Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0778/18
Data do Acordão:09/19/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA LOBO
Descritores:RECLAMAÇÃO DE ACTO PRATICADO PELO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
Sumário:I - O processo de reclamação não é o meio processual próprio para atacar todos os actos administrativos proferidos em matéria tributária que lesem os direitos dos contribuintes, sem prejuízo de poderem consubstanciar violação de decisões judiciais com trânsito em julgado a cujo cumprimento esteja obrigada a Administração Tributária.
II - Neste particular processo podem atacar-se apenas as decisões proferidas nos processos de execução fiscal, e, em certas circunstâncias as decisões que não foram proferidas quando havendo dever de as proferir, a sua omissão seja lesiva dos interesses do contribuinte.
Nº Convencional:JSTA000P23596
Nº do Documento:SA2201809190778
Data de Entrada:08/14/2018
Recorrente:A...
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: RECURSO JURISDICIONAL
DECISÃO RECORRIDA – Tribunal Administrativo e Fiscal De Braga
. de 08 de Junho de 2018

Julgou a reclamação improcedente.


Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A………….., executado no processo de execução fiscal n.º 1902201501043757, veio interpor o presente recurso da sentença supra mencionada, proferida no processo de reclamação de decisão do órgão de execução fiscal n.º 1233/17.6BEBRG, deduziu a presente reclamação, nos termos do disposto nos artigos 276.° e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), do despacho proferido 27/11/2015, pela Sra. Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, de que foi notificado pelo Serviço de Finanças de Braga-1, no seguimento do requerimento apresentado no dia 20/04/2017, no processo de execução fiscal n.º 0361201301025007, em que pedia a extinção da execução e o levantamento das penhoras sobre os bens identificados no auto de penhora de 17/05/2013, tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões:

1. Em consequência da douta sentença proferida no processo 1564/12, transitada em julgado há mais de quatro anos, confirmada pelo STA, Exequente estava obrigada a, oficiosamente e sem que o Executado lhe tivesse requerido, a extinguir os processos executivos e a proceder ao levantamento das penhoras.

2. Em vez de extinguir os processos executivos ordenou ao seu órgão de execução fiscal (Serviço de Finanças) que não respeitasse as sentenças proferidas pelo TAFB, confirmadas pelo TCAN e STA e, portanto, não operasse a compensação de créditos como lhe era exigido pelo transcrito art.° 89° do CPPT e pelas referidas doutas sentenças. E a decisão de não actuar conforme a lei, partiu, pasme-se, da Sr.ª Directora-Geral através da notificação ao Executado, aqui Reclamante, do ofício 2504, de 17/05/2017, melhor identificado no n.° 21 do probatório da sentença recorrida.

3. Ora, é este despacho que “afecta” gravemente “os direitos e interesses legítimos do executado”, na medida em que proíbe a compensação ordenada por lei e pelos tribunais!

4. Perante a declarada recusa da Exequente em acatar a lei e as sentenças do TAFB, confirmadas pelo TCAN e STA, o que restava ao executado senão provocar a intervenção do Sr. Juiz para dirimir este grave conflito provocado exclusivamente pela administração tributária ou Exequente?

5. Constante nesta base, tendo ocorrido uma gravíssima situação lesiva dos direitos do contribuinte Executado imputada total e exclusivamente à actuação da administração tributária, concretamente ao despacho da Sr.ª Directora-Geral, notificado ao contribuinte Executado, e que definitivamente tem por efeitos imediatos a proibição da extinção dos processos executivos e o levantamento das penhoras, é por demais evidente que este despacho integra, plenamente e sem margem para dúvidas, o tipo de “decisões proferidas por autoridades da administração tributária” que estão previstas no n.° 1 do art.° 276° do CPPT.

6. Face ao exposto, carece assim de fundamento a conclusão a que se chega no parágrafo 4° da página 19 da sentença recorrida segundo a qual “… tal despacho não integra, em si mesmo, a decisão de recusa de extinção por compensação, nem constitui, em geral, um qualquer ato praticado nesse processo de execução fiscal.”

