A/88; b) dado provimento ao pedido de revisão da liquidação n.º 2007 513 0046377, assim fazendo-se a Vossa costumada JUSTIÇA!».

1.3 Não foram apresentadas contra alegações.

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso merece provimento, devendo revogar-se a sentença, julgar-se procedente a impugnação judicial e anular-se a liquidação, com a seguinte fundamentação:

«Questão decidenda: legalidade da tributação em IRS das mais-valias resultantes da alienação onerosa de fracção autónoma no regime de propriedade horizontal (constituída em 2003) de prédio urbano adquirido antes da vigência do CIRS

1.Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos comerciais, industriais ou agrícolas, resultem da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (arts. 9.º n.º 1 al. a) e 10.º n.º 1 al. a) CIRS);
O ganho sujeito a IRS é constituído pela diferença entre o valor de realização (venda) e o valor de aquisição (art. 10.º n.º 4 al. a) CIRS).
O regime transitório sobre a tributação de rendimentos da categoria G, após o início da vigência do CIRS em 1 de Janeiro de 1989 estabelece, designadamente, que os ganhos que não eram sujeitos ao Imposto de mais-valias só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor do CIRS (arts. 2.º e 5.º n.º 1 DL n.º 442-A/88, de 30 de Novembro).

2. No caso concreto o primeiro impugnante adquiriu o direito de propriedade do prédio urbano inscrito na matriz sob o art. 296 da freguesia de S. Pedro - concelho de Évora em 30.12.1983, por sucessão por morte na data da abertura da herança (factos provados A), factos não provados A) e 7.1; arts. 1316.º, 1317.º al. b) e 2031.º C. Civil)
Para a determinação da data da aquisição, componente da formação das mais-valias sujeitas a tributação, são irrelevantes as posteriores vicissitudes da vida jurídica do prédio: constituição de propriedade horizontal, divisão em quatro fracções autónomas e inscrição das mesmas na matriz sob outro artigo matricial (factos provados G) I) J)); ainda que tal inscrição seja obrigatória, na medida em que cada fracção autónoma no regime de propriedade horizontal é considerada como prédio (arts. 2.º n.º 4, 12.º n.º 1 e 13.º n.º 1 al. a) CIMI).
A adesão ao entendimento da administração tributária (coonestada pela sentença impugnada), segundo o qual a data da aquisição corresponde à data da entrega da declaração modelo 129 para modificação do prédio na matriz mediante a inscrição de quatro fracções autónomas em 27.08.2003, traduzir-se-ia na validação da aquisição do direito de propriedade de modo não contemplado na lei (factos provado P) projecto de decisão considerando 15; art. 1316.º C. Civil)
Neste contexto, tendo a única aquisição do direito de propriedade por modo legalmente válido sido efectuada em 30.12.1983, não estão sujeitas a tributação as mais-valias resultantes da alienação efectuada em 10.01.2005 de fracção autónoma resultante da modificação do prédio originário adquirido (art. 5.º n.º 1 DL n.º 442-A/88, 30 Novembro)».

1.5 Colheram-se os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos.

1.6 Cumpre apreciar e decidir.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja deu como provados os seguintes factos:

«A) Em 30/12/1983 faleceu C…………;

B) Nessa sequência foi instaurado, em 13/01/1984, o processo de liquidação de Imposto sobre as Sucessões e Doações com o n.º 9718 de onde consta, além de outros, o Impugnante A…………;

C) Atendendo a que, à data, o Impugnante era menor de idade foi instaurado no Tribunal Judicial da Comarca de Évora o processo de inventário obrigatório com o n.º 2/84;

D) Na relação de bens apresentada no processo de liquidação de imposto n.º 9718 consta como verba n.º 20 e no processo de inventário obrigatório n.º 2/84 como verba n.º 35 como fazendo parte da herança do falecido o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 296 da freguesia de São Pedro, concelho de Évora, aí indicado com o valor de 540.000$00;

E) Através de partilha, homologada por sentença em 13/04/1988, o prédio citado em D) foi adjudicado ao Impugnante;

F) Em 1996 o Impugnante alienou 50% do prédio ao seu irmão D………… para tanto apresentando o conhecimento de Sisa n.º 284/276, em 01/04/1996, à ATA;

G) Em 27/08/2003 foi entregue pelo Impugnante no Serviço de Finanças de Évora o modelo 129 nos termos do qual o artigo 296 foi modificado, passando a constar na matriz com quatro fracções autónomas;

H) Passaram a constar como seus titulares ambos os irmãos e suas respectivas mulheres;

I) Em 02/03/2004 os Impugnantes celebraram escritura de propriedade horizontal e divisão do prédio urbano antes citado em 4 fracções;

J) Tais imóveis foram inscritos na matriz da mesma freguesia sob o artigo 713, fracções A a D, posteriormente inscritos sob o artigo 547;

K) Em 10/01/2005 o Impugnante vendeu a fracção denominada por B do prédio urbano indicado na alínea J) pelo valor declarado de 110.000,00 €;

