Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01190/16
Data do Acordão:12/14/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PRESSUPOSTOS
Sumário:Justifica-se a admissão de revista excepcional interposta ao abrigo do artigo 150.º do CPTA – dada a fundamental relevância jurídica e social da questão - de acórdão proferido em recurso de intimação para consulta de documentos e passagem de certidão para concretização do âmbito deste processo no domínio tributário quando em causa estejam informações obtidas com derrogação de sigilos legalmente protegidos e em particular para aferir da (im)possibilidade de no âmbito do referido processo averiguar da veracidade ou completude da informação prestada pela AT depois de para tal intimada judicialmente.
Nº Convencional:JSTA000P21247
Nº do Documento:SA22016121401190
Data de Entrada:10/24/2016
Recorrente:A..........
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -

1 – A…………, com os sinais dos autos, vem, ao abrigo do artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista excepcional do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 14 de Julho de 2016, que revogou o despacho (judicial) recorrido e intimou o Sr. Director Geral da ATA a emitir a informação/certidão peticionadas, concluindo a sua alegação nos seguintes termos:

1) O presente recurso deverá ter efeito meramente devolutivo, nos termos do art. 143.º, n.º 3 do CPTA, por ser a única forma de a recorrida AT cumprir, desde já, a decisão condenatória, pelo menos, nos enfoques e termos em que esta foi proferida, sob pena de, caso contrário, quando as informações viessem a ser prestadas pela Administração se revelarem já totalmente inúteis, por serem extemporâneas, nomeadamente por já ter sido decidido o processo de impugnação da decisão de fixação da matéria colectável (proc. n.º 173/15.8BEAVR, que corre termos no TAF de Aveiro) e a requerente já não poder fazer uso das mesmas, consubstanciando, pois e assim, uma situação de facto consumado ou, pelo menos, originando a produção de prejuízos de muito difícil ou mesmo impossível reparação para a recorrente (mormente pela produção de titânicas liquidações de impostos, com todas as consequências, mormente a nível coercivo e com impacto brutal na sobrevivência e nível de vida da requerente).

2) Há cerca de um ano e meio que a recorrente tenta, debalde, que a AT preste informações (o pedido de informação e certidão data de 04/03/2015) que se revelam absolutamente decisivas para assegurar o exercício pleno da garantia da tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.

3) O Aresto recorrido apenas de forma aparente é favorável aos interesses da recorrente, dado que, por um lado, considera improcedente (ou nem conhece) grande parte do recurso e, por outro lado, encerra um entendimento de tal modo restritivo e minimalista do processo de intimação judicial e do direito fundamental à informação, que, salvo o devido respeito, viola a principologia e os direitos fundamentais (mormente direito fundamental à informação e a garantia fundamental de tutela jurisdicional efectiva e em tempo útil; a própria legalidade e transparência da actuação da Administração, que constituem, actualmente e cada vez mais, valores essenciais do Estado de direito democrático dos cidadãos, que devem ser controlados pelos Tribunais) e a jurisprudência firmada deste Supremo Tribunal.

4) Verificam-se, e com evidência, os requisitos previstos no art. 150.º do CPTA para a admissão da revista, uma vez que as concretas questões trazidas a este STA estão, desde logo, relacionadas com o próprio âmbito e objecto do processo de intimação judicial regulado fundamentalmente nos arts. 104.º e ss. do CPTA (nomeadamente se é o meio próprio nos casos em que a administração preste informações incompletas ou mesmo falsas) e também com garantias inarredáveis dos cidadãos, como sejam, o acesso ao direito (e em tempo útil) e o direito fundamental à informação e os correspondentes e estruturantes deveres de legalidade e de transparência da Administração recorrida (cfr. Art. 266.º da CRP) – com assento constitucional, entre mais, nos arts. 2.º, 18.º, 20.º e 268.º, n.º 1, 2 e 4 da CRP e que são corolários do estruturante princípio do Estado de direito democrático dos cidadãos.

5) As questões trazidas a juízo revestem-se de fundamental importância social, mormente considerando os interesses públicos fundamentais e de primeira necessidade subjacentes à legalidade e transparência da actuação da máquina fiscal, que se relaciona e se impõe a todos os cidadãos e entidades que são contribuintes, e que, aliás, envolvem, as mais das vezes, muito avultadas quantias pecuniárias (como também sucede no presente caso, tendo, portanto, as decisões grande impacto comunitário e sendo de considerável grandeza – aliás, é publicamente reconhecido o temor generalizado que perpassa pela sociedade portuguesa em relação à actuação da Administração fiscal, que muitas das vezes coloca em causa o direito fundamental de propriedade privada dos cidadãos (cfr. art. 62.º da CRP).

6) Ou seja, estamos perante matérias que são por si mesmas de interesses geral, assumindo assim relevância social fundamental numa sociedade democrática, e perante um alargadíssimo leque de interessados, revelando-se, pois, fundamental ter acesso a todas as informações que levam a Administração (nomeadamente a Fiscal), a agir, por forma a poder controlar cabalmente a sua actuação através dos Tribunais ( e, por sua vez, é fundamental que os cidadãos disponham de um meio judicial eficaz, de jurisdição plena e urgente, como é o presente processo de intimação, que não pode ser objecto de interpretações minimalistas e redutoras).

7) Estas questões são, também e sobretudo, de fundamental relevância jurídica, na medida em que está em causa a interpretação de normas capitais e basilares do regime dessas intimações judiciais e está em causa a própria concepção e âmbito das mesmas. As questões são igualmente de complexidade jurídica bastante e são relativas a verdadeiros baluartes das fundamentais garantias dos cidadãos (mormente a interpretação devida do disposto nos arts. 104.º e ss. do CPTA, conjugada com os direitos fundamentais previstos nos arts. 18.º, 20.º 268.º, n.º 1, 2 e 4 da CRP, bem como conjugada com o próprio direito fundamental de propriedade privada – cfr. art. 62.º da CRP), e na medida em que convoca o juiz à determinação do modo e conteúdo de dever de prestação de informação à luz do princípio da proporcionalidade (cfr. arts. 18.º e 266.º da CRP e Lei n.º 46/2007 – LADA), como forma de evitar o boicote ao cumprimento do direito à informação.

8) Acresce, decisivamente, que a admissão da presente revista se revela ainda claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, uma vez que a decisão do acórdão recorrido é, entre o mais, ostensiva e manifestamente errada, juridicamente insustentável e, aliás, contrária ao entendimento doutrinal e à jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal (cfr. acórdãos que citaremos infra), mormente na interpretação redutora e minimalista que leva a efeito do processo de intimação, revelando-se, pois, imprescindível a intervenção correctiva deste Tribunal, por forma a evitar situações de resolução desigualitária dos litígios e por forma a contribuir para a segurança, previsibilidade e eficácia na aplicação do direito.

9) Por outro lado, as questões de interpretação destas normas (entre o mais, arts. 104.º e ss. do CPTA e arts. 18.º, 20.º e 268.º, n.º 1, 2 e 4 da CRP) têm a virtualidade de repetição em termos essencialmente semelhantes perante pretensões análogas – note-se, por exemplo, que qualquer administração pode prestar informações incompletas ou falsas – capacidade de expansão da presente situação.

10) Relativamente ao segmento da alínea a) do pedido da recorrente (concretos factos que deram origem à inspecção), e se se percebe a actuação levada a efeito pela AT, o despacho de credenciação n.º DI201400144 foi o que legitimou a acção inspectiva interna à requerente e no âmbito do qual viria a ser instaurado formalmente um procedimento inspectivo externo (ordem de serviço OI201402670), que durou 2 minutos – cfr. entre o mais, o doc. 1 junto com as alegações de recurso, de 15/04/2016, para o TCAN, a fls. …. Dos autos.

11) A recorrente requereu (cfr. pedido e ri. a fls. …. dos autos) não apenas os factos e a origem da ordem de serviço externa (com a ordem de serviço OI201402670), mas sobretudo do procedimento inspectivo interno (DI201400144), que constitui a verdadeira acção inspectiva, o que foi manifestamente incumprido pela AT – tanto mais que o procedimento externo foi apenas uma aparência ou formalidade, aberto e encerrado em 2 minutos, e em que nenhum acto externo existiu, nada foi recolhido ou decidido, pelo que, ao contrário do que, em boicote, efectuou a AT, as informações relevantes sobre os factos que deram origem à instauração da acção inspectiva se encontram sobretudo no âmbito do DI201400144.

12) Pelo que falta informar os concretos factos que desencadearam a verdadeira acção inspectiva, a coberto do DI201400144 – e que a AT já referiu ter sido uma denúncia, mas, ao que parece e segundo a mesma, terá sido uma participação da UIF da Polícia Judiciária e que não está a coberto do segredo previsto nos arts. 67.º e 70.º da LGT, como já decidiu o Aresto de 29/10/2015 do TCA-N (cfr. autos a fls.).

13) Deste modo, o Aresto recorrido ao decidir que a intimação foi cumprida (quanto aos concretos factos que deram origem) padece, salvo o devido respeito, de ostensivo erro de julgamento, violando não apenas a autoridade de caso julgado do anterior Acórdão do TCA N, de 29/10/2015 (cfr. art. 619.º do CPC), como também ofende as mais elementares garantias da particular nesta matéria, nomeadamente e entre o mais, o disposto nos arts. 104.º e ss. do CPTA, o princípio da proporcionalidade (art. 2.º e 18.º da CRP), o direito fundamental à informação (cfr. arts. 18.º e 268.º, n.º 1 e 2 da CRP), o princípio da liberdade de informação (cfr. art. 37.º, n.ºs 1 e 2 e 48.º, n.º 2 da CRP), a garantia fundamental de acesso ao direito e de tutela jurisdicional efectiva para defesa dos mais elementares direitos e interesses legalmente protegidos da recorrente (cfr. art. 20.º e 268.º, n.º 4 e 5 da CRP) e do próprio direito de propriedade da recorrente (art. 62.º da CRP), que são garantias fundamentais de qualquer Estado de direito democrático de cidadãos como Portugal (cfr. art. 2.º da CRP).

14) No segundo segmento do pedido formulado na al a), que respeitava à origem desses factos (id est, como teve a AT conhecimento dos mesmos), e na linha do que decidira antes, o Aresto julgou que essa informação também consta da certidão (reitera-se, da certidão do documento que a AT já notificara a contribuinte antes mesmo da lesiva decisão de fixação da matéria tributável), “Só que os fundamentos (referidos na certidão como 2motivos”) que estiveram na origem deste procedimento de inspecção contêm «…dados sujeitos a sigilo que não podem ser expurgados dos documentos»” – cfr. Acórdão a fls. 25 e 26.

15) Em primeiro lugar, a origem dos factos não foi esclarecida (ie, saber como teve a AT aceso aos mesmos), tendo a informação sido prestada de forma mistificatória e em boicote do direito à informação, pois, como é evidente e resulta até manifestamente do processo, o que se pretende é saber a origem dos factos que levaram à instauração da verdadeira acção inspectiva, a coberto da DI201400144.

16) Pelo que ao ter decidido que a AT cumpriu este segmento, o acórdão recorrido incorreu, salvo o merecido respeito, em manifesto erro de julgamento, resultando na denegação da informação requerida, violando não apenas o caso julgado, como também os princípios jurídicos e direitos fundamentais já referidos na conclusão n.º 13.

17) Aliás, salvo o devido respeito, esses princípios (mormente da legalidade e da transparência) e os direitos (mormente à informação e acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva) não se compadecem com meras aparências de informação, com suposições e ou, com incertezas - note-se a este respeito a número de vezes que o douto Acórdão recorrido refere a palavra “aparentemente” e a expressão “parece que” quando se refere às supostas informações prestadas pela AT.

18) Em segundo lugar, ou se considera que a decisão recorrida padece de nulidade, nos termos do art. 615.º, n.º 1 al. c) do CPC, porque incorre em contradição ou ambiguidade, ou pelo menos, por via disso, em patente erro de julgamento, na medida em que, por um lado, neste segmento o Aresto basta-se com uma vaga, genérica e conclusiva alegação de um qualquer suposto e desconhecido segredo para considerar que a ordem foi cumprida, mas, por outro lado, mais adiante, o tribunal a quo decidiu que a AT tem o dever de identificar o tipo de sigilo – cfr. Acórdão a fls. 28 e 29.

19) Em terceiro lugar e decisivamente, quanto ao enfoque decisório em que se julgou que “saber se estes são verdadeiros ou falsos, completos ou incompletos, é matéria que não pode ser apreciada e decidida neste processo”, temos que, ressalvado o devido respeito, este entendimento é constitucionalmente insuportável, porque, entre o mais, redutor e minimalista da própria natureza, âmbito e objecto do processo judicial de intimação e, assim, dos direitos fundamentais à informação e ao acesso à justiça que o mesmo concretiza – cfr. arts. 104.º e ss. do CPTA, arts. 2.º, 18.º20.º, 268.º da CRP, artigos 82.º e seguintes do CPA e a Lei n.º 46/2007, de 24/08.

20) Este processo judicial de intimação, tutela o direito fundamental à informação, sendo que a evolução dogmática e jurisprudencial transformaram este processo num meio processual autónomo, urgente (em virtude da acentuação do valor da transparência), de tutela plena, sendo o meio adequado para obter a satisfação de todas as pretensões informativas (âmbito muito alargado) – cfr. dogmática e jurisprudência citadas supra nas alegações.

21) Por ser um meio de jurisdição plena e de objecto amplo, este processo é caracterizado por conceder ao juiz poderes especialmente enérgicos, permitindo-lhe, através de um processo ainda declarativo, formular, com carácter definitivo, injunções à Administração.

22) Por conseguinte, sendo o direito à informação e a tutela judicial efectiva direitos fundamentais, consagrados na Lei Fundamental, e dos quais resulta um dever por parte da Administração de informar (de forma plena, cabal e verdadeira) os cidadãos, e como nos parece evidente, não pode a Administração prestar informações falsas ou sequer incompletas, sob pena de se frustrarem os direitos fundamentais dos cidadãos à informação e à tutela efectiva, e os princípios da legalidade e da transparência, e de se limitar, sem qualquer fundamento, o âmbito de tutela deste meio processual de jurisdição plena e os amplos poderes judiciais consagrados para este efeito.

23) Destarte, no processo de intimação o Tribunal deve aferir se as informações prestadas pela Administração são verdadeiras ou falsas, completas ou incompletas, sendo matéria que deve ser apreciada e decidida neste processo, sob pena de se esvaziar o conteúdo útil deste meio processual.

24) E isto sob pena de os cidadãos serem duplamente prejudicados, dado que, por um lado, não é cumprida cabalmente a garantia de acesso à justiça (rectius, o dever de prestar as informações), em tempo razoável e no meio próprio, que é a presente intimação judicial, e por outro lado, ainda e agravadamente, os cidadãos seriam forçados a propor um qualquer outro meio judicial (que se desconhece qual seja), que certamente não seria urgente (com as acrescidas demoras – e que demoraria, certamente e de acordo com as regras de experiência comum, vários anos a ser decidido, destruindo toda e qualquer utilidade na obtenção dessas informações) e com todos os acrescidos custos (com mandatários, com taxas de justiça, etc).

25) Em suma, a interpretação que levamos a efeito dos direitos fundamentais referidos conduz-nos à conclusão de que no processo de intimação o Tribunal tem de aferir – se necessário com recurso à produção de diligências de prova – se a Administração prestou informações completas ou não, verdadeiras ou não, e caso a Administração não o tenha feito, deve o Tribunal intimá-la para que cumpra o direito à informação de forma cabal e verdadeira e, num segundo momento, condená-la nas medidas enérgicas que o legislador contemplou – por exemplo, em sanção pecuniária compulsória (e para esse efeito e para determinar a medida da mesma, o Tribunal necessita forçosamente de verificar – se necessário, com recurso a diligências complementares – se as informações prestadas são completas e se são verdadeiras).

26) E isto porque quer a incompletude, quer a falsidade das informações prestadas pela administração Pública são sempre formas (até agravadas) de recusa ou denegação do direito fundamental à informação, sendo o processo de intimação o único meio e o meio próprio para reagir contra qualquer forma de recusa do direito à informação . cfr. entre outros também citados supra, Mário Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, Comentário ao CPTA; e a jurisprudência pacífica deste STA, quer no âmbito da LPTA (cfr. Acórdão do Pleno do STA de 06.07.93, DR II de 14.11.95, p. 527), quer no âmbito do CPTA (cfr. Acórdãos do STA de 05/07/2007, tirado no processo n.º 223/07, e de 25/07/2007, tirado no processo n.º 0295/07).

27) Portanto, salvo o merecido respeito, o Aresto recorrido ao decidir que o processo de intimação não é o meio próprio para “Saber se as informações prestadas são verdadeiras ou não, completas ou incompletas” incorreu em ostensivo erro de julgamento, violando, entre o mais, o direito fundamental à informação como também o direito fundamental de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, que são corolários do estruturante princípio do Estado de direito democrático dos cidadãos (cfr. arts. 2.º, 20.º, 268.º, n.º 1, 2 e 4 da CRP), violou a natureza de processo de jurisdição plena e amplo do processo de intimação, previsto nos arts. 104.º e ss. do CPTA e, bem assim, o princípio da proporcionalidade (arts. 2.º e 18.º da CRP).

28) Ora, exactamente o mesmo se conclui em relação ao Acórdão recorrido que decidiu quanto à al. b) do pedido, e em que se reconhece mesmo que a AT prestou informações contraditórias ou incompletas, mas, redutoramente e em desconformidade com a Lei Fundamental, se decidiu que essa matéria está fora do âmbito do processo judicial de intimação.

29) Afigura-se patente que o Tribunal deveria ter, no mínimo, determinado a produção de diligências complementares (ou pelo menos definir quais as diligências a produzir e ordenar a baixa do processo à primeira instância para esse efeito), para aferir da completude e veracidade das informações prestadas e, consequentemente, da necessidade (ou não) de aplicação de sanção pecuniária compulsória (e em que medida), sob pena de denegação de justiça, que é proibida – pelo que se obsecra pela intervenção deste STA.

30) Por último, acresce que, neste segmento decisório, quando a decisão se refere a denúncias e participações, temos que das duas uma: ou se considera que o douto Aresto incorreu em contradição ou, pelo menos, em ambiguidade ou obscuridade, que torna a decisão ininteligível, o que provoca a sua nulidade, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. c) do CPC, na medida em que o transitado em julgado Acórdão do TCA N de 29/10/2015 estabeleceu que as participações de entidades oficiais ou de funcionários não estão incluídas nas denúncias tuteladas pelos arts. 64.º e 70.º da LGT – cfr. autos a fls. …

31) Ou quando assim se não entendesse, então, sempre se deverá decidir existir patente erro de julgamento, dado que, em cumprimento do caso julgado do anterior Aresto do TCAN, deveria o Tribunal a quo ter intimado a Administração e condenado a mesma em sanção pecuniária compulsória até prestar as informações e emitir as certidões requeridas que estejam incluídas na “participação da unidade de informação financeira da Polícia Judiciária” que a AT revelou existir – cfr. autos a fls. …

32) Assim, forçoso é também concluir que o acórdão recorrido, salvo o merecido respeito, padece de manifesto e palmar erro de julgamento, contrariando, não apenas a autoridade do caso julgado do anterior Acórdão do TCA N, de 29/10/2015 (cfr. art. 619.º do CPVC), como também o disposto, entre o mais, no art. 104.º e ss. do CPTA, arts. 1.º e 18.º, 20.º, 268.º, n.º 1, 2 e 4 da CRP, devendo ser objecto de intervenção deste Supremo Tribunal administrativo.

Termos em que,

Deve ser aceite e considerado procedente o presente recurso de revista, com todas as legais consequências, apenas assim se fazendo JUSTIÇA!

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA emitiu o parecer de fls. 546 a 548 dos autos, no sentido da não admissão da revista, consignando, a tal propósito, o seguinte:

«(…)

3. Apreciação do caso concreto.

Afigura-se-nos que o presente recurso não reúne os requisitos supra enunciados.

No âmbito do processo de intimação para a passagem de informação a Recorrente formulou um pedido no sentido de ser esclarecida sobre o facto que despoletou a intervenção da Administração Tributária no âmbito da ação fiscalizadora, tendo o mesmo sido deferido pelo acórdão do TCA de 29/10/2015. E não tendo ficado satisfeita com a resposta da AT a esse pedido de informação, que diz não cumprir o determinado pelo tribunal por ser demasiado evasiva, a Recorrente solicitou de novo ao tribunal o cumprimento da intimação, pedido este cujo deferimento em parte foi acolhido no acórdão recorrido de 14/07/2016.

Ora, considera a Recorrente que o acórdão recorrido restringe de forma grosseira o direito à informação que no caso concreto assiste à Recorrente. Sucede que o tribunal limitou-se a enquadrar a resposta da AT no âmbito da intimação determinada pelo do acórdão de 29/10/2015. E como se alcança da resposta da AT, esta entidade invoca matéria abrangida pelo segredo para não esclarecer os termos e a origem da notícia que desencadeou a ação inspetiva, por alegadamente a matéria estar abrangida pelos artigos 64.º e 70.º da LGT. Tendo o acórdão recorrido considerado que «…uma vez que a requerente, ora Recorrente, não se limitou a pedir certidão das denúncias, mas também outros elementos conexionados com a acção inspectiva a que foi sujeito, a Administração fiscal não podia indeferir “in toto” o pedido apelando aos artigos 64.º e 70.º da LGT, estando obrigada a prestar as informações e a passar certidão dos elementos que motivaram a acção inspectiva à excepção unicamente dos que integrem o teor e autoria da denúncia, ou contenham dados confidenciais de terceiros que não possam ser expurgados dos instrumentos pretendidos. Caso não hajam elementos peticionados não abrangidos pelas restrições legais impostas pela confidencialidade e a denúncia, o que a Administração fiscal deve fazer é informar disso mesmo a requerente, prestando informação 2negativa” ou passando certidão de “teor negativo” atestando a inexistência de elementos (“informações, pareceres, documentos…”) conexionados com a ação inspectiva não abrangidos por aquelas restrições legais ao direito à informação».

Ou seja, uma vez que se desconhece que elementos despoletaram a intervenção da AT no sentido de apurar os movimentos bancários na conta titulada pela Recorrente, e podendo os mesmos ser concretizados sem pôr em causa as matérias sigilosas objecto de proteção nos citados normativos, e acolhendo a insatisfação da Recorrente perante a resposta da AT, o acórdão recorrido intimou de novo esta última entidade a especificar tais elementos omitidos, corrigindo dessa forma essa anterior resposta.

Ressalta, assim, que o acórdão recorrido se limitou a sindicar a resposta da AT em face da anterior intimação efetuada pelo acórdão de 29/10/2015 e perante as críticas manifestadas pela Recorrente, no sentido de que a resposta não era de todo satisfatória e que podia ser mais concreta.

Atento a que se desconhece a amplitude e natureza da informação que chegou ao conhecimento da AT e que levou à recolha de elementos sobre a conta bancária da Recorrente, não se alcança em que termos se evidencia o erro grosseiro do acórdão ou a ofensa do caso julgado.

Nem o facto de no acórdão recorrido se ter deixado exarado que “saber se as informações prestadas são verdadeiras ou não, completas ou incompletas, é matéria que não pode ser apreciada neste processo”, configura ostensivo erro de julgamento.

Assim como não ressalta do aresto recorrido a adoção de teses minimalistas sobre o direito de informação que ponham em causa o exercício desse mesmo direito.

Em face do exposto entendemos que não se verificam os pressupostos de admissão do recurso de revista.»

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir da admissibilidade do recurso.


- Fundamentação -

4 – Da admissibilidade do recurso

O presente recurso foi interposto e admitido como recurso de revista, havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 5 do artigo 150.º do CPTA.

Dispõe o artigo 150.º do CPTA, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:

1 – Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

2 – A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.

3 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue mais adequado.

4 – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

5 – A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objecto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da secção de contencioso administrativo.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.

E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o recente Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

Vejamos, pois.

O acórdão recorrido julgou não verificada a arguida nulidade por omissão de pronúncia do despacho recorrido e procedente o alegado erro de julgamento, consignando o seguinte, a propósito deste:

«No requerimento de intimação para passagem de certidão e prestação de informações, a Requerente peticionou que a AT seja «intimada a prestar as seguintes informações e a passar as seguintes certidões, a saber:
a)
prestar informações sobre quais os concretos factos que deram origem à instauração da referida acção inspectiva à contribuinte e sobre qual a origem desses supostos factos (i.e, como teve a Administração acesso aos mesmos),

b) e bem assim, caso existam, que seja passada certidão, por extracção de fotocópia, de eventuais queixas, participações, denúncias, quaisquer informações escritas, pareceres ou documentos que tenham dado origem à instauração da sobredita acção inspectiva e, igualmente, a autoria desses mesmos documentos, com todas as consequências legais.

O pedido foi precedido de um requerimento solicitando informação com idêntico conteúdo ao formulado no requerimento inicial, ao qual a AT respondeu não ser possível «…satisfazer o solicitado em virtude dos elementos solicitados estarem protegidos pelo art.º 64º da Lei Geral Tributária – (LGT (sigilo fiscal).
Por outro lado, tendo o procedimento sido iniciado com base numa denúncia esta encontra-se abrangia pelo disposto no art.º 70º da LGT conjugado com o já referido artigo 64º da LGT, pelo que sempre subsistiria a impossibilidade de fornecimento de quaisquer elementos correlacionados com os factos concretos que deram origem ao procedimento inspectivo» (fls. 24)

A MMª juiz «a quo» concluiu que o «pretendido pela requerente se prende com a questão do direito à informação e de passagem de certidão de factos que vieram ao conhecimento da Administração Tributária através de denúncia e como tal, tais informações encontram-se protegidas pelo art.º 70º da LGT». E em conformidade, julgou não ter havido por parte da AT qualquer incumprimento do seu dever de prestar as informações requeridas, julgando improcedente o pedido.
A Requerente recorreu para este TCA. Que por acórdão de 29/10/2015 (fls. 240 a 253) ordenou a revogação da sentença recorrida nessa parte e intimar o Sr. Director Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira a emitir a informação/certidão peticionadas, nos termos e com as restrições supra referidas, no prazo de 10 dias».

