Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01340/14
Data do Acordão:05/06/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:ERRO NA FORMA DE PROCESSO
INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
NULIDADE
FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I - A ineptidão da petição inicial decorrente da deficiente explanação da causa de pedir ou da deficiente formulação do pedido, não se confunde com o erro na forma de processo, são duas realidades jurídico-processuais distintas, pelo que, sobre cada uma delas se impõe que recaia uma decisão própria.
II - Saber se a fundamentação da sentença é a correcta ou adequada não é questão que se inclua na eventual nulidade sentença por falta de fundamentação, antes se incluindo no âmbito de eventual erro de julgamento.
III - É jurisprudência assente que a nulidade decorrente da falta de fundamentação só abrange a falta absoluta de motivação da própria decisão e não já a falta de justificação dos respectivos fundamentos; isto é, a nulidade só é operante quando haja total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão.
Nº Convencional:JSTA000P18984
Nº do Documento:SA22015050601340
Data de Entrada:11/14/2014
Recorrente:A............, LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A………… LDA, inconformada, recorreu da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja (TAF de Beja) datada de 1 de Fevereiro de 2013, que absolveu a Fazenda Pública da instância por ineptidão da petição inicial, da impugnação deduzida contra o indeferimento da reclamação graciosa apresentada para substituir a declaração modelo 22 relativa ao ano de 2009, para rectificação da matéria colectável em sede de IRC.
O recurso foi dirigido ao TCA Sul, que por decisão de 25 de Setembro de 2014, se declarou incompetente em razão da hierarquia, entendendo ser competente este Supremo Tribunal, para onde os autos foram enviados.

Alegou, tendo concluído como se segue:
1ª - O presente recurso é interposto da douta sentença proferida nos autos à margem referenciados, datada de 1 de Fevereiro de 2013, que, em síntese, decide pela ineptidão da petição inicial, absolvendo a Fazenda Pública da instância.
2ª - A decisão proferida nos presentes autos encontra-se em clara e flagrante contradição com os fundamentos da mesma;
3ª - O que, nos termos do disposto no artigo 668° n°1 alínea c) do CPC, por remissão do art° 2°, al. e), 99º do CPPT, consubstancia uma causa de NULIDADE DA SENTENÇA.
4ª - O tribunal recorrido afirma expressamente na fundamentação da decisão não concordar com a posição da Fazenda Pública expressa na contestação, sendo que a forma de processo (impugnação) que a A. elegeu é a correcta;
5ª - Uma vez que não lobriga que o pedido da impugnante se enquadre em qualquer outra formula processual que não a impugnação;
6ª - Acabando o tribunal “a quo”, no entanto e contrariamente à fundamentação por si apresentada, por decidir que a petição inicial é inepta por erro na forma de processo.
7ª - Pelo que, a oposição plasmada entre a decisão e os fundamentos da mesma, integram uma causa de Nulidade da Sentença (art°668 n°1 c));
8° - Ou, mesmo que assim não se entendesse, não constam da decisão ora recorrida quaisquer fundamentos de facto ou de direito que justifiquem a decisão proferida, o que consubstancia de igual forma uma causa de Nulidade da Sentença (art°668 n°1 b));
Termos em que, nos melhores de direito e sempre com o douto suprimento de V. Exas, deve ser dado provimento ao presente recurso, e por via dele declarada NULA a douta decisão recorrida e substituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos até à decisão final.
Vªs. Exas., no entanto, apreciarão e decidirão como for de JUSTIÇA.

Não houve contra-alegações.

O Ministério Público, notificado pronunciou-se pela improcedência do recurso. No essencial o Ministério Público entendeu que no caso dos autos não se verificam as nulidades da sentença, previstas nas alíneas b) e c) do nº 1 do artº 615º do CPC, pois por um lado existe fundamentação e por outro não há contradição entre a fundamentação e a decisão, sendo que, se é verdade que na sentença recorrida se entende que o processo de impugnação é o correcto isso não implica que a petição inicial não possa ser inepta, como se entendeu na decisão recorrida.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
A) A declaração de rendimentos do exercício de 2008 da Impugnante, foi corrigida pelos Serviços de Inspecção da Direcção de Serviços de Évora e elaborado documento de correcção único (DCU) que acresceu ao campo 202 do quadro 7 o montante de € 775 000,00 (cf. fls. 9 a 15 do PA);
B) Seguidamente, foi emitida a liquidação n° 201183100002025 de IRC do exercício de 2008 no montante global de € 198 123,76, dos quais € 184 779,17 de IRC e € 13 344,59 de juros compensatórios, com prazo de pagamento voluntário até 2011.05.04;
C) Em 2011.04.11, na Direcção de Finanças de Évora, deu entrada reclamação graciosa em que a Impugnante solicita que seja considerado como valor da doação do terreno rústico não o valor da venda do prédio em 2010, mas o montante de € 60 000,00;
D) Por despacho de 2011.09.16, comunicado por carta registada com aviso de recepção assinado em 2011.09.26, a reclamação foi indeferida (cf. fls. 65 a 73-v do PA II junto);
E) Em 2011.10.10, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, deu entrada a presente impugnação (cf. carimbo aposto a fls 3 dos autos),
Nada mais se deu como provado.

Há agora que apreciar o recurso que nos vem dirigido.
A recorrente imputa à sentença recorrida duas nulidades, a da contradição entre os fundamentos e a decisão, artigo 668º, n.º 1, al. c) do VCPC, e a da falta de fundamentação de facto e de direito, artigo 668º, n.º 1, al. b) do VCPC.
Para podermos apreciar estas duas questões há primeiramente que saber o que se escreveu na sentença recorrida:
c) Justificação de Direito:
A Fazenda Pública e a Digna Procuradora da República defenderam não ser a impugnação o meio próprio em face do pedido.
Vejamos:
O erro na forma de processo ocorre sempre que a forma processual escolhida não corresponde à natureza ou valor da acção e constitui nulidade, de conhecimento oficioso: artigos 199º e 202º do Código de Processo Civil (CPC).
O erro na forma de processo afere-se pelo pedido ou pretensão que o autor pretende obter do tribunal com o recurso à acção.
Entretanto, o pedido é o efeito jurídico que se pretende obter com a acção, ou seja, a finalidade, o resultado, a providência que se quer alcançar: artigo 498/3 do CPC.
Ora, a primeira vista, no requerimento inicial, em rigor, a Impugnante não ataca a liquidação nem lhe imputa qualquer vício.
Contudo, o pedido de ser autorizada a substituir a declaração modelo 22, relativa ao ano de 2009, para rectificação da matéria colectável, corrigindo dessa forma as variações patrimoniais, também não lobrigamos que se enquadre em qualquer outra formula processual, nomeadamente na acção administrativa especial: o pedido não se reconduz à condenação da Administração tributária à prática de acto devido.
No entanto, em causa estão as correcções aritméticas à matéria tributável e, por essa via, supomos - e apenas podemos supor - que a A. pretende atingir a liquidação adicional de IRC do exercício de 2008, pedindo ser autorizada a entregar nova declaração de IRC do exercício de 2008, acto que arrastaria a emissão de nova liquidação, com a consequente anulação da liquidação adicional subjacente aos presentes autos.
Não concordamos, pois, com a posição da Fazenda Pública expressa na contestação, que entende estarmos perante um erro na forma de processo. Se a A., em última linha, pretende atacar a liquidação, a forma de processo é a que elegeu: a impugnação
Teremos de concluir, por conseguinte, estarmos perante uma verdadeira e incontornável ineptidão da petição inicial, porque os desvios ao formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, não se compaginam com o âmbito e alcance genético de um despacho de aperfeiçoamento: não lhe permite a lei, ao A. a substituição da petição inicial, ao abrigo do disposto no artigo 89º do CPTA, aplicável ex vi artigo 2.c) do CPPT, neste caso de defeito, pelo que lhe é muito mais favorável instaurar nova acção em que impute à liquidação qualquer ilegalidade no modelo do artigo 99º CPTA [(...) designadamente: (a) errónea qualificação e quantificação dos rendimentos, lucros, valores patrimoniais e outros factos tributários; (b) incompetência; (c) ausência ou vício da fundamentação legalmente exigida; (d) preterição de outras formalidades legais].
III - Decisão
Em face do exposto, por ineptidão da petição inicial, visto o disposto nos artigos 98/1.a) CPPT, 89/1. a).2 CPTA, 288/1.b) e 289/1 CPC, absolvo a Fazenda Pública da instância.”.

Dispõe o artigo 668º do VCPC, sob a epígrafe “Causas de nulidade da sentença”:
1 - É nula a sentença quando:
a) …
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão;
(…).

Quanto à primeira nulidade.
Tem este Supremo Tribunal entendido, e de igual modo a doutrina, que só ocorre a nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto e/ou de direito, quando essa falta seja absoluta.
Esta exigência de fundamentação das decisões judiciais decorre, desde logo, do nº 1 do art. 205º da CRP, nos termos do qual «As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei», sendo que, de acordo com o disposto no art. 125º do CPPT e na al. b) do nº 1 do art. 668° do CPC (a que, actualmente, corresponde o art. 615º do Novo CPC) a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Ora, sendo certo que deve distinguir-se entre falta absoluta de motivação e motivação deficiente, medíocre ou errada, também é certo e é jurisprudência assente que esta nulidade só abrange a falta absoluta de motivação da própria decisão e não já a falta de justificação dos respectivos fundamentos; isto é, a nulidade só é operante quando haja total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão – cfr., entre muitos outros, os acs. do STA, de 7/1/2009, rec. nº 800/08 e de 10/5/73, BMJ 228, 259; e o ac. do STJ, de 8/4/75, BMJ 246, 131).
A insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade - cfr. Alberto dos Reis, CPC anotado, Vol. V, 140.
Daí que, como salienta Jorge Lopes de Sousa (Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. II, 6.ª edição, Áreas Editora, 2011, anotações 7 e 8 ao art. 125.º, pp. 357 a 361.) devam «considerar-se como falta absoluta de fundamentação os casos em que ela não tenha relação perceptível com o julgado ou seja ininteligível, situações em que se está perante uma mera aparência de fundamentação», já que esta se destina «a esclarecer as partes, primacialmente a que tiver ficado vencida, sobre os motivos da decisão, não só para ficar convencida de que não tem razão, mas também porque o conhecimento daqueles é necessário ou, pelo menos, conveniente, para poder impugnar eficazmente a decisão em recurso ou arguir nulidades, designadamente a derivada de eventual contradição entre os fundamentos e a decisão», e, por isso, «quando a fundamentação não for minimamente elucidativa das razões que levaram a decidir como se decidiu deverá entender-se que se está perante uma nulidade por falta de fundamentação».”, cfr. acórdão datado de 04/03/2015, recurso n.º 01939/13.
Da leitura atenta que se faz desta decisão, podemos retirar da mesma duas pronúncias diferentes e independentes relativamente à petição inicial, a primeira, é a de que na sentença se considera que não ocorre o erro na forma de processo, ou seja, a forma de processo escolhida pela recorrente é a adequada à (eventual) pretensão que pretende fazer valer em juízo (cfr. artigo 199º do VCPC), a segunda, é a de que a sentença considera ocorrer ineptidão da petição inicial decorrente da deficiente exposição dos fundamentos -causa de pedir- e da deficiente formulação do pedido (cfr. artigo 193º do VCPC).
Assim sendo, resultam claros os motivos, fundamentos de facto e de direito, subjacentes à decisão judicial recorrida, percebendo-se com facilidade, aliás, as normas legais e os princípios jurídicos em que se baseia para considerar que ocorre a ineptidão da petição inicial, mas já não o erro na forma de processo.
Saber se a fundamentação é a correcta ou adequada já não é questão que se inclua na eventual nulidade sentença por falta de fundamentação, antes se incluindo no âmbito de eventual erro de julgamento.
Improcede, assim, a invocada nulidade da sentença, por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (art. 125º do CPPT e al. b) do n° 1 do art. 668° do CPC a que corresponde o actual art. 615º do Novo CPC).

Quanto à segunda questão.
Face ao decidido quanto à questão da nulidade por falta de fundamentação, temos necessariamente que concluir pela improcedência da invocada nulidade de oposição entre os fundamentos e a decisão.
Não há qualquer oposição, na sentença recusou-se o deferimento da excepção do erro na forma de processo mas considerou-se inultrapassável a questão da ineptidão da petição inicial.
Ou seja, o fundamento que determinou a absolvição da Fazenda Pública da instância, ineptidão da petição inicial, não se confunde com o erro na forma de processo, são duas realidades jurídico-processuais distintas, pelo que, sobre cada uma delas se impõe que recaia uma decisão própria, tal como aconteceu.
Temos, assim, que concluir que o recurso improcede totalmente.

Pelo exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.
D.n.
Lisboa, 6 de Maio de 2015. – Aragão Seia (relator) – Casimiro GonçalvesFrancisco Rothes.