Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:08/14
Data do Acordão:02/05/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:PENHORA
INSOLVÊNCIA
APREENSÃO DE BENS
Sumário:I - A penhora de saldo de conta bancária considera-se efectuada no momento em que a instituição bancária é notificada do respectivo pedido de penhora, sendo que a importância da notificação por comunicação electrónica da ordem de penhora (art. 861º-A do CPC) advém do facto de por tal via se saber o momento exacto em que ela se considera realizada.

II - Do disposto nos arts. 4º, 46º, e 36º, nº 1, alíneas a) e g) do CIRE resulta que é a data em que é proferida a declaração judicial de insolvência que marca, em princípio, o momento a partir do qual se produzem todos os efeitos jurídicos que dela decorrem.

III - Se à data em que foi concretizada a penhora do saldo de conta bancária já a executada fora declarada insolvente por sentença proferida alguns dias antes mas que ainda não fora comunicada ao órgão de execução fiscal ou à entidade bancária que procedeu à penhora, não se verifica qualquer ilegalidade na realização dessa penhora nem a obrigação de proceder ao seu levantamento e de colocar de novo essa conta à disposição do seu titular/executada.

IV - A declaração de insolvência não provoca a invalidade das penhoras realizadas e o dever de as levantar, mas tão só o dever de apreensão para a massa insolvente de todos os bens que se encontrem penhorados. E será o administrador da massa insolvente que terá de decidir se a conta bancária deve ser libertada para a continuação da actividade económica da sociedade executada no caso de autorização de continuação da exploração da empresa com administração da massa insolvente pelo devedor.

Nº Convencional:JSTA00068577
Nº do Documento:SA22014020508
Data de Entrada:01/07/2014
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A............, SA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF SINTRA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:CPC96 ART632 N2 ART861-A N1 N6 N8
CPPTRIB99 ART224
CIRE04 ART4 ART46 ART36 N 1 A G ART149
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A FAZENDA PÚBLICA recorre da sentença proferida pelo TAF de Sintra que julgou procedente a reclamação judicial que a sociedade A…………, S.A. (EM LIQUIDAÇÃO) deduziu, ao abrigo do disposto no art. 276º do CPPT, contra o despacho proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Algés 3, de indeferimento do pedido de levantamento da penhora de conta bancária de que é titular no Banco …….
1.1. Rematou as alegações de recurso com as seguintes conclusões:

I . Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a reclamação deduzida contra a penhora da conta bancária efectuada, mais concretamente, contra o despacho de 7-03-2013 que indeferiu do pedido de levantamento da referida penhora no âmbito dos Processos de Execução Fiscal (PEF) nºs 3522201201198920, 3522201201198939 e 3522201201208989, instaurados no Serviço de Finanças de Oeiras-3, em que é executada, a ora reclamante.

II . Na douta sentença recorrida procedeu-se à análise de duas questões: a primeira relativamente à data em que se considera efectuada a penhora do saldo da conta bancária tendo o Tribunal a quo considerado que a data relevante é aquela em que a instituição bancária do depósito é notificada do pedido de penhora realizado (e que no caso sub judice foi 4-03-2013) e a segunda questão pertinente passou pela determinação de qual o momento em que a declaração judicial de insolvência da Reclamante produz os seus efeitos plenos, tendo o Meritíssimo Juiz de Direito afirmado que “resultade modo claroe impressivoque é a data e hora de proferimento da declaração de insolvência que marca o momento a partir do qual todos os efeitos jurídicos dela decorrentes se produzem”.

III . Relativamente à primeira questão, a Fazenda Pública afirma que a penhora foi despachada em 12-02-2013 e que é esta a data em que se considera efectuada a penhora do saldo da conta bancária porque o teor literal do nº 2 do art. 223º do CPPT é indicativo que a penhora já se encontra efectivada com a comunicação do despacho a ordenar a penhora.

