Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0796/05
Data do Acordão:07/12/2006
Tribunal:2 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:JUIZ.
ANTIGUIDADE.
CONTAGEM DE TEMPO DE SERVIÇO.
JUIZ AUXILIAR.
Sumário:I – A antiguidade dos juízes conta-se desde a publicação do provimento no Diário da República.
II - O prévio exercício de funções como juiz auxiliar nos Tribunais da Jurisdição Administrativa e Fiscal não releva para a ordenação da respectiva lista de antiguidade nessa categoria.
Nº Convencional:JSTA00063321
Nº do Documento:SA1200607120796
Data de Entrada:06/27/2005
Recorrente:A...
Recorrido 1:CSTAF
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:ACÇÃO ADM ESPECIAL.
Objecto:DEL CONSELHO SUPERIOR DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS DE 2004/05/31.
Decisão:IMPROCEDENTE.
Área Temática 1:DIR ADM GER - FUNÇÃO PUBL / ESTATUTÁRIO.
Área Temática 2:DIR JUDIC - EST MAG.
Legislação Nacional:EMJ85 ART72 ART75 ART76.
ETAF96 ART108.
Jurisprudência Nacional:AC TC 806/93 IN DR 2S DE 1994/01/29.; AC TC PROC610/02 DE 2005/12/06.; AC STAPLENO PROC1467/02 DE 2004/12/16.; AC STA PROC30682 DE 1993/02/25.; AC STA PROC35373 DE 1996/11/22.; AC STA PROC39559 DE 2001/11/14.; AC STA PROC1300/02 DE 2002/11/28.
Aditamento:
Texto Integral: Acção administrativa especial 796/05-12.
Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo
1. Relatório
A..., identificada nos autos, intentou a presente ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL contra o CONSELHO SUPERIOR DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS, pedindo a sua condenação à reordenação das listas de antiguidade, tendo em atenção, para todos os efeitos legalmente relevantes, o tempo de serviço prestado como juiz auxiliar na jurisdição administrativa e fiscal.
Formulou as seguintes conclusões finais:
a) a deliberação, ora impugnada, da aprovação das listas de antiguidade por parte do CSTAF, de 31 de Maio de 2004, padece do vício de falta de fundamentação, atenta a obscuridade e insuficiência das razões de facto e de direito em que se estriba, de harmonia com o disposto nos artigos 124º e 125º, n.º 2 do CPA, devendo por isso ser tida como anulável, em virtude do estatuído no art. 135º do mesmo CPA; b) acresce que a mesma repousa numa errada interpretação do disposto nos artigos 72º e 76º do EMJ (Estatuto dos Magistrados Judiciais) incorrendo assim em erro sobre os pressupostos de direito, o que determina, outrossim, a respectiva anulabilidade em face do regime contido no art. 135º do CPA;
c) ainda que assim se não entenda, no que não se concede, sempre haveria que entender que os referidos preceitos legais – art. 72º e 76º do EMJ – caso interpretados no sentido propugnado pelo CSTAF, padeceriam do vício de inconstitucionalidade material, atenta a violação em que os mesmos incorreriam do princípio da igualdade constitucionalmente consagrado – art. 13º da CRP;
d) nestes termos deve a presente acção administrativa especial ser julgado procedente por provada e, consequentemente, ser o CSTAF condenado a proceder à reordenação das listas de antiguidade tendo em atenção, para todos os efeitos legalmente relevantes, o tempo de serviço prestado como juiz auxiliar na jurisdição administrativa e fiscal pela ora alegante, o que implica, sem mais, que em lugar de 5 anos, 8 meses e 2 dias lhe seja definitivamente fixado o tempo de 7 anos e 14 dias de antiguidade, com a sua consequente graduação, nas listas a elaborar na sequência e em face dos dados actuais, não em 24º mas sim em 13º lugar.
O Conselho Superior dos Tribunais Administrativos pugna pela improcedência do pedido, alegando em síntese:
- a posição foi exaustivamente tratada, em sede de apreciação das reclamações apresentadas por vários magistrados, inclusive pela ora autora, onde se explicita em termos claros, precisos e inequívocos as razões de facto e de direito que levaram a proceder à graduação segundo o critério da antiguidade na categoria, por forma a permitir uma perfeita apreensão da respectiva motivação;
- uma coisa é antiguidade na categoria, que se conta desde a data da publicação em Diário da República do provimento como juiz efectivo (em comissão permanente de serviço ou a titulo definitivo) e outra a antiguidade na jurisdição, em que se conta todo o tempo de serviço prestado na jurisdição administrativa e fiscal, quer como efectivo quer como auxiliar.
- É esta a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo – cfr. acórdãos de 25-11-2003, processo 1467/02, de 14-7-2005, processo 1705/03 e de 11-5-2005, processo 1025/04;
- É também este o entendimento do Pleno da Secção de contencioso Administrativo, no acórdão de 16-12-2004, processo 1467/02.
Proferiu-se despacho saneador.
Não havendo controvérsia sobre a matéria de facto as partes alegaram por escrito, mantendo as posições antes assumidas.
Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência para julgamento do recurso.
2. Fundamentação
2.1. Matéria de facto
Com relevo para o julgamento consideram-se assentes os seguintes factos:
a) Em 31 de Maio de 2004, por deliberação do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais foram aprovadas as listas de antiguidade dos juízes de cada quadro dos Tribunais Administrativos e Fiscais reportadas a 31 de Dezembro de 2003;
b) De harmonia com a referida deliberação a autora foi graduada em 24º lugar na lista dos juízes dos Tribunais Administrativos e Fiscais de 1ª instância, a que se faz corresponder a data da colocação de 5-5-1998 e antiguidade na categoria de 5 anos, 8 meses e 2 dias;
c) A autora prestou serviço como juíza auxiliar, em comissão de serviço, no 1º Juízo do Tribunal Tributário de 1ª instância do Porto entre 18-11-96 e 30-3-98.
2. Matéria de direito
A autora considera que (i) a deliberação de 31 de Maio de 2004 não está fundamentada; (ii) enferma de erro nos pressupostos de direito e (iii) é inconstitucional por violação do princípio da igualdade.
Vejamos cada uma das questões.
i) Falta de fundamentação
A autora, juntamente com outros magistrados da Jurisdição Administrativa e Fiscal, reclamou da elaboração das listas de antiguidade de 31 de Maio de 2004, tendo o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, em 24 de Janeiro de 2005, deliberado indeferir tais reclamações, invocando – no que respeita ao relevo do tempo prestado na qualidade de juiz auxiliar, o seguinte:
Como decorre dos artigos 72º e ss do Estatuto dos Magistrados Judiciais (aplicável subsidiariamente por força do disposto no art. 57º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais) e, em particular do próprio artigo 72º e do art. 76º, as listas de antiguidade devem ser estruturadas de acordo com o critério da antiguidade na categoria, assumindo como elemento determinante a publicação oficial do provimento.
É inequívoco e assim tem vindo a ser posto em prática para os diversos quadros da jurisdição administrativa e fiscal, que a antiguidade na categoria se conta desde o momento da publicação em Diário da República do provimento como juiz efectivo. Trata-se, como pretendeu o legislador, de um critério eminentemente formal já que atribui relevo à data da publicação do título jurídico e não ao momento do início das funções correspondentes à categoria. Deste modo, por exemplo, o tempo de serviço prestado no Supremo Tribunal Administrativo, na qualidade de auxiliar, por um juiz do quadro do Tribunal Central Administrativo, releva para a sua categoria formal e não para a correspondente ao exercício material de funções.
