Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0586/14
Data do Acordão:08/06/2014
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
EXCESSO DE PRONÚNCIA
Sumário:I - A nulidade da decisão, por omissão de pronúncia, só existe quando o tribunal deixa de apreciar e decidir uma questão que haja sido chamado a resolver, a menos que o seu conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio.
II - Só enferma da nulidade prevista no art. 615.º, n.º1, al. d) do CPC/2013, por excesso de pronúncia, o acórdão que conhece de questão de que não podia tomar conhecimento.
Nº Convencional:JSTA000P17842
Nº do Documento:SA1201408060586
Data de Entrada:05/22/2014
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1. RELATÓRIO
“MINISTÉRIO PÚBLICO” [abreviadamente «MP»], devidamente identificado nos autos e uma vez notificado do acórdão de 26.06.2014, inserto a fls. 183/187 v. dos autos, veio arguir a nulidade do mesmo pelos fundamentos vertidos no requerimento de fls. 192/195 [excesso e omissão de pronúncia - arts. 615.º, n.º 1, al. d), 666.º e 685.º do CPC/2013], concluindo no sentido da sua procedência e eliminação do acórdão substituindo-o por outro que conheça do recurso no segmento omitido.
Exercido o contraditório o R., A…………, veio apresentar resposta [cfr. fls. 200 e segs.].
Sem vistos foi determinada a remessa dos autos à Conferência para julgamento.



2. ENQUADRAMENTO E APRECIAÇÃO DA PRETENSÃO
O A. “MP”, ora reclamante, veio arguir a nulidade do acórdão em referência, sustentando que o mesmo se mostra, pelos seus termos, proferido em excesso de pronúncia [art. 615.º, n.º 1, al. d) 2.ª parte CPC/2013] [o acórdão em sede de análise do fundamente relativo ao erro de escrita reapreciou, sem que tal lhe tivesse sido solicitado, outros factos articulados na petição inicial interpretando-os como factos articulados pelo A. e não como o resultado de mero lapso, sendo que tal lapso decorria com meridiana clareza do confronto com os documentos juntos com aquele articulado, pelo que este Supremo não poderia conhecer de matéria de facto fora da hipótese do n.º 4 do art. 150.º do CPTA que no caso não ocorre, nem o poderia fazer no quadro do recurso per saltum] e com omissão de pronúncia [art. 615.º, n.º 1, al. d) 1.ª parte CPC/2013] [acórdão não se pronunciou sobre o assacado erro de julgamento traduzido na infração aos arts. 02.º a 04.º da Lei n.º 4/83 considerando o quadro factual que se mostrava fixado na decisão judicial recorrida].

I. Apreciemos da procedência da arguição deduzida a qual se passará a fazer à luz do regime processual civil vigente face ao que se disciplina nos arts. 615.º e 616.º do CPC/2013 [na redação decorrente da Lei n.º 41/013, de 26.06] e 05.º, n.º 1 e 07.º do referido diploma.

II. Estipula-se no art. 615.º do CPC, sob a epígrafe de “causas de nulidade da sentença” e na parte que ora releva, que é “… nula a sentença quando: … d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento ...” (n.º 1), derivando ainda do mesmo preceito que as “… nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades ...” (n.º 4).

III. As situações de nulidade da decisão encontram-se legalmente tipificadas no art. 615.º, n.º 1 do CPC/2013, cuja enumeração é taxativa, comportando causas de nulidade de dois tipos [de caráter formal - art. 615.º, n.º 1, al. a) CPC - e várias causas respeitantes ao conteúdo da decisão - art. 615.º, n.º 1, als. b) a e) CPC], sendo que a qualificação como nulidade de decisão de ilegalidades integradoras de erro de julgamento não impede o Tribunal “ad quem” de proceder à qualificação jurídica correta e apreciar, nessa base, os fundamentos do recurso.

IV. Caraterizando em que se traduz a nulidade da decisão por infração ao disposto na al. d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC temos que a mesma se traduz na infração ao dever que impende sobre o tribunal de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação dentro dos limites daquele seu dever, excetuadas aquelas cuja decisão esteja ou fique prejudicada pela solução dada a outras [cfr. art. 608.º, n.º 2 CPC].

V. Trata-se, nas palavras tecidas por M. Teixeira de Sousa no quadro do regime previsto no art. 668.º do anterior CPC mas que permanecem neste âmbito plenamente válidas e atuais, do “... corolário do princípio da disponibilidade objetiva (art. 264.º, n.º 1 e 664.º, 2.ª parte) …” que “… significa que o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos formulados por elas, com exceção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões. (...) Também a falta de apreciação de matéria de conhecimento oficioso constitui omissão de pronúncia …” [in: “Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, Lx 1997, págs. 220 e 221].

VI. Questões para este efeito são “... todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer ato (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes …” [cfr. A. Varela in: RLJ, Ano 122.º, pág. 112] e não podem confundir-se “... as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os pressupostos em que a parte funda a sua posição na questão …” [cfr. J. Alberto dos Reis in: “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, pág. 143].