IV . Outro argumento relevante para atestar o momento em que se considera efectivada a penhora encontra-se no Código de Processo Civil, mais concretamente, no nº 6 do art. 861º-A do CPC aplicável ex vi al e) do art. 2º do CPPT que estabelece que “a notificação é feita directamente às instituições de crédito, com a menção expressa de que o saldo existente, ou a quota-parte do executado nesse saldo, até ao limite estabelecido no nº 3 do artigo 821º, fica cativo desde a data da notificação e, sem prejuízo do disposto no nº 10, só pode ser movimentado pelo agente de execução”.

V . Por último (e não menos determinante), temos o argumento de que a instituição bancária deve, no prazo de 10 dias, comunicar ao agente de execução o montante dos saldos existentes ou a inexistência de conta ou saldo, comunicando, seguidamente ao executado a penhora efectuada (cf. nº 8 do art. 861º-A do CPC).

VI . A Fazenda Pública também discorda da resposta que o Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra deu à segunda questão colocada.

VII . Com o efeito, é necessário que seja declarada a insolvência (no regime do CIRE), para que sejam sustados os processos de execução fiscal, contudo, tal decisão, por ser judicial, apenas produz efeitos quando se tornar definitiva.

VIII . Para que tal definitividade ocorra é necessário que a decisão não seja susceptível de reclamação nem de recurso ordinário, ou seja, que aquela transite em julgado (cf. neste sentido, JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A. MONTALVÃO MACHADO E RUI PINTO in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Vol. II, 2ª Edição, pág. 713).

IX . «Porém, para efeitos de determinação da data do trânsito, haverá que ter em consideração que ao prazo de interposição de recurso, de 15 dias, a contar da data da publicação da sentença no Diário da República, haverá que somar a dilação de 5 dias referida no nº 7 do art 37º do CIRE” (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 14-04-2011, Proc, nº 865/08.8TBTVR-F.E1).

X . Pelo que tendo sido publicada a declaração de insolvência em 01-03-2013, a mesma só transitou em julgado em 21-03-2013 e, consequentemente, só se tornou eficaz nesta data.

XI . A Fazenda Pública não entende qual foi a motivação legal para Tribunal a quo a concluir que «a sentença a declarar a insolvência é plenamente válida na ordem jurídica a partir do momento em que é proferida, não carecendo de publicidade ou de trânsito em julgado para o efeito” (e que no caso sub judice ocorreu em 25-02-2013);

XII . Em face ao exposto, verifica-se que a penhora objecto da presente reclamação foi efectuada dentro dos trâmites legais, antes de ter transitado em julgado a sentença de insolvência da executada, não havendo portanto pressupostos que originem o seu cancelamento. A importância penhorada deverá no entanto, face ao procedimento de insolvência, ficar à ordem da massa insolvente.

XIII . Assim, na douta sentença recorrida não foi obtido o melhor julgamento, pelo que acompanhando o douto Parecer da Digníssima Magistrada Público, junto deste Processo, pugna-se pela substituição daquela decisão por uma outra que, com as legais consequências, considere totalmente correcta e fundamentada a posição da AT e declare improcedente a presente reclamação.

1.2. A Recorrida apresentou contra-alegações que concluiu da seguinte forma:

1.ª O presente recurso vem interposto da douta sentença que, julgando a acção procedente, decidiu anular a penhora do saldo da conta bancária titulada pela Reclamante no Banco ......: o efeito útil desta decisão é a ora recorrida recuperar a disposição dos valores penhorados (arts. 223º, nº 2 do CPPT e 780º, nº 2 do CPC).

2.ª Na sua resposta ao requerimento inicial e na conclusão XII das suas alegações, a final, a Fazenda Pública conclui: “A importância penhorada deverá no entanto, face ao procedimento de insolvência, ficar à ordem da massa insolvente” (cit. art. 30º, a final).

3.ª Ao concluir, como concluiu, que a importância penhorada deve ficar à ordem da recorrida, a recorrente aceita que a decisão proferida é a correta e conforma-se com o decidido.

4.ª O presente recurso deve, pois, ser rejeitado, por manifesta falta de legitimidade da recorrente, que pugnou e aceitou a decisão proferida (cfr. art. 632º/2 do CPC).

