Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0137/13.6BEVIS
Data do Acordão:12/02/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:SEGURANÇA SOCIAL
TRABALHADORES
INDEPENDENTE
CONTRATO
Sumário:I - A actividade de criação de frangos, independentemente de estar organizada sob a forma de actividade profissional ou empresarial, uma vez enquadrando-se na categoria B do IRS, é sempre subsumível à categoria de trabalhador independente à luz das normas do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social (CRC).
II - A contribuição devida pelas Entidades Contratantes ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 140.º, 150.º, n.º 3, 151.º, n.º 2, 153.º, 154.º, n.º 2, 155.º, n.º 3 e 167.º do CRC decorre da situação de incidência descrita no artigo 140.º, ou seja, de à mesma ser imputável o benefício, no mesmo ano civil, de pelo menos 80% do valor total da actividade desenvolvida pelo trabalhador independente.
Nº Convencional:JSTA000P26834
Nº do Documento:SA2202012020137/13
Data de Entrada:12/06/2019
Recorrente:A............, S.A.
Recorrido 1:INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL, I.P.
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1 – A………, S.A., recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, de 29 de Junho de 2019, que julgou improcedente a impugnação judicial contra o indeferimento tácito da reclamação graciosa, por si deduzida, referente à liquidação de obrigação contributiva do ano de 2011, emitida pelo Instituto de Segurança Social, I.P., no montante de 22.703,45€, apresentando, para tanto, alegações que conclui do seguinte modo:
I. A recorrente é titular de uma empresa que se dedica à indústria transformadora, tendo como objeto a atividade de abate e transformação de carne de aves, comércio de produtos avícolas e processamento, transformação e comercialização de outras carnes, explorando um matadouro de aves e uma unidade de processamento e transformação de carnes avícolas.
II. Para o desenvolvimento da sua atividade, a recorrente necessita de se abastecer diariamente com elevadas quantidades de aves, celebrando, para esse efeito, contratos com terceiros com vista a garantir o fornecimento dessas aves.
III. Esses terceiros desenvolvem a atividade de criação de aves, as quais, quando atingem uma idade determinada, são entregues à recorrente, sendo proprietários de imóveis destinados à criação de aves e, bem assim, de um conjunto de outros meios de produção próprios.
IV. Estas entidades com as quais a recorrente contrata recebem aves recém-nascidas, e procedem à sua criação, dando-lhes alojamento, maneio, alimentação, água e medicação e assumem o risco da sua atividade económica.
V. A recorrente adquire as aves recém-nascidas e coloca-as nas instalações desses operadores entregando-lhes as rações e os medicamentos necessários ao processo de criação e no final de cada processo de criação é apurada, de acordo com um preço pré-acordado entre as partes, a diferença entre o valor dos produtos efetivamente entregues à recorrente e o valor dos fornecidos pela recorrente aos operadores, podendo daí resultar um saldo positivo ou negativo para o operador.
VI. Os terceiros com os quais a recorrente contrata gerem uma atividade empresarial, a qual acarreta um risco, não se tratando de uma prestação de serviços normal, em que é fixado um preço fixo por uma determinada prestação quantificada.
VII. Está em causa a exploração, por esses terceiros, de um estabelecimento comercial, uma organização concreta de fatores produtivos, com valor de posição no mercado, constituída por imóveis, meios de produção, equipamentos, pessoal, contratos de fornecimento, entre outros elementos.
VIII. Cada um desses operadores é titular e explora um estabelecimento comercial, fazendo-o por sua conta e risco, atuando com autonomia de gestão, no quadro da operação de um negócio próprio, suportando diretamente custos com pessoal, instalações e com vários meios de produção, com exceção do custo com rações, medicamentos e aves recém-nascidas.
IX. A razão pela qual estes operadores desenvolvem a sua atividade em mais de 80% para a recorrente, é de mero controlo sanitário.
X. Os operadores aqui em apreço não são qualificados como trabalhadores independentes, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 132.º e sgs do CRC, pois o trabalhador independente pressuposto pelo legislador não desenvolve uma atividade idêntica àquela que é desenvolvida pelos operadores aqui em causa.
XI. Não está aqui em causa o desempenho de uma atividade profissional, ou a prestação do resultado de uma atividade, contra uma remuneração certa e pré-determinada.
XII. Por outro lado, aplica-se ao caso vertente o disposto na alínea b), do n.º 2 do artigo 134.º do CRC, porquanto, não se consideram explorações agrícolas as atividades e explorações que se destinem essencialmente à produção de matérias-primas para indústrias transformadoras que constituam, em si mesmas, objetivos dessas atividades.
XIII. Por consulta ao sistema informático da SEGURANÇA SOCIAL - SEGURANÇA SOCIAL DIRETA - divisa-se que face à generalidade das pessoas ali mencionadas consta a seguinte observação: “De acordo com o código regimes contributivos do sistema previdencial de segurança social, Lei n.º 110/2009 de 16 de Setembro, conforme o seu artigo 134.º, n.º 2, alínea b), o contribuinte em causa não pode ser enquadrado no regime dos trabalhadores independentes, porquanto a sua atividade e exploração, se destina exclusivamente à produção de matérias-primas para a indústria".
XIV. Quer por não se aplicar o disposto no artigo 132.º do CRC, quer por operar a exclusão prevista na alínea b), do n.º 2, do artigo 134.º do mesmo diploma, falecem os pressupostos de aplicação à recorrente do disposto no artigo 140.º do CRC, pelo que não poderá ser a mesma considerada entidade contratante no caso em apreço nem objeto da liquidação da obrigação contributiva notificada pelo INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL, I.P.
Ao decidir como decidiu a sentença recorrida violou os artigos 132.º, 134.º n.º 2 b) e 140.º do CRC.
Nestes termos, deve este recurso ser considerado procedente, revogando-se a sentença recorrida e, julgando-se a impugnação procedente, sendo determinada a anulação do ato de liquidação de obrigação contributiva notificado pelo Instituto de Segurança Social, I.P.
Como é de inteira JUSTIÇA!