Na aplicação do critério da antiguidade à elaboração das respectivas listas tem este Conselho seguido, sem qualquer desvio, esta orientação. Também foi utilizado, no caso concreto
A fundamentação da deliberação do CSTAF sobre a graduação da lista de antiguidade posta em causa pela autora deve ter em conta este esclarecimento, pois é aqui que se exteriorizam os motivos de tal deliberação, e foi esta linha argumentativa que a autora considerou obscura (cfr. art. 20º da petição inicial).
Vejamos, a questão, tendo presente que a fundamentação é um conceito relativo, cuja densidade varia “conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, mas que a fundamentação só é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação”- Essencialmente neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo: – de 25-2-1993, proferido no recurso n.º 30682, publicado no Apêndice ao Diário da República de 14-8-96, página 1168; – de 31-5-1994, proferido no recurso n.º 33899, publicado no Apêndice ao Diário da República de 31-12-96, página 4331;– de 4-5-1995, proferido no recurso n.º 28872, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 447, página 217, e no Apêndice ao Diário da República de 20-1-98, página 3831; – de 29-6-1995, proferido no recurso n.º 36098, publicado no Apêndice ao Diário da República de 20-1-98, página 5782; – de 7-12-1995, proferido no recurso n.º 36103, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30-4-98, página 9649; – de 10-10-1996, proferido no recurso n.º 36738, publicado no Apêndice ao Diário da República de 15-4-99, página 6634; – de 2-12-1997, proferido no recurso n.º 37248, publicado no Apêndice ao Diário da República de 25-9-2001, página 8477; – de 4-11-1998, proferido no recurso n.º 40618; – de 10-12-1998, proferido no recurso n.º 31133; – de 21-1-1999, proferido no recurso n.º 41631; – de 10-3-1999, proferido no recurso n.º 32796; – de 6-6-1999, proferido no recurso n.º 42142; – de 9-2-2000, proferido no recurso n.º 44018; – de 28-3-2000, proferido no recurso n.º 29197; – de 16-3-2001, do Pleno, proferido no recurso n.º 40618; – de 3-7-2001, proferido no recurso n.º 45058; – de 14-11-2001, proferido no recurso n.º 39559.
Da parte acima transcrita da deliberação constam os motivos de facto e de direito que a determinaram. O CSTAF entendeu, como sempre o tinha feito, que as listas de antiguidade devem ser ordenadas de acordo com o tempo de serviço prestado na categoria em que o juiz tenha sido provido a título efectivo, ou em comissão permanente de serviço, o qual começa a contar a partir da publicação oficial do provimento. Para tanto invocou os artigos 72º e seguintes, designadamente o art. 72º e 76º da Lei 21/85, de 30 de Julho – Estatuto dos Magistrados Judiciais. Ficou assim, claro que o tempo prestado como juiz auxiliar não era relevante para este efeito, situação que a entidade requerida procurou tornar mais clara e, portanto, mais acessível, através de um exemplo: “Deste modo, por exemplo, o tempo de serviço prestado no Supremo Tribunal Administrativo, na qualidade de auxiliar, por um juiz do quadro do Tribunal Central Administrativo, releva para a sua categoria formal e não para a correspondente ao exercício material de funções”.
O fundamento de facto radica na prestação de serviço na qualidade de juiz auxiliar num tribunal da jurisdição Administrativa e Fiscal; o fundamento de direito radica nos artigos 72º e seguintes do EMJ, segundo os quais tal tempo de serviço não conta para efeitos de elaboração das listas de antiguidade. O itinerário cognoscitivo do autor do acto é assim apreensível por um destinatário médio, que fica deste modo colocado em condições de poder desencadear os mecanismos da sua impugnação judicial.
Acresce que, no caso, a autora revelou na presente acção ter compreendido o critério que determinou a contagem do tempo de serviço. Tanto é assim que no art. 20º da petição se referiu ao “equívoco critério formal”, no art. 21º chamou-lhe “miraculoso critério formal”, sem deixar de reconhecer o apoio literal de tal critério: “Contudo, e exceptuando o argumento literal extraído do art. 72º do EMJ …” (art. 21º). A autora invoca ainda a alteração do critério pelo CSTAF por este órgão ter aceite a relevo do tempo de serviço prestado como auxiliar na graduação dos juízes admitidos a concurso para os lugares do Tribunal Central Administrativo. E, atribui, a obscuridade do critério também a esta mudança de critério sem que “a instância em apreço se mostre, de todo em todo, incapaz de iluminar, em termos minimamente razoáveis, quais os motivos, que levaram a que fosse abandonado o critério…”. Este modo de argumentar, denuncia um perfeito conhecimento do critério usado.
Assim, julgámos manifesto que não se verifica o vício de falta de fundamentação. Tal não significa que os fundamentos do acto sejam exactos, mas essa questão já nada tem a ver com a clareza, suficiência e congruência da fundamentação. Se o entendimento acolhido na fundamentação for ilegal e esses pressupostos estiverem errados não há falta de fundamentação, mas violação de lei de fundo (Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 28-11-2002, processo 01300/02 e de 11/4/91, Processo 28 406).
ii) violação de lei (o critério da contagem do tempo de serviço).
A questão tem contornos muito simples: o tempo de serviço prestado na qualidade de juiz auxiliar, nos Tribunais Administrativos e Fiscais, conta, ou não, como tempo de serviço nessa categoria para efeitos de elaboração da lista de antiguidade?
Não está em causa a contagem do tempo de serviço como juiz auxiliar para outros efeitos, nomeadamente graduação em concursos, aposentação, etc. e, por isso, nos limitaremos a analisar a questão acima colocada.
A esta questão o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos responde que o tempo prestado como juiz auxiliar não conta como tempo de serviço nessa categoria, para elaboração das listas de antiguidade, invocando para tanto o disposto nos artigos 72º e seguintes do Estatuto dos Magistrados Judiciais, e o critério “formal” a que aí se recorta.
A autora considera que os referidos artigos não permitem tal leitura e que tendo em conta que os juízes auxiliares desempenham as mesmas funções que os juízes do quadro, não há a menor legitimidade para a distinção, sendo uma construção “tendencialmente esquizofrénica” aquela que faz dos juízes auxiliares ora juízes dos tribunais administrativos e fiscais de pleno direito (sempre que tal se mostre oportuno e conveniente) ora juízes unicamente adstritos aos mesmos (sempre que tal se revela fautor de perturbação), sendo já tempo de, sem margem para qualquer dúvida razoável, lhes ser reconhecido este estatuto para todos os efeitos jurídico - normativamente relevantes( - cfr. fls. 140).
Vejamos, começando por recortar o quadro legal aplicável.
Os artigos 72º, 75º e 76 º do Estatuto dos Magistrados Judicias (Lei 21/85, de 30 de Julho) têm a seguinte redacção.
Artigo 72º
(Antiguidade na categoria)
1. A antiguidade dos magistrados na categoria conta-se desde a data da publicação do provimento no Diário da República.
2. A publicação dos provimentos deve respeitar, na sua ordem, a graduação feita pelo Conselho Superior da Magistratura.
(…)
Artigo 75º
(Contagem da antiguidade)
Quando vários magistrados forem nomeados ou promovidos por despacho publicado na mesma data observa-se o seguinte:
a) Nas nomeações precedidas de cursos ou estágios de formação findos os quais tenha sido elaborada lista de graduação, a antiguidade é determinada pela ordem aí estabelecida;
b)Nas promoções e nomeações por concurso, a antiguidade é determinada pela ordem de acesso;
c) Em qualquer outro caso, a antiguidade é determinada pela antiguidade relativa ao lugar anterior.
Artigo 76º
(Lista de antiguidade)
1. A lista de antiguidade dos magistrados judiciais é publicada anualmente pelo Ministério da Justiça, no respectivo Boletim ou em separata deste.
2. Os magistrados judiciais são graduados em cada categoria de acordo com o tempo de serviço, mencionando-se, a respeito de cada um, a data de nascimento, o cargo ou função que desempenha, a data de colocação e a comarca de naturalidade.
3. A data da distribuição do Boletim ou da separata referidos no nº 1 é anunciada no Diário da República.
É de referir ainda que o art. 108º do ETAF, em vigor quando a autora foi nomeada, dispunha:
“Artigo 108º
(Juízes auxiliares)
Podem ser nomeados juízes auxiliares:
a) Em comissão de serviço, os que reúnam os requisitos gerais exigidos para o concurso;
b) Por destacamento, sem abertura de vaga, juízes de tribunais da mesma categoria, ou da imediatamente inferior na mesma jurisdição”.
Este Supremo Tribunal, no acórdão de 25-11-2003, proferido no processo 1467/02, disse o seguinte:
“(…) A antiguidade na categoria conta-se desde a publicação do provimento no Diário da República (72.º), mas dentro desta mesma antiguidade, em sentido amplo, é necessário definir precedências, é necessário estabelecer uma graduação, nomeadamente quando em relação a vários magistrados a publicação do provimento foi efectuada na mesma data.
Só perante casos de publicação na mesma data é que surge o problema que o artigo 75.º resolve. Este artigo 75.º dá por adquirido, e bem, que não se coloca o problema quando provimento foi publicado em datas diversas. E, em qualquer caso, ainda aí a antiguidade é determinada pela ordem de acesso.
Confirma-se, pois, que não há qualquer regra especial para a determinação da antiguidade na categoria, explicite-se, pelo menos em sede de graduação dos magistrados entre si, que é o que conta no que respeita ao artigo 76.º do EMJ.(…)
Em recurso desse acórdão o Pleno da Secção confirmou tal entendimento (acórdão de 16-12-2004), acrescentando ainda que:
Este STA tem por diversas vezes vincado esta ideia central de que a antiguidade a ter em conta nas listas respectivas é referida aos lugares do quadro, como p.e. os Ac. de 1984.03.22, P. 017671 e do Pleno de 1977.01.27, P.009079. O sumário deste último refere que “ As listas a que se refere o DL 348/70, de 27/7, reportam-se apenas a antiguidade na categoria ou classe no quadro de cada Direcção Geral ou organismo equiparado, salvo quando a lei disponha de forma diversa.” E “A expressão (…) dos respectivos quadros (…) inserida no n.º 1 daquele diploma não significa que, para efeitos de antiguidade, deva contar-se o tempo de serviço prestado em quadro diferente.”
Da leitura do art. 72º decorre, a nosso ver, que a antiguidade dos magistrados se conta “na categoria”. E é essa antiguidade na categoria que permite a graduação ou ordenação nas respectivas listas de antiguidade. Tal decorre do art. 76º, n.º 2, quando diz que “os magistrados judiciais são graduados em cada categoria de acordo com o tempo de serviço…”.
As regras legais da contagem são as seguintes: a contagem na categoria conta-se desde a data da publicação do provimento no Diário da República (art. 72º, 1) dispondo ainda a lei quais regras de desempate em caso de nomeação no mesmo provimento, no art. 75º.
Destas regras, o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e este Supremo Tribunal, nos acórdãos citados e em parte transcritos, extraíram argumentos, em nosso entender, decisivos para o julgamento da questão.
O CSTAF invocou, a favor da sua tese, a distinção entre o exercício de funções e nomeação formal para uma dada categoria (a publicação do provimento), e a circunstância da lei escolher como critério para o início da contagem do tempo de serviço, a nomeação formal. Se a lei, para efeitos de antiguidade, estabelece como critério um aspecto meramente formal (a data do respectivo provimento) é porque o exercício efectivo das funções não é o elemento relevante. Daí a sua conclusão (no exemplo dado na fundamentação do acto impugnado) segundo o qual, o tempo se serviço prestado por um juiz auxiliar no Supremo Tribunal Administrativo, conta como prestado na categoria de juiz do Tribunal Central Administrativo.
O Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão da subsecção proferido no processo 1467/02, extraiu um outro argumento a favor do mesmo entendimento. O Supremo entendeu que nos casos duvidosos ou controversos sobre a contagem do tempo de juízes nomeados no mesmo provimento, para efeitos de elaboração das listas de antiguidade, não se incluíam os casos em que o juiz nomeado tivesse já prestado serviço nessa “categoria”, mas como juiz auxiliar. Nos casos em que a nomeação é precedida de concurso a antiguidade é determinada pela ordem de acesso, nos termos do art. 72º, b) do Estatuto do Magistrados Judiciais.
Assim, seguindo esta linha de raciocínio, se num concurso para os Tribunais Administrativos um dos concorrentes já for juiz auxiliar nesse Tribunal, tal tempo de serviço não é contado para efeitos de antiguidade na categoria, pois que, nos termos do citado art. 75, b) atender-se-á à ordem de acesso, o que equivale a dizer, segundo a respectiva graduação. O legislador não se refere ao tempo de serviço prestado como juiz auxiliar, ao referir-se à contagem do tempo de serviço para efeitos de listas de antiguidade, pela razão simples de que esse tempo não releva para tal efeito.
Há, de resto, segundo cremos, razões sólidas para ser assim.
A principal decorre da circunstância dos juízes auxiliares, poderem ser nomeados sem concurso, e, desse modo, sem que para a respectiva nomeação tenha sido garantida a igualdade de oportunidades aos potenciais interessados. Para além de ser possível não haver concurso e, portanto, igualdade de oportunidades, acresce ainda que, no acesso ao cargo, pode não haver o mesmo grau de exigência, como decorre claramente do art. 108º do ETAF, então em vigor e acima transcrito, uma vez que se permitia o acesso ao cargo de juiz auxiliar de candidatos sem os requisitos gerais exigidos para o concurso.
Seria inaceitável que, num concurso de duas vagas por exemplo, no qual o concorrente que já era juiz auxiliar, ficasse graduado em terceiro lugar e desse modo sem ingressar no quadro, mas que, apesar disso, pudesse figurar na respectiva categoria como mais antigo, sem uma clara e inequívoca indicação do legislador nesse sentido.
Daí que o silêncio do legislador, no art. 75º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, sobre o relevo do tempo de serviço prestado como “juiz auxiliar” na categoria para onde se dê o provimento, seja um silêncio concludente, como certeiramente se argumentou no citado acórdão deste Supremo Tribunal de 25-11-2003, proferido no processo 1467/02.
No acórdão do Pleno de 16-12-2004, proferido no mesmo processo, é de alguma forma reconhecida a força do argumento, quando se invoca o sumário do acórdão deste STA (Pleno) de 1977.01.27, Processo 009079:“ As listas a que se refere o DL 348/70, de 27/7, reportam-se apenas a antiguidade na categoria ou classe no quadro de cada Direcção Geral ou organismo equiparado, salvo quando a lei disponha de forma diversa”.
Este silêncio concludente do art. 75º, o elemento literal do art. 72º, 1 do EMJ que manda contar o tempo de serviço para este efeito, desde “a data da publicação do provimento”, e a circunstância do acesso aos lugares de juiz auxiliar e do quadro não depender da verificação dos mesmos requisitos (nem de igualdade de oportunidades, nem da posse de todas as condições de ingresso), tornam, a nosso ver, inequívoco o entendimento seguido pelo Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
Deste modo e quanto à definição e aplicação do critério legal de contagem do tempo de serviço para efeitos de elaboração das listas de antiguidade, a pretensão da autora deve ser julgada improcedente.
iii) violação do princípio da igualdade
A invocada violação do princípio da igualdade pela autora assenta no seguinte princípio: o juiz auxiliar pratica exactamente as mesmas funções, pelo que deve ter o mesmo complexo de direitos e deveres que o juiz do quadro. Ou seja, e dito de outro modo, seria a natureza das funções exercidas que determinava o estatuto jurídico, e não a forma de provimento.