Ainda que assim se não entenda, sem conceder,

5.ª O pedido de penhora reclamado foi despachado no dia 12.02.2013 [al. A) dos factos provados] mas só em 04.03.2013 o Banco ...... foi notificado [al. O) dos factos provados], dando resposta na mesma data [al. E) dos Factos].

6.ª A penhora de depósitos bancários consiste na apreensão de valores depositados, tornados indisponíveis para o depositante, “... é feita por comunicação electrónica realizada pelo agente de execução às instituições legalmente autorizadas a receber depósitos nas quais o executado disponha de conta aberta ...” (cit. art. 780º, nº 1 do CPC).

7.ª “A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chegue ao seu poder, ou é dele conhecida” (cfr. art. 224º, n.º 1 do Cód. Civil) e não antes.

8.ª A comunicação da penhora à instituição de crédito é uma declaração negocial, pelo que só se torna eficaz quando chega ao conhecimento da instituição de crédito. Por isso,

9.ª Tal como se escreveu na douta sentença recorrida, é “... claro que a penhora de saldos de contas bancárias apenas se considera efectuada no momento em que a instituição bancária do depósito é notificada do pedido de penhora realizado ...” (cit. fls. 11 da douta sentença). Aliás,

10.ª Se a instituição detentora do depósito penhorado deve comunicar o saldo da conta objecto de penhora na data em que esta se considera efectuada (cfr. artigo 223º, nº 2) e, desde a data da notificação, o saldo fica cativo, é a própria natureza das coisas que exige que essa data seja aquela em que a instituição de crédito recebe a notificação. Tanto assim que,

11.ª No caso dos autos, apesar de alegadamente a penhora ter sido decidida no dia 12.02.2013, a notificação só foi recebida pela instituição de crédito depositária no dia 4.03.2013, data na qual o saldo eventualmente existente há 18 dias atrás nem poderia ficar cativo, nem teria qualquer eficácia se tal sucedesse. Por sua vez,

12.ª Na interpretação da lei o intérprete não pode considerar o sentido que não tenha, no seu texto, um mínimo de correspondência verbal e deve presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art. 9º do Cód. Civil).

13.ª Os artigos 1º, nº1, 4º, 46º, 36º, nº 1, al. a) e g) e 38º do CIRE e o artigo 180º, nº 1 do CPPT referem-se temporalmente à data e hora em que a sentença que declara a insolvência é proferida, e o entendimento segundo o qual se referem à data em que transita em julgado não tem qualquer correspondência com o seu texto.

14.ª Mas a questão também não implica a conclusão que a recorrente dela pretende retirar: ainda que a penhora se devesse considerar efectuada em data anterior à declaração de insolvência, nem por isso o valor penhorado deixaria de dever ser entregue à massa insolvente (cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 17-12-2009, José Correia, Proc. 03568/09), como doutamente se decidiu.

Pelo exposto,
15.ª Deve o recurso ser julgado improcedente e a douta sentença ser integralmente confirmada, apenas assim se fazendo a costumada JUSTIÇA

1.3. O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de que o recurso não devia merecer provimento, por entender, em suma, que «(…) no caso o que mais linearmente decorre do textos legais é a penhora ser de considerar efectuada à data da sua notificação, bem como não ser de exigir o trânsito em julgado da sentença declaratória de insolvência para os efeitos da aplicação do art. 180º 1 do C.P.P.T., que é de interpretar conjugadamente com as atuais disposições do C.I.R.E., incluindo a constante do art. 88º nº 1, em termos de implicar a suspensão de quaisquer diligências que tivessem sido requeridas», concluindo que «(…) ainda que para outros efeitos, como os previstos no art. 153º do C.I.R.E. seja de exigir o trânsito em julgado da dita sentença, quer parecer não ser o mesmo no caso exigível até por que não se encontra expressamente previsto.».

1.4. Com dispensa de vistos, dada a natureza urgente do processo, cumpre decidir.

2. A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:

A) Com referência aos processos de execução fiscal nºs 3522201201198920, 3522201201198939 e 3522201201298969, instaurados no Serviço de Finanças de Oeiras 3 contra a Reclamante, foi registado no sistema SIPE (Sistema Informático de Penhoras Electrónicas) pedido de penhora de saldo de contas bancárias, o qual foi despachado em 12.02.2013 (cfr. prints de fls. 37 e 38 dos autos).

B) Em 25.02.2013, por sentença proferida no âmbito do Proc. nº 283/13.6TYLSB que corre termos no Tribunal de Comércio de Lisboa- 1º Juízo, foi declarada a insolvência da Reclamante, nomeado o administrador de insolvência e determinado que a administração da massa insolvente ficasse a cargo da administração do devedor, sendo a mesma fiscalizada pelo administrador de insolvência, tendo ainda sido avocados todos os processos de execução fiscal pendentes contra a Reclamante a fim de serem apensados ao processo de insolvência (cfr. doc. de fls. 11 a 18 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

C) Através de ofício nº 2404406 de 1.03.2013, o Tribunal do Comércio de Lisboa – 1º Juízo comunicou ao Serviço de Finanças de Oeiras 3 a sentença mencionada na alínea antecedente, e que se avocavam todos os processos de execução fiscal pendentes (cfr. fls. 42 dos autos).

D) O Banco ...... foi notificado do pedido de penhora mencionado em A) em 04.03.2013 (cfr. prints de fls. 37 e 38 dos autos).

E) Em 04.03.2013 o Banco ...... remeteu ao Serviço de Finanças de Oeiras 3 a resposta ao pedido de penhora (cfr. fls. 50 do PEF).

F) Através de carta registada datada de 04.03.2013, o Banco ...... comunicou à Reclamante que o montante de 16.077,13 € da sua conta nº …… havia sido penhorado à ordem do processo de execução fiscal n° 3522201201198920 e Aps. (cfr. fls. 19 dos autos).

G) Em 07.03.2013 a Reclamante requereu ao Chefe do Serviço de Finanças de Oeiras 3 o cancelamento da penhora, uma vez que a empresa se apresentou à insolvência em 12.02.2013, a qual veio a ser decretada em 25.02.2013 (cfr. fls. 20 dos autos).

H) Na sequência da penhora realizada, o Banco ...... não efectuou a transferência do montante penhorado para o Serviço de Finanças de Oeiras 3 (cfr. print de fls. 37 a 41-verso dos autos).

I) Por ofícios datados de 22.04.2013 e recepcionados em 02.05.2013 e 06/05/2013, o Serviço de Finanças de Oeiras 3 notificou os administradores da Reclamante e o administrador de insolvência de que, relativamente ao pedido apresentado em 07.03.2013, referido em E), recaiu despacho de indeferimento por inexistência de base legal, aí se informando também que a penhora em questão foi efectuada em 12.02.2013 (data anterior ao proferimento da sentença de insolvência (cfr. fls. 51 a 54-verso do PEF).

J) Por missiva datada de 26.04.2013, o Banco ...... comunicou ao Serviço de Finanças de Oeiras 3 o seguinte:

“Com referência ao processo à margem referenciado, vem o BANCO ……, S.A.” informar V. Exas. do seguinte:
Conforme comunicado a V. Exas., relativamente à executada A…………, S.A, NIPC ……, a conta nº ……, titulada por aquela sociedade, encontrava-se penhorada à ordem do processo acima identificado.
Todavia,
Face a informação transmitida pela executada, e bem como a confirmação da mesma pela publicação do processo, tomamos conhecimento que a Executada foi declarada insolvente no processo nº 283113.6TYL5B, que corre termos no Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa, tendo, por isso, o saldo da conta sido afecto à respectiva massa insolvente, pelo que, deverão V. Exas. agir em conformidade procedendo à competente reclamação de créditos, uma vez que a declaração de insolvência da devedora determina a suspensão de quaisquer diligências executivas, e obsta ao prosseguimento de qualquer execução intentada pelo credores da insolvência, nos termos do art. 88, nº 1 do C.I.R.E.” - (cfr. fls. 57 do PEF).

K) A presente reclamação foi apresentada em 09.05.2013 (cfr. fls. 26 dos autos).

3. Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou procedente a reclamação deduzida pela sociedade A…………, S.A. (EM LIQUIDAÇÃO) contra a decisão do Órgão de Execução Fiscal que indeferiu o seu pedido de levantamento da penhora de saldo de conta bancária de que é titular no Banco ......, levada a cabo em processo de execução fiscal contra si instaurado.
Esta reclamação teve por causa de pedir a ilegalidade da penhora por ela ter ocorrido em momento posterior à declaração da insolvência da sociedade executada, decretada por sentença de 25/02/2013, e culminou com o pedido de anulação do despacho de indeferimento do pedido de levantamento dessa penhora e de notificação da entidade bancária para que procedesse à restituição à sociedade executada do montante penhorado.
A sentença recorrida acolheu a tese defendida pela reclamante, por ter entendido, em suma, que a data da realização da penhora do saldo bancário se situa no momento em que a instituição bancária é notificada do pedido de penhora e que a decisão judicial que declarou a insolvência produz os seus efeitos na ordem jurídica no momento em que é proferida, sem necessidade de publicidade ou de trânsito em julgado, motivo por que, julgando a reclamação procedente, anulou o acto de penhora e o despacho que indeferira o pedido de levantamento dessa penhora.
A Fazenda Pública discorda da sentença, que reputa de eivada de erro de julgamento, sustentando que a penhora se tem como efectivada na data em que é proferido o despacho que a ordena, ou seja, in casu, em 12/02/2013, e que a sentença que declara a insolvência só se torna eficaz após a sua publicação e trânsito em julgado, in casu, em 21/03/2013. Neste contexto, defende que nem a penhora nem o despacho reclamado enfermam dos vícios que lhes são imputados, motivo por que tais actos se devem manter, sem embargo de o bem penhorado ficar apreendido à ordem da massa insolvente.
Por sua vez, a Recorrida suscita expressamente a questão da ilegitimidade da Recorrente, invocando, para tanto, que o reconhecimento de que o bem penhorado deve ficar à ordem da massa insolvente implica a aceitação de que a sentença está correcta, com ela, por isso, se conformando.
Deste modo, as questões que neste recurso se colocam passam por saber se a Recorrente tem legitimidade para recorrer e, no caso afirmativo, em que data se deve considerar efectuada a penhora do saldo bancário e em que momento a declaração judicial de insolvência produz os efeitos a que se referem os arts. 36º, nº 1, alínea g), do CIRE e 180º, nº 1, do CPPT.

3.1. Da legitimidade da Recorrente

Suscita a Recorrida a questão prévia da ilegitimidade da Recorrente face ao que dispõe o art. 632º, nº 2, do CPC, por esta ter advogado, em sede de recurso, que o bem penhorado deve ficar à ordem da massa insolvente, o que significaria que se conformava com o decidido.
Não lhe assiste, todavia, razão.
Desde logo, porque a verificar-se a situação configurada pela Recorrida, a questão nunca se reconduziria à ilegitimidade da Recorrente, mas antes ao próprio objecto do recurso. Na verdade, se a Recorrente não manifestasse qualquer tipo de censura à decisão recorrida ou denotasse, de forma evidente, que se conformava com o decidido, o recurso teria de ser julgado, por tal motivo, improcedente.
Por outro lado, as questões colocadas na reclamação e que determinaram a solução jurídica enunciada na sentença foram a ilegalidade da penhora e a ilegalidade de acto reclamado que indeferiu o pedido de levantamento dessa penhora face à declaração da insolvência da reclamante. E neste recurso a Recorrente rebate, inquestionavelmente, o julgamento do tribunal a quo sobre as enunciadas questões, visando a revogação da sentenciada anulação da penhora e do acto reclamado, de que discorda pelas razões que expõe, visando a sua anulação por este tribunal superior.

Improcede, assim, a questão suscitada pela Recorrida.

3.2. Do momento da efectivação da penhora

Na sentença recorrida sufragou-se o entendimento de que a penhora ocorreu na data da notificação do pedido de penhora realizado ao Banco ......, em 04.03.2013, argumentando-se do seguinte modo:

«Nos termos do disposto nº 2 do artigo 223º do CPPT, “a instituição detentora do depósito penhorado deve comunicar ao órgão da execução fiscal o saldo da conta ou contas objecto de penhora na data em que esta se considere efectuada”.
Por seu turno, dispunha o artigo 861º-A, nº 6, do CPC (na redacção vigente até 31.08.2013) que “A notificação é feita directamente às instituições de crédito, com a menção expressa de que o saldo existente, ou a quota-parte do executado nesse saldo, até ao limite estabelecido no nº 3 do artigo 821º, fica cativo desde a data da notificação e, sem prejuízo do nº 10, só pode ser movimentado pelo agente de execução”.
E nos termos do nº 8 do mesmo normativo legal “A entidade notificada deve, no prazo de 10 dias, comunicar ao agente de execução o montante dos saldos existentes ou a inexistência de conta ou saldo, comunicando, seguidamente, ao executado, a penhora efectuada”.
Ainda o nº 11 do mesmo artigo 861º-A do CPC estatuía que “Sem prejuízo do disposto no número anterior, a instituição é responsável pelos saldos bancários nela existentes à data da notificação e fornece ao agente de execução extracto onde constem todas as operações que afectem os depósitos penhorados após a realização da penhora”.
Também no âmbito da questão ora em apreciação, a Direcção-Geral dos Impostos emitiu instruções através do Ofício-Circulado nº 60.066 de 13.11.2008, sobre a penhora de valores depositados, aí referindo, de entre o mais, que “2. A penhora só se considera feita se, à data da respectiva ocorrência, se verificar a existência de saldo positivo”.
Da conjugação dos normativos supra citados resulta, em nosso entender, como claro que a penhora de saldos de contas bancárias apenas se considera efectuada no momento em que a instituição bancária do depósito é notificada do pedido de penhora realizado. Com efeito apenas assim se compreende a efectivação da penhora, porquanto só nesse momento se afere se é possível a penhora, por existência de saldo positivo na conta bancária, e é esse o momento a partir do qual esse saldo positivo fica cativo, e não mais pode ser movimentado pelo depositante. (…)
Na verdade, até ao momento em que a instituição bancária se considera notificada e se responsabiliza perante o Órgão da Execução Fiscal pela cativação dos montantes em causa, o que existe é apenas um pedido de penhora de saldo de conta bancária, e não a penhora concretizada.
De resto, basta atentar nos próprios prints informáticos juntos aos autos a fls. 39 a 41, referentes à tramitação do processo de execução fiscal, para verificar que a própria A.T. trata como “pedido de penhora de créditos” ou como “pedido de penhora de outros valores e rendimentos” os movimentos processados até, pelo menos a resposta da entidade a quem dirigiu o pedido, não tratando como penhora efectiva e concretizada. Ainda que nada mais represente, pelo menos, este sim, é um dado indicativo de que, pelo menos até ao momento da notificação da entidade bancária, não há penhora efectuada e concretizada.
Tendo em conta o supra exposto, é de concluir que, para todos os efeitos legais, a penhora em causa nos autos, realizada pelo Órgão da Execução Fiscal, só ocorreu com a notificação do pedido de penhora realizado ao Banco ......, o que ocorreu apenas em 04.03.2013.».