2 - O recorrido contra-alegou tendo concluído do seguinte modo:
1. - Não se conformando com a douta sentença, proferida pela Mmª Juíza do tribunal a quo, que julgou totalmente improcedente a presente impugnação, vem a Impugnante, ora Recorrente, interpor o presente recurso jurisdicional, nos termos e com os fundamentos nele constantes, os quais, no modesto entendimento do ora Recorrido não merecem, salvo melhor opinião, qualquer provimento.
2. - De facto, não obstante a argumentação expendida, olhamos para as questões colocadas pela Recorrente na fundamentação do presente recurso e apenas encontramos o seu inconformismo com o sentido da douta decisão proferida, nada de novo, ao cabo e ao resto, trazendo a Recorrente na fundamentação do mesmo.
3. - Para além, do ora Recorrido oferecer o mérito da douta sentença que, de forma tão sábia e proficiente, julgou improcedente a presente ação e, em consequência absolveu o ora Recorrido do pedido, dando aqui por reproduzida toda a matéria, a esse propósito vertida em sede de decisão, já que, face a tão clarividente fundamentação da mesma, nada mais poderá acrescentar, por inócuo, limitar-nos-emos, apenas, nesta sede, a reforçar tudo quanto já por nós oportunamente exposto e sufragado pelo entendimento constante; da douta decisão proferida.
4. - De facto, coloca-se, primacialmente, nos presentes autos, conforme bem delineado na douta decisão recorrida, a questão de saber se o ato de liquidação de obrigação contributiva referente ao ano de 2011, praticado pelo ora Recorrido, decorrente da qualificação da Recorrente como Entidade Contratante, por haver beneficiado de 80% do valor total da atividade de trabalhadores independentes, atentos os valores que por estes foram declarados à Segurança Social como pagos pela Recorrente, em obediência ao disposto pelo artigo 140.º do CRC, deverá ser anulado com fundamento em vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, conforme alegado.
5. - Começaremos por dizer que, atenta toda a matéria de facto dada como provada, com relevância para a decisão da causa, e que por razões de economia processual, se nos for permitido, nos dispensamos de reproduzir, e efetuada que foi a subsunção da mesma ao quadro legal tido por pertinente e aplicável na situação em apreço, bem andou a Mmª juíza ao concluir da forma como o fez, senão vejamos,
6. - O CRC, aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de Setembro, no artigo 140.º, veio consagrar a figura da Entidade Contratante, considerando, como tal, abrangidas pelo sistema as pessoas coletivas e as pessoas singulares com atividade empresarial, independentemente da sua natureza e das finalidades que prossigam, que no mesmo ano civil beneficiem de, pelo menos, 80% do valor total da atividade que lhe foi prestada por determinado trabalhador independente.
7. - O artigo 132.º daquele Código, no que respeita ao âmbito de aplicação, determina, de forma genérica, quais os trabalhadores independentes abrangidos:
“São obrigatoriamente abrangidos pelo regime dos trabalhadores independentes as pessoas singulares que exerçam atividade profissional sem sujeição a contrato de trabalho ou a contrato legalmente equiparado, ou se obriguem a prestar a outrem o resultado da sua atividade, e não se encontrem por essa atividade abrangidos pelo regime geral de segurança social dos trabalhadores por conta de outrem.
8. - E, os artigos 133.º e 134.º daquele código particularizam algumas categorias de trabalhadores que ficam abrangidos pelo regime dos trabalhadores independentes.
9. - A alínea a), do n.º 1, do artigo 133.º do CRC estabelece que são abrangidos pelo regime dos trabalhadores independentes as pessoas que exerçam atividade profissional por conta própria geradora de rendimentos a que se reportam os artigos 3,° e 4 ° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, doravante CIRS, entre outros, os rendimentos decorrentes do exercício de qualquer atividade comercial, industrial, agrícola, silvícola ou pecuária - alínea a), do n.º 1 do artigo 3.º e alíneas I) e m) do n.º 1 do artigo 4.º, ambos do CIRS,
10. - E, a alínea b), do n.º 1 do artigo 134.º do CRCSS, determina que são obrigatoriamente abrangidos pelo regime dos trabalhadores independentes os empresários em nome individual com rendimentos decorrentes do exercício de qualquer atividade comercial ou industrial, nos termos da alínea a), do n.º 1 do artigo 3.º do CIRS.
11. - Ora, tal é o caso dos trabalhadores referidos pela Impugnante, ora Recorrente
12. - Como é reconhecido e afirmado pela Recorrente, tais trabalhadores têm, todos, como atividade a criação de aves e todos são proprietários de explorações avícolas; prestam a sua atividade com carácter de exclusividade para a Impugnante; não estão sujeitos a contrato de trabalho e obrigam-se a prestar à Impugnante o resultado da sua atividade, ou seja, a criação de aves.
13. - Trabalhadores que, pelo exercício daquela atividade - criação de aves em regime de exclusividade, não estão abrangidos pelo regime geral de segurança social dos trabalhadores por conta de outrem, porque são prestadores de serviços, como a própria Impugnante admite e reconhece e de acordo com os contratos de prestação de serviços que celebra.
14. - Atenta noção de prestação de serviços, dada pelo artigo 1154.º do Código Civil e o teor dos contratos outorgados pela impugnante e criadores de aves, temos que, tal como referido pela douta sentença recorrida, os mesmos são subsumíveis a “contratos de prestação de serviços”.
15. - Concluindo-se, assim, necessariamente, que aqueles trabalhadores estão abrangidos pelo regime dos trabalhadores independentes previsto nos artigos 132.º e 133.º nº 1 alínea a) do CRC.
16. - Donde, ao contrário do entendimento propugnado pelo Recorrente, no sentido de se aplicar no caso em apreço, o disposta na alínea b) do n°2 do artigo 134.º do CRC, porquanto os operadores em causa dedicam-se exclusivamente na atividade em causa, a produzir matéria prima (frangos) utilizada na sua atividade industrial de transformação, acompanhamos de perto, uma vez maís, o entendimento constante da douta sentença recorrida.
17. - Nomeadamente, quando a Mmª juíza fazendo apelo ao elemento histórico na interpretação de tal norma legal, aliás, doutamente explanado, conclui, passando a citar: ‘‘(…)Sendo então este elemento histórico que permite interpretar o artigo 134°, n.º 2, alínea b), não como uma exclusão do regime contributivo dos trabalhadores independentes, mas outrossim e apenas no que concerne à taxa contributiva, aplicando-se-lhes atualmente a taxa geral fixada no n.º 1 do artigo 168° do CRC, a cargo dos trabalhadores independentes (de 29,6%) e não a taxa aplicável aos produtores agrícolas cujos rendimentos provenha exclusivamente da atividade agrícola, de percentagem menor (de 28,30%), estabelecida no n.º 3 do mesmo preceito.
A nosso ver esta é a interpretação do preceito que melhor se adapta ao respetivo texto legal e que é também mais conforme ao sistema jurídico em que ele se integra e ao princípio da tributação em sede de regime contributivo da segurança social, inexistindo qualquer suporte legal para simplesmente excluir do regime contributivo dos trabalhadores independentes quem exerce uma atividade destinada essencialmente à produção de matérias primas para indústrias transformadoras que de forma independente a exerça.
18. - Sendo de notar que, para chegar a tal interpretação, como também anteriormente referido na douta sentença e passando a citar “(...) o próprio legislador no artigo 139.º do CRC previu as situações de exclusão do regime dos trabalhadores independentes, não se incluindo a situação daqueles que se dedicam à produção de matérias primas para indústrias transformadoras, o que por razões de sistematicidade seria o preceito lógico de se incluir, caso fosse intenção do legislador.”
19. - Por último, acresce referir que, a inscrição e enquadramento dos referidos trabalhadores no regime dos trabalhadores independentes é feita de acordo com as respetivas declarações, e todos os trabalhadores referidos pela Impugnante, ora Recorrente, se encontram qualificados como Trabalhadores independentes no Sistema de Informação da Segurança Social.
20. - Competindo a estes trabalhadores a participação, junto da Administração Fiscal, do início de atividade profissional e correspondente qualificação como atividade independente de prestação de serviços, a qual é oficiosamente disponibilizada à Segurança Social, por ser considerada relevante para assegurar o controlo do cumprimento das obrigações contributivas dos respetivos regimes previdenciais, nos termos previstos na Portaria n.º 121/2007, de 25 de Janeiro e art. 143.º do CRC.
21. - Para efeitos do apuramento de quais as pessoas coletivas ou singulares com atividade empresarial que devem ser Consideradas Entidade Contratante, o CRC estabelece a obrigação dos trabalhadores independentes apresentarem a declaração anual do valor total da sua atividade - cfr. artigo 152.º, n.º 1 do CRC e artigo 58.º do Decreto Regulamentar n.º 1-A/2011, de 3 de Janeiro, na redação dada pelo Decreto Regulamentar n.º 50/2012, de 25 de Setembro.
22. - Após recolha dos valores assim declarados pelos trabalhadores independentes, os serviços do Impugnado, procedem à análise das declarações dos serviços prestados por esses trabalhadores, de modo a identificar as Entidades: Contratantes.
23. - Com efeito, o apuramento das Entidades Contratantes é efetuado diretamente a partir dos elementos constantes das declarações de atividade dos trabalhadores independentes, concretizando-se tal apuramento, de modo automático, pelo Sistema de Informação da Segurança Social (SISS), uma vez que este permite obter a identificação exaustiva de quais as entidades que no ano civil anterior preencheram os requisitos que as qualificam como Entidades Contratantes,
24. - Da forma como se encontram previstas na lei a identificação e apuramento das Entidades Contratantes resulta, pois, um processo caraterístico, consubstanciado num ato duplo e indissociável de enquadramento num regime contributivo, com o apuramento de uma obrigação contributiva, ou seja, os serviços do ora Recorrido, calculam oficiosamente o valor dos serviços que foram prestados e procedem à emissão do documento de cobrança, que se traduz nas notificações em causa nos presentes autos,
25. - Nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 150.º do CRC, com a redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a obrigação contributiva das entidades contratantes constitui-se no momento em que a instituição de segurança social apura oficiosamente o valor dos serviços que lhe foram prestados e efetiva-se com o pagamento da respetiva contribuição.
26. - Assim, da mesma forma, também o Recorrido conclui, tal como concluído pela Mmª juíza tribunal a quo, passando uma vez mais a citar:
“Destarte, mostra-se correta a qualificação da aqui impugnante como Entidade Contratante, nos termos e para os efeitos do artigo 140.º do CRC, com o consequente cálculo da taxa de 5% ao valor total prestados por cada trabalhador no ano a que respeitam (2011), conforme dispõem os artigos 161º e 168, n.º 4, do CRC, tal qual resulta do ato que nestes autos foi impugnado, não padecendo assim, o ato posto em crise, de quaisquer vícios, de violação de lei devendo, tal como doutamente decidido, ser mantido qua tale.
Termos em que, e com o sempre douto suprimento de V. Exas. não deve o presente recurso obter provimento mantendo-se, assim, a douta decisão recorrida nos seus precisos termos.
Assim decidindo Vossas Excelências farão a costumada JUSTIÇA!


3 - O Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de que o recurso deve ser julgado improcedente.

4 - Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

II – Fundamentação

1. De facto
Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
1. A………, S.A., NIPC: ………. e titular do NISS n.º …………, aqui Impugnante, dedica-se à atividade de abate e transformação de carne de aves, essencialmente frango e perú, e sua comercialização - facto não controvertido.
2. A Impugnante outorgou documentos designados por “CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS”, na qualidade de primeira outorgante e como contrapartes, na qualidade de segundos outorgantes, com as seguintes pessoas singulares:



- facto não controvertido; e cfr. cópias de alguns dos contratos juntos com a petição inicial como Docs. n.ºs 22 a 24, de fls. 99 a 107 do processo físico.
3. Os documentos designados por “CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS”, a que se alude em 2), mostram-se sujeitos às seguintes cláusulas contratuais, como dali se extrai:
“Entre, A…………………, S.A. (...) adiante designada por 1° outorgante e (...), criador avícola, adiante designado por 2.° outorgante, é celebrado o presente contrato de prestação de serviços nos seguintes termos:
1° O 1° outorgante entregará nas instalações do 2° outorgante os pintos, assim como a ração e medicamentos para a criação dos mesmos, cujos valores serão os seguintes, salvo estipulação em contrário, sempre reduzida a escrito sob a forma de anexos ao presente contrato:

É da responsabilidade do 2.º Outorgante a armazenagem e manutenção adequada de todos os produtos entregues no âmbito do presente contrato pela 1.a outorgante, nomeadamente rações e medicamentos (...)
2.° Os frangos resultantes dos pintos e rações entregues pelo 1º outorgante nos aviários, serão entregues pelo 2.º outorgante no matadouro do 1° e serão valorizados da seguinte forma



3.º O pagamento dos preços dos pintos, das rações, dos medicamentos e gás será feito por compensação com o preço dos frangos, de modo que, o segundo outorgante receberá o preço convencionado dos frangos já deduzidos do preço dos pintos, rações, medicamentos e outros.
4.º a) O saldo resultante da cláusula anterior é liquidado 30 dias após a entrada das contas do bando (guias de entrada e saída de frangos) no escritório do 1° outorgante.
b) No caso do resultado da cláusula anterior ser a favor do 1° outorgante, o 2.º liquidará ao 1º outorgante o saldo em débito no mesmo prazo de 30 dias. Não o fazendo este valor será onerado de taxa de juro comercial.
(...)
6.° APANHA: o 2.º outorgante deve dispor de pessoal próprio e de sua conta, suficiente para a apanha dos frangos, na data e hora indicadas pelo 1.º outorgante (...)
(...)
8.° O 2.º outorgante obriga-se a proceder à engorda dos pintos, empregando de sua conta e risco, as suas instalações, equipamentos, mão-de-obra, etc., segundo os seguintes termos:
a) criar frangos exclusivamente para o 1.º outorgante;
b) Não utilizar rações ou outros produtos fornecidos pelo 1.º outorgante para outros fins que não sejam para a engorda dos pintos entregues pelo 1° outorgante;
c) Não utilizar rações e medicamentos que não sejam fornecidos pelo 1.º outorgante para o fim deste contrato;
d) Seguir o mais fielmente possível os conselhos dos assistentes técnicos do 1.º outorgante;
e) Proceder sempre que necessário a melhoramentos nas instalações;
f) Não vender a terceiros frangos resultantes dos pintos, rações e outros produtos entregues pelo 1.º outorgante;
g) Dispor de aquecimento, luz e água em qualidade e quantidade suficientes para a criação dos frangos;
(...) j) As aves levantadas que vierem a ser rejeitadas pela Inspecção Veterinária na altura do abate até 1% assume a responsabilidade o 1.º outorgante, quando esta percentagem for superior será descontado no peso total das aves levantada ao 2.º outorgante (...)
(...)"- cfr. exemplares de contratos juntos com a petição inicial como Docs. N.ºs 22 a 24, de fls. 99 a 107 do processo físico.
4. As pessoas singulares identificadas em 2), prestam a atividade descrita nos contratos a que se alude em 3), em instalações físicas e com utilização de bebedouros, comedouros, aquecimento, equipamentos de limpeza e camas, que dispõem para o efeito - facto não controvertido e Docs. de fls. 18 a 98 do processo físico.
5. As pessoas singulares a que se alude em 2), encontram-se inscritas junto do Instituto de Segurança Social, I.P. como trabalhadores independentes - cfr. Doc. n.º 1 junto com a contestação, de fls. 129 a 153 do processo físico.
6. Com data de 10/11/2012, foi elaborado ofício pelo Centro Distrital de Viseu do Instituto da segurança Social, I.P., remetido à aqui Impugnante, com o seguinte teor:
“(...) Assunto: Notificação da obrigação contributiva
Nos termos do artigo 140.º do Código dos Regimes Contributivos (CRC), as pessoas coletivas e as pessoas singulares com atividade empresarial que, no mesmo ano, beneficiem de pelo menos 80% do valor total da atividade de trabalhador independente, são consideradas Entidades Contratantes, qualificação esta que lhe passa a ser atribuída com base na Declaração de Serviços Prestados, apresentada pelos trabalhadores independentes que lhe prestaram serviços.
Assim, para efeitos de cumprimento da obrigação contributiva prevista no n.º 3 do artigo 151.º do CRC, deverá proceder ao pagamento da respetiva contribuição, por aplicação da taxa de 5% ao valor total declarado, dos serviços prestados no ano civil anterior, conforme o n.º 4 do artigo 158.º do CRC.
O referido pagamento, no valor total de 22703,45 EUR, deve ser efetuado até 20 de dezembro de 2012.
Para consultar o detalhe das obrigações contributivas e emitir o documento de pagamento deverá aceder ao sítio da Segurança Social, em www.seg-social.pt (...)”
- cfr. Doc. n.º 1 junto com a petição inicial, de fls. 17 do processo físico.
7. O valor da obrigação contributiva de €22.703,45 referida em 6), foi apurado com referência aos valores declarados junto da Segurança Social pelas seguintes pessoas singulares, ali inscritas como “trabalhadores independentes”, pagos pela Impugnante no ano de 2011:




- Cfr. Docs. extraídos do sistema informático da Segurança Social relativos a cada um dos valores declarados pelas pessoas singulares, de fls. 14 a 39, e Doc. n.º 1 junto com a contestação, de fls. 129 a 153 do processo físico.
8. As pessoas singulares referidas no facto precedente correspondem aos criadores de aves com quem a Impugnante celebrou CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS”, a que se alude em 2) e 3) - facto não controvertido e cópias de contratos juntos com a petição inicial como Docs. n.°s 5 a 29, de fls.38 a 94 do processo físico.
9. Contra o ato de liquidação de obrigação contributiva a que se alude em 6), a aqui Impugnante apresentou em 19/11/2012, junto do Instituto de Segurança Social, I.P., reclamação graciosa, a qual não foi objeto de decisão - cfr. Doc. de fls. 3 a 11 do Processo Administrativo apenso aos autos.
Inexistem quaisquer factos relevantes para a decisão a proferir que se tenham considerado não provados.


2. Questões a decidir
A única questão que está subjacente ao presente recurso é a de saber se existe erro de julgamento da sentença recorrida na interpretação e subsunção jurídica que fez da relação jurídica subjacente aos contratos de prestação de serviços celebrados entre a Recorrente e os produtores avícolas à luz das regras do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social (de ora em diante apenas CRC).

3. De direito
3.1. Resulta do contrato de prestação de serviços celebrado entre a aqui Recorrente os produtores avícolas que este se obrigam perante aquela a receber os pintos, as rações e os medicamentos, à engorda dos primeiros, por sua conta e risco, até estes se transformarem em frangos (ou seja, até terem mais de 29 dias), e a proceder à entrega àquela dos referidos frangos, sendo a sua remuneração calculada a partir do preço convencionado de €785,61/tonelada frango, deduzido do valor dos pintos, rações, medicamentos e gás fornecido pela Recorrente (ponto 3 da matéria de facto).
Resulta também da matéria de facto assente que os produtores avícolas se encontram inscritos no Instituto de Segurança Social como trabalhadores independentes (ponto 5 da matéria de facto).

3.1.1. O litígio assenta na qualificação da Recorrente como “Entidade Contratante” nos termos e para efeitos do disposto no artigo 140.º do CRC, preceito legal cuja redacção era a seguinte em 2011, data a que respeitam os factos:
«Artigo 140.º
Entidades contratantes
1 - As pessoas colectivas e as pessoas singulares com actividade empresarial, independentemente da sua natureza e das finalidades que prossigam, que no mesmo ano civil beneficiem de pelo menos 80 % do valor total da actividade de trabalhador independente, são abrangidas pelo presente regime na qualidade de entidades contratantes.
2 - Para efeitos do número anterior considera-se como prestado à mesma entidade contratante os serviços prestados a empresas do mesmo agrupamento empresarial».
(Redacção dada pelo artigo 69.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro)


3.1.2. A Recorrente rejeitou aquele enquadramento legal por considerar que: i) os produtores avícolas não poderiam qualificar-se como trabalhadores independentes segundo o disposto no artigo 132.º do CRC; ii) sempre seriam excluídos daquela qualificação por força do disposto no artigo 134.º, n.º 2, al. b) do CRC.

3.1.3. Sobre o segmento da sentença recorrida que conclui pela qualificação dos produtores avícolas como trabalhadores independentes ao abrigo do disposto nos artigos 132.º, 133.º e 134.º do CRC, o mesmo não merece a censura que o Recorrente lhe pretende atribuir.

Com efeito, dispõem os artigos em questão o seguinte:

«Artigo 132.º
Trabalhadores abrangidos
São obrigatoriamente abrangidos pelo regime dos trabalhadores independentes as pessoas singulares que exerçam actividade profissional sem sujeição a contrato de trabalho ou a contrato legalmente equiparado, ou se obriguem a prestar a outrem o resultado da sua actividade, e não se encontrem por essa actividade abrangidos pelo regime geral de segurança social dos trabalhadores por conta de outrem.

Artigo 133.º
Categorias de trabalhadores abrangidos
1 — São, designadamente, abrangidos pelo regime dos trabalhadores independentes:
a) As pessoas que exerçam actividade profissional por conta própria geradora de rendimentos a que se reportam os artigos 3.º e 4.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares;
(…)
d) Os sócios de sociedades de agricultura de grupo ainda que nelas exerçam actividade integrados nos respectivos órgãos estatutários;
e) Os titulares de direitos sobre explorações agrícolas ou equiparadas, ainda que a actividade nelas exercida se traduza apenas em actos de gestão, desde que tais actos sejam exercidos directamente, de forma reiterada e com carácter de permanência.
2 — O carácter de permanência afere-se pela adstrição dos titulares de explorações agrícolas ou equiparadas a actos de gestão que exijam uma actividade regular, embora não a tempo completo.

Artigo 134.º
Categorias de trabalhadores especialmente abrangidos
1 — São obrigatoriamente abrangidos pelo regime dos trabalhadores independentes com as especificidades previstas no presente título:
d) Os produtores agrícolas que exerçam efectiva actividade profissional na exploração agrícola ou equiparada, bem como os respectivos cônjuges que exerçam efectiva e regularmente actividade profissional na exploração;
(…)
2 — Para efeitos do disposto na alínea a) do número anterior:
a) Consideram-se equiparadas a explorações agrícolas as actividades e explorações de silvicultura, pecuária, hortofloricultura, floricultura, avicultura e apicultura, ainda que nelas a terra tenha uma função de mero suporte de instalações;
b) Não se consideram explorações agrícolas as actividades e explorações que se destinem essencialmente à produção de matérias-primas para indústrias transformadoras que constituam, em si mesmas, objectivos dessas actividades.

Do teor dos preceitos antes transcritos e do conteúdo do contrato antes mencionado e dado como assente no probatório, resulta, com meridiana clareza, que a actividade desenvolvida por estes avicultores ao abrigo do denominado “contrato de prestação de serviços” com a aqui Recorrente se tem de reconduzir à de trabalhador independente nos termos e para os efeitos do CRC, independentemente da forma como esteja organizada esta actividade, seja como actividade profissional ou empresarial, uma vez que a mesma se enquadra, em ambos casos, na categoria B do IRS, como bem conclui o Tribunal a quo, pelo que a relação jurídica que se estabelece com a Recorrente é, por essa razão, sempre subsumível no âmbito do artigo 140.º do CRC.

Em outras palavras, a contribuição devida pelas entidades contratantes ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 140.º, 150.º, n.º 3, 151.º, n.º 2, 153.º, 154.º, n.º 2, 155.º, n.º 3 e 167.º do CRC, decorre da situação de incidência descrita no artigo 140.º, ou seja, o benefício, no mesmo ano civil, de pelo menos 80% do valor total da actividade de trabalhador independente; sendo incluída nesta categoria (na dos trabalhadores independentes), também a actividade empresarial sujeita ao pagamento da categoria B de IRS (artigo 133.º, n.º 1 a) do CRC), incluindo uma actividade de produção aviária (artigo 134.º do CRC), como é o caso aqui.

3.1.4. Sobre o segmento da sentença recorrida que conclui que os produtores avícolas aqui em apreço não estão excluídos da categoria de trabalhadores independentes ex vi do disposto na al. b), do n.º 2 do 134.º do CRC, o mesmo não merece, igualmente, a censura que lhe vem dirigida.

Como bem se explica na sentença recorrida, a redacção desse preceito legal tem um fundamento histórico (que decorre da integração da actividade agrícola na segurança social) que permite concluir que os trabalhadores das actividades agrícolas (incluindo a avicultura) “inseridos” em cadeias de transformação/produção industrial não beneficiam das taxas contributivas mais reduzidas que se aplicam aos restantes profissionais e empresários agrícolas. Assim, e como bem se afirma no aresto recorrido, mesmo que o contrato de prestação de serviços aqui em apreço pudesse levar à integração dos referidos avicultores nesta categoria (o que não se afirma, nem se analisa), ainda assim tal seria irrelevante para a questão aqui em apreço, porquanto daí resultaria a aplicação de uma taxa contributiva mais agravada a estes avicultores (a taxa do n.º 1 do artigo 168.º do CRC e não a do n.º 3 do mesmo preceito), mas não a exclusão da incidência da contribuição devida pelas entidades contraentes ex vi do disposto no artigo 140.º do CRC.

III - Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.


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Custas pela Recorrente [nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi a alínea e), do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário].

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Lisboa, 2 de Dezembro de 2020. - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (vencido, conforme declaração de voto junta) - Francisco António Pedrosa de Aeal Rothes.

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Vencido.

Em processo, com a mesma impugnante/recorrente, sendo, ainda, a matéria de facto e os fundamentos, especialmente, as conclusões, de recurso, iguais, em decisão sumária, sem qualquer tipo de oposição das partes, declarei a incompetência, em razão da hierarquia, do STA; o que entendo, neste caso, se devia repetir.


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[redigi em meio informático e revi]

Lisboa, 2 de Dezembro de 2020

Aníbal Ferraz