Julgamos, contudo, que a questão não é assim tão elementar.
Como vimos, na análise da questão anterior, há profundas diferenças nas condições de acesso a ambos os cargos (juiz auxiliar e juiz nomeado para o cargo a título definitivo ou em comissão permanente de serviço), uma vez que pode aceder-se às funções de juiz auxiliar, sem se reunir as condições exigidas para o concurso desse mesmo lugar, e sem garantia de plena igualdade de oportunidades (sem concurso público) A maior diferença, como também acentuamos, radica no essencial, na possibilidade de não ser respeitada a plena igualdade de oportunidades no acesso ao cargo de juiz auxiliar, dada a possibilidade da respectiva nomeação sem prévio concurso.
Parece, então, claro que o estatuto do juiz auxiliar e do juiz do quadro pode e deve reflectir as diferenças adequadas e compatíveis com as diferenças do respectivo título de nomeação, pois é ponto assente que o princípio da igualdade impõe um tratamento igual do que é igual e diferente do que é diferente, na medida da diferença.
É entendimento pacífico que o art. 13º da CRP proíbe desigualdades que tenham como índice discriminatório a ascendência, o sexo, a raça, a língua, o território de origem, a religião, convicções políticas ou ideológicas, a instrução, a situação económica ou social. E proíbe também um tratamento desigual, cujo critério seja puramente arbitrário ou absurdo. Ou seja: deve tratar-se igual o que é igual e diferente o que é diferente, na medida da diferença. Como este Supremo Tribunal tem dito, por diversas vezes, "(...) o princípio da igualdade só se pode considerar violado quando se verifique uma diferenciação de tratamento irrazoável ou arbitrária, devendo entender-se que a discriminação é legítima sempre que a diferença de regime se baseia em dados objectivos e se reclama de distinções relevantes sob o ponto de vista dos princípios e valores constitucionais e seja adequado à sua realização" - cfr. Ac. do STA de 16-6-94, rec. 31319. de 7-2-95, rec. 33730; 30-4-96, rec. 36001; 7-11-96, rec. 32156; 22-11-96, rec. 35373.
A questão que se coloca é, pois, a de saber se a diferença estatutária dos juízes auxiliares face aos juízes do quadro, para efeitos de elaboração das listas de antiguidade em cada categoria de juízes é racionalmente adequada, ou se tal diferença é manifestamente arbitrária e sem qualquer suporte racional. Isto é, saber – utilizando as palavras do Tribunal Constitucional – se, no caso, se verifica “uma razoável relação de adequação e proporcionalidade entre os fins prosseguidos pela norma e a concreta discriminação” – Acórdão n.º 806/93, de 30 de Novembro, DR 2ª Série, n.º 24 de 29 de Janeiro de 1994, pág. 885, citado e parcialmente transcrito por JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, 3ª Edição, Coimbra, 2000, pág. 253.
A nosso ver, a autora não tem razão.
Há razões claras e perfeitamente razoáveis (não arbitrárias ou manifestamente desadequadas), como vamos ver, para que o tratamento das situações seja, neste caso diferente.
O Tribunal Constitucional apreciou, no acórdão de 6-12-2005, processo 610/02, a alegada violação do princípio da igualdade, num caso onde o estatuto do juiz auxiliar era muito diferente do estatuto de um juiz do quadro, designadamente por não se reconhecer aos juízes auxiliares na 1ª instância o direito a concorrerem a um lugar de juiz do Tribunal Central Administrativo, apenas pelo facto serem juízes auxiliares. Na parte que mais interessa para a nossa questão, argumentou o Tribunal Constitucional:
(…) Desde logo, não são estatutariamente idênticas as situações dos juízes de provimento definitivo (a que se equiparam os providos em comissão permanente de serviço) e dos juízes auxiliares. Como a entidade recorrida demonstra e o recorrente não contesta, só aqueles, e não estes, tinham capacidade eleitoral passiva para o CSTAF (artigo 99.º, n.º 1, alíneas e) e f)), podiam ser nomeados presidentes dos respectivos tribunais (artigo 91.º) e podiam ser transferidos nos termos do artigo 83.º, todos do ETAF.
E mesmo que se admita que esses aspectos estatutários são menos relevantes para o caso ora em apreço, já que o que interessaria para efeitos de aquilatar da capacidade profissional para exercer funções na 2.ª instância seria tão só a duração e a classificação do exercício da função jurisdicional nos tribunais administrativos e fiscais de 1.ª instância, inde­pendentemente do regime do respectivo provimento, o certo é que restam ainda dois tipos de considerações que impedem que se tenha por desrazoável e arbitrária a solução adoptada. Por um lado, os juízes providos definitivamente ou em comissão permanente de serviço sujeita­ram se a um concurso curricular, com aceitação das eventuais consequências daí decorrentes, prova a que os juízes auxiliares se não submeteram, assentando o reconhecimento do seu mérito profissional apenas em classificações de serviço, baseadas em inspecções que, ao tempo, não eram efectuadas por um corpo de inspectores (como na magistratura judicial), mas por inspectores ad hoc (artigo 100.º do ETAF), com o inerente risco de oscilação de critérios classificativos. E, depois, é razoável que se haja entendido que o legislador, justamente preocupado com a instabilidade dos quadros de juízes da jurisdição administrativa e fiscal, recrutados predominantemente entre os magistrados judiciais, tenha privilegiado, no acesso a juiz do Tribunal Central Administrativo, aqueles que, para provimento nos tribunais de 1.ª instância, tenham optado por formas mais estáveis de ligação a essa jurisdição – o provimento definitivo ou em comissão permanente de serviço –, em detrimento dos que preferiram formas mais precárias (comissão ordinária de serviço).
O próprio recorrente reconhece que a sua situação é anómala, tendo permanecido durante sete anos em situação que não deveria ter excedido três anos, e que foi ele que optou por nunca se apresentar aos diversos concursos curriculares que foram abertos para provimento de lugares de juiz dos tribunais tributários de 1.ª instância e que, se o tivesse feito, estaria em condições de ser admitido ao concurso para juiz do Tribunal Central Administrativo.
A “injustiça” da situação, por terem sido admitidos a esse concurso juízes com idêntica classificação e menos tempo de serviço na jurisdição administrativa e fiscal, deriva, assim, em último termo, de uma opção do próprio recorrente, não podendo ser assacada a um critério legislativo, que, pelas razões expostas, não se pode considerar arbitrário, desrazoável ou irracional.”
Como se vê, a diferença do estatuto dos juízes auxiliares e dos juízes do quadro, no que respeita ao acesso a um cargo de juiz num Tribunal Superior, não foi considerada arbitrária, desrazoável ou irracional. A irrelevância do tempo de serviço prestado como juiz auxiliar, para efeitos de graduação na lista de antiguidade de cada categoria do quadro é muito menos relevante que o acesso à categoria superior, pelo que, no seguimento da argumentação do Tribunal Constitucional e, por maioria de razão, não se verifica qualquer irracionalidade ou arbitrariedade em tal regime.
Como acima se demonstrou, apesar da identidade de funções exercidas, não existe identidade no acesso ao cargo (pode não haver concurso e os juízes auxiliares podem ser nomeados apesar de não reunirem os requisitos gerais exigidos para o concurso), diferença essa que constitui motivo suficiente para justificar uma desigualdade conexionada com as duas formas distintas de nomeação.
Deve, assim, ser julgada improcedente a acção e consequentemente absolvido do pedido o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
3. Decisão
Face ao exposto, os juízes da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo acordam em julgar a acção improcedente, e consequentemente absolver do pedido o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
Custas pela autora, fixando a taxa de justiça em 7 UC.
Lisboa, 12 de Julho de 2006. – São Pedro (relator) – Edmundo Moscoso – João Belchior.