7. Acresce que, sabendo-se de antemão que a Exequente, não por falta de vontade do seu órgão de execução fiscal (Serviço de Finanças), certamente, mas por imposição do prepotente despacho do seu superior hierárquico (Directora Geral), está proibido de extinguir os processos executivos e o levantamento das penhoras, para quê ou que utilidade teria o facto de o Reclamante arguir o vício de nulidade por omissão de decisão …primeiro perante o órgão de execução fiscal e só desse despacho poderá reclamar para o tribunal?
Ou o facto de “o Reclamante solicitar a intervenção do tribunal não por via da presente reclamação mas através de incidente inominado”?

8. Estas passagens da sentença recorrida constituem elas, sim, violações da letra e do espírito do artigo 2° do CPTA que devem estar presentes em qualquer processo judicial tributário, na medida em que o princípio da tutela efectiva compreende o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial “que aprecie, com força de caso julgado, cada pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar e de obter as providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, destinadas a assegurar o efeito útil da decisão.” (art.° 2°, n.° 1 do CPTA) e que “A todo o direito ou interesse legalmente protegido corresponde a tutela adequada junto dos tribunais administrativos, designadamente para o efeito de obter:
a. A anulação ou a declaração de nulidade ou de inexistência de atos administrativos (art.° 2°, n.° 2, alínea a) do CPTA).

9. Por todo o exposto o despacho da Sr.ª Directora-Geral notificado ao contribuinte Reclamante, proibindo, na prática, a extinção dos processos executivos e os levantamentos das penhoras, não só pode e deve ser apreciado no âmbito da reclamação judicial prevista e regulada nos art.° 276° e seguintes do CPPT, como pode e deve ser anulado, por força das doutas sentenças proferidas (1564/12), de per si ou em alternativa, à luz do art.° 89°, n.° 1 do CPPT e do principio da tutela jurisdicional efectiva previsto no art.° 2°, n°s 1 e 2, alínea a) do CPTA, este sim aqui aplicável subsidiariamente e não o invocado Código de Processo Civil.

10. E que a presente Reclamação é o meio processual adequado para a realização material do direito do reclamante à extinção dos processos executivos e ao subsequente levantamento das penhoras a eles associadas, é corroborado pelo douto Parecer da Exm.ª Sr.ª Procuradora, de 2017.11.20.

11. É óbvio que além do notificado Despacho da Sr.ª Directora-Geral consubstanciar “um acto materialmente administrativo praticado por órgão da administração tributária”, e como tal susceptível de reclamação, prevista no n.° 1 do art.° 276° do CPPT, não pode deixar de ser entendido como acto gravemente lesivo do direito do executado, ora Reclamante/recorrente, à compensação dos aludidos créditos e ao levantamento das penhoras, em consequência directa e necessária de “todas as decisões que, têm vindo a ser proferidas ao longo dos tempos, sempre centradas no reembolso reconhecidamente devido ao aqui reclamante”, desde 1 de Setembro de 2012.

12. “A palavra decisão deve ser entendida em sentido amplo, como significando quaisquer atos praticados pela administração (é neste sentido que entendemos a expressão atos materialmente administrativos usada no art.° 103°, n.° 2, da LGT), excetuados os de mero expediente” — Cfr. Prof. Rui Duarte Morais, in Manual de Procedimento e Processo Tributário, 2012, Almedina, pág. 346.

13. “Parece-nos claro que a evolução pretendida pelo legislador, nomeadamente, com a LGT, foi no sentido da afirmação do “direito dos particulares de solicitar a intervenção do juiz no processo”, sempre que considerem terem sido feridos os seus direitos ou interesses legítimos, independentemente de, antes, terem que suscitar a questão ao órgão exequente” - Cfr. ob. cit, pág 347. (sublinhado nosso)
as decisões em causa podem ter sido proferidas quer pelo órgão exequente, quer por outros órgãos da administração fiscal. O que releva é os seus efeitos negativos para o respetivo destinatário se materializarem nesse processo de execução fiscal” - Cfr. ob. cit, pág. 348.

14. Seguindo estes ensinamentos, por que razão a decisão da Sr.ª Directora Geral com base na Nota Jurídica n.° 789/2015 não pede ser apreciada na mesma reclamação em relação a todos os processos executivos?

15. Estando comprovada a recusa da Exequente em cumprir aquelas doutas sentenças, para que servirão os requerimentos apresentados pelo Executado em cada um dos restantes processos executivos? De que vale o direito do contribuinte executado em ver cumpridas as doutas sentenças? E que consequência tem a Exequente desrespeitar e afrontar ostensivamente as sentenças proferidas pelo TAFB e os acórdãos dos TCAN e STA.

