Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0682/11.8BECTB
Data do Acordão:05/12/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:TAXA DE GESTÃO DE RESÍDUOS
Sumário:I - O prazo fixado pelo art. 3.º da Portaria n.º 72/2010, de 4 de Fevereiro, não é um prazo de caducidade do direito à liquidação, mas tão-só um prazo meramente ordenador ou disciplinar.
II - A liquidação da taxa de gestão de resíduos (TGR), na ausência de regra especial, fica sujeita aos prazos de caducidade fixados pelo art. 45.º da Lei Geral Tributária (LGT).
III - A disciplina contida no regulamento de execução (Portaria n.º 851/2009 de 7 de agosto) não conflitua com a previsão constante da lei habilitante (n.º 3 do artigo 58.º do Decreto-Lei n.º 178/2006 de 5 de setembro).
IV - Como aplicação do princípio do poluidor-pagador, a TGR é repercutida pelo sujeito passivo (entidade gestora de sistema de gestão de resíduos) nas tarifas e prestações financeiras cobradas aos seus clientes, produtores de resíduos (arts. 10º e 58º nº 5 DL nº 178/2006, 5 de setembro; art. 7º Portaria 72/2010, de 4 de fevereiro).
Nº Convencional:JSTA000P27660
Nº do Documento:SA2202105120682/11
Data de Entrada:12/14/2018
Recorrente:A............, S.A.
Recorrido 1:AGÊNCIA PORTUGUESA DO AMBIENTE
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;

# I.


A…………, S.A., …, recorre da sentença proferida, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Castelo Branco, em de setembro de 2018, que, nesta impugnação judicial, dirigida contra ato de liquidação de taxa de gestão de resíduos (TGR), referente ao ano de 2010, decidiu julgá-la improcedente e absolver a “Agência Portuguesa do Ambiente, I.P. do pedido.”.
A recorrente (rte) apresentou alegação, finalizada com as seguintes conclusões: «

A) No âmbito do presente recurso, a RECORRENTE pretende sindicar a Sentença proferida pelo Tribunal a quo, que considerou a presente impugnação judicial totalmente improcedente e que, em consequência, manteve na ordem jurídica o ato - impugnado - de liquidação definitiva da Taxa de Gestão de Resíduos («TGR») referente ao ano de 2010.

B) A RECORRENTE sustentou, na petição inicial apresentada, a ilegalidade do ato de liquidação definitiva da TGR referente ao ano de 2010, peticionando a sua anulação em razão de o mesmo constituir um ato de aplicação de norma ilegal (a Portaria n.º 851/2009, de 7 de agosto, aprovada ao abrigo do n.º 3 do artigo 58.° do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de setembro), i.e., de norma regulamentar que: (i) contende com a disciplina fixada na lei exequenda; (ii) é estruturalmente desconforme com o regime jurídico da TGR instituído pelo Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de setembro, e com os artigos 81.° e seguintes da Lei Geral Tributária; e que (iii) viola o princípio da legalidade, regulado no artigo 103.°, n.s 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa.

C) Mais concretamente, a RECORRENTE demonstrou detalhadamente que:

i. A portaria prevista no n.º 3 do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de setembro, subsume-se no conceito de regulamento de execução;

ii. Nesta medida, a Portaria n.º 851/2009, de 7 de agosto não podia conter soluções ablativas ou modificativas, relativamente aos princípios consagrados no artigo 58.º, n.ºs 1 a 3, do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de setembro (a lei exequenda);

iii. Porém, o legislador da Portaria n.º 851/2009, de 7 de agosto, não se limitou a complementar ou a desenvolver o disposto no artigo 58.º, n.ºs 1 a 3, do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de setembro;

iv. Com efeito, como resulta claro da análise efetuada, o regime consagrado da mencionada portaria contende com a - é antinómico à - disciplina jurídica fixada na lei habilitante;

v. A circunstância das regras respeitantes à liquidação, pagamento e repercussão se encontrarem definidas num regulamento autónomo - a Portaria n.º 72/2010, de 4 de fevereiro - não infirma a conclusão alcançada: ainda que se proceda a uma análise conjugada dos referidos regulamentos, sobressai, em qualquer caso, a identificada antinomia;

vi. A ilegalidade da Portaria n.º 851/2009, de 7 de agosto, resulta, ainda, da violação do princípio da legalidade, regulado no artigo 103.°, n.ºs 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa.

D) Em face do exposto, a RECORRENTE concluiu que o ato de liquidação impugnado padece do vício de ilegalidade abstrata, por ter sido praticado, na parte correspondente aos agravamentos previstos no n.º 3 do artigo 58.º do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de setembro, com fundamento em normas regulamentares ilegais.

E) O Tribunal a quo veio, porém, considerar o apontado vício totalmente improcedente, considerando que «as normas técnicas constantes da referida Portaria estão direcionadas para o apuramento da fração efetivamente reciclável dos resíduos recicláveis que são geridos pelas entidades e que não relevam para o seu apuramento outros resíduos que não os categorizados como recicláveis», e, bem assim, que «é possível afirmar que a caracterização dos resíduos é feita de modo direto, porquanto resulta da informação declarada pela própria entidade gestora, e não por métodos indiretos como afirma a Impugnante. Os critérios que são utilizados para alcançar a informação que é declarada, e que serve de base ao apuramento da taxa, é que podem ter sido alcançados pelo método da amostragem atenta a impraticabilidade de obter a informação de outro modo».

F) Sucede, contudo, que a consideração em que o Tribunal a quo se sustentou para declarar que «as normas técnicas constantes da referida Portaria estão direcionadas para o apuramento da fração efetivamente reciclável dos resíduos recicláveis» [ou seja, a de que a delimitação da parte reciclável além de conforme à lei habilitante visa ainda, admite-se, salvaguardar as situações de resíduos que são recicláveis mas que tendo em conta o estado da arte não são passíveis de valorização], constitui, como o próprio Tribunal a quo refere, uma mera possibilidade - ou seja, uma suposição - que não permite, por si só, infirmar os vícios invocados pela RECORRENTE.

G) Com efeito, ainda que a vontade legislativa expressa na Portaria n.º 851/2009, de 7 de agosto, possa ser convergente com a suposição afirmada pelo Tribunal a quo (circunstância que, na falta de outros elementos, tanto a RECORRENTE, como o Tribunal a quo, se encontram impossibilitados de sindicar), o certo é que a rigidez dos critérios indiciários aí prefigurados, além de dificilmente evidenciar uma conformidade com o estado da arte na valorização de resíduos, na medida em que não diferencia as suas diferentes tipologias (e, logo, as diferentes técnicas disponíveis para a respetiva valorização), assume, impreterível e invariavelmente, que 55% da globalidade dos resíduos relevantes é suscetível de valorização (percentagem cuja idoneidade, para este efeito, a RECORRENTE e o Tribunal a quo se encontram, uma vez mais, impossibilitados de sindicar).

H) Ora, este método de apuramento da matéria coletável das taxas agravadas da TGR, sendo realizado por aproximação e com base em critérios de impossível sindicação, colide frontalmente com os princípios estruturantes da TGR, mesmo que, como admite o Tribunal a quo, tal método tenha sido desenhado com o propósito de apurar a fração efetivamente reciclável dos resíduos eliminados.

I) Reforçando o que se afirma, recorde-se ainda que a pesagem constitui o regime regra (já implementado) de apuramento da matéria coletável da TGR em todos os casos exceto naqueles que aqui se discutem (i.e., os de aplicação de taxas agravadas), razão pela qual a impraticabilidade deste método não poderá ser apontada como causa liminar da improcedência dos vícios invocados pela RECORRENTE, tal como fez o Tribunal a quo.

J) Por esta razão, nenhum dos vícios apontados é eliminado (ou, sequer, mitigado) pela circunstância de o resultado de um tal procedimento de amostragem dever ser apurado e declarado pelo próprio sujeito passivo (in casu, pela RECORRENTE) ou, ao invés, determinado pela APA ou por terceiros, o que significa que a Sentença recorrida incorreu, também neste domínio, em erro de julgamento.