Apesar de a Recorrente se insurgir contra o assim decidido, defendendo que do teor dos arts. 223º nº 2 do CPPT e 861º-A nºs 6 e 8 do CPC resulta que a penhora se tem como efectivada na data em que foi proferido o despacho que a ordenou, ou seja, in casu, em 12/02/2013, não lhe assiste razão, sendo, antes, de corroborar a posição assumida na sentença e respectiva fundamentação, por se mostrar inteiramente correcta.
Com efeito, esta é a solução que, a nosso ver, melhor se harmoniza com o quadro legal aplicável e para o qual o texto das normas mais fortemente aponta, tendo sobretudo em conta que a penhora de depósitos ou saldos bancários é uma modalidade de penhora de créditos, como resulta à evidência do facto de para esta remeter, com as devidas adaptações, o nº 1 do art.º 861º-A do CPC, e de a norma contida no art. 224º CPPT (que regula a penhora de créditos) estabelecer que esta consiste na notificação ao devedor de que os créditos do executado até ao valor da dívida exequenda e acrescido ficam à ordem do órgão da execução fiscal.
Aliás, aquele nº 1 do art. 861º-A estabelece expressamente que a realização da penhora de depósitos bancários há-de ser feita preferentemente por comunicação electrónica, e dele decorre que é a partir dessa comunicação que o saldo fica cativo à ordem do agente/órgão da execução, sendo que as instituições bancárias ficam encarregues, após tal comunicação, de declarar se existe o crédito indicado à penhora e todas as questões com ele. Assim, e como refere JANUÁRIO DA COSTA GOMES (“Estudos de Direito das Garantias”, Vol. I, p. 293.) , a importância da notificação por comunicação electrónica advém do facto de por tal via, se saber qual o momento exacto em que se considera realizada esta penhora.
Termos em que não merece censura a sentença no tratamento e decisão desta questão.

3.3. Da declaração judicial de insolvência
O tribunal recorrido entendeu que a sentença que declara a insolvência produz efeitos na ordem jurídica desde o momento em que é proferida face ao disposto nos arts. 4º e 46º do CIRE, que preceituam o seguinte:


Artigo 4º
Data da declaração de insolvência e início do processo
1 - Sempre que a precisão possa assumir relevância, as referências que neste Código se fazem à data da declaração de insolvência devem interpretar-se como visando a hora a que a respectiva sentença foi proferida.
2 - Todos os prazos que neste Código têm como termo final o início do processo de insolvência abrangem igualmente o período compreendido entre esta data e a da declaração de insolvência.
Artigo 46º
Conceito de massa insolvente
1 - A massa insolvente destina-se à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas, e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo.
2 - Os bens isentos de penhora só são integrados na massa insolvente se o devedor voluntariamente os apresentar e a impenhorabilidade não for absoluta.

E face, ainda, ao preceituado nas alíneas a) e g) do art. 36º nº 1 do CIRE, que dispõem o seguinte: 1. Na sentença que declarar a insolvência, o juiz: a) Indica a data e a hora da respectiva prolação, considerando-se que ela teve lugar ao meio-dia na falta de outra indicação; g) Decreta a apreensão, para imediata entrega ao administrador da insolvência, dos elementos da contabilidade do devedor e de todos os seus bens, ainda que arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos e sem prejuízo do disposto no nº 1 do artigo 150°.

Ora, deste conjunto normativo resulta que é a data e hora de proferimento da declaração judicial de insolvência que marca, em princípio, o momento a partir do qual se produzem os efeitos jurídicos que dela decorrem. E como se retira ainda dos arts. 40º a 43º do CIRE, tanto o recurso da sentença de insolvência como a oposição de embargos têm efeitos limitados, não afectando os efeitos dos actos legalmente praticados pelos órgãos da insolvência; o que significa que a interposição de recurso não paralisa os efeitos da declaração de insolvência, que são produzidos desde a data da sua prolação.
Deste modo, e como se deixou frisado na sentença, «ao contrário do propugnado pela Fazenda Pública, resulta claro das diversas disposições legais supra referidas que os efeitos jurídicos resultantes da sentença de insolvência se produzem com a sua emissão, o que, trazido para o caso concreto dos autos, significa que a sentença de insolvência produz todos os seus efeitos legais desde o dia 25.02.2013, ou seja, desde data anterior à da efectivação da penhora, que como se viu, se tem como ocorrida apenas em 04.03.2013.
Ora, nessa data de 04.03.2013, já os montantes depositados na conta bancária titulada pela Reclamante no Banco ...... faziam parte integrante da massa insolvente, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 46° do CIRE, não podendo, por isso, ser movimentados a favor do Órgão da Execução Fiscal.».