16. “… o direito de reclamação terá como objecto todos os actos materialmente administrativos cuja revogação total ou parcial ou cuja prática tenha utilidade objectiva, considerando-se como tal a não prática, no tempo devido, dos actos próprios do processo de execução.

17. Deste modo, a sentença recorrida não resolve como podia e devia o conflito surgido entre o contribuinte e a administração tributária como deixará incólume não apenas a mera abstenção ou omissão de actos que a Exequente há muitos anos está obrigada a praticar, mas sobretudo a ostensiva e grave declaração de recusa de cumprimento das aludidas doutas sentenças, depois da sua submissão a apreciação jurisdicional, o que só poderá representar negação de Justiça!

18. Sem prescindir de todo o exposto e ainda que a presente reclamação não constituísse o meio processual adequado para o contribuinte realizar materialmente e coercivamente o seu direito reconhecido por lei e pelas referidas sentenças e acórdãos, transitados em julgado, sempre o tribunal recorrido estaria constituído no dever de convolar o presente processo para a forma processualmente adequada.

19. Solução esta que apenas se admite por mera hipótese de raciocínio, sem conceder.

20. A sentença recorrida acolhe errada interpretação e aplicação da Lei e do Direito, violando, entre outros, os artºs 276°, 89°, e 2° do CPPT, 103°, n.° 2 da LGT, bem assim como a sentença proferida no processo principal 1564/12 do TAFB, o que equivale a violação do disposto no art.° 158° do CPTA segundo o qual:
1- As decisões dos tribunais administrativos são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer autoridades administrativas.
2- A prevalência das decisões dos tribunais administrativos sobre as das autoridades administrativas implica a nulidade de qualquer ato administrativo que desrespeite uma decisão judicial e faz incorrer os seus autores em responsabilidade civil, criminal e disciplinar, nos termos previstos no artigo seguinte.”

Requereu que seja dado provimento ao recurso, e julgada a reclamação judicial procedente, declarando-se nulo o referido despacho da Sr. Directora-Geral e em consequência disso ordenar-se a extinção dos processos executivos e o levantamento das respectivas penhoras a eles associadas.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Foi emitido parecer pelo Magistrado do Ministério Público no sentido da revogação da sentença recorrida que considera que:
«Vai, pois, tomar-se posição no sentido de que sempre caberá ao tribunal recorrido proferir decisão sobre os pedidos formulados na forma de reclamação judicial ou, caso assim se não entenda, convolando-se em incidente inominado.»

A decisão recorrida considerou provados, os seguintes factos com relevo para a decisão do presente recurso:

1. Em 21/09/2012, o Reclamante instaurou processo cautelar contra a AT, que correu termos neste TAF sob o n.° 1564/12.1BEBRG, requerendo a intimação desta a proceder, com caráter urgente e imediato, ao reembolso legalmente devido emergente da liquidação do IRS de 2011, no valor de € 50.501,77 — cfr. a pi. do processo n.°1564/12.1BEBRG, constante do SITAF.

2. Por sentença de 22/01/2013, proferida no processo referido em 1), foram aqueles autos convolados em processo de Intimação para um Comportamento — cfr. a referida sentença proferida no processo n.° 1564/12.1BEBRG, constante do SITAF.

3. Em 26/04/2013, o Reclamante deduziu oposição à execução fiscal n.° 0361201301025007, instaurada para cobrança coerciva da quantia exequenda de €3.087,40, referente a IVA do 4.° trimestre de 2012, processo que correu termos neste TAF sob o n.° 906/13.7BEBRG e em que o aí Oponente alegava deter sobre a AT um crédito no valor de €50.501,77 a título de reembolso de IRS de 2011, pedindo a extinção da execução por compensação — cfr. a p.i. do processo n.° 906/13.7BEBRG, constante do SITAF.

4. Em 17/05/2013, o Serviço de Finanças de Braga-1 efetuou penhora e efetiva apreensão de bens oferecidos pelo Reclamante, para efeitos de garantia a prestar no processo de oposição à execução fiscal referida em 3) — cfr. fls. 277-287 do processo físico.