K) Perante o que antecede, impõe-se concluir que a Sentença recorrida assentou em erro de julgamento na análise do «vício de violação de lei, por violação do n.º 3 do artigo 58.º do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 05.09, e do princípio da legalidade tributária», devendo, em consequência, ser revogada, com as demais consequências legais.

L) Por seu turno, a RECORRENTE invocou, na petição inicial apresentada, a ilegalidade do ato de liquidação definitiva da TGR referente ao ano de 2010, peticionando a sua anulação em razão de o mesmo violar o princípio do poluidor-pagador (na parte em que o ato impugnado compreende a liquidação da TGR relativa ao primeiro trimestre de 2010, resultante da aplicação das taxas agravadas previstas no citado n.º 3 do artigo 58.° do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de setembro).

M) Com efeito, a Portaria n.º 851/2009, de 7 de agosto, investiu as entidades responsáveis pela gestão de resíduos urbanos na faculdade de, somente ou em momento próximo do dia 31 de março de 2010, apurar, pela primeira vez, a percentagem de resíduos recicláveis aplicável - para os efeitos tributários vertentes - à globalidade dos resíduos sujeitos, anualmente, a eliminação (incluindo a deposição em aterro). Ora, o exercício da referida faculdade implicou que, no período compreendido entre o dia 1 de janeiro e, sensivelmente, o final do mês de março de 2010, as entidades responsáveis pela gestão de resíduos urbanos não dispusessem (como, especificamente, sucedeu no caso da RECORRENTE), legitimamente, dos elementos necessários - rectius, da percentagem de resíduos recicláveis - para proceder ao cumprimento da sua obrigação de repercutir, nas tarifas e prestações financeiras cobradas pela eliminação de resíduos, a TGR relativa aos resíduos correspondentes á fração caracterizada como reciclável.

N) Evidenciada a impossibilidade de a RECORRENTE cumprir a sua obrigação de repercutir, nos contribuintes de jure, os valores agravados da TGR relativamente aos factos tributários ocorridos no primeiro trimestre de 2010, concluiu-se que o ato de liquidação objeto da presente impugnação judicial viola, nesta parte, o princípio do poluidor-pagador.

O) Em face do que antecede, impunha-se ao Tribunal a quo declarar a ilegalidade do ato impugnado, pelo que, não o tendo feito, incorreu em erro de julgamento, devendo, por essa razão, ser revogada a Sentença recorrida, com as demais consequências legais.

P) Finalmente, a RECORRENTE invocou que o legislador sujeitou a prática do ato de liquidação da TGR a um prazo especial de caducidade, e que, consequentemente, a liquidação da TGR relativa ao ano de 2010 - ora impugnada -, tendo sido notificada à RECORRENTE, somente, no dia 17 de maio de 2011, concretizou o exercício, por parte da APA, de um direito à liquidação já caducado no pretérito dia 16 de maio de 2011, padecendo, por esse motivo, do vício de violação de lei.

Q) Apreciando o apontado vício, o Tribunal a quo observou, essencialmente, que «Sobre a apreciação do prazo previsto no referido preceito já se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão datado de 06.12.2017, proferido no âmbito do processo n.º 0171/16 (disponível em www.dgsi.pt), com fundamentação a que se adere integralmente, em abono da aplicação e interpretação uniformes do direito (cfr. artigo 8.º do Código Civil)».

R) Ora, a RECORRENTE não desconhece que a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a qualificar vários prazos estabelecidos para a prática e notificação de atos tributários de liquidação como sendo meramente ordenadores e não, pelo contrário, como sendo de caducidade (além do Acórdão invocado na Sentença recorrida, cf., inter alia, Acórdãos deste mesmo Supremo Tribunal, proferidos nos processos n.º 0442/15 e 01842/13). Contudo, dos referidos arestos não se permite inferir um critério decisivo ao qual seja possível recorrer para, de forma objetiva e transversal, sindicar os efeitos ordenadores ou de caducidade que deverão ser atribuídos aos prazos fixados para o exercício de determinado direito à liquidação.

S) Um tal critério sobressai, porém, na opinião da RECORRENTE, do que se dispõe no artigo 298.°, n.º 2, do Código Civil, onde a lei recorta a caducidade em torno da titularidade de um direito cujo exercício é temporalmente condicionado. A RECORRENTE propõe, assim, que a referida jurisprudência seja reequacionada à luz do critério (objetivo e transversal) consagrado no referido preceito legal, nos termos que aprofundará de seguida.

T) O artigo 298.°, n.º 2, do Código Civil, estabelece que «Quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição». A caducidade é, assim, linearmente definida pelo legislador como o prazo disponível para o exercício de um determinado direito. Neste sentido, «Como forma extintiva dos direitos, a caducidade opera quando o direito não é exercido dentro de um dado prazo fixado por lei ou convenção» (cf. ANA PRATA, Dicionário Jurídico, 4.ª edição, Almedina, p. 179).

U) Perante o que antecede, a caducidade perfila-se como um ónus que impende sobre o titular de um direito (constitui um ónus o «Comportamento necessário para o exercício de um direito», cf. ANA PRATA, Dicionário Jurídico, 4.ª edição, Almedina, p. 831), já que o exercício de um tal direito dentro do prazo prescrito para o efeito constituirá, ipso iure, uma condição da sua validade.

V) Em sintonia com a apontada característica da caducidade (i.e., a de condicionar temporalmente o exercício de um direito), a doutrina e a jurisprudência vêm reconhecendo que a justificação do instituto da caducidade reside, precisamente, na «necessidade social de segurança jurídica e certeza dos direitos» (cf. CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª edição, Coimbra Editora, p. 376), ou seja, que «a caducidade não tem por fundamento primeiro a proteção do sujeito passivo mas sim o valor da certeza e segurança dos direitos» (cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22-10-2015, proferido no processo n.º 273/13.9YHLSB.L1.S1).

W) Prosseguindo, por seu turno, com o contraponto - reclamado pela análise em curso - entre os prazos de caducidade e os prazos de mera ordenação, sublinha-se que os prazos ordenadores, indicativos ou disciplinares têm vindo a ser recortados da seguinte forma: «(…) são meramente ordenadores, indicativos ou disciplinares, [os prazos] destinados a delimitar ou regular a tramitação procedimental, pelo que o seu eventual incumprimento não extingue o direito de praticar os respetivos atos, nem acarreta a nulidade do processo, não gerando, só por si, ilegalidade passível de afetar o ato punitivo, podendo apenas implicar efeitos disciplinares para o instrutor que os não tenha respeitado» (cf Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 08-10-2003, proferido no processo n.º 01662/02).

X) Em termos genéricos, verifica-se que os prazos ordenadores serão aqueles que, a título principal, visam regular temporalmente o cumprimento de determinados deveres procedimentais/processuais (posto que a entidade titular do respetivo procedimento ou o processo não tem o direito de o tramitar - na medida em que o mesmo é instaurado, sempre, no interesse de terceiro, titular do correspondente direito de ação - mas antes o dever de o fazer). O incumprimento destes prazos não acarreta, porém, a extinção do respetivo dever (nem, tão-pouco, a extinção do direito de ação de terceiro, cujo exercício terá motivado a instauração do respetivo procedimento ou processo), tendo como consequência, apenas, a possibilidade de aplicação de uma sanção disciplinar à entidade inadimplente (circunstância da qual sobressai a natureza meramente ordenadora ou disciplinar destes prazos).

V) Decorre do que antecede, por conseguinte, que a característica essencial dos prazos meramente ordenadores ou disciplinares é a de visarem incentivar o cumprimento de deveres por parte de entidades que a eles se encontrem sujeitos, encontrando justificação no objetivo de assegurar a celeridade na respetiva tramitação procedimental/processual.

Z) Perfila-se, assim, de forma objetiva, linear e transversal, a diferença entre os prazos de caducidade e os prazos meramente ordenadores: os primeiros regulam (condicionam) o exercício de direitos por motivos de segurança jurídica; os segundos regulam (incentivam) o cumprimento de deveres por razões de celeridade procedimental/processual. Por outras palavras, sempre que a limitação temporal (i.e., o prazo estabelecido) tenha por objeto o exercício de um direito, estar-se-á perante um prazo de caducidade (salvo se a lei o qualificar expressamente como sendo de prescrição - cf. artigo 298.°, n.º 2, do Código Civil); pelo contrário, sempre que a limitação temporal parametrize, não o período disponível para o exercício de um direito, mas antes para o cumprimento de um dever, tratar-se-á de um prazo meramente ordenador ou disciplinar.