L) Em 27/03/2007 o Impugnante apresentou a declaração modelo 3 de IRS referente ao IRS de 2005 na qual fez constar no anexo G os seguintes valores:
- realização – 110.000,00 €
- aquisição – 45.263,81 €
- despesas e encargos – 4.971,16 €;

M) Esta liquidação deu origem à liquidação n.º 5130046377, de 30/03/2007, na qual resultava imposto a pagar no valor de 5.592,36 €;

N) Em 29/02/2008 os Impugnantes apresentaram pedido de revisão oficiosa de tal liquidação;

O) Sobre este recaiu despacho de indeferimento, datado de 08/07/2009, proferido pela Chefe de Divisão de Administração da Direcção de Serviços do IRS, com fundamento na seguinte informação complementar após apreciação do direito de audição dos Impugnantes:
5- Analisados os argumentos expendidos, verifica-se que não são apresentados factos novos susceptíveis de alterar o sentido do projecto de despacho.
6- Apesar disso, sempre se dirá que o facto de o imóvel só ter sido registado em 1993 em nome do requerente não é, só por si, suficiente para que se considere estar perante uma injustiça grave e notória (ao contrário do alegado).
7- Também não é correcto afirmar que “a Administração Fiscal não pode infirmar que a tributação não foi exagerada ou desproporcionada só porque a matéria tributável resultou da declaração apresentada pelo contribuinte”, pois é desvirtuar os argumentos da administração, que devem ser lidos no contexto em que foram proferidos.
8- E, aquilo que se disse é que, nos termos do disposto no n.º 5 [do artigo 78.º] da LGT, se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade (de que resultará um sério dano na economia do lesado) e que tal acontece quando a administração dispõe da possibilidade legal de fixar a matéria tributável (quando a pode graduar de acordo com critérios de discricionariedade técnica).
9- Apreciado o caso concreto, verifica-se que a situação não se enquadra na previsão legal.
10- Relativamente ao acórdão citado no exercício do direito de audição (acórdão do TCAN, de 2005DEZ20, processo n.º 00002/03 - Braga), o mesmo foi truncado. Contudo, da leitura do mesmo pode retirar-se que não versa a matéria aqui em análise pelo que não pode ser aplicável neste caso.
11- Relativamente ao ponto 8.º do exercício do direito de audição, não se entende o alcance da afirmação de que “o exponente não consegue conceber qual a ilegalidade grave e notória que cometeu”, pois nunca foi afirmado pela administração fiscal que foi cometida ilegalidade pelo requerente.
12- O que se afirmou é que, face aos elementos constantes dos autos, se conclui que o bem jurídico vendido não é o que foi adquirido antes da entrada em vigor do Código do IRS até porque o que foi adquirido em 1983 não permitia a utilização independente das fracções.
13- Essa utilização independente apenas passou a ser possível após a realização de obras, o que permite concluir que das mesmas resultaram alterações estruturais, o que levou à entrega, em 2003AG027, do modelo 129 com a indicação que o prédio foi modificado.
14- Assim, sendo o prédio inscrito na matriz sob o artigo 713 um novo prédio, os ganhos obtidos com a alienação da fracção B não estão abrangidos pela exclusão prevista no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, estando, como tal, sujeitos a tributação em sede de categoria G (mais-valias).
15- Face ao exposto, a liquidação foi efectuada tendo em conta os preceitos legais aplicáveis, não tendo a administração violado os princípios explanados no artigo 5.º n.º 1 do CPA e artigo 55.º da LGT (ao contrário do afirmado pelo sujeito passivo).
16- Pelo exposto, mantendo-se válidos os fundamentos em que se baseava o projecto de indeferimento, propomos que seja a tomada definitiva e, em consequência, seja negado provimento ao pedido de revisão da liquidação”.

P) Previamente a este despacho foi proferido o projecto de decisão com a seguinte fundamentação:
(…) 1- Nos termos do n.º 4 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária existe a possibilidade de revisão excepcional do acto tributário nos três anos posteriores ao mesmo com fundamento em injustiça grave ou notória. A revisão depende de autorização do dirigente máximo do serviço.
2- Assim, a revisão prevista neste n.º 4 do artigo 78.º da LGT não é um mecanismo que tenha em vista perdoar a negligência dos contribuintes quando não reclamam e/ou impugnam dentro dos prazos legais a menos que a tributação seja excessiva a ponto de poder ser considerada como injustiça grave. Aliás, a alteração operada pela Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro, foi precisamente nesse sentido.
3- Ora, a injustiça grave e notória não coincide com a ilegalidade grave e notória uma vez que os princípios da legalidade e da justiça da actividade administrativa são materialmente distintos.
4- O princípio da justiça resulta da sujeição do Estado de direito a fins de justiça material, compreendendo essencialmente a defesa dos valores jurídicos da igualdade, da proporcionalidade, da boa-fé, da razoabilidade e da equidade (art. 5.º, 1.ª parte do CPA). É um princípio que se dirige essencialmente ao Estado-legislador e não ao Estado-administrador.
5- O princípio da legalidade já implica a sujeição da actividade administrativa à lei, independentemente de qualquer valoração dos critérios de justiça material aplicados na referida actividade, a qual tem já a ver com o princípio da justiça, tendo essencialmente aplicação ao Estado-administrador.
6- É o n.º 5 do art. 78.º da LGT que estabelece a definição de injustiça grave ou notória. Ora, considera-se notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade. Dessa tributação exagerada e desproporcionada com a realidade resultará um sério dano na economia do lesado.
7- Como tal, só há tributação exagerada ou desproporcionada quando a administração fiscal dispuser da possibilidade legal de fixar a matéria tributável ou, explanando de outra forma, não há tributação exagerada ou desproporcionada quando a matéria tributável resulte directamente da lei ou da própria declaração do contribuinte sem que a administração fiscal a possa graduar de acordo com critérios de discricionariedade técnica.
8- No caso aqui em análise a matéria tributável resultou da própria declaração do contribuinte pelo que não poderá considerar-se que a tributação foi exagerada ou desproporcionada.
9- Assim, deveria, pois, o contribuinte ter apresentado reclamação graciosa dentro do prazo previsto no n.º 1 do art. 70.º do CPPT (caso a tributação fosse exagerada ou desproporcionada).
10- Acresce que, face aos elementos constantes dos autos, se conclui que o bem jurídico vendido não é o que foi adquirido antes da entrada em vigor do Código do IRS até porque o que foi adquirido em 1983 não permitia a utilização independente das fracções.
11- Essa utilização independente apenas passou a ser possível após a realização de obras o que permite concluir que das mesmas resultaram alterações estruturais, o que levou à entrega em 2003AGO27, do modelo 129, como a indicação que o prédio foi modificado.
12- Assim sendo o prédio inscrito na matriz sob o artigo 713 um novo prédio, os ganhos obtidos com a alienação da fracção B não estão abrangidos pela exclusão prevista no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, estando, como tal, sujeitos a tributação em sede de categoria G (mais-valias).
13- Face ao exposto, a liquidação foi efectuada tendo em conta os preceitos legais aplicáveis pelo que o dirigente máximo do serviço não deverá autorizar a revisão da matéria tributável apurada, nos termos do disposto no n.º 4 do art. 78.º da Lei Geral Tributária.
14- Será de proceder à notificação dos sujeitos passivos, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 60.º da LGT.
15- Conforme referido no ponto 11 supra, houve entrega de modelo 129 em 2003 pelo que deverá ser essa a data de aquisição e o valor deverá ser 43.096,08 € (e não os 45.263,81 € declarados pelo sujeito passivo. (…)

Q) Em 14/06/2012 os Impugnantes deram entrada à petição inicial que deu origem aos presentes autos».


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2.2 DE DIREITO

2.1.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

Na sequência da apresentação pelos ora Recorrentes de declaração de rendimentos para efeitos de IRS do ano de 2005, de cujo anexo G fizeram constar a aquisição em 2003 e a alienação em 2005 de uma fracção autónoma de um prédio sujeito ao regime da propriedade horizontal – declarando valores de aquisição e de realização de 45.263,81 € e 110.000,00 €, respectivamente, e despesas e encargos de 4.971,16 € (Apesar de não ter sido estabelecido pela sentença, os ora Recorrentes parecem ter considerado como valor de aquisição o valor que atribuíram à fracção autónoma quando da celebração da escritura de constituição da propriedade horizontal e de divisão de coisa comum.) –, a AT procedeu à liquidação do imposto, designadamente tributando os ganhos resultantes dessa alienação como rendimentos da categoria G (incrementos patrimoniais), provenientes de mais-valias imobiliárias.
Os sujeitos passivos discordaram dessa liquidação e contra ela reagiram, através de pedido de revisão e, após indeferimento deste, mediante a presente impugnação judicial. Pediram a anulação da decisão do pedido de revisão e da liquidação com o fundamento de que os ganhos em causa estão excluídos de tributação pelo regime transitório estatuído no art. 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, que aprovou o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), porque entendem, em síntese, que o prédio em causa foi adquirido pelo ora Recorrente marido antes da entrada em vigor daquele Código.
Recorde-se que, como bem salientou a sentença recorrida, do referido regime transitório estabelecido para a categoria G de IRS pelo n.º 1 do art. 5.º do citado Decreto-Lei n.º 442-A/88, resulta que os ganhos que não eram sujeitos ao Imposto de Mais-valias (IMV) criado pelo Decreto-Lei n.º 46373, de 9 de Junho de 1965, só ficam sujeitos a IRS se a aquisição dos bens ou direitos de cuja transmissão provêm se houver efectuado depois da entrada em vigor do CIRS (Como salienta PAULA ROSADO PEREIRA, Estudos sobre IRS: Rendimentos de Capitais e Mais-Valias, Almedina, 2005, págs. 121/122:
«O principal motivo justificativo da criação de um regime transitório para esta categoria de rendimentos consistiu no facto de as regras de incidência do Código do Imposto de Mais-Valias, então revogado, serem consideravelmente menos abrangentes do que as da categoria G do Código do IRS. Com efeito, o Código do Imposto de Mais-Valias não tributava grande parte das situações que, nos termos do Código do IRS, originam mais-valias tributáveis. Refira-se, a título de excepção, a transmissão onerosa de terrenos para construção, que já se encontrava prevista no Código do Imposto de Mais-Valias.
Em conformidade com o disposto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88 (Regime transitório da categoria G), os ganhos que, constituindo mais-valias tributáveis nos termos do artigo 10.º do Código do IRS, não eram, contudo, sujeitos ao Imposto de Mais-Valias, só ficam sujeitos a IRS se a aquisição dos bens ou direitos de cuja transmissão provêm tiver ocorrido já depois da entrada em vigor do Código do IRS (1 de Janeiro de 1989)».).

A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga julgou a impugnação judicial improcedente e manteve os actos impugnados. Em resumo, considerou que é certo que «a aquisição do prédio urbano de onde emerge a fracção vendida pelo Impugnante em 2005 ocorreu em 30/12/1983», mas àquele prédio «foi-lhe imprimida modificação de molde a transformá-lo em 4 fracções autónomas entre si», como resulta do facto de o Impugnante ter apresentado «declaração – modelo 129 – junto do Serviço de Finanças para fazer o pedido de inscrição do novo prédio constituído» – declaração que «deu lugar à inscrição na matriz sob um novo artigo, então o 713, que sucedeu ao 296, isto porque este último não mais existia enquanto realidade física e jurídica» –, e o prova «a escritura pública de propriedade horizontal e divisão do prédio»; assim, prosseguiu, a AT «bem andou […] ao concluir encontrar-se o Impugnante na titularidade de um direito de propriedade sobre imóvel distinto daquele que lhe adveio por sucessão em 30/12/1983» e, por isso, «não abrangido pelo supra mencionado regime transitório de não sujeição a mais-valias»; complementarmente considerou que «se dúvidas houvesse quanto à caracterização do bem em questão as mesmas sempre se dissipariam com a análise da norma do art. 13.º do Código do IMI de acordo com a qual a inscrição ou actualização da matriz é forçosa sempre que ocorram modificações substanciais no prédio, designadamente a realidade física passar a ser diversa daquela que era outrora ou ocorrerem alterações que possam determinar variação no valor patrimonial do imóvel. Ora, manifestamente esse é o caso traduzido nos presentes autos em que é adquirido por sucessão um prédio urbano de utilização única e que sofre posteriormente transformação que lhe permite a divisão em quatro fracções de utilização autónoma entre si».
Os Impugnantes não se conformaram com a sentença e dela recorreram para este Supremo Tribunal Administrativo, sustentando que a sentença não fez a melhor interpretação do art. 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro. Sustentam, em resumo, que a fracção autónoma vendida pelo Recorrente marido em 2005 não pode ser tida como um prédio novo, mas antes como um prédio adquirido antes de 1 de Janeiro de 1989, sob pena de se contornar o regime transitório que o legislador consagrou no n.º 1 do art. 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro e, assim, se violar o princípio da não retroactividade da lei fiscal.
Assim, a questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença fez correcto julgamento quando considerou tributáveis em sede de IRS os ganhos obtidos com a transmissão onerosa de uma fracção autónoma de um prédio que, apesar de adquirido antes da entrada em vigor do CIRS, foi sujeito ao regime da propriedade horizontal já na vigência deste Código, motivo por que entendeu não poderem beneficiar do regime transitório da categoria G, previsto no n.º 1 do art. 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, na redacção do Decreto-Lei n.º 142/92, de 17 de Junho.


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2.1.2 DA TRIBUTAÇÃO EM IRS DOS GANHOS RESULTANTES DA TRANSMISSÃO ONEROSA DO PRÉDIO

De acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 9.º do CIRS, constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias, as mais-valias. Designadamente, no que ora interessa, nos termos do art. 10.º, n.º 1, alínea a), do CIRS, são mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.
Apesar da dificuldade em definir as mais-valias – e, por isso, o legislador optou por uma enumeração casuística das que estão sujeitas à incidência do IRS –, sinteticamente, podemos dizer que as mais-valias correspondem a ganhos ou rendimentos de carácter ocasional ou fortuito, «ganhos resultantes de uma valorização de bens devida a circunstâncias exteriores, portanto, independentemente de uma actividade produtiva do seu titular» ( Cf. RUI DUARTE MORAIS, Sobre o IRS, Almedina, 2014, 3.ª edição, pág. 130. ) e que não decorrem de uma actividade do sujeito passivo especificamente destinada à sua obtenção (na impressiva expressão de língua inglesa, windfall gains), mas relativamente aos quais o princípio da capacidade contributiva determina a sujeição a imposto. Assim, constituem mais-valias «os ganhos decorrentes da alienação onerosa de um bem ou direito, na medida em que esta alienação não constitui objecto específico de uma actividade empresarial» (Idem, pág. 129.).
Por sua vez, como referimos já, o art. 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, diploma que aprovou o CIRS, na redacção do Decreto-Lei n.º 141/92, de 17 de Julho estabelece, no seu n.º 1, um regime transitório, nos termos do qual os ganhos que não eram sujeitos ao IMV criado pelo Decreto-Lei n.º 46373, de 9 de Junho de 1965, só ficam sujeitos a IRS se a aquisição dos bens ou direitos de cuja transmissão provêm se houver efectuado depois da entrada em vigor do CIRS.
Os ganhos realizados com a transmissão de prédios urbanos não estavam sujeitos a imposto de mais-valias, à face do Código do IMV: a incidência real deste imposto, nos termos do art. 1.º do Código, e como logo se salientou no respectivo preâmbulo, restringia-se a quatro grupos de bens, ou seja, o IMV apenas incidia sobre a transmissão onerosa, «qualquer que seja o título por que se opere», de «terreno para construção», «de elementos do activo imobilizado das empresas ou de bens ou valores por elas mantidos como reserva ou para fruição», sobre o «trespasse de locais ocupados por escritórios ou consultórios afectos ao exercício de profissões constantes da tabela anexa ao Código do Imposto Profissional» e a «incorporação de reservas» e sobre a «incorporação de reservas no capital das sociedades anónimas, em comandita por acções, ou por quotas e emissão de acções, com reserva de preferência para os accionistas, ou, no caso de transformação de sociedades por quotas em sociedades anónimas, para os sócios da sociedade na sua forma anterior».
Para o enquadramento jurídico da questão a dirimir, cumpre também ter presente o disposto no art. 46.º do CIRS, na redacção anterior à que lhe foi dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro (Orçamento de Estado para 2011), que, sob a epígrafe «Valor de aquisição a título oneroso de bens imóveis», estabelece como valor de aquisição, se o bem imóvel tiver sido construído pelo próprio sujeito passivo, «o valor patrimonial inscrito na matriz ou ao valor do terreno, acrescido dos custos de construção devidamente comprovados, se superior àquele» (n.º 3). Ora, esta disposição legal permite concluir, sem margem para dúvidas, que para efeitos de tributação em IRS, categoria mais-valias, a construção de imóveis é considerada uma forma de aquisição relevante.
Tendo presentes os referidos artigos e estando demonstrado que a fracção autónoma vendida em 2005 é uma das quatro fracções resultantes da constituição da propriedade horizontal no prédio que o Recorrente marido adquiriu por sucessão em 1983, poderemos interrogar-nos se os ganhos resultantes da mesma não estarão abrangidos pela delimitação negativa de incidência de IRS feita no n.º 1 do art. 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, como sustentam os Recorrentes.
A sentença considerou que não, tal como havia já considerado que não a AT na fundamentação que expendeu para indeferir o pedido de revisão da liquidação. Em síntese, quer a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja quer a AT entenderam que o prédio que foi vendido em 2005 (fracção autónoma) não foi o prédio que o ora Recorrente adquiriu por sucessão; que não foi este último que foi vendido no estado em que se encontrava em 1 de Janeiro de 1989, data da entrada em vigor do CIRS (cf. art. 2.º do Decreto-Lei n.º 442-C/88), pois nessa ocasião inexistia o prédio (fracção autónoma) que foi vendido, o qual resultou da realização de obras em ordem à constituição da propriedade horizontal, como o comprova a apresentação pelo ora Recorrente marido, em 2003, da declaração modelo 129, em cumprimento do disposto nos arts. 13.º, n.º 1, e 12.º, n.º 3, do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI). Ou seja, sustentam que houve “construção” realizada ou, pelo menos, concluída em 2003, da fracção autónoma vendida em 2005, construção que constitui um modo de aquisição relevante para efeitos de tributação.
Vejamos:
Como bem salientou o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal a alteração da propriedade plena para a propriedade horizontal, por si só, é irrelevante, pois nada nos permite concluir quanto à existência ou não de uma alteração material da utilização do prédio, designadamente quanto à alteração no sentido de o prédio ter deixado de ser de utilização única e ter passado a ser constituído por partes susceptíveis de utilização independente. Bem pode acontecer que estas “partes susceptíveis de utilização independente” existissem já antes da constituição da propriedade horizontal.
Ou seja, no caso, não seria a celebração da escritura de constituição de propriedade horizontal – em 2004 – que permitiria concluir pela aquisição de um novo direito de propriedade sobre um imóvel através de “construção”, para efeitos de tributação em IRS, categoria mais-valias.
Decisivo, a fim de apurar se há aquisição de um novo direito de propriedade para efeitos de tributação em mais-valias, gerado através de construção pelo proprietário, é apenas o tipo de obras realizadas: haverá um novo direito de propriedade, um imóvel construído pelo sujeito passivo, quando as obras efectuadas não sejam meramente de conservação, de reparação ou melhoramento, mas quando dessas obras resultar um imóvel diferente do preexistente.
Na verdade, admitindo a lei como modo de aquisição para efeitos de tributação em mais-valias a construção de imóvel pelo próprio sujeito passivo, temos de convir que essa “construção” não se reporta apenas à construção “de raiz”, à construção totalmente nova de um edifício, devendo também incluir-se nesse conceito a construção a partir de um prédio já existente. Só essa interpretação garante a coerência e a harmonia do sistema fiscal – tendo sempre presente que o mais importante elemento da hermenêutica jurídica é a “unidade do sistema jurídico” (Temos presente que, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 9.º do Código Civil, «[a] interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo», utilizando como elementos para o efeito, «a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada», sendo que de entre estes elementos interpretativos avulta a “unidade do sistema jurídico, que «é sem dúvida o mais importante» e cuja «consideração como factor decisivo ser-nos-ia sempre imposta pelo princípio da coerência valorativa ou axiológica da ordem jurídica» (cf. J. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, págs. 188 e segs., máxime pág. 191).) – e obviará a flagrantes situações de desigualdade que se gerariam em função da existência, ou não, de uma construção preexistente.
Como bem consideraram a AT, para indeferir o pedido de revisão, e, para julgar improcedente a impugnação judicial, a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja – esta mais explicitamente –, para alcançar o sentido do conceito de «aquisição de imóveis construídos pelos próprios sujeitos passivos» a referida unidade do sistema jurídico aconselha que se atente noutras disposições legais, designadamente do Código da Contribuição Autárquica (CCA), primeiro, e do CIMI, depois de este ter revogado aquele (cf. arts. 31.º e 32.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro).