5. Por sentença de 25/05/2014, proferida no processo de intimação para um comportamento n.° 1564/12.1BEBRG, referido em 2), concluiu-se que «o pagamento do reembolso do IRS deveria ter ocorrido até 31 de Agosto do ano seguinte àquele a que respeita, pelo que o crédito dos Requerentes apresenta-se como certo, líquido e exigível a partir de 1/9/2012, e aqueles não tinham sequer de formular pedido de reembolso. Efectivamente, o direito a este reembolso resulta e está concretizado na própria liquidação operada em 11/6/2012 (a liquidação n° 2012.5603902141, relativa ao IRS de 2011, nos termos da qual tal reembolso ficou apurado a favor do contribuinte e no montante de €50.501,57)», termos em que foi a intimação para um comportamento julgada procedente — cfr. o doc. n.° 5 junto com a p.i..

6. Inconformado com a decisão referida em 5), o Sr. Diretor-Geral da ATA interpôs recurso da mesma para o TCA Norte tendo, por despacho de 17/03/2014, sido atribuído efeito meramente devolutivo ao recurso interposto — cfr. o referido despacho proferido no processo n.° 1564/12.1BEBRG, constante do SITAF.

7. Em 26/06/2014, o Reclamante requereu junto deste TAF a execução do julgado proferido no processo de intimação para um comportamento n.° 1564/12.1BEBRG, que corre termos por apenso ao processo principal sob o n.° 1564/12.1BEBRG-A — cfr. o doc. 7 junto com a petição inicial.

8. Por acórdão de 18/09/2014, o TCA Norte veio declarar-se incompetente em razão da hierarquia no recurso referido em 6), considerando para o efeito competente o STA —cfr. o doc. n.° 5 junto com a p.i.

9. Por sentença de 22/04/2015, proferida no processo de oposição n.° 906/13.7BEBRG, foi decidido convolar a petição inicial em requerimento dirigido ao órgão de execução fiscal para apreciação, por se entender que a compensação não constitui fundamento de oposição à execução — cfr. a sentença proferida no processo n.° 906/13.7BEBRG, constante do SITAF.

10. Inconformado com a decisão referida em 9), o aí Oponente interpôs recurso da mesma para o TCA Norte — cfr. alegações de recurso do processo n.° 906/13.7BEBRG constantes do SITAF.

11. Por acórdão proferido em 15/10/2015, no processo de oposição referido em 9), o TCA Norte revogou a sentença recorrida e, em substituição, julgou procedente a oposição e declarou a execução extinta, por compensação entre, o crédito da AT e o contra-crédito do Recorrente, relativo ao reembolso do IRS do ano de 2011, no montante de € 50.501,77— cfr. o doc. 11 junto com a petição inicial.

12. Por acórdão de 28/10/2015, proferido no processo de intimação para um comportamento n.° 1564/12.1BEBRG, referido em 2), o STA negou provimento ao recurso interposto pelo Sr. Diretor-Geral da ATA, confirmando a sentença recorrida — cfr. o doc. 6 junto com a petição inicial.