AA) Isto visto, resta transpor as conclusões fixadas para o caso concreto. Ora, o artigo 3.º da Portaria n.º 72/2010, de 4 de fevereiro, estabelece que, Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, a APA procede à liquidação definitiva da taxa de gestão de resíduos e notificação dos sujeitos passivos, por via eletrónica, até ao dia 15 de Maio do ano seguinte, depois de verificada a informação anual por eles prestada e feitos os acertos de contas que se revelem necessários (o destacado é da RECORRENTE). De uma interpretação útil da citada norma legal permite-se inferir, singelamente, que o exercício do direito à liquidação da TGR por parte da APA, quando fundamentado nos elementos declarados pelo respetivo sujeito passivo (in casu, a RECORRENTE), deverá ocorrer - sob pena da sua preclusão - até ao dia 15 de maio do ano seguinte àquele a que respeita a TGR.

BB) Por outras palavras: o legislador sujeitou o exercício do respetivo direito à liquidação da TGR - quando o correspondente ato de liquidação se deva fundamentar nos elementos regularmente declarados pelo sujeito passivo - ao cumprimento de um ónus temporal por parte da entidade titular do respetivo direito, estipulando que o mesmo deverá ser exercido (e o correspondente ato de liquidação praticado e notificado) até ao dia 15 de maio do ano seguinte.

CC) Trata-se, assim, de uma limitação temporal imposta à APA na sua qualidade de entidade titular do direito à liquidação da TGR, a qual encontra particular justificação na necessidade de certeza jurídica decorrente da imposição legal de repercussão da TGR - tal como expressamente consagrada no artigo 7.º da Portaria n.º 72/2010, de 4 de fevereiro -, na medida em que visa assegurar que a RECORRENTE se encontra em condições de promover a efetiva repercussão do montante da TGR liquidada sem um acentuado desfasamento temporal entre o momento da ocorrência dos factos geradores da TGR a repercutir e a sua efetiva repercussão (desfasamento que, a existir, colocaria em causa a identidade subjetiva entre o agente produtor dos resíduos geradores da TGR a repercutir e o agente concretamente repercutido, violando, por esse motivo, o princípio comunitário do poluidor - pagador).

DD) Perante o que antecede, impõe-se concluir que o prazo fixado pelo artigo 3.º da Portaria n.º 72/2010, de 4 de fevereiro, consubstancia um efetivo prazo (especial) de caducidade à luz do critério estabelecido no artigo 298.º, n.º 2, do Código Civil. Por conseguinte, tendo o ato de liquidação da TGR relativa ao ano de 2010 - ora impugnado - sido notificado à RECORRENTE, somente, no dia 17 de maio de 2011, impõe-se concluir que o mesmo concretizou o exercício, por parte da APA, de um direito à liquidação já caducado no pretérito dia 16 de maio de 2011, padecendo, por esse motivo, do vício de violação de lei e impondo-se, em conformidade, a revogação da Sentença recorrida, com as demais consequências legais.

EE) Sem prejuízo do que fica exposto, o Supremo Tribunal Administrativo refere ainda, no Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 0171/16 (invocado na Sentença recorrida), que «(...) se, embora com dúvidas, se pode entender que, após a revisão constitucional de 1997, nada obsta à criação de taxas por decreto-lei, desde que devidamente autorizada, já se nos afigura dificilmente sustentável que a fixação do regime da caducidade da respetiva liquidação possa ser remetida para portaria».

FF) Ora, a propósito deste argumento adicional, impõe-se à RECORRENTE observar que a Portaria n.º 72/2010, de 4 de fevereiro, regula não só o regime da caducidade do direito à liquidação da TGR, como, bem assim, o próprio regime de liquidação que a APA deve observar para o apuramento e a exigência deste tributo aos respetivos sujeitos passivos.

GG) Quer isto dizer, por conseguinte, que se o presente Supremo Tribunal entender que o regime da caducidade do direito à liquidação da TGR não poderia ter sido criado pela Portaria n.° 72/2010, de 4 de fevereiro, por tal circunstância acarretar a violação da reserva relativa de lei consagrada no artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa, idêntica conclusão deverá, por identidade de razões, retirar quanto ao regime de liquidação daquele mesmo tributo. Com efeito, como se refere no citado aresto, «Recorde-se que a Constituição da República Portuguesa (CRP), de modo expresso, concretiza que, tal como a incidência, a taxa, os benefícios fiscais, as garantias dos contribuintes são determinados pela lei (art. 103.º, n.º 2). E o art. 8.º da LGT, depois de no seu n.º 1 fazer eco daquela norma constitucional, na alínea a) do seu n.º 2 dispõe: «Estão ainda sujeitos ao princípio da legalidade tributária: a) A liquidação e cobrança dos tributos, incluindo os prazos de prescrição e caducidade; […]».

HH) Por conseguinte, considerando VV. Excelências, à semelhança do que sucedeu no referido Acórdão, que se «afigura dificilmente sustentável que a fixação do regime da caducidade da respetiva liquidação possa ser remetida para portaria», deverão concluir, de forma consequente, pela ilegalidade abstrata do ato de liquidação impugnado, por resultar da aplicação de normas (i.e., as que regulam o procedimento de liquidação da TGR, tal como vertido na Portaria n.º 72/2010, de 4 de fevereiro) que violam igualmente o disposto no artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa.

TERMOS EM QUE, REQUER A VV. EXCELÊNCIAS SE DIGNEM CONSIDERAR O PRESENTE RECURSO PROCEDENTE, POR PROVADO E FUNDADO, PROMOVENDO A REVOGAÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA E, EM CONSEQUÊNCIA, CONFORME INICIALMENTE PETICIONADO, ANULAR O ATO DE LIQUIDAÇÃO DEFINITIVA DA TAXA DE GESTÃO DE RESÍDUOS RELATIVA AO ANO DE 2010, POR CADUCIDADE DO RESPETIVO DIREITO À LIQUIDAÇÃO,

OU, SUBSIDIARIAMENTE, E POR ESSA ORDEM, ANULAR O INDICADO ATO NA PARTE:

A) EM QUE REFLETE A LIQUIDAÇÃO DA TGR COM FUNDAMENTO NA APLICAÇÃO DO DISPOSTO NO N.º 3 DO ARTIGO 58.º DO DECRETO-LEI N.º 178/2006, DE 5 DE SETEMBRO; OU

B) EM QUE COMPREENDE A LIQUIDAÇÃO DA TGR COM FUNDAMENTO NA APLICAÇÃO DO DISPOSTO NO N.º 3 DO ARTIGO 58.º DO DECRETO-LEI N.º 178/2006, DE 5 DE SETEMBRO, CIRCUNSCRITA AOS FACTOS VERIFICADOS NO PERÍODO COMPREENDIDO ENTRE O DIA 1 DE JANEIRO DE 2010 E O DIA 31 DE MARÇO DE 2010.»


*

A Agência Portuguesa do Ambiente, I.P. (APA, I.P.), na condição de recorrida (rda), apresentou contra-alegação, que termina concluindo: «

a) Vem a Recorrente invocar erro de julgamento, repetindo os três fundamentos apresentados em sede de impugnação, pelos quais considerava que o ato de liquidação definitiva da TGR referente ao ano de 2010, na parte correspondente aos agravamentos previstos no n.º 3 do artigo 58.º do RGGR, era ilegal. Vejamos,

b) Quanto à (alegada) ilegalidade da Portaria 851/2009, de 07/08, e da consequente ilegalidade abstrata do ato impugnado, entende a Recorrente que o vício que invocou não é eliminado pela suposição constante da sentença no seguinte excerto:

“a delimitação da parte reciclável além de conforme à lei habilitante visa ainda, admite-se, salvaguardar as situações de resíduos que são recicláveis mas que tendo em conta o estado de arte não são passíveis de valorização” (pg. 23 da sentença).

c) Porém, a questão que a Impugnante colocava em sede de impugnação era a de que a Portaria, no domínio da aplicação da taxa agravada, incluía resíduos recicláveis de impossível valorização.

d) Questão a que o tribunal a quo deu cabal resposta entendendo que “(...) do quantitativo de resíduos classificados como recicláveis nos termos do quadro n.º 4, apenas uma parte, na proporção de 55%, é considerada reciclável para efeitos de aplicação do agravamento da taxa de gestão de resíduos” (pg. 23 da sentença).

e) Motivo pelo que não tem relevo a questão colocada pela recorrente.

f) Contrariamente ao mencionado pela Recorrente no artigo 89º das suas Alegações, a sentença a quo não considerou relevante a forma de apuramento e de comunicação dos elementos que permitem determinar a matéria coletável das taxas agravadas da TGR.

g) Mas sim o conteúdo do que é comunicado pelo operador no MRRU.

h) Porquanto, nos termos do art.º 49º do D.L. n.º 178/2006, o SIRER/SIRAPA agrega, nomeadamente, a seguinte informação prestada pelas entidades sujeitas a registo:

i. Origens discriminadas dos resíduos;

ii. Quantidade, classificação e destino discriminados dos resíduos;

iii. Identificação dos transportadores.

i) Refere a douta sentença (cfr. pg. 25) que “no caso da determinação por amostragem, apenas as quantidades e composição dos resíduos que não são compostos por um único fluxo de material é que são apurados pelo método de amostragem”.

j) Em face do que conclui que “é possível afirmar que a caracterização dos resíduos é feita de modo directo, porquanto, resulta da informação declarada pela própria entidade gestora, e não por métodos indirectos como afirma a Impugnante. Os critérios que são utilizados para alcançar a informação que é declarada, e que serve de base ao apuramento da taxa, é que podem ter sido alcançados pelo método da amostragem atenta a impraticabilidade de obter informação de outro modo.” (pg. 25 da Sentença)

k) Concluindo, e bem, a douta sentença pela improcedência do vício de violação de lei, por violação do n.º 3 do artigo 58º do DL n.º 178/2006, de 05/09 e do princípio da legalidade tributária.

l) Quanto à (alegada) violação do princípio do poluidor-pagador, reitera a Recorrente que no 1º trimestre de 2010 não dispunham dos elementos necessários (% dos resíduos recicláveis) para efetuar a repercussão, o que determinaria a ilegalidade do ato de liquidação definitiva da TGR referente ao ano de 2010, em razão de o mesmo violar o princípio do poluidor-pagador.

m) Limitando-se porém a Recorrente a referir que “impunha-se ao tribunal a quo declarar a ilegalidade do acto impugnado”, reproduzindo a argumentação da Impugnação.

n) Sucede que, a sentença concluiu e bem que:

Não se vislumbra, assim, em que medida pode a Impugnante ter ficado impedida de repercutir nas tarifas e prestações financeiras que cobra o valor correspondente ao agravamento da taxa de gestão de resíduos, pois tudo se passa em termos semelhantes ao apuramento da taxa de gestão de resíduos devida nas termos do n.º 2 do artigo 58.º do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 05.09.

Por fim, ainda que na realidade a Impugnante não tenha repercutida a valor do agravamento nas tarifas e prestações financeiras que cobrou no primeiro trimestre do ano de 2010, sempre estaria obrigada a fazê-lo em momento posterior, quando tomou conhecimento efetivo da liquidação (…)”.

o) Motivo pelo que, encontra-se bem fundamentado na sentença o motivo pelo qual a liquidação não violou o princípio do poluidor-pagador.

p) Quanto à (alegada) ilegalidade da liquidação da taxa de gestão de resíduos por caducidade do direito à liquidação, vem a Recorrente, no artigo 112º das suas alegações, citar vários acórdãos que concluem ser meramente indicativo, ordenador ou disciplinar, o prazo destinado a balizar ou regular a tramitação procedimental.

q) Ora, embora a Recorrente assim não conclua, veja-se que é precisamente o caso do prazo previsto no artigo 3º da Portaria n.º 72/2010, de 4 de fevereiro.

r) Porquanto, a TGR é liquidada com base na informação prestada pelos sujeitos passivos no âmbito do SIRER/SIRAPA (artigo 1º da Portaria 72/2010).

s) Sendo que, o sujeito passivo regista a quantidade de resíduos geridos até 31 de março do ano seguinte (artigo 2º da Portaria 72/2010).

t) E, a APA procede à liquidação definitiva da TGR até ao dia 15 de maio (artigo 3º da Portaria 72/2010).

u) Ora, entre 31 de março e 15 de maio dista 1 mês e meio.

v) No qual a APA, IP tem de liquidar e notificar todos os sujeitos passivos de TGR.

w) Este mês e meio é precisamente um prazo meramente indicativo, ordenador ou disciplinar, destinado a balizar ou regular a tramitação procedimental.

x) O prazo de caducidade é o definido no artigo 45º da Lei Geral Tributária, de quatro anos.

y) O Acórdão do STA de 06/12/2017, proferido no Processo n.º 0171/16, mencionado na sentença e que resolve a questão suscitada pela recorrente, refere no sumário precisamente que:

II - O prazo fixado pelo art 3.º da Portaria n.º 72/2010, de 4 de Fevereiro, não é um prazo de caducidade do direito à liquidação, mas tão-só um prazo meramente ordenador ou disciplinar.

III - A liquidação da TGR, na ausência de regra especial, fica sujeita aos prazos de caducidade fixados pelo art. 45.º da LGT.

z) Não satisfeita, a Recorrente cita, no artigo 123º das suas Alegações, um excerto do mencionado Acórdão do STA para concluir que se a fixação de regras de caducidade não pode ser efetuada por portaria, sob pena de violação da reserva de lei, igual conclusão se deve retirar quanto ao regime de liquidação, o qual não deveria constar na Portaria n.º 72/2010.

aa) Sucede que, o próprio Acórdão do STA de 06/12/2017, proferido no Processo n.º 0171/16, conclui de forma distinta da Recorrente, referindo que:

Seja como for, a nosso ver, o n.º 6 do art. 58.º do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de Setembro na redacção aplicável (que é a que lhe foi dada pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2009)) - que diz: «A liquidação e o pagamento da taxa de gestão de resíduos são disciplinados por portaria do ministro responsável pela área do ambiente» - limitou-se a relegar para a portaria do ministro responsável pela área do ambiente a disciplina dos procedimentos de liquidação e pagamento da TGR.

bb) Procedimentos estes não abrangidos pela reserva de lei.

cc) Saliente-se que a questão encontra-se hoje dilucidada pela Portaria n.º 278/2015, de 11 e setembro, que revogou a Portaria n.º 72/2010, de 04/02, que expressamente refere no artigo 6º o seguinte:

Artigo 6º

Liquidação definitiva

A APA, IP, verifica a informação anual prestada pelos sujeitos passivos e procede à liquidação definitiva da TGR, notificando-os até 30 de junho do ano seguinte, por via eletrónica, sem prejuízo do prazo de caducidade previsto na lei geral tributária e do disposto nos artigos seguintes.” (…).

TERMOS EM QUE E NOS MELHORES DE DIREITO QUE VOSSAS EXCELÊNCIAS DOUTAMENTE SUPRIRÃO, deverá ser negado provimento ao recurso interposto, mantendo-se a decisão recorrida assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA!»


*

O Exmo. magistrado do Ministério Público emitiu parecer, concluído com a manifestação do entendimento de que “a sentença recorrida fez uma correta interpretação e aplicação dos normativos aplicáveis, motivo pelo qual se impõe a sua confirmação, julgando-se improcedente o recurso.”.

*

Cumpridas as formalidades legais, compete conhecer e decidir.

*******

# II.


Na sentença, em sede de julgamento factual, encontra-se exarado: «

1. A Impugnante é uma sociedade anónima que tem por objecto social a exploração e gestão do sistema multimunicipal de triagem, recolha, valorização e tratamento de resíduos sólidos urbanos da Cova da Beira - cfr. artigo 1.º da petição inicial e artigo 1.º do Anexo ao Decreto-Lei n.º 128/2008, de 21.07, que procedeu à constituição da sociedade Impugnante e aprovou os respectivos Estatutos.