Na verdade, como bem realçou a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja ao interpretar a norma, «se dúvidas houvesse quanto à caracterização do bem em questão as mesmas sempre se dissipariam com a análise da norma do art. 13.º do Código do IMI de acordo com a qual a inscrição ou actualização da matriz é forçosa sempre que ocorram modificações substanciais no prédio, designadamente a realidade física passar a ser diversa daquela que era outrora ou ocorrerem alterações que possam determinar variação no valor patrimonial do imóvel. Ora, manifestamente esse é o caso traduzido nos presentes autos em que é adquirido por sucessão um prédio urbano de utilização único e que sofre posteriormente transformação que lhe permite a divisão em quatro fracções de utilização autónoma entre si».
Ou seja, na prossecução da tarefa hermenêutica há que atentar no disposto no art. 13.º, n.º 1, alínea d), do CIMI, que impõe a apresentação de uma declaração pelo sujeito passivo, em ordem à inscrição do prédio ou à actualização da matriz, no prazo de 60 dias, a contar, nomeadamente, da conclusão das obras de edificação, de melhoramento ou outras alterações que possam determinar variação do valor patrimonial tributário do prédio.
Por outro lado, nos termos do n.º 3 do art. 12.º do mesmo Código «[c]ada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário», independentemente de estar ou não constituída a propriedade horizontal (Referindo-se ao caso de prédio urbano, não constituído no regime da propriedade horizontal, mas que seja composto por vários andares que possam ser objecto de utilização autónoma, já antes do aditamento do art. 40º-A do CIMI sustentavam SILVÉRIO MATEUS e CORVELO DE FREITAS, Os Impostos Sobre o Património Imobiliário - O Imposto do Selo, Anotados e comentados, 1.ª edição, Engifisco, 2005, págs. 159 a 160: «a matriz deve evidenciar essas unidades e deve ser atribuído valor patrimonial a cada uma delas. Esta autonomização das partes autónomas de um prédio, aplicável sobretudo aos prédios urbanos, justificava-se no âmbito da antiga Contribuição Predial em que o rendimento colectável correspondia à renda ou ao valor locativo de cada uma dessas componentes, continuou a justificar-se no caso da Contribuição Autárquica em que o valor patrimonial tinha subjacente a renda efectiva ou potencial e continua a ser pertinente em sede do IMI, dado que os factores de valorização previstos nos artigos 38.º e seguintes podem não ser os mesmos para todas essas componentes».).
Ora a concatenação das duas normas legais que vimos de referir [e a que, anteriormente, correspondiam as normas dos arts. 13.º, n.º 2, e 14.º, n.º 1, do CCA, com idêntico teor] permite-nos concluir, em face da factualidade dada como assente, que o prédio que o ora Recorrente adquiriu por sucessão em 1983 deu origem em 2003 a um prédio constituído por 4 fracções autónomas, quando antes não constava da matriz predial qualquer parte do mesmo como susceptível de utilização independente. Ou seja, permite-nos concluir, com base na presunção de veracidade das declarações dos sujeitos passivos (cf. art. 75.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária) e na ausência de oportuna alegação em sentido contrário (O ora Recorrente não alegou oportunamente, i.e., no pedido de revisão ou na petição de impugnação judicial, que essa declaração não correspondia à realidade, sendo certo que era sobre ele que recaía o ónus dessa alegação, uma vez que é sobre ela que recai o ónus da falta de prova dos pressupostos para a aplicação do regime transitório do n.º 1 do art. 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, designadamente a prova de que o bem transmitido foi adquirido antes de 1 de Janeiro de 1989. Neste sentido, PAULA ROSADO PEREIRA, ob. cit., pág. 122.
Alegação ulterior não pode ser tida em conta, até porque a AT, na fundamentação do despacho por que indeferiu o pedido de revisão deixou dito que o prédio «que foi adquirido em 1983 não permitia a utilização independente das fracções», que «[e]ssa utilização independente apenas passou a ser possível após a realização de obras» e que é isso que «que permite concluir que das mesmas [obras ] resultaram alterações estruturais, o que levou à entrega em 2003AGO27, do modelo 129, como a indicação que o prédio foi modificado».), que foram concluídas em 2003 obras de que resultou a alteração de um prédio preexistente, de modo a que o mesmo – onde não existiam andares ou partes do prédio susceptíveis de utilização independente – passasse a ser constituído por quatro partes susceptíveis de serem utilizadas independentemente (e que vieram a ser as fracções autónomas por força da constituição da propriedade horizontal). Essa alteração do conteúdo do originário do direito de propriedade releva para efeitos fiscais (Este Supremo Tribunal já por várias vezes reconheceu essa relevância, designadamente para efeitos de saber se a Verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, aditada pelo art. 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, tem, ou não, aplicação aos prédios urbanos com um único artigo matricial mas constituídos por partes com afectação e utilização independentes e às quais foram atribuídos, de forma individual e separadamente, valores patrimoniais tributários autónomos, situações em que tem vindo a decidir pela atribuição separada do valor patrimonial tributário das indicadas partes com utilização independente (cf., por todos, o acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 22 de Novembro de 2017, proferido no processo n.º 1090/17, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/9f53985f8074d700802581e7004204a4.
O Supremo Tribunal Administrativo também reconheceu essa relevância no acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 7 de Março de 2018, proferido no processo n.º 1/17, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/761a38deda1823c58025824e0040ee24, em cujo sumário doutrinal consta que «O disposto na al. b) do n.º 2 do art. 7.º do CIMI articula-se com o disposto no n.º 3 do art. 12.º do mesmo Código, no sentido de que cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente deve ser «considerado separadamente na inscrição matricial», com discriminação também do «respectivo valor patrimonial tributário» VPT, independentemente, portanto, de os andares ou partes do prédio estarem afectos à mesma utilização» ).
Deve, pois entender-se que se está perante um novo direito de propriedade sobre imóvel, para efeitos fiscais, quando as obras realizadas criaram num prédio preexistente uma parte susceptível de utilização independente (seja ou não constituída propriedade horizontal). E resulta do art. 13.º, n.º 1, alínea d), do CIMI, que haverá uma alteração do conteúdo do direito de propriedade, relevante para efeitos fiscais, sempre que de obras de edificação, melhoramento ou alteração resulte uma alteração do valor tributável do prédio.
A situação sub judice, houvesse ou não constituição da propriedade horizontal, enquadra-se naquele n.º 3 do art. 12.º do CIMI, já que as obras deram origem a quatro partes susceptíveis de utilização independente num prédio que as não tinha, o que tem potencialidade para gerar uma considerável alteração do valor tributável do prédio. As alterações físicas no interior do prédio, criando quatro áreas susceptíveis de utilizações autónomas, ainda que não se tivesse constituído a propriedade horizontal, representam uma alteração substancial do conteúdo do direito de propriedade anterior, pois foram criadas possibilidades de utilização que não existiam anteriormente (v.g., a celebração de contratos de arrendamento autónomos em relação a cada uma das partes do prédio autonomizadas).
Concluímos, pois, que ocorreu em 2003 a aquisição de um novo direito, gerado por construção do ora Recorrente, e que, como tal, releva para efeitos de mais-valias, nos termos dos arts. 10.º, n.º 1, alínea a), e 46.º, n.º 3, do CIRS, o que significa que os actos impugnados não enfermam do vício por violação de normas de incidência do IRS.
É este o entendimento que subscrevemos e é também o que foi plasmado pela AT na Circular 8/92, de 3 de Junho de 1992 da Direcção de Serviços do IRS, que passamos a transcrever, uma vez que não o encontrámos no Portal das Finanças:

«Tendo surgido dúvidas sobre a tributação em sede de IRS dos ganhos resultantes da alienação onerosa de fracções autónomas de prédio adquirido antes da entrada em vigor do Código do IRS (1 de Janeiro de 1989) e que foi objecto depois desta data da constituição em regime de propriedade horizontal e de obras de beneficiação e ampliação foi, por despacho de 15 de Abril de 1992, de Sua Excelência o Subsecretário de Estado Adjunto da Secretária de Estado Adjunta e do Orçamento sancionado o seguinte entendimento:
1. A constituição do regime de propriedade horizontal sobre um prédio não determina modificação na titularidade do direito de propriedade pelo que se este se constituiu antes da entrada em vigor do Código do IRS a alienação onerosa de qualquer fracção não está sujeita a tributação no âmbito da Categoria G.
2. As obras de reparação e as benfeitorias efectuadas no imóvel pelo seu proprietário não alteram o conteúdo do seu direito de propriedade nem modificam a respectiva titularidade. Nestes termos a posterior alienação onerosa do prédio reparado ou beneficiado não integra a previsão normativa da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS desde que a sua aquisição se tenha verificado antes da entrada em vigor deste Código e a sua alienação não estivesse já sujeita a tributação em Mais-Valias, atento o disposto no n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro.
3. Apenas as obras de ampliação ou outras que originem uma parte de prédio susceptível de utilização independente e de inscrição matricial separada nos termos do n.º 2 do artigo 13.º do Código da Contribuição Autárquica, deverão ser consideradas como factos modificativos, não apenas do conteúdo originário do direito, como também da titularidade da parte ampliada susceptível de utilização independente, a qual se reportará à data relevante, para efeitos de inscrição matricial e de sujeição a tributação.
4. Em consequência, sempre que a data relevante para efeitos de inscrição matricial e de sujeição a tributação na parte ampliada de um prédio, susceptível de utilização independente, tenha ocorrido após a entrada em vigor do Código do IRS, a posterior alienação onerosa daquela parte, separada ou conjuntamente com o prédio em que se integra, é abrangida pela previsão normativa da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS, não lhe podendo aproveitar a exclusão tributária prevista no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro.
5. O presente entendimento é de aplicação exclusiva às situações em que a alienação onerosa de bens imóveis não gere rendimentos fiscalmente qualificáveis como comerciais ou industriais».

Foi também este o entendimento do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), no acórdão aí proferido em 16 de Novembro de 2012, no processo n.º 86/2012-T (Disponível em
https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?listPage=11&id=169.).
Por tudo o que deixámos exposto, entendemos que a sentença não é merecedora de censura e, bem pelo contrário, decidiu de acordo com a melhor interpretação da lei, que aplicou correctamente.


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2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - No Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, diploma que aprovou o CIRS, foi fixado no n.º 1 do art. 5.º um regime transitório para os rendimentos da categoria G, nos termos do qual os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias só ficam sujeitos a IRS se a aquisição dos bens ou direitos de cuja transmissão provêm se houver efectuado após a entrada em vigor daquele código, em 1 de Janeiro de 1989.
II - A fim de ajuizar se estão sujeitos a tributação em IRS (ou, ao invés, se estão dispensados dessa tributação nos termos do referido regime transitório) os ganhos resultantes da venda efectuada em 2005 de uma fracção autónoma (inscrita na matriz predial em 2003) que resultou da sujeição ao regime da propriedade horizontal em 2004 de prédio adquirido em 1983, não basta o facto de a escritura de constituição da propriedade horizontal ser ulterior à data da entrada em vigor do CIRS, pois a constituição da propriedade horizontal, por si só, não determina modificação no conteúdo e na titularidade do direito de propriedade, que poderão manter-se inalterados.
III - No entanto, se em 2003 foi apresentada a declaração prevista no art. 13.º, n.º 1, alínea d), do CIMI, por força do preenchimento da previsão do n.º 3 do art. 12.º do mesmo Código, dando conta de que o prédio passou a ser constituído por 4 fracções autónomas (quando antes não constava da matriz predial qualquer parte do mesmo como susceptível de utilização independente), bem andou a sentença ao concluir (na ausência de alegação em contrário), como também tinha concluído a AT para indeferir o pedido de revisão, que foram realizadas no prédio obras que determinaram (cf. art. 46.º, n.º 3, do CIRS), não só a alteração do conteúdo do originário do direito de propriedade, como também a titularidade das partes sujeitas a utilização independente (no mesmo sentido, cf. Circular n.º 8/92, de 3 de Junho).
IV - Em face deste quadro, não é possível considerar que os ganhos resultantes da referida venda de uma das fracções autónomas, que são subsumíveis à previsão da alínea a) do art. 10.º do CIRS, estão abrangidos pela delimitação negativa de incidência nos termos do regime transitório do n.º 1 do art. 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.

Custas pelos Recorrentes, que ficaram vencidos [cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário].


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Lisboa, 11 de Setembro de 2019. – Francisco Rothes (relator) – Isabel Marques da Silva – Aragão Seia.