13. Em 25/11/2015, pela Direção de Serviços de Consultadoria Jurídica e Contencioso foi elaborada a «Nota Jurídica n.° 0789» com o seguinte teor:
«I- No dia 29 de Maio de 2012 os Requerentes, A……….. e B…………, apresentaram a declaração Modelo 3 de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, referente ao exercício de 2011.
II- Desta declaração resultou a liquidação n.° 20125603962141, que determina o imposto a pagar no montante de €50.501,71.
III- Foi extraído pelo contribuinte um “print” do Portal das Finanças, relativo à declaração de IRS onde consta: “detalhe da declaração de IRS” e nele figura o numero efectivo e definitivo da Liquidação, a identificação da declaração e a data da recepção da declaração modelo 3 (29/05/2012), o tipo de declaração (dentro do prazo) a situação (declaração com reembolso), o exercício (2011) e o montante de imposto a reembolsar (50.501,71),
IV - Igualmente um “print” onde consta “lista de divergências detectadas - Nesta data, o Sujeito Passivo, não tem qualquer processo de divergência aberto
V - Ora, tendo dúvidas acama da veracidade da declaração a Administração Tributária iniciou o procedimento inspectivo às declarações de imposto deste Sujeito Passivo, reservando o pagamento deste montante devido a titulo de reembolso de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, ao termo desta Inspecção, caso não haja lugar à emissão de qualquer declaração adicional de imposto.
VI - O contribuinte intentou duas providências cautelares, uma com o objectivo de ser reembolsado, que correu termos sob o n.º 1564/12. 1BEBRG e deu origem à presente nota jurídica e outra providência com o fito de suspender a acção inspectiva em curso.
VII- A providência cautelar n.° 1564/12.1BEBRG, foi convolada em intimação a um comportamento e a AT intimada a reembolsar o sujeito passivo;
VIII- No entanto foi a sentença em questão, recorrida para o Tribunal Central Administrativo Norte, tendo a AT obtido ganho de causa, com a consequente anulação da sentença por violação do princípio do contraditório.
IX- Todavia o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto intimou novamente a AT ao reembolso da quantia em questão onde para o efeito se estriba no acórdão proferido no processo n.° 1442/13 que correu termos na Fazenda Pública da Direcção de Finanças de Braga e onde se dá como provada a liquidação de IRS do ano de 2011 ao contribuinte em questão.
X- Ora, a defesa efectuada no processo de intimação assentou na ausência de liquidação e consequente omissão da Autoridade Tributária proceder ao reembolso.
XI- Onde em suma se referiu o seguinte:
“(…)
47- Como é sabido o procedimento de liquidação é um conjunto de actos e procedimentos que visam a obtenção do acto final que culmina todo o procedimento como o da fixação do imposto, que é conhecido como liquidação do imposto:
48- O procedimento tributário de liquidação, como os outros procedimentos administrativos coadjuvantes, são uma garantia dos contribuintes na medida em que são o modo de exprimir a vontade de um órgão ou pessoa colectiva pelo que as preterições de formalidades legalmente impostas no decorrer de cada um dos procedimentos tenha de considerar-se como omissão de acto, comportamento ou ritualismo devido, susceptível de inquinar o acto administrativo final. Neste sentido Marcelo Caetano in “Manual do Direito Administrativo» Vol. I pág. 470).
49- Efectivamente considera-se que um acto administrativo só está perfeito quando se encontram preenchidos todos os elementos que funcionam como requisitos da sua validade.
50- Mas mesmo quando o acto administrativo por força da verificação desses requisitos se diz válido (o que não é o caso), tal não significa que esse mesmo acto se deva considerar eficaz.
51- A falta de eficácia pode resultar entre outras causas do facto de não ter sido notificado determinado acto ou procedimento imposto por lei.
52- O fundamento legal da obrigação de notificar resulta do art. 268 da CRP, preceito constitucional onde se insere as garantias dos administrados.
53- Mas quer o RCPIT, quer a LGT, quer o CPPT, mais detalhadamente regulam a notificação dos actos tributários.
54- Quando existe falta de notificação em absoluto, o acto é ineficaz em que a vontade da Administração Pública não chegou a exteriorizar-se.
55- Com efeito, não tendo sido efectuada a notificação da liquidação, não poderá a Administração, salvo melhor opinião, ultrapassar as várias etapas do procedimento de liquidação, e proceder tout court ao reembolso (acto final do procedimento).
56- É que a ser assim, para além de ilegal, estaria o douto Tribunal através da presente, a ultrapassar os vários actos administrativos subsequentes que constituem o procedimento de liquidação e a ingerir-se na esfera Administrativa, violando o caro principio da separação de poderes com correspondência no artigo 2.° da Lei Fundamental.”
XII - O Supremo Tribunal Administrativo estribando-se no Acórdão proferido no Recurso n.° 1442/13 indica que:
“(...) emergiu provado que da liquidação efectuada resultou um crédito de reembolso de IRS reconhecido pela Administração Tributária (...).”
“no caso dos autos embora o probatório não indique a data da liquidação na qual foi apurado um reembolso a favor do contribuinte no valor de €50.501,77 esta foi efectuada necessariamente antes de tal data (por referência ao que consta de fls. 73), sendo que o Acórdão deste STA de 09/10/2013 tirado no rec. n.° 1442/13 referencia esta concreta liquidação à data de 11/06/2012 (ponto 2 do probatório destacado).”
XIII- Sucede que, ao contrário do decidido, inexistiu relativamente ao contribuinte supra identificado, qualquer liquidação do Imposto em sede de IRS relativamente ao ano de 2011.
XIV- Ora, apoiou-se o douto Tribunal numa decisão errada que acabou por comprometer a presente lide.
XV- Vejamos que, o sujeito passivo em questão nunca foi notificado de qualquer liquidação de imposto, pelo que salvo melhor opinião errou o douto Tribunal ao entender prima facie que tenha existido liquidação e segundo que a AT seja obrigada ao reembolso.
XVI- Por outro lado, ao longo da presente demanda e no âmbito dos processos de execução fiscal, o contribuinte foi obtendo ganho de causa, porquanto foi requerendo a compensação de dívidas no processo de execução fiscal por um crédito que ainda não estava firmado na ordem jurídica.
XVII- É que estando o suposto direito temporal ao crédito (reembolso) a ser judicialmente discutido, só com o trânsito em julgado da decisão de Intimação a um comportamento, poderiam existir as sucessivas compensações que ocorreram na esfera do contribuinte enquanto executado.
XVIII- Acresce que o contribuinte sub judice que exerce a profissão de advogado, advoga em causa própria, tendo longo da presente demanda adoptado uma postura processual que roça a litigância de má-fé.
XIX- Onde nas sucessivas compensações, indicou como estando transitada em julgada, a decisão que consubstancia o direito ao reembolso.
XX- Ora, só a 5 de Novembro de 2015, foi proferida decisão final que atribui ao Contribuinte em questão o direito ao reembolso que se mostre legalmente devido.
XXI- Com efeito, estando o processo judicial em curso e atendendo à posição processual da AT, não faria sentido a prática de qualquer acto no sentido de reembolsar o sujeito passivo em questão e que atendendo à reliquidação o montante é substancialmente diferente, onde resultado da acção inspectiva ao ano de 2011, OI201202367, foi atribuído um DC (Documento de correcção) n°100407692, lote n.° D0012/43, cujo montante a liquidar é de €2.979,13.
Atendendo ao supra exposto, e aos factos apurados na acção inspectiva no ano de 2011, o montante legalmente devido, será o valor de €2.979,13, devendo para efeitos de concretização dar-se conhecimento da presente nota e Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, junto em anexo, à Direcção de Serviços de IRS, Direcção de Finanças de Braga e Serviço de Finanças de Braga-1.» — Cfr. o doc. 2. junto com a petição inicial.

