Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0935/05.4BEBRG 054/09
Data do Acordão:02/11/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MADEIRA DOS SANTOS
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
PENSÃO VITALÍCIA
PENSÕES
Sumário:Não é de admitir a revista do acórdão que considerou extinta uma pensão vitalícia atribuída ao autor em Angola – com o fundamento de que ele, vítima de um ataque «terrorista», não beneficiava de qualquer outro esquema de protecção – a partir do momento em que lhe foi concedida uma pensão de invalidez pela Segurança Social, já que a argumentação do TCA, fundada na ideia de que «cessante causa cessat effectus», é equilibrada, credível e desmerecedora de reanálise.
Nº Convencional:JSTA000P24203
Nº do Documento:SA1201902110935/05
Data de Entrada:01/28/2019
Recorrente:A...
Recorrido 1:ESTADO PORTUGUÊS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, no Supremo Tribunal Administrativo:
A……………., identificado nos autos, interpôs a presente revista do acórdão do TCA Norte que, revogando parcialmente a sentença condenatória do TAF de Braga – proferida numa acção interposta pela recorrente contra o Estado para que este fosse condenado a indemnizá-lo por danos não patrimoniais e pelos prejuízos correspondentes aos montantes da pensão mensal vitalícia que não lhe foram pagos desde 1974 e que serão devidos no futuro – manteve a condenação do réu no pagamento de uma indemnização, por danos morais, mas reduziu o quantitativo a pagar, quanto aos danos patrimoniais, aos «quanta» das pensões entre Junho de 1974 e Maio de 1982, ocasião em que o autor passou a ser titular de uma pensão de invalidez, a cargo da Segurança Social.

O recorrente considera que a revista recai sobre uma questão importante – relacionada com a cumulação de pensões – e mal decidida pelo tribunal «a quo».

O Estado, representado pelo Mº Pº, considera a revista inadmissível.

Cumpre decidir.

Em princípio, as decisões proferidas em 2.ª instância pelos TCA's não são susceptíveis de recurso para o STA. Mas, excepcionalmente, tais decisões podem ser objecto de recurso de revista em duas hipóteses: quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental; ou quando a admissão da revista for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito («vide» o art. 150°, n.º 1, do CPTA).

O autor, que era beneficiário de uma «pensão mensal vitalícia» atribuída em Angola, no ano de 1969, deixou de a receber a partir de Junho de 1974 por não haver uma entidade administrativa que se responsabilizasse por esse pagamento. Invocando uma omissão legislativa ilícita, o autor accionou o Estado para que este fosse condenado a pagar os quantitativos correspondentes às pensões vencidas (que computou em €234.268,00) e vincendas, bem como uma indemnização por danos morais, no valor de €25.000,00.

O TAF julgou a acção parcialmente procedente, fixando em €96.768,88 o «quantum» das pensões vencidas e devidas ao autor, a quem atribuiu ainda uma indemnização de €15.000,00, por danos morais. Mas não se pronunciou sobre a pretensão do autor relativa às pensões vincendas.

O TCA manteve o montante indemnizatório daqueles danos não patrimoniais. No tocante às pensões, o acórdão «sub specie» entendeu que o autor perdera o respectivo direito em Maio de 1982, ocasião em que passou a receber uma pensão de invalidez da Segurança Social. E, quanto às pensões devidas até essa data, o aresto condenou o Estado a pagá-las, num montante a liquidar mais tarde.

Estranhamente – mas movido decerto por razões de justiça – o acórdão desviou-se da genuína «causa petendi» da acção, fundada em responsabilidade extracontratual do réu por omissão legislativa, e enveredou por uma condenação do Estado conforme a um reconhecimento dos seus deveres em face do direito subjectivo público do autor àquela pensão vitalícia. Note-se, aliás, que um recebimento da revista poderia reabrir esta questão, que é puramente de direito e cognoscível «ex officio» («jura novit curia»), o que possibilitaria um resultado final desfavorável ao autor (apesar do art. 635°, n.º 5, do CPC sugerir o contrário).

Na presente revista, o recorrente defende que a pensão atribuída em Angola é cumulável com a dita pensão de invalidez, pelo que continua credor dos montantes daquela, desde Maio de 1982 até hoje e mesmo depois, enquanto for vivo.

Contudo, e numa «summaria cognitio», tudo indica que o TCA julgou bem a questão relativa à cumulação das pensões – que é a única colocada na revista. A pensão vitalícia atribuída em Angola foi uma «ultima ratio» de protecção, pois a sua concessão deveu-se ao facto do autor, vítima de um ataque «terrorista», não beneficiar de qualquer outro esquema protectivo. Ora, se tal pensão representava, na sua génese, o último e único benefício então possível, compreende-se que atribuição dela findasse com a inclusão do autor no «status» de beneficiário de uma pensão de invalidez – como o TCA argumentou. Afinal, a pensão atribuída em Angola teve por causa a falta de um qualquer mecanismo de protecção à vítima – fosse nesse tempo, fosse no futuro; de modo que é credível a ideia, sustentada pelo TCA, de que a recepção do autor num sistema previdencial constituiu uma cessação dessa causa e, portanto, do seu efeito (ccessante causa, cessat effectus») – que seria a persistência da pensão atribuída em Angola após a atribuição da pensão de invalidez.

Todo o descrito circunstancialismo – a aparente fragilidade da posição do autor face à «causa petendi» enunciada, por um lado, e o modo sensato como o TCA procurou equilibrar os interesses em confronto, por outro – desaconselham o recebimento do recurso, devendo prevalecer, «in casu», a regra da excepcionalidade das revistas.

Nestes termos, acordam em não admitir a revista.

Custas pelo recorrente, sem prejuízo de apoio judiciário de que beneficia.

Porto, 11 de Fevereiro de 2019. – Madeira dos Santos (relator) – Costa Reis – São Pedro.