O douto acórdão assumiu que o pedido formulado não pretendia o acesso a dados relativos à situação tributária pessoal de terceiros, mas sim a factos que desencadearam a ação inspectiva:

«Ora, em vista do pedido formulado (fls.22), não vemos que a requerente pretenda o acesso a dados relativos à situação tributária ou pessoal de terceiros, mas sim aos factos que desencadearam a acção inspectiva (“…quais foram os concretos factos que deram origem à instauração da referida acção inspectiva e sobre qual a origem desses supostos factos (i.e., como teve esta Administração acesso aos mesmos”) ou aos instrumentos em que estão vertidos tais factos (“…eventuais queixas, participações, denúncias, quaisquer informações escritas, pareceres ou documentos que tenham dado origem à instauração da sobredita acção inspectiva e, igualmente, a autoria desses documentos”)» (fls. 21 verso do acórdão).

Mas se envolver, continua o acórdão,
«…o que a Administração deve fazer é expurgar esses elementos das informações susceptíveis de comprometer a confidencialidade a que está obrigada relativamente aos dados desses terceiros».
No que respeita à denúncia,
«resulta manifesto da leitura conjugada do disposto no art.º 67.º n.º1 alínea b) e art.º70.º da LGT, que o requerente não tem o direito à informação sobre o teor (os factos narrados) e a autoria da denúncia, pois para isso era necessário concluir ter sido dolosamente efectuada, o que não se mostra factualmente suportado…». (fls. 24 do acórdão).

Estas denúncias «…não incluem as que são obrigatoriamente efectuadas por entidades policiais e funcionários quanto a factos de que tomem conhecimento no exercício das suas funções (art.º35.º do RGIT), as quais poderão estar a coberto da confidencialidade por outra ordem de razões, nomeadamente, ligadas à investigação criminal (art.º268.º, n.º2, da CRP)».

Portanto, podemos concluir que o douto acórdão ordenou a passagem de certidão requerida com as seguintes restrições:

1º Se a informação pretendida contiver dados relativos à situação tributária ou pessoal de terceiros deverão ser expurgados esses elementos susceptíveis de comprometer a confidencialidade a que está obrigada;

2º Não tem direito à informação sobre os factos narrados na denúncia (privada) nem à autoria da denúncia;

3º Não tem direito ao conhecimento de factos cobertos pelo dever de sigilo ligado à investigação criminal.

Estando na posse do conteúdo do pedido de passagem de certidão e das restrições a que deve obedecer, vejamos o conteúdo da certidão emitida:

“M… (…) Técnico de Administração Tributária, (…) certifica, (…) que o documento anexo a esta certidão é cópia fiel da proposta de ação inspetiva que deu lugar ao procedimento inspetivo externo a coberto da OI(…)ao sujeito passivo M…, (…)”.

Emite-se certidão negativa relativamente aos motivos que consubstanciam o procedimento inspetivo realizado a coberto do DI (…)referenciado na proposta de inspeção antes identificada, pelo facto de os mesmos conterem dados sujeitos a sigilo que não podem ser expurgados dos documentos, (…)A presente certidão é composta por duas folhas devidamente rubricadas contendo o selo branco em usos neste Serviço.(…)

A presente certidão é composta por duas folhas…” (fls. 310).
Na folha anexa consta a proposta de acção inspectiva, onde, entre o mais, o campo “7 Fundamentos que determinam a proposta de acão inspectiva” diz o seguinte:
Da informação recolhida ao abrigo do procedimento inspetivo credenciado pelo DI201400144, verificou-se que a contribuinte, nos anos de 2012 e 2013, apresentou movimentos na conta bancária particular e individual domiciliada no Banco BPI, relativos a transferências e levantamentos em numerário, cuja movimentação foi considerada inadequada ao perfil de contas particulares e condição de estudante do seu titular.

Naquele período, as transferências provenientes do exterior e creditadas em conta não foram justificadas, mostrando-se incoerentes face à inexistência de uma atividade económica individual declarada pela contribuinte, pelo que se encontram reunidos os pressupostos para determinação dos rendimentos do sujeito passivo por métodos indiretos, de acordo com o disposto na al. F) do nº 1 do artigo 87º da LGT e em conformidade com a metodologia estabelecida no artº 89º-A do referido preceito legal”

Consta ainda do mesmo documento um despacho da Exma. Chefe de Divisão em regime de substituição:

«Tem em conta os fundamentos que vêm informados, proceda-se à emissão de Ordem de Serviço Externa (…)».

Será que com estes elementos foi cumprido acórdão deste TCA?
A primeira parte do pedido formulado pela Requerente, relembremos, é composto por dois segmentos:

1º segmento: «prestar informações sobre quais os concretos factos que deram origem à instauração da referida acção inspectiva à contribuinte…»
2º segmento:
«… a origem desses supostos factos (i.e, como teve a Administração acesso aos mesmos».

Ora os factos concretos que deram origem à ação inspectiva foram, de acordo com a certidão, os seguintes:

«… a contribuinte, nos anos de 2012 e 2013, apresentou movimentos na conta bancária particular e individual domiciliada no Banco BPI, relativos a transferências e levantamentos em numerário, cuja movimentação foi considerada inadequada ao perfil de contas particulares e condição de estudante do seu titular.

Naquele período, as transferências provenientes do exterior e creditadas em conta não foram justificadas, mostrando-se incoerentes face à inexistência de uma atividade económica individual declarada pela contribuinte…».
E foi precisamente com base nesta informação que foi ordenada a emissão de ordem de serviço externa.

Portanto, smo, sendo determinado a emissão de certidão com os concretos factos que deram origem à instauração da referida acção inspectiva, a ordem foi cumprida.
Sem dúvida que poderiam ser melhor «concretizados». Poderiam por exemplo, indicar em que data foram efectuadas as transferências e os levantamentos, quais os montantes envolvidos etc.

Mas era isso que a Requerente pretendia saber?

Aparentemente não, uma vez que estes factos, com detalhe, são já do seu conhecimento e a eles se refere na petição inicial de impugnação da decisão de avaliação da matéria colectável com recurso a métodos indirectos (em especial artigos 150 e segs.. ).

No segundo segmento do pedido formulado na alínea a) pretendia a Requerente saber qual a origem desses supostos factos, ou seja, como teve a AT conhecimento deles.
Também essa informação consta da certidão. Na parte dos «Fundamentos que determinam a proposta de ação inspectiva» consta que a informação foi recolhida ao abrigo do procedimento inspectivo pelo DI 201400144».

Só que os fundamentos (referidos na certidão como «motivos») que estiveram na origem deste procedimento de inspeção contem «…dados sujeitos a sigilo que não podem ser expurgados dos documentos».

E por isso se lavrou certidão negativa com o seguinte teor:
«Emite-se certidão negativa relativamente aos motivos que consubstanciam o procedimento inspetivo realizado a coberto do DI (…) referenciado na proposta de inspeção antes identificada, pelo facto de os mesmos conterem dados sujeitos a sigilo que não podem ser expurgados dos documentos»
Portanto, a origem desses factos foi esclarecida: resultou do procedimento inspectivo credenciado pelo DI201400144.

Assim, em nosso entender, foi cumprido o determinado no douto acórdão deste TCA referente aos dois segmentos constantes da alínea a) do pedido, tendo a Contribuinte sido informada dos factos que originaram a ação inspectiva e da sua origem.
Saber se estes são verdadeiros ou falsos, completos ou incompletos, é matéria que não pode ser apreciada e decidida neste processo.

Mas na alínea b) do pedido a Requerente pretendia mais. Pretendia emissão de «…certidão, por extracção de fotocópia, de eventuais queixas, participações, denúncias, quaisquer informações escritas, pareceres ou documentos que tenham dado origem à instauração da sobredita acção inspectiva e, igualmente, a autoria desses mesmos documentos, com todas as consequências legais.
Referindo-se aos «motivos que consubstanciaram o procedimento inspectivo» diz, a AT, que estes contêm dados «sujeitos a sigilo que não podem ser expurgados dos documentos».

Parece do seu conteúdo resultar que o procedimento inspectivo realizado à Requerente teve origem «apenas» nas informações colhidas a coberto do DI201400144.
Quer isso dizer que o procedimento inspectivo à Requerente não foi realizado com base em denúncia como consta da informação a coberto do ofício n.º 8001677 de 4/3/2015?
Ou foi a denúncia que deu origem ao DI201400144?

A que denúncia se refere a AT?

Não é que o contribuinte tenha direito a conhecer o teor e a autoria da denúncia. Não tem, salvo no caso excecional previsto no n.º 3 do art. 70 LGT. Mas tem o direito de saber se houve denúncia (participações ou queixas) ou não.
Aparentemente, em relação a esta parte do pedido, a AT prestou informações contraditórias, ou incompletas - não sabemos ao certo-, quando em confronto com outras informações já prestadas.

Porém, como já referimos, saber se as informações prestadas são verdadeiras ou não, completas ou incompletas, é matéria que não pode ser apreciada neste processo.
Retomando a questão do cumprimento, ou não, do acórdão deste TCA, vejamos o que este menciona a propósito.

Diz-se no acórdão:

«Assim, uma vez que a requerente, ora Recorrente, não se limitou a pedir certidão das denúncias, mas também outros elementos conexionados com a acção inspectiva a que foi sujeito, a Administração fiscal não podia indeferir “in toto” o pedido apelando aos artigos 64.º e 70.º da LGT, estando obrigada a prestar as informações e a passar certidão dos elementos que motivaram a acção inspectiva à excepção unicamente dos que integrem o teor e autoria da denúncia, ou contenham dados confidenciais de terceiros que não possam ser expurgados dos instrumentos pretendidos.

Caso não hajam elementos peticionados não abrangidos pelas restrições legais impostas pela confidencialidade e a denúncia, o que a Administração fiscal deve fazer é informar disso mesmo a requerente, prestando informação negativa ou passando certidão de teor negativo atestando a inexistência de elementos (“informações pareceres, documentos…”) conexionados com a ação inspectiva não abrangidos por aquelas restrições legais ao direito à informação».
Parece-nos que nesta parte a AT incumpriu o determinado no douto acórdão.
Do teor da certidão, não sabemos se houve “
informações pareceres, documentos…” que tenham dado origem à instauração da ação inspectiva.
Mas como se retira do douto acórdão deste TCA, se houve e não estão abrangidos pelo dever de sigilo, deverá a AT certificar o seu teor;
Se houve e estão abrangidas pelo dever de sigilo, deverá emitir certidão negativa com essa menção.

Se não houve, deve também certificar isso mesmo.
A Recorrente também considera incumprido o acórdão por não ser esclarecida que tipo de «sigilo» está a ser invocado pela AT e questiona
«Será que existiu uma qualquer denúncia prévia ou será que foi a PJ que simplesmente e por iniciativa própria participou de alegados factos dos quais saberia (como?) ou suspeitava? Ou ainda, será que houve um procedimento iniciado, de alguma forma, oficiosamente pela própria administração pública, que participou factos a si própria? Será que houve escutas telefónicas? Ou será que nada disto sucedeu? – mas não se sabe, não é possível saber, nem é possível controlar ou sindicar, seja pela cidadã, seja pelos Tribunais (e isto quando actos certificativos de factos inverídicos ou inexistentes são sancionados com a nulidade…».
A Requerente nunca pediu expressamente a identificação do segredo protegido. Mas parece efetivamente resultar do douto acórdão deste TCA (de 29/10/2015) que a AT tem esse dever quando recusa a prestação de informação com base em «restrição legal». É essa leitura que fazemos do segmento de fls. 26 (fls. 252 verso dos autos) do acórdão deste TCA:

«Caso não hajam elementos peticionados não abrangidos pelas restrições legais impostas pela confidencialidade e a denúncia, o que a Administração fiscal deve fazer é informar disso mesmo o requerente, prestando informação negativa ou passando certidão de teor negativo atestando a inexistência de elementos (“informações, pareceres, documentos…”) conexionados com a ação inspectiva não abrangidos por aquelas restrições legais ao direito de informação»
Ou seja, sendo dever da AT informar negativamente ou passar certidão de teor negativo quanto à inexistência de «elementos», também deverá indicar se não foi possível expurgar os elementos das informações susceptíveis de comprometer a confidencialidade a que está obrigada relativamente aos dados de terceiros (se for esta a restrição que está em causa) ou se é a denúncia ou confidencialidade ligada à investigação criminal que legitimam a restrição à informação requerida.
Assim, não se mostrando devidamente cumprida a determinação judicial, a AT dever-lhe-á dar o cumprimento efectivo.

(…)»

Alega a recorrente ser a admissão da presente revista necessária porquanto encerra um entendimento de tal modo restritivo e minimalista do processo de intimação judicial e do direito fundamental à informação, que (…) viola a principologia e os direitos fundamentais (mormente direito fundamental à informação e a garantia fundamental de tutela jurisdicional efectiva e em tempo útil; a própria legalidade e transparência da actuação da Administração, que constituem, actualmente e cada vez mais, valores essenciais do Estado de direito democrático dos cidadãos, que devem ser controlados pelos Tribunais) e a jurisprudência firmada deste Supremo Tribunal, mais alegando que verificam-se, e com evidência, os requisitos previstos no art. 150.º do CPTA para a admissão da revista, uma vez que as concretas questões trazidas a este STA estão, desde logo, relacionadas com o próprio âmbito e objecto do processo de intimação judicial regulado fundamentalmente nos arts. 104.º e ss. do CPTA (nomeadamente se é o meio próprio nos casos em que a administração preste informações incompletas ou mesmo falsas) e também com garantias inarredáveis dos cidadãos, como sejam, o acesso ao direito (e em tempo útil) e o direito fundamental à informação e os correspondentes e estruturantes deveres de legalidade e de transparência da Administração recorrida (cfr. Art. 266.º da CRP) – com assento constitucional, entre mais, nos arts. 2.º, 18.º, 20.º e 268.º, n.º 1, 2 e 4 da CRP e que são corolários do estruturante princípio do Estado de direito democrático dos cidadãos, sendo que as questões trazidas a juízo revestem-se de fundamental importância social, mormente considerando os interesses públicos fundamentais e de primeira necessidade subjacentes à legalidade e transparência da actuação da máquina fiscal, que se relaciona e se impõe a todos os cidadãos e entidades que são contribuintes, e que, aliás, envolvem, as mais das vezes, muito avultadas quantias pecuniárias (como também sucede no presente caso, tendo, portanto, as decisões grande impacto comunitário e sendo de considerável grandeza – aliás, é publicamente reconhecido o temor generalizado que perpassa pela sociedade portuguesa em relação à actuação da Administração fiscal, que muitas das vezes coloca em causa o direito fundamental de propriedade privada dos cidadãos (cfr. art. 62.º da CRP).

Tendo em conta a génese do acórdão recorrido, este, nos seus contornos particulares – sobretudo no que respeita à interpretação do acórdão do TCA-Norte alegadamente incumprido -, dificilmente servirá de paradigma para futuros casos

Contudo, e como alegado, parece-nos que a concretização do âmbito do processo de intimação para consulta de documentos e passagem de certidões no domínio tributário - sobretudo quando em causa estão, como parece estar no caso dos autos, informações obtidas com derrogação de sigilos legalmente protegidos –, é questão de fundamental relevância jurídica e social, justificativa da admissão da presente revista, tanto mais que o Tribunal recorrido consignou, no caso concreto, e aparentemente perante a prestação pela AT de informações contraditórias, ou incompletas (…), quando em confronto com outras informações já prestadas que, saber se as informações prestadas são verdadeiras ou não, completas ou incompletas, é matéria que não pode ser apreciada neste processo, o que, a ser assim, se traduziria em denegação de tutela jurisdicional efectiva, pois que o acórdão não diz qual era então o processo que entendia ser o próprio para sindicar a incompletude ou a falta de veracidade da informação prestada pela AT depois de intimada judicialmente para prestar informação.

Justifica-se, deste modo, a admissão da revista.


- Decisão -

5 - Termos em que, face ao exposto, acorda-se em admitir o presente recurso de revista.

O recurso ora admitido passa a ter efeito meramente devolutivo – artigo 143.º, n.º 3 do CPTA.

Custas a final.

Lisboa, 14 de Dezembro de 2016. – Isabel Marques da Silva (relatora) – Dulce Neto – Casimiro Gonçalves.