14. Sobre a informação referida em 12) recaiu parecer de concordância do Sr. Diretor de Serviços de 16/11/2015 e despacho da Sra. Diretora-Geral de 27/11/2015, com o seguinte teor: «Acolho o proposto. Proceda-se em conformidade.» - Cfr. o doc. 2 junto com a petição inicial.

15. Em 09/12/2015, foi emitida a demonstração de liquidação de IRS n.° 2015 00024259284, referente ao ano de 2011, com o seguinte conteúdo:


— cfr. o doc. 1 junto ao processo n.° 26/16.2BEBRG, constante do SITAF.

16. Notificado da demonstração de liquidação referida em 15), o Reclamante deduziu impugnação judicial da mesma junto deste TAF em 04/01/2016, sustentando que o valor do reembolso deveria ascender a € 50.501,77; processo a que foi atribuído o n.° 26/16.2BEBRG e que, por despacho de 12/10/2016, foi apensado ao processo n.° 2961/14.3BEBRG, em que está em causa a liquidação adicional de IRS de 2012, decorrente do mesmo procedimento inspetivo — cfr. a p.i. do processo n.° 26/16.2BEBRG e despacho de 12/10/2016 proferido nesses autos, constantes do SITAF.

17. Por sentença de 12/04/2016, proferida no processo de execução de julgados n.° 1564/12.1 BEBRG-A e retificada em 28/06/2016, foi essa execução de julgados julgada procedente, condenando-se a AT a reconhecer a: extinção, por compensação, de créditos no montante de € 23.338,14 e a pagar o remanescente em dívida, no montante de €32.264,41, acrescido de juros de mora à taxa legal, contados desde 01/09/2012 — Cfr. os docs. 9 e 10 juntos com a petição inicial.

18. Inconformado com a decisão referida em 17), a Sra. Diretora-Geral da ATA interpôs recurso da mesma para o TCA Norte, que ainda não foi objeto de decisão — Cfr. consulta dos autos via SITAF e inf. de fls. 314 do processo físico.

19. Em 20/04/2017, o Reclamante apresentou requerimento ao Sr. Chefe do Serviço de Finanças de Braga-1, no âmbito do processo 0361201301025007, com o seguinte teor:
« lº
Por douto acórdão proferido em 15 de Outubro de 2015, pelo Tribunal Central Administrativo Norte (processo n.° 906/13.7BEBRG), a oposição deduzida pelo executado foi julgada totalmente procedente e, em consequência, extinta a execução instaurada com vista à cobrança coerciva de IVA do 4° trimestre do ano de 2012 (cfr. se alcança do douto acórdão que ao diante se junta e passa a fazer parte integrante deste articulado). Este douto acórdão transitou em julgado há cerca de 18 meses.

No âmbito do processo executivo a que se vem fazendo referência encontram-se penhorados os bens melhor identificados no auto de penhora de 17.5.2013, que ao diante também se junta e passa a fazer parte integrante deste articulado.
TERMOS EM QUE
se requer a V. Ex.ª se digne considerar extinta a execução e
levantada a penhora sobre os aludidos bens. » — Cfr. o doc. 1 junto com a petição inicial.
20. Em 28/04/2017, o Serviço de Finanças de Braga-1, dirigiu à Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Braga, comunicação interna sob o assunto «pedido de levantamento de penhora — PEF 0361201301025007», com o seguinte teor:
Executado: A…………, NIF……….
Oposição Judicial n.° 0361201309000232 (906/13.7BEBRG)
PEF n.° 0361201301025007 (divida de IVA de 201212T)
A decisão proferida em 15.10.2015, pela Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte, no decurso do recurso jurisdicional constante do processo 906/13.7BEBRG, evidencia, em síntese, que - uma vez que o citado oponente, é titular de um crédito derivado do reembolso de IRS do ano de 2011 na quantia de € 50.501,77, acrescido de juros, desde 01.09.2012, data em que aquele se tornou certo, liquido e exigível — deverá a AT atender a pretensão do peticionário, nomeadamente, impulsionar a compensação daquele reembolso com a divida de IVA do 4º trimestre de 2012, no montante de € 3.087,40.
A divida de IVA está a ser exigida coercivamente no âmbito do PEF n.° 0361201301025007, suspenso na fase F100, com o valor atual em divida de €3.972,08.
Da consulta ao acervo informático da AT, verifica-se que o reembolso de IRS do ano 2011 já foi criado em 2015-12-09, pelo valor de €2.979,13, acrescido de € 82,29 de juros de retenção-poupança, dos quais € 1.827,06 foram compensados nas dívidas exigíveis nos PEF’s 0361201501380672 e 0361201501386816, e €1.234,36 foram restituídos ao executado.
Pelo que, atendendo a que da liquidação de IRS do ano 2011 resultou um crédito bastante inferior aquele em que se baseou a decisão judicial e face à insistência do executado em seja extinta a execução e levantada a penhora de bens concretizada em 2013-05-17, solicita-se a V. Ex.ª informação sobre os procedimentos a adotar quanto ao PEF 0361201301025007.
— cfr. fls. 310 do processo físico.

21. Pelo ofício n.° 2504, de 17/05/2017, remetido pelo registo CTT n.° RM900418176PT foi o Reclamante notificado da informação e despachos referidos em 13) e 14) — cfr. o doc. 2 junto com a petição inicial.

22. Em 29/05/2017, a petição inicial da presente reclamação deu entrada no Serviço de Finanças de Braga — cfr. fls. 5 do processo físico.

23. Em 30/05/2017, o Reclamante interpôs recurso hierárquico do despacho referido em 14), o qual ainda não foi objeto de apreciação — cfr. a informação de fls. 169-189 e 326 do processo físico.

24. O Reclamante não requereu, junto deste TAF, a execução do acórdão proferido no processo de oposição n.° 906/13.7BEBRG — cfr. a informação junta a de fls. 314 do processo físico.

Questão objecto de recurso:

1- Objecto da reclamação das decisões do órgão da execução fiscal.


Ao que resulta dos autos, pretende o recorrente ver apreciado, em sede de reclamação das decisões do órgão da execução fiscal o despacho da Senhora Directora Geral de 2015-11-27, relacionado com os efeitos de concretização integral do julgado, constante do processo n.º 1564/12.1BEBRG de que foi notificado pelo Serviço de Finanças de Braga-1, no seguimento do requerimento apresentado no dia 20/04/2017, no processo de execução fiscal n.º 0361201301025007, em que pedia a extinção da execução e o levantamento das penhoras sobre os bens identificados no auto de penhora de 17/05/2013. O despacho reclamado não foi proferido no processo de execução fiscal aqui em causa, processo de execução fiscal n.º 0361201301025007.
Trata-se de um despacho proferido em sede de execução de julgados e que veio a ser junto à execução fiscal referida sem que neste processo o Serviço de Finanças o haja cumprido ou tenha dele retirado quaisquer consequências para o deferimento ou indeferimento do pedido de extinção da execução.
Como claramente resulta da petição de reclamação o aqui recorrente pretende atacar este despacho antes que ele produza efectivamente efeitos jurídicos na presente execução fiscal, nomeadamente conduzindo ao indeferimento do pedido de levantamento das penhoras nele efectuadas e do requerimento de extinção da execução por compensação.
O processo de reclamação não é o meio processual próprio para atacar todos os actos administrativos proferidos em matéria tributária que lesem os direitos dos contribuintes, sem prejuízo de poderem consubstanciar violação de decisões judiciais com trânsito em julgado a cujo cumprimento esteja obrigada a Administração Tributária, por mais que delas discorde. Neste particular processo podem atacar-se apenas as decisões proferidas nos processos de execução fiscal, e, em certas circunstâncias as decisões que não foram proferidas quando havendo dever de as proferir, a sua omissão seja lesiva dos interesses do contribuinte. Trata-se de um processo célere, concebido como meio expedito de evitar que a execução fiscal, cuja tramitação é, por natureza célere, cause prejuízos irreparáveis aos contribuintes, tanto mais que, tratando-se embora de um processo judicial ele é tramitado pelos órgãos administrativos da Administração Tributária, com possibilidade de recurso para o Tribunal.
O despacho deve ser atacado no processo em que é proferido independentemente da susceptibilidade de a Administração Tributária vir a utilizar a orientação dele constante em outros processos, como aqui pode ocorrer.
Pese embora a matéria de facto permita concluir que o despacho parece afrontar directamente uma decisão judicial apenas no próprio processo tal pode vir a ser declarado e não num outro que, num futuro incerto possa vir a adoptar a mesma orientação.
Neste processo de execução fiscal, apenas a decisão que indefira o pedido formulado pelo executado de levantamento das penhoras nele efectuadas e do requerimento de extinção da execução por compensação pode dar causa a uma reclamação, seja ou não invocado como fundamento desse indeferimento o dito despacho reclamado. Neste momento o recorrente coloca-nos perante uma mera expectativa de que esse indeferimento ocorra o que não basta para a análise da reclamação.
Poderia igualmente o recorrente invocar que está ultrapassado o prazo para que a Administração Tributária se pronuncie sobre o requerimento que apresentou, presumindo o seu indeferimento para efeitos da sua apreciação contenciosa, mas, nada disso foi por ele invocado, inviabilizando assim que o Tribunal conheça de um pedido que não se mostra formulado.
Cremos que circunstanciadamente tais questões foram analisadas pela sentença recorrida em sentido que não merece qualquer censura, sendo certo que ali se refere, de forma clara que a Administração Tributária tem que cumprir as decisões judiciais, mesmo aquelas que entende erradas porque não compete à Administração Tributária corrigir as decisões dos Tribunais que apenas é chamada a cumprir, nos precisos termos por essas decisões estabelecidos.
O processo Tributário não está ainda legislativamente concebido com a amplitude que pretende o recorrente que independentemente do processo, do pedido formulado e da potencial lesividade de um acto administrativo em matéria tributária possa o Tribunal impedir que essa lesividade venha a concretizar-se mesmo que o processo não seja o próprio e o pedido formulado ainda não tenha sido indeferido pela Administração Tributária, como aqui ocorre.

Deliberação

Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso, e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.
Lisboa, 19 de Setembro de 2018. – Ana Paula Lobo (relatora) – António Pimpão – Francisco Rothes.