VII. Daí que as questões suscitadas pelas partes e que justificam a pronúncia do Tribunal terão de ser determinadas pelo binómio causa de pedir-pedido, afirmando ainda neste âmbito M. Teixeira de Sousa, com idêntica atualidade, que o “... tribunal não tem de se pronunciar sobre todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes, desde que não deixe de apreciar os problemas fundamentais e necessários à decisão da causa. (...) Verifica-se, pelo contrário, uma omissão de pronúncia e a consequente nulidade [art. 668.º, n.º 1, al. d) 1.ª parte] se na sentença, contrariando o disposto no art. 659.º, n.º 2, o tribunal não discriminar os factos que considera provados (...) ou se abstiver de apreciar a procedência da ação com fundamento numa das causas de pedir invocadas pelo autor (...). … Se o autor alegar vários objetos concorrentes ou o réu invocar vários fundamentos de improcedência da ação, o tribunal não tem de apreciar todos esses objetos ou fundamentos se qualquer deles puder basear uma decisão favorável à parte que os invocou. (...) Em contrapartida, o tribunal não pode proferir uma decisão desfavorável à parte sem apreciar todos os objetos e fundamentos por ela alegados, dado que a ação ou a exceção só pode ser julgada improcedente se nenhum dos objetos ou dos fundamentos puder proceder …” e ainda que como “... corolário do princípio da disponibilidade objetiva (arts. 264.º, n.º 1 e 664.º 2.ª parte), a decisão é nula quando o tribunal conheça de questões de que não podia tomar conhecimento [art. 668.º, n.º 1, al. d) 2.ª parte], ou seja, quando a decisão esteja viciada por excesso de pronúncia. Verifica-se este excesso sempre que o tribunal utiliza, como fundamento da decisão, matéria não alegada ou condena ou absolve num pedido não formulado, bem como quando conhece de matéria alegada ou pedido formulado em condições em que está impedido de o fazer. ... O excesso de pronúncia pode ser parcial ou qualitativo, consoante o tribunal conheça de um pedido que é quantitativa ou qualitativamente distinto daquele que foi formulado pela parte. Este excesso de pronúncia parcial ou qualitativo também conduz à nulidade da decisão [arts. 661.º, n.º 1 e 668.º, n.º 1, al. e)], mas ele é distinto do excesso de pronúncia previsto no art. 668.º, n.º 1, al. d) 2.ª parte, pela seguinte razão: - se o tribunal condena no pedido formulado, mas utiliza um fundamento que excede os seus poderes de conhecimento, a hipótese cabe na nulidade prevista no art. 668.º, n.º 1, al. d) 2.ª parte; - mas se o tribunal, mesmo utilizando os fundamentos admissíveis, condena em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido, o caso inclui-se na previsão do art. 668.º, n.º 1, al. e) …” [in: ob. cit., págs. 220 a 223].

VIII. As decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem estar viciadas de duas causas que poderão obstar à eficácia ou validade da dicção do direito: - Por um lado, podem ter errado no julgamento dos factos e do direito e, então, a consequência é a sua revogação; - Por outro, como atos jurisdicionais, podem ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra do qual são decretados e, então, tornam-se passíveis de nulidade nos termos do art. 615.º do CPC/2013.

IX. Presentes os considerandos caraterizadores da nulidade de decisão ora em análise temos que não se descortina ocorrer, no caso, nem uma pronúncia em infração dos limites legalmente devidos nem uma qualquer omissão de pronúncia.

X. Na verdade, na situação vertente a decisão judicial aqui sindicada ao julgar improcedente o fundamento relativo ao pretenso erro de julgamento na aplicação dos arts. 02.º a 04.º da Lei n.º 4/83 não incorreu em qualquer omissão de pronúncia já que no expendido em sede do enquadramento de direito [ponto 3.2) sob os n.ºs XVI) a XXXII)] se procedeu à devida análise/apreciação do mérito da pretensão deduzida pelo recorrente, emitindo-se expressa pronúncia sobre a questão/fundamento de recurso colocado, improcedendo-o.

XI. Se os termos em que o fez eram ou não os corretos, se o recorrente/reclamante discorda de tal juízo, tal envolverá eventual erro de julgamento, mas não nulidade da decisão dado que a pronúncia sobre a questão pretendida pelo recorrente/reclamante se mostra cabal e completa.

XII. De igual modo, não se descortina que, no julgamento realizado quanto ao fundamento de recurso relativo à pretensa existência de “erro de escrita”, haja o acórdão sob impugnação incorrido em nulidade por excesso de pronúncia.

XIII. É que na referida decisão [ponto 3.2) sob os n.ºs I) a XV)] não se vislumbra que se haja procedido a uma qualquer reapreciação de factos e/ou do julgamento de facto que havia sido firmado pela sentença recorrida, ou à consideração de realidade factual não alegada no contexto do erro/mero lapso de escrita.

XIV. No expendido no acórdão e segmento em questão desenvolveu-se tão só argumentação tendente a concluir pela improcedência do fundamento de recurso objeto de análise, o que foi feito no quadro estrito de observância dos limites impostos pelos deveres de pronúncia.

XV. E não se procedeu claramente a qualquer reapreciação de factos e/ou do julgamento de facto feito pela referida sentença porquanto isso foi expressamente afastado do juízo feito quando sob o n.º V) do enquadramento de direito se alude a que aquela decisão não foi sindicada nessa sede, concluindo-se, depois, pela total inexistência no caso de erro de escrita e, consequente, improcedência do fundamento recursivo, na certeza de que a discordância quanto ao assim julgado integrará, como aludimos supra, eventual erro de julgamento e nunca nulidade de decisão.

XVI. Pelo exposto, inexiste no caso qualquer das nulidades arguidas por infração aos arts. 615.º, n.º 1, al. d), 666.º e 685.º todos do CPC/2013, improcedendo a reclamação deduzida.



3. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em indeferir “in totum” a arguição de nulidade de fls. 192/195 dos autos.
Sem custas dada a isenção legal do reclamante.
Notifique-se. D.N.
Lisboa, 6 de agosto de 2014. – Carlos Luís Medeiros de Carvalho (relator) - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Pedro Manuel Dias Delgado.