2. Em 27.04.2011 foi enviado, da Agência Portuguesa do Ambiente, via fax, para a Impugnante, o ofício com a referência 019/11/DPEA-DEA, cuja cópia de fls. 90 do processo administrativo aqui se dá por reproduzido e transcreve parcialmente:

“(…)

Neste sentido, e com o objectivo de promover a transparência no processo de liquidação definitiva da TGR relativa ao ano de 2010, vem a APA colocar à consideração de V. Ex.ª os quantitativos de resíduos apurados para este efeito e o cálculo preliminar da TGR, em anexo, previamente à emissão do Documento Único de Cobrança (DUC):

• Resíduos urbanos depositados em aterro (3,5 €/tonelada): todos os resíduos provenientes da recolha indiferenciada registados no Formulário A. 1 (54.544,05 toneladas) do Mapa de Registo de Resíduos Urbanos (MRRU), e os resíduos do Capítulo 20 da LER, provenientes de outras origens, registados no Formulário A. 4 (847,44 toneladas), retirando 131,16 toneladas de resíduos depositados no âmbito do Projecto Limpar Portugal, perfazendo um subtotal de 55.260,33 toneladas;

• Fracção reciclável: percentagem de resíduos recicláveis declarada no Formulário Caracterização de Resíduos enviados para aterro do MRRU afectada pelo factor previsto no n.° 3.4 do Anexo da Portaria n.° 851/2009, de 7 de Agosto.

Do valor total da TGR do ano 2010, 272.355,63 €, e depois de efectuado o acerto de contas com o montante já liquidado por conta sobre a estimativa dos resíduos geridos durante o primeiro semestre de 2010, resulta o valor a liquidar de 187.302,29 €.

A ser o caso de V. Ex.ª encontrar eventuais divergências no apuramento efectuado pela APA relativamente à quantidade de resíduos efectivamente geridos, poderá submeter no prazo de 3 dias e pela mesma via, novos elementos que as consubstanciem, de modo a ser efectuada unia reavaliação dos mesmos.

(…)” - cfr. ofício e comprovativo de envio via fax de fls. 87 a 90 do processo administrativo.

3. Em 28.04.2011 foi enviado, da Agência Portuguesa do Ambiente, via fax, para a Impugnante, o ofício com a referência 076/11/DPEA-DEA, sob o assunto “Taxa de gestão de resíduos relativa ao ano de 2010 / liquidação definitiva”, cuja cópia de fls. 86 do processo administrativo aqui se dá por reproduzido e transcreve parcialmente:

“Tendo ocorrido um lapso nos cálculos que determinaram o valor a liquidar no acerto de contas da taxa de gestão de resíduos (TGR) relativa ao ano de 2010, remetidos a V. Exª através do fax com a Ref. 019/11/DPEA-DEA, queira considera-lo sem efeito, substituindo o mesmo pela presente comunicação.

(...)

Do valor total da TGR do ano 2010, 232.883,396, e depois de efectuado o acerto de contas com o montante já liquidado por conta sobre a estimativa dos resíduos geridos durante o primeiro semestre de 2010, resulta o valor a liquidar de 147.830,05 €.

A ser o caso de V. Ex.ª encontrar eventuais divergências no apuramento efectuado pela APA relativamente à quantidade de resíduos efectivamente geridos, poderá submeter no prazo de 3 dias e pela mesma via, novos elementos que as consubstanciem, de modo a ser efectuada uma reavaliação dos mesmos.

(…)” - cfr. ofício e comprovativo de envio via fax de fls. 84 a 86 do processo administrativo.

4. Em 06.05.2011 a Impugnante enviou, via fax, para a Agência Portuguesa do Ambiente uma comunicação, elaborada sob o assunto “Taxa de Gestão de Resíduos Relativa ao ano de 2010 - Liquidação Definitiva”, cuja cópia aqui se dá por reproduzida e transcreve parcialmente:

“(...)

Concluindo, vimos por este meio solicitar os bons ofícios de V. Exas. no sentido de efectuar os seguintes ajustamentos relativos à liquidação à A…………, S.A. da TGR relativa ao ano de 2010:

a) Que o apuramento da TGR de 2010 sobre a fracção reciclável deve basear-se nos resultados de caracterização de 2008, entregue a 31/03/2010;

b) Que para o mesmo apuramento, nos montantes relativos à TGR agravada sejam contabilizados os relativos ao período que medeia entre Abril e Dezembro de 2010.

Desta forma, atendendo à presente solicitação, bem como ao montante já liquidado por conta num montante de 85.053, 34 €, consideramos que o valor restante a pagar deverá ser de 140.045, 16 €.

(…)” - cfr. comunicação de fls. 77 e 78 do processo administrativo.

5. Em 16.05.2011 foi enviado a onze entidades, entre as quais a Impugnante, o ofício- circular com a referência 210/11/DPEA-DEA, elaborado pela Subdirectora Geral da Agência Portuguesa do Ambiente, sob o assunto “Taxa de Gestão de Resíduos relativa ao ano de 2010” cuja cópia de fls. 65 do processo administrativo se dá por reproduzida - cfr. fls. 64 e 65 do processo administrativo.

6. Em 16.05.2011 foi emitido pela Agência Portuguesa do Ambiente o documento de cobrança da taxa de gestão de resíduos referente ao ano de 2010 “acerto de contas - Artigo 3.º da Portaria n.º 72/2010, de 4 de Fevereiro”, recebido pela Impugnante no dia 17.05.2011, no valor de EUR 147.830,05, com prazo de pagamento até 15.06.2011 - cfr. documento de cobrança de fls. 58 verso do processo administrativo e mensagem de correio electrónico junta como documento 2 com a petição inicial.

7. Em 07.06.2011 deu entrada na Agência Portuguesa do Ambiente um requerimento apresentado pela Impugnante pelo qual esta requer a emissão de documento de cobrança para pagamento parcial do montante global liquidado no valor de EUR 140.045,16 e manifesta discordância quanto ao valor remanescente no montante de EUR 7.784,89 - cfr. requerimento de fls. 58 e 59 do processo administrativo.

8. Em 08.06.2011 o Secretário de Estado do Ambiente exarou o seguinte despacho:

“Concordo com o disposto na presente Informação, devendo o agravamento da Taxa de Gestão de Resíduos relativa à fracção reciclável dos resíduos geridos no ano de 2010 incidir sobre os doze meses, tal como proposto pela APA. Dê-se conhecimento à Senhora MAOT” - cfr. despacho de fls. 51 do processo administrativo.

9. Em 15.06.2011 a Impugnante enviou um fax para a Agência Portuguesa do Ambiente pelo qual reitera o requerimento a que alude o ponto 7 do probatório - cfr. fax de fls. 48 (frente e verso) do processo administrativo.

10. Em 04.07.2011 a Impugnante pagou á Agência Portuguesa do Ambiente a quantia de EUR 140.045,16, referente à taxa de gestão de resíduos do ano de 2010 - cfr. aviso de lançamento de fls. 4 verso do processo administrativo.

11. Em 13.10.2011 deu entrada na Agência Portuguesa do Ambiente a reclamação graciosa da liquidação definitiva da taxa de gestão de resíduos referente ao ano de 2010 apresentada pela Impugnante - cfr. reclamação de fls. 21 a 44 e carimbo de entrada de fls. 45 do processo administrativo.

12. Em 21.10.2011 a Subdirectora Geral da Agência Portuguesa do Ambiente elaborou o ofício com a referência 282/11/DPEA-DEA, sob o assunto “Taxa de Gestão de resíduo relativa ao ano 2010 “, cuja cópia de fls. 3 do processo administrativo aqui se dá por reproduzida, pela qual foi indeferida a reclamação apresentada pela Impugnante.

13. Em 08.11.2011 foi apresentada, via SITAF, a petição inicial dos presentes autos - cfr. comprovativo do registo da petição inicial no SITAF.»


