Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0489/14
Data do Acordão:07/30/2014
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:CIDADÃO ESTRANGEIRO
FILHOS MENORES
AFASTAMENTO COERCIVO
EXPULSÃO DE ESTRANGEIRO
Sumário:I – A alínea b), do artigo 135º, do «Regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional», pretende conciliar os interesses de ordem pública que fundamentam a «expulsão ou afastamento coercivo de estrangeiro do território nacional» com o interesse na conservação da «unidade familiar» e na protecção do «superior interesse do filho menor» residente em Portugal;
II – Saber se, face ao disposto no artigo 36º, nº6, da CRP, os estrangeiros com residência de facto em Portugal, e que aqui tenham filhos menores sobre os quais não exista decisão judicial relativa ao incumprimento de responsabilidades parentais, podem ser afastados por via administrativa, sem «decisão judicial», apenas com base na dita alínea b) do artigo 135º, é questão cuja resolução não é «evidente», mas é susceptível de alicerçar o litígio vertido na acção principal.
Nº Convencional:JSTA00068862
Nº do Documento:SA1201407300489
Data de Entrada:06/06/2014
Recorrente:A...
Recorrido 1:SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS - MAI
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCAS
Decisão:DEFERIMENTO
Área Temática 1:DIR ADM CONT - PROVIDENCIA CAUTELAR
Legislação Nacional:CONST76 ART36 N6.
L 23/2007 SEGUNDO REDACÇÃO L 29/2012 ART135 B.
CPTA02 ART120 N1 A N2.
Legislação Comunitária:DIR 2008/115/CE PE E DO CONS DE 2008/12/16.
Referência a Doutrina:JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO E VITAL MOREIRA - CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA ANOTADA VOLI COIMBRA EDITORA 2007 PAG351.
Aditamento:
Texto Integral: Tribunal: Secção de Contencioso Administrativo do STA
I. Relatório

1- A……………., identificado nos autos, interpõe «recurso de revista» pedindo a revogação do acórdão de 20.02.2014 pelo qual o Tribunal Central Administrativo Sul [TCA Sul] manteve, embora com distinta fundamentação jurídica, a sentença de 26.09.2013 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra [TAF] que lhe indeferiu «pedido de suspensão de eficácia» do acto de 27.11.2012 mediante o qual o «Director Nacional Adjunto» do SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS [SEF] decidiu o seu afastamento coercivo do território nacional e a interdição de nele entrar pelo período de 5 anos.

Conclui assim as suas alegações:

1- O acto do Director Nacional Adjunto do SEF, que determinou o afastamento coercivo do ora recorrente é nulo por ofender o conteúdo do direito fundamental previsto no artigo 36º, nº6, da CRP, de os pais não poderem ser afastados dos filhos sem decisão judicial;

2- A suspensão de eficácia do referido acto administrativo está devidamente fundamentada em matéria de facto e de direito, e visa acautelar o perigo de mora da decisão da acção principal e a constituição de situação de facto consumado;

3- Neste recurso suscita-se a questão de saber se face ao disposto no artigo 36º, nº6, da CRP, os estrangeiros com residência de facto em território nacional, e que aqui tenham filhos menores, e sobre os quais não foi proferida nenhuma decisão judicial de incumprimento das responsabilidades parentais, podem ou não ser expulsos administrativamente, sem decisão judicial, nos termos do artigo 135º, alínea b), da Lei nº23/2007, na redacção da Lei nº29/2012, de 09.08;

4- Trata-se de uma questão da maior relevância jurídica e social, e até mesmo de questão que necessita da intervenção do STA para uma melhor aplicação do direito, uma vez que, para esta última situação, se não conhece jurisprudência relevante. Sobre estes conceitos remetemos ao AC do STA de 25.09.2013, Rº01013/13, transcritos no nº7 destas alegações;

5- A situação preenche os pressupostos do artigo 150º, nº1, do CPTA, pelo que é admissível o recurso de revista excepcional aí contemplado;

6- O Tribunal de Família e Menores fixou ao recorrente responsabilidades parentais partilhadas, alimentos e visitas sobre filho menor [ponto 7 do provado]. Nos termos do artigo 619º, nº1, do CPC/2013 [anterior 671º, nº1] o despacho do Tribunal de Portimão que fixou a regulação das responsabilidades parentais tem força obrigatória. O Supremo Tribunal Administrativo não está impedido de tomar em consideração, e de valorizar, a prova decorrente do despacho judicial de fixação das responsabilidades parentais, já que as anteriores instâncias o não fizeram, como decorre do nº4 do artigo 150º do CPTA. Ao não relevar a prova decorrente da decisão judicial de fixação das responsabilidades parentais, o douto acórdão viola o disposto no artigo 619º, nº1, do CPC/2013, pelo que tal prova deve ser considerada;

7- O artigo 36º, nº6, CRP, diferentemente do artigo 33º, nº2, estabelece que os estrangeiros com filhos menores aqui residentes não podem ser expulsos administrativamente mas sempre através de decisão judicial, independentemente de estarem em situação regular ou irregular. Ao não entender assim, o acórdão em recurso viola o direito de pais e filhos e consequentemente o preceito constitucional do nº6 do artigo 36º CRP que, sendo de aplicação directa e vinculando as autoridades públicas, nenhuma norma ordinária lhe pode diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial, segundo o disposto no artigo 18º, nºs 1 e 3, CRP, que é o da necessidade absoluta de haver sempre decisão judicial. Eventuais restrições a tais direitos somente serão possíveis mediante decisão judicial;

8- O artigo 135º, alínea b), da Lei nº23/2007, de 04.07, na redacção da Lei nº29/2012, de 09.08, interpretado no sentido da dispensa de decisão judicial é inconstitucional, por ofender o citado artigo 36º, nº6, CRP. «Eventuais restrições aos mesmos direitos apenas serão possíveis mediante decisão judicial» como se tirou em Acórdão do Tribunal Constitucional nº181/97, de 05.03;

9- No caso, verificam-se, portanto, os pressupostos do artigo 120º, nº1, alíneas a) e/ou b), do CPTA, porque ou se verifica o fumus boni juris da pretensão do recorrente ver declarada nula a decisão de expulsão, por ser evidente a procedência da sua pretensão, ou o fumus non malus juris, por não ser evidente a sua improcedência, e o periculum in mora [este já consignado no acórdão recorrido]. Ao não decretar a suspensão da eficácia do acto administrativo de expulsão, o acórdão recorrido viola aquele artigo 120º, nº1, alíneas a) e/ou b), do CPTA.

Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido e o deferimento do pedido cautelar que começou por dirigir ao TAF de Sintra.

2- O Director Nacional do SEF contra-alegou, concluindo deste modo:

A) O recorrente diz que a interpretação da alínea b) do artigo 135º, no sentido da dispensa de decisão judicial, ofende o artigo 36º, nº6, da CRP, pelo que é inconstitucional;

B) No entanto vejamos;

C) O artigo 36º, da CRP, efectivamente anuncia o princípio do não afastamento dos filhos dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial;

D) Este princípio, que não é um «direito absoluto», encontra-se sujeito às restrições legais e constitucionais que se lhe possam impor;

E) Foi o que sucedeu com a decisão de afastamento coercivo, de 27.11.2012, proferida pelo Director Nacional Adjunto do SEF, que articulando o enunciado na norma vertida no artigo 134º nº1 alíneas a) c) e f), e artigo 135º nº1 b), todas da Lei nº23/2007, de 04.07, actualizada pela Lei nº29/2012, de 09.08, conclui que sobre o agora recorrente não recaía qualquer excepção que obstasse à decisão de expulsão;

F) O facto de o recorrente ser pai de um menor residente em território nacional por si só não constitui impedimento à sua expulsão;

G) Salvo melhor opinião, a garantia de não privação dos filhos em relação aos pais prende-se, sobretudo, com as situações em que o intuito/fim único do acto ou facto seja o de afastamento de pais e filhos, o que, neste caso deve e tem que ser regulado por decisão judicial e não por deliberação de um qualquer particular;

H) Nessas situações, é certo que seja o Tribunal a decidir as restrições que podem ser impostas aos progenitores no que tange à inibição do poder paternal, das responsabilidades parentais e também do convívio com o menor, se resultar essencial para o superior interesse da criança;

I) Coisa bem diferente é o que sucede ao nível da expulsão de cidadãos estrangeiros por terem cometido actos criminosos graves e por conta deles terem sido condenados;

J) A decisão de expulsão não visa inibir o convívio entre pais e filhos, resultando apenas numa consequência do acto emanado pela administração, que se limita a enquadrar os factos nas normas legais vigentes;

K) Se do acto emanado pela Administração - decisão de expulsão - resulta, como consequência, a separação entre progenitor e filho menor, essa é uma consequência pela qual a Administração não pode responder, e muito menos se poderá fintar os impositivos legais fazendo tábua rasa do que está estabelecido;

L) Evidentemente, o nosso legislador quando determinou os pressupostos da expulsão, e ainda, simultaneamente, os pressupostos de afastamento, sediando-os no artigo 135º da Lei 23/2007, de 04.07, alterada pela Lei nº29/2012 de 09.08, ponderou as situações em que da expulsão poderia resultar, como consequência, a separação de pais e filhos;

M) E foi assim que estabeleceu no artigo 135° da Lei nº23/2007, alterada pela Lei nº29/2012, que: «Com excepção dos casos de atentado à segurança nacional ou à ordem pública e das situações previstas nas alíneas c) e f) do nº1 do artigo 134º, não podem ser afastados do território nacional os cidadãos estrangeiros que: a) [...]; b) Tenham a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa ou estrangeira a residir em Portugal, sobre os quais exerçam efectivamente as responsabilidades parentais e a quem assegurem o sustento e a educação»;

N) Da leitura do texto transcrito resulta, claramente, que não foi descurado o princípio do «não afastamento de pais e filhos», porém tal prorrogativa pode ser desatendida: - Quando o progenitor não exerça efectivamente as suas responsabilidades parentais e assegure o sustento e educação do menor; - E ainda, quando apesar de exercer efectivamente as suas responsabilidades parentais, assegurando o sustento e a educação tenham cometido actos criminosos graves, ou cuja presença ou actividade no País constituam ameaça aos interesses ou à dignidade do Estado Português ou dos seus nacionais;

O) Ora, tendo o recorrente sido condenado por crime de tráfico de estupefacientes, e tratando-se este de crime cujos reflexos constituem claramente uma ameaça aos interesses e dignidade legítimos das famílias portuguesas e do próprio Estado, afigura-se que o acto cuja suspensão se requereu foi exarado em obediência aos rigores da lei, não enfermando de qualquer tipo de ilegalidade que ofenda o conteúdo essencial de direito fundamental, bem assim, a sentença que considerou não estarem preenchidos os pressupostos da alínea a) do nº1 do artigo 120º CPTA;

P) Assim, não se antevê que o pressuposto do fumus boni juris esteja preenchido, de molde a evidenciar-se a procedência da pretensão a formular na acção principal;

Q) O dito critério foi anulado pelo próprio recorrente quando decidiu enveredar pela actividade criminosa, não ponderando as consequências nefastas que adviriam, tanto para a sua família, como para as famílias residentes em território nacional, sejam estrangeiras ou portuguesas;

R) A pretensão do recorrente, e os argumentas aduzidos, fazem antever, em última instância, que, no seu entender, a actividade criminosa, sempre que o agente tenha filhos menores, não possa ser punida, pois tal contenderia com o princípio consagrado no artigo 36º da CRP de não privação dos filhos, uma vez que a «reclusão» é, também ela, um modo indirecto de exercer essa privação, ainda que não seja essa a finalidade;

S) Tem razão o recorrente ao pedir a este Supremo Tribunal que assente jurisprudência nesta matéria;

T) De facto, têm vindo a aumentar, de forma significativa e deveras preocupante, as situações de cidadãos estrangeiros que mercê da actividade delituosa são condenados em pena de prisão efectiva por perpetrarem crimes considerados gravíssimos, mas que por serem progenitores de menores residentes ou nacionais entendem estar imunes a uma eventual decisão administrativa de afastamento coercivo;

U) O recorrido entende que tais situações não podem passar imunes às malhas da lei, devendo, sim, extrair-se daí as devidas consequências;

V) Em última instância, considerar inconstitucional a norma veiculada pelo artigo 135º da Lei de Estrangeiros, na sua versão actualizada, é pôr a salvo a actividade criminosa desenvolvida por aqueles cidadãos estrangeiros, é dizer abertamente que independentemente das condenações e da base dessas condenações, a sua situação, em território nacional, está sempre a salvo, desde que tenham filhos menores nacionais ou residentes;

W) No presente caso, com a agravante de não ter ficado provado que o recorrente exerça, efectivamente, sendo que este efectivamente deve ser entendido no sentido literal do termo, as responsabilidades parentais e assegure o sustento e educação do seu filho menor;

X) Urge dizer, de novo, que não foi violado qualquer normativo constitucional, nem a decisão de expulsão encerra em si o propósito de afastar pais e filhos;

Y) Afastamento, aliás, que na verdade foi impulsionado pelo próprio recorrente quando decidiu enveredar pela via criminosa como modus vivendi;

Z) No que tange ao critério veiculado pela alínea b) do nº1 do artigo 120º do CPTA, atinente ao periculum in mora, ou receio fundado da produção de prejuízos de difícil reparação na esfera do requerente, o mesmo também não vinga no caso concreto;

AA) Tal como vem sustentado na sentença do TAF, o receio deve ser fundado, ou seja, assente em fundamentos sérios, razoáveis e concretos, devidamente alegados e demonstrados, e não imprecisos, abstractos ou de mera conjectura. Por outro lado, a adopção das providências será recusada quando, ponderados os interesses públicos e os privados, em presença, os danos que resultariam da concessão da providência se mostrem superiores aos danos que poderão resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados mediante outras providências;

BB) A decisão de expulsão poderá constituir um receio da constituição de uma situação de facto consumado, no entanto, a lei não exige apenas que exista receio, mas que ele seja fundado;

CC) Ora, o receio da constituição de situação de facto consumado, ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que a decretação da providência visa assegurar na acção principal, não está amparado por qualquer normativo legal;

DD) O fundado receio deverá ter, na sua base, a protecção de direitos e interesses legalmente protegidos, o que não é o caso;

EE) Tal como já anteriormente se referiu, a Lei 23/2007, de 04.07, alterada pela Lei nº29/2012, de 09.08, no seu artigo 135º, excepciona categoricamente as situações de «inexpulsabilidade» de cidadãos estrangeiros de território nacional, mormente os que comprovem ser progenitores de menores residentes em Portugal sobre os quais exerçam efectivamente as responsabilidades parentais e a quem assegurem o sustento e a educação;

FF) Todavia, tal excepcionalidade é derrogada pela primeira parte do intróito da norma quando refere que «Com excepção dos casos de atentado à segurança nacional ou à ordem pública e das situações previstas nas alíneas c) e f) do nº1 do artigo 134°, não podem ser afastados ou expulsos do território nacional os cidadãos estrangeiros que [...] tenham a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa ou estrangeira, a residir em Portugal, sobre os quais exerçam efectivamente as responsabilidades parentais e a quem assegurem os sustento e a educação […]»;

GG) É esta derrogação à excepção vertida no início do artigo 135º que neutraliza a protecção que é dada aos cidadãos estrangeiros sujeitos a processos de expulsão, ainda que reúnam os pressupostos estabelecidos nas alíneas a), b) e c);

HH) Assim, o facto do agora recorrente ter cometido acto criminoso grave, e por ele ter sido condenado a 4 anos e 9 meses de prisão efectiva, enquadra-o nas alíneas c) e f) do artigo 134º da Lei 23/2007, inviabilizando automaticamente a protecção conferida pela alínea b) do artigo 135º do mesmo diploma legal;

II) À parte tal derrogação, urge esclarecer que, o recorrente, em bom rigor, não logrou provar que exerce efectivamente responsabilidades parentais, e que assegura o sustento e educação do filho menor;

JJ) Essa tarefa tem sido, desde sempre, efectivamente exercida pela mãe, em momento algum o recorrente veio alegar ou provar o contrário;

KK) É de concluir, assim, que o ora recorrente não é detentor de qualquer interesse legalmente protegido ou direito que possa ser beliscado com a manutenção da decisão de expulsão;

LL) Assim, tal como referiu a sentença anteriormente recorrida, o receio do recorrente parece ser o de que o SEF não observe a lei, mas, a ser este [pois não concretiza outro], limitando-se a pretender a nulidade por violação de suposto direito a não ser afastado do filho, tal observância não constitui receio fundado, nos termos do artigo 120º, alínea b), do CPTA, atenta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular;

MM) O acórdão recorrido está correcto, e o procedimento administrativo a ele subjacente não padece de qualquer vício que o invalide, pelo que não procedem as alegações do recorrente;

NN) Uma vez determinados os contornos e o conteúdo específico do interesse público que está em causa, denota-se que encontra completa identificação no procedimento prosseguido, e que a eventual concessão da providência, porque a pretensão material do recorrente é infundada e viola a lei, é fortemente lesiva do interesse público, em termos tais que impossibilita qualquer comparação com os danos que o recorrente possa vir a sofrer, decorrentes da conduta ilegal;

OO) A decretação da providência cautelar seria lesiva do interesse público, provocando danos atinentes à própria prossecução daquele, expressos na violação de normas legais imperativas atinentes à entrada e permanência dos cidadãos estrangeiros em território nacional constantes da Lei nº23/2007, de 04.07, alterada pela Lei nº29/2012, de 09.08.

Termina pedindo o «não provimento» do recurso de revista e a confirmação do acórdão do TCA Sul.

3- O «recurso de revista» foi admitido por acórdão deste STA [formação a que alude o nº5 do artigo 150º do CPTA], proferido a 15.05.2014, nos termos seguintes:

[…]

«2.3. A controvérsia para que se pretende a intervenção do STA ao abrigo do referido preceito incide, conforme alegado pelo recorrente, em saber se face ao disposto no artigo 36º, nº6, da CRP, os estrangeiros com residência de facto em território nacional e que aqui tenham filhos menores e sobre os quais não foi proferida nenhuma decisão judicial de incumprimento das responsabilidades parentais podem ou não ser expulsos administrativamente, sem decisão judicial, nos termos do artigo 135º, alínea b), da Lei 23/2007, na redacção da Lei 29/2012.

Na circunstância, e conforme o acórdão recorrido, Resulta da matéria fáctica provada que o recorrente tem um filho menor de 13 anos a residir em Portugal, mas não está demonstrado que ele esteja a seu cargo, nem que exerça efectivamente as responsabilidades parentais e que assegure ao mesmo o sustento e a educação.

E, por isso, considerando que não se preenchia o limite à decisão de afastamento coercivo constante daquele artigo 135º, alínea b), da Lei nº23/2007, e que o dispositivo constitucional não tinha o alcance preconizado pelo recorrente, julgou o TCA inexistir fumo de bom direito.

Ora, trata-se de um domínio normativo em que se entrecruzam opções fundamentais da comunidade, em matéria de direito de estrangeiros, e em que as soluções normativas e as decisões dos órgãos do poder público tomadas ao seu abrigo são susceptíveis de elevada repercussão social, potenciada pela sua repetição num número significativo de casos.

É certo que se está em sede de providência cautelar, em que o juízo que se venha a realizar é necessariamente provisório. Mas não é de desestimar o alcance desse juízo, juízo sobre o direito, e o relevo orientador que pode ter sobre situações similares, sendo que não se detecta posição já assente deste Supremo Tribunal Administrativo.

3.Pelo exposto, admite-se a revista.»

4- O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do artigo 146º, nº1, do CPTA, pronunciou-se pelo «não provimento» do recurso de revista.

Sem «vistos», por se tratar de processo de natureza urgente, cumprirá apreciar e decidir o objecto da revista.

II. De Facto

A matéria de facto dada como assente é a consignada na decisão proferida pelo TAF de Sintra, para a qual remeteu o acórdão recorrido, e que ora se reproduz:

1) O requerente, A……………….., encontra-se a cumprir pena de prisão no Estabelecimento Prisional de Sintra - recluso ………, Quinta do Bom Despacho, 2710-515, Sintra;

2) O requerente entrou em Portugal em 15.09.1992, no âmbito do programa de cooperação militar entre Portugal e a Guiné-Bissau, para frequentar um curso superior de fisioterapia com a duração de 3 anos;

3) O requerente concluiu o dito curso em 31.07.1996, conforme o certificado curricular – documento 7 a folha 56;

4) O requerente foi titular de autorização de residência do «tipo A», entre 27.01.1994 e 27.01.2000, tendo sido este o único título de residência que teve em Portugal;

5) O requerente solicitou ao SEF renovação de residência, ficando com o recibo comprovativo do pedido, com o qual continuou no território nacional;

6) Em 03.03.2000, em Lisboa, nasceu B…………….., filho do ora requerente e de C………………., ambos de nacionalidade Guineense [ver assento de nascimento nº…………., de 2008, da 5ª Conservatória do Registo Civil de Lisboa – documento 1 a folhas 44 e 154 e seguintes do PA];

7) Em 20.03.2012, sendo requerente o Ministério Público, no processo 82/12.2TBPTM de Regulação dos Deveres Parentais do dito filho B…………….., o Tribunal de Família e Menores de Portimão, no âmbito da conferência de pais, fixou, a título provisório, o seguinte regime:

«1. Exercício das responsabilidades parentais:

a) O menor fica entregue aos cuidados da mãe e com ela residente;

b) O exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do menor incumbe à mãe;

c) O exercício das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do menor são decididas de comum acordo por ambos os progenitores, salvo caso de urgência manifesta. Quanto a estas questões, em face do supra declarado pelo progenitor, consigna-se que a progenitora poderá tratar de toda e qualquer documentação pessoal do menor, sem a presença ou assinatura do progenitor.

2. Visitas:

a) Uma vez que o pai está preso no EP de Sintra, o regime de visitas ficará na disponibilidade da progenitora em deslocar-se com o menor ao Estabelecimento Prisional para o visitar.

3. Alimentos:

a) Uma vez que o progenitor está privado da liberdade, por ora, fixa-se a quantia de 50,00 Euros mensais a título de alimentos a favor do menor, que deverá depositar na conta bancária com o NIB [...].

[...] Solicite à Segurança Social a elaboração de relatório social [...]

Oficie ao Estabelecimento Prisional onde o Requerido está detido, a solicitar informação se o mesmo aufere alguma importância a título de remuneração por trabalhos prestados no EP, ou, se aufere algum subsídio […]» - documentos 2 e 3 a folhas 46 a 51 e 156 a 161 do PA;

8) Até 22.07.2013 não foi efectuada regulação definitiva das responsabilidades parentais do referido menor, aguardando os autos esse dia, e a solicitação de informação sobre se foi dado cumprimento à decisão de expulsão do progenitor do menor do território nacional – documento 4 a folhas 51 e 161 do PA;

9) O referido menor, B……………., agora com 13 anos de idade, frequentou no último ano lectivo o 6º ano da Escola ………….., em Albufeira [escola pública];

10) O menor não tem a sua situação regularizada no Território Nacional, não tendo sido requerido o título de residência ou nacionalidade [Relatório a folhas 72, 73 e seguintes, 91 e seguintes do PA];

11) Em 06.05.2011, o requerente foi ouvido no Estabelecimento Prisional de Sintra, na presença do seu advogado, pelo SEF, no âmbito do «processo de expulsão administrativa 32/2009» - tendo prestado as declarações de folhas 62 e 63 do PA anexo;

12) O referido processo de expulsão administrativa 32/2009 foi instaurado em 27.01.2009, por despacho do Subdirector Regional de Lisboa, Vale do Tejo e Alentejo, do SEF;

13) Na sequência das ditas declarações, o SEF diligenciou junto do Defensor do requerente, entidades públicas, e companheira do requerente, pela junção de documentos e por informações - conforme «cotas» no PA, de 19.05.2011, pelas 09H20; de 12.10.2011, pelas 09H50; Ofício 175/S/2012 de 25.05.2012; Cotas de 25.05.2012, pelas 09H50; de 25.05.2012, pelas 10H00 [contactada a companheira]; de 25.07.2012, pelas 15H40 [documentação em falta, já pedida por diversas vezes]; Solicitação de 20.08.2012, 17H04 [urgência e informação relativa às visitas]; de 23.08.2012, pelas 10H20 [Registos e Notariado) – folhas 68 a 77 do PA;

14) O ora requerente esteve preso preventivamente de Novembro de 1996 até Julho de 1998;

15) O requerente e C…………….., pais do referido menor, também B…………., foram acusados no Processo Comum Colectivo 82/04.6JAPDL, com outros arguidos, e julgados no Tribunal Judicial de Ponta Delgada, Açores, por Acórdão de 24.04.2006, transitado em julgado em 12.05.2006, pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º, nº1, do DL nº15/93, de 22.01, pelo qual o ora requerente, A…………., foi condenado na pena de 4 anos e 6 meses de prisão, e a referida C…………….. na pena de 2 anos e 2 meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de 3 anos – Acórdão de folhas 28 a 51 e de folhas 87 e seguintes do PA;

16) O requerente, A………………, foi condenado por duas vezes, em 22.11.2000, pela prática nesse dia de um crime de condução em estado de embriaguês; e, em 27.09.2001, pela prática, naquele dia 22.11.2000, de um crime de condução sem carta e de um crime de falsidade de depoimento, sentenças que já tinham transitado em julgado - citado Acórdão do Processo 82/04.6JAPDL, folha 32 do PA;

17) A 23.06.2005, pelas 15H50, no Tribunal de Loures, o arguido A…………….., depois de advertido das consequências da falsidade das respostas às perguntas declarou nunca ter sido condenado, pelo que, no citado Acórdão do Processo 82/04.6 JAPDL, pela prática de um crime de falsas declarações, previsto e punido pelo artigo 359º, nºs 1 e 2, do Código Penal, foi também condenado em 6 meses de prisão; e feito o cúmulo jurídico, foi, assim, condenado, por aquele tribunal, na pena única de 4 anos e 9 meses de prisão – folhas 32, 87 e seguintes e 96 do PA;

18) O requerente, A………………., no Processo ……… GTCBR, do Tribunal de Condeixa-a-Nova, Secção Única, cumpriu 93 dias de prisão subsidiária, por condução sem habilitação legal e falsidade de depoimento, por de 23.02.2006 – documento de folha 18 do PA;

19) O requerente, A………………, ficou preso desde 28.08.2008, para cumprir a pena de 4 anos e 9 meses de prisão, prevendo-se o termo da pena para 22.07.2013 – documento de folhas 18 e 101 do PA;

20) Com data de 11.12.12, D…………….. prestou o Termo de Responsabilidade relativamente ao requerente [folha 52 do PA]; e “com data de 26.01.2017” [o reconhecimento notarial é de “26 de Fevereiro de 2013”] E…………..., ofereceu o Termo de Responsabilidade ao requerente – folhas 54 e 86 do PA;

21) Em 22.10.2012, no Processo de Expulsão Administrativa, nº32/2009, foi elaborado o Relatório de folhas 16 e 40 e seguintes e 91 a 94 do PA, sobre o qual, em 27.11.2012, o Director Nacional Adjunto do SEF, proferiu DECISÃO, da qual se salienta:

«Abonando-me na factualidade que se considerou adquirida no relatório de folhas 91 a 94, [...] considero que o cidadão de nacionalidade guineense A………………, nascido aos 08.05.1968, se encontra em situação irregular no Território Nacional – ver artigo 134º, nº1, alínea a) da Lei nº23/2007, de 04.07, com as alterações introduzidas pela Lei 29/2012 de 09.08 - e, consequentemente, determino:

a) O afastamento coercivo do cidadão supra referido do Território Nacional;

b) A sua interdição de entrada em Território Nacional por um período de 5 [cinco] anos;

c) A sua inscrição na Lista Nacional de Pessoas não admissíveis pelo período da Interdição de Entrada;

d) A sua inscrição no Sistema de Informação Schengen para efeitos de não admissão pelo período de três [3] anos, ao abrigo do disposto no nº3 do artigo 96º, reapreciável nos termos do artigo 112º, ambos da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen;

e) O custeio das despesas da medida imposta pelo Estado português, dado não conseguir provar que o cidadão expulsando possui meios económicos que lhe permitam custear as despesas de retorno.

Notifique e proceda às legais comunicações […]» - folha 95 do PA;

22) Em 04.12.2012, foi levado ao conhecimento do requerente o despacho decisório acabado de referir, pela comunicação pessoal de folha 97 do PA;

23) A presente acção deu entrada em juízo em 18.07.2013 – folhas 2 e 3;

24) Dou por reproduzidos todos os documentos juntos, incluindo os acima mencionados, referidos na petição inicial, na oposição e processo administrativo [PA] anexo.

E é tudo, o sumariamente provado.

III. De Direito

1- Ao requerente cautelar, cidadão guineense, foi comunicado em 04.12.2012 o despacho do Director Nacional Adjunto do SEF que, culminando o «processo de expulsão nº32/2009», determina o seu «afastamento coercivo» do território nacional português e lhe interdita a entrada no mesmo pelo período de 5 anos.

Em 18.07.2013, e então a cumprir pena de prisão no Estabelecimento Prisional de Sintra, o cidadão guineense, alegando, essencialmente, ser pai de um menor de 13 anos, nascido em Portugal, onde reside com a mãe, também guineense, em situação irregular, solicitou ao TAF de Sintra a suspensão de eficácia do dito despacho expulsivo.

Fê-lo invocando a evidente procedência da pretensão que deduzirá no processo principal, pois entende ser manifesta a nulidade do referido despacho por violar o artigo 135º, alínea b), do «Regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional» [aprovado pela Lei nº23/2007, de 04.08, alterada pela Lei nº29/2012, de 09.08], o qual, a seu ver, deverá ser interpretado à luz do disposto no artigo 36º, nº6, da CRP.

O TAF indeferiu-lhe a pretensão cautelar, pois entendeu que não se verificava o manifesto fumus bonus invocado e exigido pela alínea a), do nº1, do artigo 120º do CPTA, nem, tão pouco, seria fundado o periculum in mora e o fumus non malus juris exigidos pela alínea b) do mesmo artigo legal.

O TCA Sul, conhecendo de recurso do requerente cautelar, manteve o decidido pelo TAF, se bem que com fundamentação jurídica parcialmente distinta. Para a 2ª instância, deve manter-se a improcedência do pressuposto da dita alínea a), deve ser julgada procedente a ocorrência de fundado receio de criação de uma situação de facto consumado, e deve improceder o fumus non malus juris que é previsto na parte final da alínea b), do nº1, do artigo 120º do CPTA.

Para o TCA Sul, a procedência da pretensão a deduzir no processo principal não se mostra evidente «por não ser constatável a olho nu que o afastamento coercivo previsto na Lei nº23/2007, de 04.07, na versão resultante da Lei nº29/2012, de 09.08, viola o artigo 36º, nº6, da CRP, quando determina que os pais não sejam separados de filhos menores sem precedência de decisão judicial».

Antes entendeu ser manifesta a sua improcedência, avançando, a respeito, com dois argumentos:

[…]

«De acordo com o artigo 135º, alínea b), da Lei nº23/2007, na redacção da Lei nº29/2012, não podem ser afastados ou expulsos do território nacional os cidadãos estrangeiros que tenham a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa ou estrangeira a residir em Portugal, sobre os quais exerçam efectivamente as responsabilidades parentais e a quem assegurem o sustento e a educação.

Resulta da matéria fáctica provada que o recorrente tem um filho menor de 13 anos a residir em Portugal, mas não está demonstrado que ele esteja a seu cargo, nem que exerce efectivamente as responsabilidades parentais e que assegure ao mesmo o sustento e a educação.

Nada tendo o recorrente alegado no sentido de demonstrar que ao caso seria aplicável o citado preceito e estando provado que ele permanece ilegalmente em território português, não se pode considerar verificada a aludida condição que obstava ao afastamento coercivo.

Também se nos afigura evidente, para efeitos do disposto na 2ª parte da alínea b), do nº1, do artigo 120º do CPTA, que não ocorre a violação do artigo 36º, nº6, da CRP, pois a tutela constitucional da família e da filiação não afasta a aplicação do artigo 33º e das normas legais nele baseadas, pelo que, não resultando deste preceito que tenha de ser determinado por autoridade judicial a expulsão de cidadãos estrangeiros que permanecem irregularmente em território nacional, não era aquele que a impunha pelo facto de estes terem filhos [ver Jorge Miranda e Rui Medeiros, in Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo I, 2ª edição, página 841].

Assim, não se pode considerar verificado o aludido requisito, motivo por que terá de improceder o presente recurso jurisdicional.»

[…]

De novo o requerente cautelar, inconformado com o decidido pela 2ª instância, interpõe este recurso de revista apontando «erro de julgamento de direito» ao acórdão recorrido. A seu ver, este aresto errou ao indeferir a pretensão cautelar por inverificação do requisito do «bom direito», seja ele entendido como «juízo de certeza» [alínea a) do nº1 artigo 120º do CPTA], seja como «juízo de aparência» [parte final da alínea b) do nº1 do artigo 120º do CPTA], e errou, ainda, por desrespeitar o disposto no artigo 619º, nº1, do actual CPC [anterior artigo 671º, nº1, do CPC].

O recorrente da revista defende que o acto suspendendo é ostensivamente nulo por ofender o conteúdo essencial do direito fundamental previsto no artigo 36º, nº6, da CRP [artigo 133º, nº2 alínea d), do CPA], e defende que a alínea b) do artigo 135º do regime jurídico acima referido deverá ser interpretada e aplicada de acordo com esta estatuição constitucional, sob pena de inconstitucionalidade material.

Note-se que, apesar de estar nesta fase de «revista», o processo não perdeu as características essenciais que o configuram como processo «cautelar», tal como a sua instrumentalidade face à acção principal, a provisoriedade da decisão nele proferida, o carácter sumário da prova e a apreciação perfunctória das questões jurídicas colocadas [artigos 112º, nº1, 113º, nº1, 114º, nº3 alínea g), 120º, 123º e 124º, todos do CPTA]. O que significa, para a apreciação e decisão desta revista, que as mesmas devem ser feitas de modo leve, perfunctório, sem a pretensão de resolver em definitivo as questões cujo aprofundamento terá o seu assento próprio na acção principal.

É nesta senda, portanto, que nos propomos abordar os erros de julgamento de direito apontados pelo recorrente A………………. ao acórdão proferido pelo TCA Sul.

2- Comecemos por relembrar as normas jurídicas em causa.

O artigo 134º do «Regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional» [aprovado pela Lei nº23/2007, de 04.08, alterada pela Lei nº29/2012, de 09.08] estipula, sob a epígrafe «Fundamentos da decisão de afastamento coercivo ou de expulsão», o seguinte: «1- Sem prejuízo das disposições constantes de convenções internacionais de que Portugal seja Parte ou a que se vincule, é afastado coercivamente ou expulso judicialmente do território português, o cidadão estrangeiro: a) Que entre ou permaneça ilegalmente no território português; […] c) Cuja presença ou actividades no País constituam ameaça aos interesses ou à dignidade do Estado Português ou dos seus nacionais; […] f) Em relação ao qual existam sérias razões para crer que cometeu actos criminosos graves ou que tenciona cometer actos dessa natureza, designadamente no território da União Europeia; […] 2- O disposto no número anterior não prejudica a responsabilidade criminal em que o estrangeiro haja incorrido».

O artigo 135º da mesma Lei, sob a epígrafe «Limites à decisão de afastamento coercivo ou de expulsão», diz que «Com excepção dos casos de atentado à segurança nacional ou à ordem pública e das situações previstas nas c) e f) do nº1 do artigo 134º, não podem ser afastados ou expulsos do território nacional os cidadãos estrangeiros que […] b) Tenham a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa ou estrangeira, a residir em Portugal, sobre os quais exerçam efectivamente as responsabilidades parentais e a quem assegurem o sustento e a educação; […]».

O artigo 36º, da CRP, sito no Título II sobre «Direitos, liberdades e garantias», e no Capítulo I sobre «Direitos, liberdades e garantias pessoais», estipula, sob a epígrafe «Família, casamento e filiação», no seu nº6, o seguinte: «Os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial».

Por sua vez, o artigo 619º do actual CPC, sobre o «Valor da sentença transitada em julgado», determina no seu nº1 desta forma: «Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696º a 702º».

3- Ao recorrente, cidadão guineense, foi determinado o «afastamento coercivo» do território nacional ao abrigo do artigo 134º nº1 alínea a) do referido regime jurídico, isto é, por permanecer ilegalmente no território português, e logo após ter cumprido a pena única de 4 anos e 9 meses de prisão, resultante de cúmulo jurídico que integrou a pena parcelar de 4 anos e 6 meses pela prática de crime de «tráfico de estupefacientes», previsto e punido pelo artigo 21º, nº1, do DL nº15/93, de 22.01, e aí punível com pena de prisão de 4 a 12 anos.

A validade desta decisão administrativa coloca-se por causa desse determinado «afastamento coercivo», e interdição de entrar em território português durante um período de 5 anos, significar, na prática, o afastamento do recorrente pai do seu filho de 13 anos, nascido e residente em Portugal.

Será manifesta a invalidade do acto em causa, como entende o recorrente, de tal modo que surja «evidente a procedência» do pedido de nulidade do mesmo que vai ser deduzido no processo principal, ou poderemos concluir, pelo menos, que «não é manifesta a falta de fundamento» desta pretensão?

Da resposta positiva àquele primeiro «juízo de certeza» resultará, sem mais, a concessão da suspensão de eficácia pretendida ao abrigo da alínea a), do nº1, do artigo 120º do CPTA. E as instâncias negaram-na.

Da resposta positiva ao segundo juízo, de mera «aparência», e uma vez que a 2ª instância julgou, pacificamente, existir periculum in mora, enquanto fundado receio de constituição de uma situação de «facto consumado», poderá vir a ser concedida a suspensão de eficácia, caso a tal não se oponha a ponderação de interesses e danos exigida pelo nº2 do referido artigo 120º do CPTA, que ainda não foi realizada.

4- Apesar de a situação do ora recorrente poder caber, eventualmente, atenta a natureza do crime de «tráfico de estupefacientes» integrado no cúmulo jurídico realizado pelo Tribunal Judicial de Loures, na previsão da alínea f) do nº1 do artigo 134º do «Regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional», compreende-se que a entidade administrativa demandada tenha fundamentado, apenas, a decisão de «afastamento coercivo» na alínea a) do mesmo artigo, dado que, nos termos do artigo 145º do mesmo regime, «o afastamento coercivo só pode ser determinado por autoridade administrativa com fundamento na entrada ou permanência ilegais em território nacional», ou seja, apenas podia ser por ela determinado com base na alínea a), e não na alínea f), do nº1 do referido artigo.

Na verdade, o «afastamento» com base nessa alínea f) já exigiria a intervenção judicial, seja como «pena acessória» seja como «medida autónoma» [artigos 151º e 152º a 158º da Lei nº23/2007, de 04.08, alterada pela Lei nº29/2012, de 09.08].

Isto significa que, ao ter sido baseada a decisão de «afastamento coercivo» na dita alínea a), e só nela, a execução deste afastamento coercivo estava sujeita à «limitação» imposta pela alínea b) do artigo 135º que acima transcrevemos.

Com esta limitação ao afastamento coercivo e à expulsão, pretende o legislador conciliar «a legítima autodefesa da ordem jurídica, política, económica e social do Estado» com os direitos, liberdades e garantias pessoais, pois que o Estado de direito não pode deixar de fundar-se no respeito pelos direitos fundamentais das pessoas.

É assim que na base dessa limitação está a «protecção da família», enquanto «elemento fundamental da sociedade», e o «interesse do filho menor», a cujos pais assiste o «direito e o dever de educação e manutenção» [artigos 36º, nº5, e 67º, nº1, da CRP].

A protecção da família significa desde logo, e em primeiro lugar, a «protecção da unidade familiar», sendo que a manifestação mais relevante desta ideia é «o direito à convivência», ou seja, o direito dos membros do agregado familiar a viverem juntos [J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, Coimbra Editora, 2007, página 351].

E este direito dos membros do agregado familiar a viverem juntos não é só um direito dos pais e dos filhos portugueses, mas também dos filhos, portugueses ou não, «residentes em Portugal» em relação ao progenitor estrangeiro, e vice-versa, não podendo deixar de se impor esta interpretação por via dos princípios da «equiparação» e da «igualdade» [artigos 13º e 15º da CRP].

Compreende-se, pois, que a nossa Lei Fundamental garanta aos filhos menores o direito a não serem separados dos pais, «salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial» [artigo 36º, nº6, da CRP].

Este direito subjectivo dos filhos a não serem separados dos pais, mas também dos pais a não serem privados dos filhos, arvora-se, pois, como manifestação da protecção constitucional dada à «família», à «maternidade e à paternidade» [artigo 68º da CRP], e perfila-se, em sede do artigo 36º, nº6, da CRP, como direito fundamental pessoal, que é directamente aplicável e vincula entidades públicas e privadas, devendo a respectiva restrição legal limitar-se «ao necessária para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos» [ver artigo 18º da CRP].

Mas, dito isto, convém sublinhar que a nossa Lei Fundamental não consagra um direito do estrangeiro entrar e fixar-se em Portugal, como também não goza do direito absoluto de permanecer em território nacional, pois pode ser extraditado e, verificadas certas condições, dele expulso. O direito do estrangeiro restringe-se, pois, ao «direito de asilo» e ao direito de «não ser arbitrariamente expulso ou extraditado» [ver artigo 33º da CRP].

É a esta luz que deverá ser interpretada e aplicada a norma limitativa que se encontra consagrada na alínea b), do nº1, do artigo 135º do «Regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional», e que pretende conciliar as razões de interesse e ordem pública que servem de fundamento à expulsão ou ao afastamento coercivo de estrangeiro do território nacional com o interesse na conservação da unidade familiar e na protecção do superior interesse do filho menor residente em Portugal.

Dela ressuma que, com excepção dos casos de atentado à segurança nacional ou à ordem pública e das situações previstas nas alíneas c) e f) do nº1 do artigo 134º, não poderá ser expulso do território nacional o estrangeiro que, nomeadamente, esteja nesta situação de vida:

a) Tenha a seu cargo filho menor residente em Portugal, seja a nacionalidade deste portuguesa ou estrangeira;

b) Exerça efectivamente responsabilidades parentais sobre esse filho e lhe assegure o sustento e a educação.

À entidade pública, judicial ou administrativa, que se depare com uma situação concreta deste género, em sede de aplicação de pena acessória de expulsão ou de processo judicial para aplicação de medida autónoma de expulsão, ou, ainda em sede de procedimento administrativo para afastamento coercivo, cumprirá ter em atenção esta limitação, pois que contende com a garantia fundamental consagrada no artigo 36º, nº6, da CRP, e pretende, além disso, transpor para a ordem jurídica interna o artigo 5º da Directiva nº2008/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16.12.2008, que manda os Estados-Membros ter na devida conta, ao legislar sobre normas e procedimentos relativos ao regresso de nacionais de países terceiros em «situação irregular», o «interesse superior da criança» e a «vida familiar».

5- Voltando ao caso concreto, a questão que desde logo se coloca é a de saber se a matéria de facto sumariamente dada como provada pelas instâncias surge como bastante para integrar tal hipótese limitativa do «afastamento coercivo».

Relativamente ao exercício efectivo de responsabilidades parentais por parte do recorrente para com o filho, assegurando-lhe, nomeadamente, e efectivamente o sustento e a educação, apenas temos o que resulta do «acordo provisório de regulação dos deveres parentais», fixado, em sede de conferência de pais, pelo Tribunal de Família e Menores de Portimão. E temos por claro que as instâncias se debruçaram sobre o conteúdo deste acordo provisório, ao contrário do que parece resultar da alegação do recorrente quanto à violação do artigo 619º nº1 do actual CPC, que, por isso, não se mostra verificada.

É insofismável que o conteúdo deste acordo provisório, único de que dispomos, se mostra condicionado pela situação do recorrente, preso no «Estabelecimento Prisional de Sintra». Daí não ser de admirar que «o menor fique entregue aos cuidados da mãe e a residir com ela», e que a ela compita prover aos actos da vida corrente do mesmo. Porém, já as responsabilidades parentais respeitantes às questões de particular importância para a vida do menor serão resolvidas de comum acordo, salvo caso de manifesta urgência. Sendo que as visitas serão as possíveis, e a prestação de alimentos também.

Poder-se-á dizer que a situação de preso, inegavelmente limitativa do exercício efectivo das «responsabilidades parentais», inclusivamente ao nível do efectivo «sustento e educação» do filho menor, é imputável ao próprio recorrente, pois foi por culpa sua que ela ocorreu. Porém, esta visão simplista descura os efeitos reflexos do «afastamento coercivo» do pai na vida do filho menor, sendo, como vimos, a «protecção da família», mormente da unidade familiar e seu «direito à convivência» que poderá sair desproporcionalmente desprotegida.

Serve isto para dizer que, em sede cautelar, onde vigora a urgência da decisão, onde se procura assegurar a utilidade de eventual sentença favorável na acção principal, e onde se procede à abordagem perfunctória das questões colocadas, não será curial concluir, sem mais, pela insuficiência da factualidade apurada para efeitos de afastar, neste caso concreto, o deferimento da providência que foi requerida.

Mas não só. É que devendo, no caso, ser tida em conta a limitação derivada da alínea b), do nº1, do artigo 135º do regime jurídico em apreço, e devendo essa norma limitativa ser interpretada e aplicada à luz do que é garantido pelo artigo 36º, nº6, da CRP, e mesmo à luz do que deriva da Directiva nº2008/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16.12.2008, importará apurar se nestes casos de procedimento administrativo para «afastamento coercivo» de cidadão estrangeiro que entrou ou permanece irregularmente em território nacional, e em que se impõe a ponderação da limitação da alínea b) do nº1 do artigo 135º, em referência, o afastamento coercivo só poderá ser objecto de decisão judicial ou pode ser decretado pela entidade administrativa competente.

Ou, doutro modo, importará apurar se, face ao disposto no artigo 36º, nº6, da CRP, os estrangeiros com residência de facto em território português, que aqui tenham filhos menores, e sobre os quais não exista decisão judicial relativa ao incumprimento de responsabilidades parentais, podem ser administrativamente expulsos, sem decisão judicial, apenas com base na alínea b) do artigo 135º.

Ora, obviamente que a «pretensão impugnatória» a deduzir pelo ora recorrente na acção principal terá de passar pela abordagem destas questões, já que elas fazem o cerne da nulidade aí invocada, que passa pela afectação do conteúdo essencial do direito fundamental consagrado no artigo 36º, nº6, da CRP [ver artigo 133º, nº1 alínea d), do CPA].

Perante isto, não é «evidente», decididamente, a procedência da pretensão que será deduzida na acção principal, no sentido de ser manifesta a ilegalidade que é imputada ao acto administrativo ora suspendendo, ou seja, de a mesma não carecer de pertinente e assaz elaborada «demonstração jurídica» [alínea a) do nº1 do artigo 120º do CPTA].

Mas também não é manifesta, cremos, a falta de fundamento dessa pretensão, antes se trata de tese jurídica pertinente e bem elaborada [alínea b), in fine, do nº1, do artigo 120º do CPTA].

Deve, assim, ser tido como preenchido o fumus non malus juris previsto na alínea b) do artigo 120º do CPTA, nessa medida se revogando o aresto recorrido que a julgou improcedente.

O que nos impõe, uma vez que está assente haver periculum in mora na vertente do «fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado», que façamos a ponderação exigida pelo nº2 do artigo 120º do CPTA.

6- Relativamente à ponderação de interesses e danos exigida pelo nº2 do artigo 120º do CPTA as partes em litígio pouco ou nada dizem, e as instâncias, por ter ficado prejudicada tal ponderação, nada disseram também.

O requerente cautelar limita-se a alegar que a execução imediata da medida de «afastamento coercivo» inviabiliza a tutela da sua proximidade e convivência com o filho menor.

A entidade administrativa demandada limita-se a alegar, por sua vez, que o interesse público que se patenteia é de que «a lei de entrada e permanência de estrangeiros em Portugal não saia defraudada».

Temos, pois, que o requerente cautelar apenas apela às normais consequências da execução de uma medida coercitiva severa, que, no caso, inevitavelmente o afastará do filho menor que reside, de facto, em território nacional com a mãe, e a respeito do qual vem fazendo o que pode, dada a sua situação de «preso».

Em princípio, os «interesses públicos e privados» a ponderar, nestas situações, não se devem reduzir àqueles que já enformam a hipótese normativa utilizada pela administração para decidir o procedimento em causa, ou seja, devem ser interesses, públicos e privados, que acrescem a esses, na medida em que são consequência necessária e adequada da não execução da decisão tomada, e os danos provavelmente resultantes da inexecução ou da execução dessa decisão administrativa deverão ameaçar o âmbito de tais interesses.

No caso concreto apenas poderemos contrapor, por falta de outros elementos, os danos que provavelmente resultarão do efectivo «afastamento coercivo» do recorrente do território nacional, e que a experiência da vida e o senso comum consubstancia em danos para o «agregado familiar do recorrente», privado, ora por decisão administrativa, da protegida «convivência», com o que isso significa de prejuízo para a «unidade familiar», ao dano que poderá consistir em termos a residir de facto em território português, até «decisão final» da acção principal, um estrangeiro numa situação irregular, que nada nos autos demonstra ser mais perigoso, infelizmente, do que muitos dos nossos compatriotas.

Deverá, por conseguinte, ser a ponderação de interesses e danos favorável à pretensão do requerente cautelar, uma vez que, ao que tudo indica, e dentro dos parcos elementos que a esse respeito nos fornecem estes autos cautelares, os danos provavelmente resultantes da execução imediata da medida decretada pelo SEF serão superiores aos provavelmente resultantes da sua suspensão até decisão final da acção impugnatória.

Nesta conformidade, impõe-se «revogar» o acórdão recorrido, na parte em que foi impugnado pelo recorrente, e deferir a pretensão cautelar de suspensão de eficácia do acto de 27.11.2012, mediante o qual o «Director Nacional Adjunto» do SEF decidiu o seu afastamento coercivo do território nacional e a interdição de nele entrar pelo período de 5 anos.

Decisão

Nos termos do exposto, decidimos revogar o acórdão recorrido, na parte em que foi objecto de impugnação, e deferir a providência cautelar requerida.

Custas pela entidade recorrida.

Notifique.

Lisboa, 30 de Julho de 2014. – José Augusto Araújo Veloso (relator) – Joaquim Casimiro Gonçalves – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano.