Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01001/14
Data do Acordão:10/21/2014
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ALBERTO AUGUSTO OLIVEIRA
Descritores:REGISTO PREDIAL
PRESUNÇÃO
QUESTÃO PREJUDICIAL
LICENCIAMENTO DE OBRAS
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
REVISTA
Sumário:Não há lugar a admitir revista excepcional de acórdão que julgou ser de sobrestar na decisão, por aplicação do disposto no artigo 15.º do CPTA, estando em causa um problema propriedade.
Nº Convencional:JSTA000P18079
Nº do Documento:SA12014102101001
Data de Entrada:09/18/2014
Recorrente:A... E OUTRA
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE PORTIMÃO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Formação de Apreciação Preliminar da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1.

1.1. A…………. e B………… propuseram acção administrativa especial contra o Município de Portimão e C…………….., na qualidade de contra-interessado, na qual requereram a anulação da deliberação camarária de 24/03/2010, que lhes indeferiu o projecto de construção de uma moradia familiar na Urbanização …………., lote ……….., em Portimão; requereram, ainda, a condenação do Município à prática do acto de licenciamento do projecto de obra nos exactos termos em que foi apresentado pelos autores, bem como a sua condenação ao pagamento de € 80.000,00 a título de indemnização por danos materiais.
Subsidiariamente, requereram a condenação do Município ao pagamento do montante de € 500.000,00 a título de indemnização, no caso de o Tribunal entender não ser possível a prática do acto devido.

1.2. O Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, por sentença de 25/06/2011 (fls. 292 a 306), julgou a acção improcedente.

1.3. Os autores recorreram para o Tribunal Central Administrativo Sul que, por acórdão de 05/06/2014 (fls. 409 a 445), julgou:
«conceder provimento parcial ao recurso, anulando a decisão recorrida, quando determinou, a final, a acção “improcedente pelo que indefiro o pedido”;
- em substituição, considerar que a verificação da causa prejudicial relativa à questão da propriedade dos AA. e Recorrentes conduz à suspensão da presente instância».

1.4. É desse acórdão que os autores vêm, nos termos do artigo 150.º do CPTA, requerer o recurso de admissão de revista, alegando, em síntese, que a decisão recorrida enferma de «graves erros de julgamento» (conclusão III), designadamente, por «sem especificar, tecer considerações sobre a prejudicialidade em causa, apoiando-se na inscrição primitiva do registo predial, de onde constavam apenas 310 m2 de terreno, sem ter atenção e relevo que do registo predial junto aos autos como doc. n.º 2, consta uma rectificação averbada da medida do terreno para 500 m2. / Inexiste qualquer questão prejudicial prévia a ser averiguada que impeça uma decisão de mérito da acção, quando a área do imóvel se encontra provada através de prova plena, eficaz e nunca contestada de forma legal.» (conclusões V e VI).
De facto, «Apesar de a área inicial constante da escritura pública referente ao lote n.º ………. ter sido 310m2 (por lapso), o Recorrido tinha e teve em seus registos, sempre, o lote n.º …….. com a área de 500m2. / A conclusão anterior atestou a Câmara Municipal de Portimão em certidões passada aos Autores no ano de 2005 (ver facto assente E), como, igualmente, no doc. n.º 6 junto à p.i.) que serviram de fundamento a rectificação da área do referido lote.» (conclusões X e XI).
Alega que o acórdão sob censura encontra-se «inquinado de grave erro de julgamento» por ter colocado «em causa a propriedade ou área da propriedade constante da escritura rectificada e do registo predial com o averbamento da área de 500m2, porque não houve, até à presente data, qualquer pedido de nulidade/anulação da escritura pública e/ou impugnação da registo referente a tal lote. / Para todos os efeitos legais, e até decisão judicial que decida de forma diferente, é de 500m2 a área válida, nos termos do Código do Notariado e do Código do Registo Predial e da demais lei aplicável vigente.» (conclusão XIII e XIV).
Pelo que arguí que «o Acórdão recorrido encontra-se ferido de grave ilegalidade, por não observância e desvirtualização do efeito que o registo legalmente efectuado representa na segurança jurídica, pois isso é direito fundamental do cidadão.» (conclusão XVII).
Alega, ainda, que «o Acórdão Recorrido, decidindo pela verificação de questão prejudicial, não se pronunciou sobre a ilegalidade do acto administrativo e sobre os factos e argumentos que o próprio Recorrido utiliza para desresponsabilizar-se da situação apurada quanto ao lote n.º …….., e consequentemente da ilegalidade do acto impugnado. / É evidente dos documento junto à p.i. que o Recorrido não agiu no respeito pela suas funções de fiscalização da execução do loteamento, como, ainda, fez autorizar alterações da configuração de lotes (lote n.º …….), / A entidade responsável pelo licenciamento e fiscalização de urbanizações aprovou alterações da ocupação física de lotes integrados em alvará de loteamento sem assegurar que tal não traria consequências aos lotes vizinhos.» (conclusões XXIX, XXX e XXXI).
Arguí, finalmente, que a decisão impugnada «cometeu um grave erro de julgamento, por errada interpretação dos factos e do direito em causa, o tribunal a quo tanto no pedido principal de anulação do acto administrativo de indeferimento do pedido de autorização de construção de moradia unifamiliar dos Recorrentes, como na condenação à prática do acto devido pelo Recorrido, como, ainda, no de ser aplicável apenas o pedido subsidiário, quando validou a dúvida (inexistente) sobre a área da propriedade do lote n.º ………., e manteve válida a questão de prejudicialidade a ser decidida pelos tribunais comuns,» (conclusão XXXIV).
Em face do alegado concluem que «encontra-se, in casu, preenchido o pressuposto para a melhor aplicação do Direito, em termos de garantia de uniformização do direito, dado às questões constantes do presente Recurso poderem ser objecto de repetição num número indeterminado de casos futuros, sendo tal apreciação satisfatória e necessária para a boa aplicação do Direito e para os direitos dos Recorrentes.» (conclusão VIII)

1.5. Não foram produzidas contra alegações.

Cumpre apreciar e decidir.

2.

2.1. Tem-se em atenção a matéria de facto considerada no acórdão recorrido.

2.2. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo, «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».
A jurisprudência deste STA, interpretando o comando legal, tem reiteradamente sublinhado a excepcionalidade deste recurso, referindo que o mesmo só pode ser admitido nos estritos limites fixados neste preceito. Trata-se, efectivamente, não de um recurso ordinário de revista, mas antes, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, de uma «válvula de segurança do sistema» que apenas deve ser accionada naqueles precisos termos.

2.3. Como se disse introdutoriamente, os autores pretendem a anulação da deliberação camarária que lhes indeferiu o projecto de construção de uma moradia familiar na Urbanização ……….., lote ……….., em Portimão.
Ora, sentença e acórdão recorrido foram uniformes interpretando o acto administrativo no sentido de que o fundamento do indeferimento do projecto de construção assenta em discrepâncias quanto à área do lote n.º ……… do loteamento titulado pelo alvará.
E também foram uniformes considerando «que não é possível avaliar da legalidade ou invalidade do acto se não forem certas e seguras as qualidades do lote em que pretendem construir, designadamente as suas dimensões e a sua situação concreta».
Concretamente, no caso dos autos, e para ambas as decisões, suscita-se a dúvida relativa à área do lote …………, o qual surge com três áreas distintas em três documentos diferentes.
A divergência situou-se em que a sentença considerou que não havia lugar a aplicar o disposto no artigo 15.º do CPTA, e julgou logo improcedente a acção, enquanto o acórdão recorrido entendeu que era caso da sua aplicação daquele preceito, sobrestando, portanto, na decisão.
Os recorrentes, no entanto, não concordam que possa estar sequer em equação alguma questão prejudicial.
Os recorrentes consideram que «o Tribunal a quo não pode colocar em causa a propriedade ou área da propriedade constante da escritura rectificada e do registo predial com o averbamento da área de 500m2, porque não houve, até à presente data, qualquer pedido de nulidade/anulação da escritura pública e/ou impugnação do registo referente a tal lote»; ao fazê-lo, o citado acórdão «encontra-se ferido de grave ilegalidade, por não observância e desvirtualização do efeito que o registo legalmente efectuado representa na segurança jurídica, pois isso é direito fundamental do cidadão.» (conclusão XVII).

Ora, este Supremo Tribunal tem decidido, reiteradamente, que a presunção resultante da inscrição da aquisição do direito abrange apenas o facto jurídico em si mesmo, não abrangendo a área, limites e confrontações dos prédios (p. ex. acórdão de 21/05/2008, Processo n.º 014/08, acórdão de 14/05/2002, Processo n.º 047435; no mesmo sentido a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, podendo ver-se a referenciada naquele primeiro acórdão).

Observa-se, pois, que no quadro jurídico de ordem mais geral, o acórdão recorrido enfileira na jurisprudência deste Supremo Tribunal; no que respeita a elementos específicos do caso, eles são isso mesmo, específicos, não justificando, por tal, admissão de revista.
Finalmente, a acção não se encontra julgada ainda, pelo que, mesmo em relação aos interesses que os recorrentes intentam defender, não há uma questão de importância fundamental que se possa considerar estabelecida já.

3. Pelo exposto, não se admite a revista.

Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 21 de Outubro de 2014. – Alberto Augusto Oliveira (relator) – Vítor Gomes.