Afigurando-se-nos correcto este entendimento, há que concluir, como se conclui na sentença, que à data em que foi concretizada a penhora do saldo bancário (4.03.2013), já a Reclamante fora declarada insolvente e, como tal, esse saldo estava sujeito a apreensão para a massa insolvente, em conformidade com o disposto no art. 149º do CIRE.
Todavia, ao contrário do que se conclui na sentença, daqui não decorre a ilegalidade da penhora realizada e a obrigação de proceder ao seu levantamento e de colocar de novo a conta bancária à disposição do executado, como se pretendeu com o requerimento que deu origem ao despacho de indeferimento que constitui o objecto da presente reclamação e que a sentença recorrida sancionou.
Com efeito, não se pode descurar que quando o órgão da execução determinou à entidade bancária que procedesse à penhora ainda não fora decretada a insolvência da executada; e quando esta entidade a realizou, no dia 4 de Março, ainda não lhe fora dado conhecimento da sentença da insolvência proferida alguns dias antes, pois só através de ofício emitido em 1 de Março (recepcionado no Serviço de Finanças a 4 de Março, conforme carimbo aposto nesse ofício) o Tribunal de Comércio comunicou ao Serviço de Finanças a referida insolvência e a ordem de avocação de todos os processos de execução fiscal.
Isto é, o órgão da execução recebeu esta informação no mesmo dia em que a entidade bancária estava a proceder à penhora, não se vislumbrando aqui qualquer irregularidade ou atitude ilícita ou abusiva que seja susceptível de determinar a anulação do acto realizado. E quando aquela entidade toma conhecimento da insolvência do titular da conta, logo comunica ao Serviço de Finanças que, por via disso, havia procedido à afectação do saldo bancário penhorado «à respectiva massa insolvente, pelo que, deverão V. Exas. agir em conformidade procedendo à competente reclamação de créditos, uma vez que a declaração de insolvência da devedora determina a suspensão de quaisquer diligências executivas, e obsta ao prosseguimento de qualquer execução intentada pelo credores da insolvência, nos termos do art. 88, nº 1 do C.I.R.E.».
Pelo que nunca assistiria razão ao executado/insolvente na sua pretensão de obter na execução fiscal o levantamento da penhora da referida conta bancária e a sua restituição ou colocação à sua inteira disposição, na medida em que o art. 149º do CIRE estabelece que uma vez proferida a sentença declaratória da insolvência se procede à imediata apreensão de todos os bens integrantes da massa insolvente, ainda que estes tenham sido «arrestados, penhorados, ou por qualquer forma apreendidos ou detidos, seja em que processo for, com ressalva apenas dos que hajam sido apreendidos por virtude de infracção, quer de carácter criminal, quer de mera ordenação social».
Isto é, a declaração de insolvência não provoca a invalidade das penhoras realizadas e o dever de as levantar, mas tão só o dever de apreensão para a massa insolvente de todos os bens que se encontrem penhorados. E o despacho reclamado, ao indeferir o levantamento da penhora, não vai contra este entendimento de que o bem penhorado irá ficar à ordem da massa insolvente.
Em conclusão, não tendo o saldo bancário penhorado sido entregue e aplicado no processo de execução fiscal antes da sentença de insolvência, já não o pode ser mais, pois esse bem passou a pertencer à massa insolvente. E será o administrador da massa insolvente que terá de decidir se a conta bancária deve ser libertado para a continuação da actividade económica da sociedade executada no caso de autorização de continuação da exploração da empresa com administração da massa insolvente pelo devedor.
Termos em que não pode manter-se a sentença que determinou a anulação da penhora realizada e a anulação do acto de indeferimento do pedido de levantamento dessa penhora.

4. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao presente recurso, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a reclamação judicial.

Custas em 1ª instância pela Reclamante e custas do recurso pela Recorrida.

Lisboa, 5 de Fevereiro de 2014. – Dulce Neto (relatora) – Ascensão Lopes – Casimiro Gonçalves.