***


Consta, da parte inicial da apresentação dos fundamentos “b) De direito” da sentença objetada, o seguinte tramo: «

A Impugnante pede a anulação da liquidação definitiva da taxa de gestão de resíduos referente ao ano de 2010, pelo que importa proceder à apreciação dos vícios invocados na petição inicial, exercício que deve obedecer ao critério estabelecido no artigo 124.º do CPPT.

Uma vez que a Impugnante formulou os pedidos e alegou os vícios numa relação de subsidiariedade, cumpre apreciar os mesmos de acordo com a ordem estabelecida na petição inicial e que se passa a indicar:
1) Caducidade do direito à liquidação;

2) Vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, por violação do n.º 3 do artigo 58.º do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 05.09;
3) Vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, por violação do princípio do poluidor-pagador no período compreendido entre 01.01.2010 e 31.03.2010.»
Compulsada a alegação da rte e a síntese efetuada nas competentes conclusões, conclui-se que o julgamento desta trilogia, de questões, é considerado, horizontalmente, errado, sem prejuízo da ordem se mostrar alterada: a primeira é afrontada nas conclusões P) a HH), a segunda versada nas conclusões E) a K) e a terceira criticada pela forma vertida nas conclusões L) a O).

Olhemos, então, para os argumentos coligidos pela rte, seguindo a ordem de conhecimento da sentença, por correta e legalmente justificada.

Sobre a caducidade do direito à liquidação da TGR impugnada, a rte, não desconhecendo a, reiterada, jurisprudência, do STA, afirmativa, concretamente, de que “O prazo fixado pelo art. 3.º da Portaria n.º 72/2010, de 4 de Fevereiro, não é um prazo de caducidade do direito à liquidação, mas tão-só um prazo meramente ordenador ou disciplinar”, bem como, que “A liquidação da TGR, na ausência de regra especial, fica sujeita aos prazos de caducidade fixados pelo art. 45.º da LGT”, propõe que tal entendimento seja reequacionado, à luz do disposto no art. 298.º n.º 2 do Código Civil (CC).

Não obstante o conjunto de argumentos inscritos nas conclusões S) a DD), continuamos a entender ser de persistir na corrente jurisprudencial vinda de referenciar, pelo conjunto de motivos expressos, em primeira linha, no acórdão, do STA, de 6 de dezembro de 2017 (0171/16), que nos dispensamos de reproduzir (por, além do mais, serem do pleno conhecimento da rte).

O normativo, agora, convocado, para sustentar o respetivo abandono, limita-se a, no geral, delimitar os campos de aplicação de três institutos jurídicos, que partilham da nota comum de o (seu, de cada um) tempo ter repercussões no âmbito das relações jurídicas. Entre essa trilogia figura, óbvia e necessariamente, a caducidade (de direitos), a qual, num esforço mínimo (deixando a temática, sobretudo, para a doutrina), o legislador procurou, no art. 298.º n.º 2 do CC, diferençar da figura, muito próxima e com pontos de contacto, da prescrição (dos direitos). Assim, decorre deste normativo que, em princípio, são de caducidade os prazos, fixados por lei ou por vontade das partes (contratantes), para o exercício de direitos, pelo que, se uma disposição, que estabelece um prazo para exercer determinado direito, usa o termo/palavra prescrição, por imperativo do n.º 2 do versado art. 298.º, enquanto regra interpretativa, tem de, sem mais, afastar-se o funcionamento do instituto e das regras privativas, da caducidade.

Resta manifestar concordância com a doutrina, quando, entre o mais, afirmará que “o exercício de um … direito dentro do prazo prescrito ara o efeito constituirá, ipso iure, uma condição da sua validade” e que “a caducidade não tem por fundamento primeiro a proteção do sujeito passivo mas sim o valor da certeza e segurança dos direitos”, mas, também, dizer que essas generalidades, abstrações, foram consideradas e valoradas (e continuam a ser), no estabelecimento da identificação e afirmação, do prazo fixado pelo art. 3.º da Portaria n.º 72/2010 de 4 de fevereiro, como não sendo de caducidade, o qual, ao invés, para a liquidação da TGR, é positivado no art. 45.º da Lei Geral Tributária (LGT). Aliás, se reservas/dúvidas o STA tinha, foram, totalmente dissipadas, como se explica no acórdão de 6 de dezembro de 2017, pelo teor do art. 6.º da Portaria n.º 278/2015 de 11 de setembro.

Prosseguindo com a avaliação do erro de julgamento na análise, pelo tribunal recorrido, do “vício de violação de lei, por violação do n.º 3 do artigo 58.º do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 05.09, e do princípio da legalidade tributária”, entendemos, singelamente, que o mesmo não ocorre, sendo de manter o entendido, na sentença recorrida, com base nos seguintes fundamentos, detalhados, abrangentes (Versaram os vários argumentos, críticos, invocados pela impugnante; alguns, até, praticamente ausentes ou pouco insistidos neste recurso, como é o caso da alegada utilização de “método de avaliação indireta”.) e acertados, do ponto de vista jurídico.


« (…).
Em primeiro lugar impõe-se uma breve incursão sobre o regime jurídico em apreciação nos autos.
O Decreto-Lei n.º 178/2006, de 05.09, aprovou o regime geral da gestão de resíduos e transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2006/12/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 05.04, e a Directiva n.º 91/689/CEE, de 12.12.
O âmbito de aplicação do regime previsto no referido diploma legal compreende as operações de gestão de resíduos, pelo que se aplica a “toda e qualquer operação de recolha, transporte, armazenagem, triagem, tratamento, valorização e eliminação de resíduos, bem como às operações de descontaminação de solos e à monitorização dos locais de deposição após o encerramento das respectivas instalações.”.
Do referido diploma consta um novo regime económico e financeiro da gestão dos resíduos, com vista a uma gestão eficiente dos resíduos por via da interiorização dos custos ambientais que lhes estão associados por parte de produtores e consumidores, que se traduz, além do mais, na criação da taxa de gestão de resíduos.
Neste sentido, dispõe o n.º 1 do artigo 58.º do diploma em análise, sob a epígrafe “Taxa de gestão de resíduos”, que “As entidades gestoras de sistemas de gestão de fluxos específicos de resíduos, individuais ou colectivos, de CIRVER, de instalações de incineração e co-incineração de resíduos e de aterros estão obrigadas ao pagamento de uma taxa de gestão de resíduos visando compensar os custos administrativos de acompanhamento das respectivas actividades e estimular o cumprimento dos objectivos nacionais em matéria de gestão de resíduos.
A taxa de gestão de resíduos assume periodicidade anual e o seu valor varia, entre EUR 1,00, EUR 2,00 e EUR 5,00 por tonelada de resíduos, em função do tipo de resíduos e do seu destino, não podendo o seu valor ser inferior a EUR 5.000,00 por entidade devedora (cfr. n.º 2 e 4 do referido preceito legal).
De acordo com o n.º 3 do mencionado dispositivo “Os valores da taxa de gestão de resíduos, com excepção do referido na alínea c) do número anterior [ou seja, dos resíduos indexados à taxa de recolha fixada na licença das entidades gestoras de sistemas de fluxos específicos de resíduos, individuais ou colectivos, e que através desses sistemas não sejam encaminhados para reutilização, reciclagem ou valorização, nos termos das condições fixadas nas respectivas licenças], são agravados em 50 % para os resíduos correspondentes à fracção caracterizada como reciclável de acordo com as normas técnicas aplicáveis aprovadas por portaria do membro do Governo responsável pela área do ambiente.” - …. O agravamento da taxa de gestão de resíduos ficou, nos termos do referido dispositivo legal, dependente da caracterização dos resíduos de forma a permitir a identificação da quantidade de resíduos que, embora susceptíveis de reciclagem, são encaminhados para aterro, incineração e co-incineração.
Neste contexto foi aprovada a Portaria n.º 851/2009, de 07.08, que, de acordo com o seu preâmbulo, estabelece as normas técnicas relativas à caracterização de resíduos urbanos, designadamente a identificação e quantificação dos resíduos correspondentes à fracção caracterizada como reciclável. Em anexo ao referido diploma constam as “Especificações técnicas sobre a caracterização de resíduos urbanos” que contém a caracterização dos resíduos urbanos produzidos (ponto I do Anexo) e a caracterização dos resíduos urbanos para efeitos de aplicação do agravamento da TGR previsto no n.º 3 do artigo 58.º do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 05.09 (ponto II do Anexo). É a seguinte a redacção do ponto II do Anexo na parte que releva para os autos:
II - Caracterização dos resíduos urbanos para efeitos de aplicação do agravamento da TGR previsto no n.º 3 do artigo 58.º do Decreto -Lei n.º 178/2006, de 5 de Setembro
3 - Resíduos abrangidos e grelha de análise:
3.1 - Para efeitos de aplicação do agravamento da TGR previsto no n.º 3 do artigo 58.º do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de Setembro, as entidades responsáveis pela gestão de resíduos urbanos caracterizam os resíduos urbanos anualmente depositados em aterro, incinerados ou co-incinerados em termos do conteúdo de materiais e fluxos que constam da grelha de análise apresentada no quadro n.º 4.

(…).

3.2 - Os fluxos de resíduos a caracterizar, com excepção dos fluxos monomaterial - aqueles em que a totalidade dos resíduos seja enquadrável numa única categoria ou subcategoria da grelha de análise - devem ser objecto de um procedimento de amostragem para determinação da composição física média.
3.3 - Os resultados da caracterização realizada nos termos estabelecidos no n.º 2 a fluxos de resíduos urbanos produzidos que sejam directamente depositados em aterro, incinerados ou co -incinerados, podem ser utilizados para a caracterização desses mesmos fluxos nos termos da grelha constante do quadro n.º 4.
3.4 - Atendendo ao estado da arte em termos de caracterização e gestão de resíduos, considera-se reciclável, em média, o quantitativo correspondente a 55 % do somatório apurado relativamente às subcategorias do quadro n.º 4, sem prejuízo de este indicador ser revisto, caso se justifique, atendendo à evolução do sector, mediante despacho do membro do Governo responsável pela área do ambiente.
4 - Caracterização por amostragem:
(…).
Exposto o regime jurídico na redacção em vigor à data, importa resolver a questão que se coloca nos autos e que consiste em saber se o conteúdo da Portaria n.º 851/2009, de 07.08, é compatível com a disciplina constante do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 05.09.
Antes de mais, impõe-se qualificar normativamente a Portaria n.º 851/2009, de 07.08.
O referido acto foi emitido pelo então Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, ao abrigo da disciplina contida no n.º 3 do artigo 58.º do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 05.09. Este preceito remeteu para acto normativo regulamentar a concretização das normas técnicas de que depende a prévia caracterização dos resíduos de modo a permitir a identificação e quantificação dos resíduos que, embora susceptíveis de reciclagem, são encaminhados para aterro, incineração e co-incineração, e que, por isso, são sujeitos a uma taxa de gestão de resíduos agravada em 50%.
A referida Portaria é, assim, precedida de uma lei habilitante (em cumprimento do princípio da precedência de lei consagrado no n.º 7 do artigo 112.º da Constituição da República Portuguesa) à qual está subordinada e que visa concretizar. Ora, os regulamentos de desenvolvimento ou de execução caracterizam-se por levar a cabo uma tarefa de pormenorização, detalhe e complemento do comando legislativo, constituindo o “desenvolvimento, operado por via administrativa, da previsão legislativa, tornando possível a aplicação do comando primário às situações concretas da vida” - cfr. AMARAL, Diogo Freitas de, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 2013, p. 185.
Sendo assim, a Portaria n.º 851/2009, de 07.08, configura um regulamento de execução que, nessa qualidade, está positivamente vinculado ao acto legislativo habilitante (regulamento secundum legem) que não pode interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar (cfr. n.º 6 do artigo 112.º da CRP), e com o qual não pode colidir sob pena de ilegalidade.
Vejamos agora se a disciplina constante do referido regulamento de execução é compatível com os preceitos constantes do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 05.09.
Em primeiro lugar, a Impugnante alega que, em conflito com a norma habilitante, o regulamento de execução incluiu a eliminação dos resíduos recicláveis de impossível valorização no domínio de aplicação das taxas agravadas.
Do regime jurídico supra exposto resulta que a taxa de gestão de resíduos visa compensar os custos administrativos de acompanhamento das actividades desenvolvidas pelas entidades gestoras de sistemas de gestão de fluxos específicos de resíduos, individuais ou colectivos, de CIRVER, de instalações de incineração e co-incineração de resíduos e de aterros e ainda estimular o cumprimento dos objectivos fixados a nível nacional em matéria de gestão de resíduos. Neste sentido, o legislador optou por agravar a referida taxa relativamente à fracção de resíduos que pode ser objecto de reciclagem. Este agravamento, crê-se, visa desincentivar a eliminação dos resíduos que podem ainda ser valorizados mediante reciclagem.
Extrai-se do conjunto das normas técnicas constantes do ponto II do Anexo à referida Portaria que as entidades gestoras devem caracterizar os resíduos que são depositados em aterro, incinerados ou co-incinerados, de acordo com os fluxos de materiais. Essa caracterização deve ser feita nos termos da grelha constante do quadro n.º 4 que se divide em duas categorias de resíduos, a saber: os resíduos recicláveis e os outros resíduos. Aquela primeira categoria divide-se em nove subcategorias: bio-resíduos, papel/cartão (incluindo ECAL), plástico, metais ferrosos, metais não ferrosos, vidro, madeira, resíduos de equipamentos eléctricos e electrónicos (REEE), pilhas e acumuladores.
Decorre ainda do ponto 3.2 do ponto II do Anexo à referida Portaria que apenas se considera reciclável, em média, o quantitativo correspondente a 55% do somatório de resíduos apurado relativamente às subcategorias constantes do quadro n.º 4, quantitativo esse que foi apurado tendo em conta o estado da arte quanto à caracterização e gestão de resíduos. É de notar que a remissão constante do referido ponto para o quadro 4 é feita apenas para as subcategorias, o que significa que não estando a categoria “outros resíduos” dividida em outras categorias, apenas são considerados os resíduos que integram a categoria “resíduos recicláveis”. Então, do quantitativo de resíduos classificados como recicláveis nos termos do quadro n.º 4, apenas uma parte, na proporção de 55%, é considerada reciclável para efeitos de aplicação do agravamento da taxa de gestão de resíduos.
A delimitação da parte reciclável além de conforme à lei habilitante visa ainda, admite-se, salvaguardar as situações de resíduos que são recicláveis mas que tendo em conta o estado da arte não são passíveis de valorização.
Constata-se assim que as normas técnicas constantes da referida Portaria estão direccionadas para o apuramento da fracção efectivamente reciclável dos resíduos recicláveis que são geridos pelas entidades e que não relevam para o seu apuramento outros resíduos que não os categorizados como recicláveis.
Insurge-se a Impugnante, em segundo lugar, contra o método eleito pela Portaria para apurar a base tributável da taxa agravada de gestão de resíduos, que alega ser um método de avaliação indirecta não previsto na lei habilitante, porquanto a matéria colectável é determinada por amostragem e a fracção reciclável é apurada por estimativa.
Na Portaria em análise prevê-se que a caracterização dos resíduos urbanos seja assegurada pelas entidades gestoras e reportada através do SIRAPA até 31 de Março do ano seguinte àquele a que os dados respeitam, devendo ainda aquelas entidades manter por um período de cinco anos um relatório anual de caracterização dos resíduos (cfr. artigos 2.º, 4.º e 5.º da Portaria). No mesmo sentido dispõe o artigo 1.º da Portaria n.º 72/2010, de 04.02, que estabelece as regras respeitantes à liquidação, pagamento e repercussão da taxa de gestão de resíduos, que esta taxa é liquidada pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) “com base na informação prestada pelos sujeitos passivos no âmbito do Sistema Integrados de Registo da Agência Portuguesa do Ambiente (SIRAPA)”.
A caracterização dos resíduos urbanos compostos por fluxos monomaterial não suscita dificuldade, pois são facilmente enquadráveis numa única categoria e/ou subcategoria previstas no quadro n.º 4.
O mesmo não se pode afirmar relativamente aos resíduos urbanos que são compostos por fluxos com mais do que um tipo de material. Em tais casos a caracterização dos resíduos por categorias depende de um prévio procedimento de amostragem com vista à determinação da composição física média, o qual está previsto no ponto 4 do ponto II do Anexo à Portaria em análise.
Ora, a norma habilitante remete para regulamento de execução a previsão das normas técnicas aplicáveis para a caracterização da fracção reciclável de resíduos sujeita ao agravamento da taxa. Então, a referida norma não indica quais os procedimentos técnicos que podem ser observados com vista a tal caracterização, matéria que ficará ao critério da entidade a quem foi atribuído o poder regulamentar (desde que observados os limites a que o regulamento de execução está vinculado) e que depende do desenvolvimento das técnicas aplicáveis ao sector, não se vislumbrando assim em que medida possa existir conflito entre aquela metodologia prevista no regulamento de execução e a norma habilitante.
Acresce que, embora o Decreto-Lei n.º 178/2006, de 05.09, não disponha sobre o método a utilizar para a caracterização dos resíduos, foi aprovado ao abrigo do n.º 2 do artigo 15.º do referido diploma legal o Plano Estratégico para os Resíduos Sólidos Urbanos (PERSU II) (cfr. Portaria n.º 187/2007, de 12.02), no qual se encontra previsto o método da amostragem para caracterização de resíduos urbanos. Então, o método de amostragem - que, aliás, é reconhecido pela especialidade como uma das metodologias mais usadas para a caracterização dos resíduos - previsto no regulamento de execução em análise não é inovador e afigura-se essencial ao estabelecimento de um quadro uniformizado (como, de resto, é afirmado no seu preâmbulo).
A pretendida (pela Impugnante) pesagem efectiva de cada resíduo com vista à determinação da sua quantidade e composição afigura-se pouco viável, pois além de morosa e complexa seria também dispendiosa. Com efeito, decorre do senso comum que a pesagem de cada unidade de resíduo com vista à determinação da sua composição e da quantificação de cada tipo de material seria, no mínimo, de muito difícil execução.
Impõe-se realçar que os resultados alcançados pelo método da amostragem são declarados pela própria entidade gestora, neste caso a Impugnante. Só no caso de a Impugnante incumprir com tal obrigação declarativa, que o artigo 9.º da Portaria n.º 72/2010, de 04.02, apelida de “determinação directa da quantidade de resíduos”, é que a administração pode proceder oficiosamente à liquidação da taxa de gestão de resíduos “por métodos indirectos, procedendo-se à estimativa fundamentada daquela quantidade de resíduos com recurso aos elementos de facto e de direito que a APA tem ao seu dispor.” (cfr. artigo 9.º da Portaria n.º 72/2010, de 04.02). É importante sublinhar que neste caso, a administração apura por métodos indirectos as quantidades de resíduos geridos, enquanto no caso da determinação por amostragem, apenas as quantidades e composição dos resíduos que não são compostos por um único fluxo de material é que são apurados pelo método da amostragem.
A avaliação indirecta da matéria tributável consiste na determinação da base tributável a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração disponha (veja-se o disposto no n.º 2 do artigo 83.º da Lei Geral Tributária) e é subsidiária da avaliação directa, ou seja, da determinação do valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação (cfr. n.º 1 do referido preceito legal). O recurso à metodologia indiciária visa obstar a que o sujeito passivo, através da violação dos seus deveres tributários, impossibilite a determinação e apuramento da matéria tributável de forma directa, e, desse modo, se exima ao pagamento dos tributos devidos.
Assim, é possível afirmar que a caracterização dos resíduos é feita de modo directo, porquanto resulta da informação declarada pela própria entidade gestora, e não por métodos indirectos como afirma a Impugnante. Os critérios que são utilizados para alcançar a informação que é declarada, e que serve de base ao apuramento da taxa, é que podem ter sido alcançados pelo método da amostragem atenta a impraticabilidade de obter a informação de outro modo.
Por outro lado, não se perspectiva em que medida a determinação da fracção reciclável em 55% (ponto 3.4 do ponto II do anexo da Portaria), pode colidir com a norma habilitante. De facto, o n.º 3 do artigo 58.º do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 05.09, refere expressamente que o agravamento da taxa de gestão de resíduos se aplica aos resíduos correspondentes à fracção caracterizada como reciclável. Não exige a norma habilitante que relativamente a cada tipo de resíduo seja apurada a fracção reciclável. Ademais, a determinação da fracção reciclável observou o estado da arte em termos de caracterização de resíduos à data.
Posto isto, a disciplina contida no regulamento de execução (Portaria n.º 851/2009, de 07.08) não conflitua com a previsão constante da lei habilitante (n.º 3 do artigo 58.º do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 05.09). Em consequência, também não se mostra verificada a alegada violação do n.º 3 do artigo 103.º, n.º 6 do artigo 112.º da CRP e artigo 8.º da LGT - porquanto a previsão do procedimento por amostragem e a determinação da fracção reciclável de resíduos foram feitas ao abrigo de norma habilitante.
Face ao exposto, improcede o vício de violação de lei, por violação do n.º 3 do artigo 58.º do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 05.09, e do princípio da legalidade tributária.»
Por fim, relativamente ao erro de julgamento imputado ao tratamento do “Vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, por violação do princípio do poluidor-pagador no período compreendido entre 01.01.2010 e 31.03.2010”, também, estamos ao lado da sentença recorrida e em sintonia com o que, sobre a mesmíssima matéria, foi entendido no acórdão, do STA, de 15 de julho de 2020 (3582/11.8BEPRT) (Integralmente, disponível em www.dgsi.pt), de que nos permitimos extratar: «

(…).
O princípio do poluidor-pagador, construído pela economia do ambiente como critério de eficiência económica, representa no contexto do direito fiscal um imperativo de igualdade tributária, reconduzindo-se ao tradicional princípio da equivalência, à noção de que certos tributos devem corresponder ao custo que o contribuinte traz à comunidade ou ao benefício que a comunidade lhe faculta (…)
… Como aplicação do princípio do poluidor-pagador, (…) a TGR é repercutida pelo sujeito passivo (entidade gestora de sistema de gestão de resíduos) nas tarifas e prestações financeiras cobradas aos seus clientes, produtores de resíduos (arts. 10º e 58º nº 5 DL nº 178/2006, 5 de setembro; art. 7º Portaria 72/2010, de 4 de fevereiro)
… A recorrente tinha conhecimento, desde data da publicação da Portaria nº 851/2009, 7 agosto que:
- estava vinculada ao cumprimento da obrigação da caracterização dos resíduos sob a sua gestão;
- sobre a fracção reciclável iria incidir o agravamento da taxa, sujeita a necessária repercussão
(…).
… Não estabelecendo a lei qualquer prazo preclusivo para a repercussão legal da taxa agravada em 50%, aplicável à fracção reciclável dos resíduos encaminhados para aterro, incineração ou co-incineração nada impedia o sujeito passivo de a efectuar ao longo do ano 2011 nas facturas apresentadas aos seus clientes, na medida em que a repercussão poderia ser efectuada por acerto de contas, após o pagamento da TGR do ano 2010, segundo os prazos legais até ao final do mês de maio de 2011 (art. 58º nºs 2º als. a) b) e 3 DL nº 178/2006, 5 de setembro; arts. 3º e 5º Portaria nº 72/2010, de 4 de fevereiro)
… Neste contexto a ausência de repercussão da TGR pelo sujeito passivo recorrente não resulta de qualquer ilegalidade do acto de liquidação, antes de eventual renúncia ou negligência na sua cobrança imperativa aos clientes»

Antes de decidir o inevitável decesso deste apelo, temos de referir, ainda, não ser de acolher o exercício, de verdade e consequência, levado a cabo, pela rte, nas conclusões EE) a HH). Escusando outras razões, desde logo, trata-se de matéria nova, não submetida, na presente perspetiva, à apreciação e julgamento do tribunal recorrido, o que, do ponto de vista processual, inibe pronúncia deste tribunal de recurso.
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# III.


Pelo congregado destes fundamentos, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acordamos negar provimento ao recurso.

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Custas pela recorrente.

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[texto redigido em meio informático e revisto]

Lisboa, 12 de maio de 2021. - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (relator) - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia.