Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0486/09
Data do Acordão:11/25/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:IVA
RENÚNCIA
TRANSMISSÃO DE ARRENDAMENTO
DEDUÇÃO DE IMPOSTO
ISENÇÃO
Sumário:I - As isenções previstas nos números 30 e 31 do artigo 9.º do Código do IVA, na redacção vigente à data dos factos, não têm natureza "pessoal" mas objectiva, pois que se tratam de isenções aplicáveis independentemente da qualidade de quem realiza a operação, antes dependendo da natureza da actividade exercida (no caso da isenção relativa à locação de bens imóveis - n.º 30 do artigo 9.º do Código do IVA), ou da sua sujeição a SISA/IMT (no caso da isenção prevista no n.º 31 do artigo 9.º do Código do IVA);
II - Do reconhecimento da natureza objectiva destas isenções não resulta, contudo, a desnecessidade de (nova) opção pela renúncia à isenção e de emissão de (novo) certificado de renúncia, mesmo em caso de sucessão no arrendamento, pois a possibilidade de renúncia à isenção tem pressupostos legais cuja verificação cabe à Administração tributária certificar;
III - A sucessão no contrato de arrendamento não dispensa o sujeito passivo de cumprir as formalidades necessárias para que, de acordo com a lei fiscal, possa legitimamente cumprir aquilo a que ficou obrigado para com o arrendatário;
IV - Não o tendo, contudo, feito no momento que lhe permitiria assegurar o integral exercício do direito à dedução do IVA que suportou aquando da aquisição do imóvel com renúncia à isenção do IVA, mas apenas em momento posterior, esse comportamento omissivo é-lhe exclusivamente imputável, pois que não parece que o legislador nacional, ao ter condicionado a renúncia à isenção e ao exigir a certificação administrativa dessa renúncia, tenha excedido a "ampla margem" de manobra de que dispunha no âmbito do artigo 13.º-C da Sexta Directiva (cfr. o Acórdão do TJCE de 9 de Setembro de 2004, processo C-269/03, caso Kirchberg, Colect. P. I-8067).
Nº Convencional:JSTA00066132
Nº do Documento:SA2200911250486
Data de Entrada:05/05/2009
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA E A...
Recorrido 1:OS MESMOS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF LISBOA DE 2008/05/08 PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR FISC - IVA.
Legislação Nacional:CIVA84 ART9 N30 N31 ART12 N4 N5 N6 N7 ART24 ART25 ART91 N2.
CCIV66 ART1057.
DL 241/86 DE 1986/08/20 ART4 N4 N5.
Legislação Comunitária:DIR CONS CEE 77/388/CEE DE 1977/05/17 ART13 C.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC139/02 DE 2002/07/30.
Jurisprudência Internacional:AC TRIJ PROCC-269/03 DE 2004/09/09.
Referência a Doutrina:PATRÍCIA NOIRET CUNHA IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO ANOTAÇÕES AO CÓDIGO DO IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO E AO REGIME DO IVA NAS TRANSACÇÕES INTRACOMUNITÁRIAS PAG200.
ANTÓNIO BEJA NEVES E OUTRO O SECTOR IMOBILIÁRIO E O IVA PERSPECTIVAS DE UMA RELAÇÃO CONTURBADA PAG104 PAG105.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – Da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, de 8 de Maio de 2008, que julgou improcedente o pedido principal e procedente o pedido subsidiário na impugnação judicial deduzida por A…, com os sinais dos autos, interpõem recurso para este Tribunal:
- 1.1 A…, com os sinais dos autos, no que respeita à improcedência do pedido principal, apresentando as seguintes conclusões:
1. O Recorrente adquiriu um imóvel que se encontrava arrendado pelo anterior proprietário e cujo arrendamento era tributado em IVA.
2. O regime de IVA aplicável na utilização/exploração do imóvel havia sido adoptado pelo anterior proprietário (também locador) que, para o efeito, renunciou à isenção de IVA, ao abrigo do regime legal vigente à data, e, conforme resultou da matéria de facto considerada provada pelo tribunal “a quo”, não sofreu qualquer alteração na esfera do recorrente, dado que este sucedeu juridicamente, nos direitos e obrigações do transmitente relativos ao contrato de arrendamento.
3. Em virtude da aquisição do imóvel, o recorrente assumiu, “ope legis”, pelo fenómeno da sucessão jurídica, a posição do locador no contrato de arrendamento em apreço (cfr. artigo 1057.º do Código Civil).
4. O fenómeno da sucessão jurídica implica que ocorra uma mera substituição do sujeito na relação contratual mantendo-se todos os demais elementos em termos contratualmente acordados. Nestes termos, a aquisição, pelo recorrente, da posição de locador foi efectuada nos exactos moldes que o contrato se efectivou na esfera do anterior proprietário, incluindo o regime fiscal que lhe era aplicável.
5. Mantendo-se o contrato de arrendamento integralmente em vigor, sem qualquer alteração dos seus elementos essenciais, o recorrente considera inexistir razões que determinem ou justifiquem a emissão de um novo certificado de renúncia à isenção de IVA no arrendamento do imóvel como condição necessária à manutenção do correspondente regime fiscal.
6. Acresce que todos os requisitos consagrados na lei necessários à opção pela renúncia continuam a verificar-se não existindo fundamento, factual ou de direito, que determine a alteração do regime fiscal aplicável ao contrato em vigor desde Dezembro de 2003.
7. De resto, o próprio regime jurídico do arrendamento urbano não permitiria, no caso, a adopção de uma solução que se traduzisse na possibilidade de alteração do contrato de arrendamento em vigor.
8. O certificado de renúncia não é emitido no estrito interesse do locador, mas de todas as partes e não pode ser revogado unilateralmente, porquanto configura um acto administrativo constitutivo de direitos em matéria tributária. Esta argumentação é, necessariamente, aplicável ao certificado de renúncia à isenção obtido pelo anterior proprietário do imóvel.
9. Por outro lado, ao contrário do entendimento preconizado pelo tribunal “a quo”, a isenção de IVA aplicável às operações de imóveis não tem natureza “pessoal”. A isenção em causa tem, outrossim, natureza objectiva e exige essencialmente que a operação incida sobre um bem imóvel e compreenda a sua locação ou arrendamento (cfr. artigo 9.º, n.º 30 do Código do IVA).
10. Acresce que o regime de IVA (opção pela tributação) que foi aplicado ao contrato desde o seu início pelo anterior proprietário, não sofreu vicissitudes ou alterações que possam colocar em causa as condições essenciais à opção pela tributação, para além de que esta (opção) foi exercida por meios válidos e foi constitutiva de direitos que não podem ser revogados.
11. Pelo que, não se verificando, quer o pressuposto de uma locação isenta, quer a necessidade de renovação do certificado, não deve, em conformidade, ocorrer qualquer limitação do direito à dedução ou ajustamento ao direito à dedução contra o recorrente.
Nestes termos, e nos mais de direito aplicáveis, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso, revogar-se a sentença recorrida, na parte em que decaiu a pretensão do recorrente, substituindo-se por outra que a considere procedente também nessa parte. Assim deliberando, farão V. Exas., como sempre, justiça!
- 1.2 A Fazenda Pública, relativamente à procedência do pedido subsidiário, apresentando as seguintes conclusões:
I – A impugnante tem por objecto principal o exercício da actividade de arrendamentos imobiliários, isenta de IVA nos termos do artº 9º do CIVA.
II – Com o fim de neutralizar os efeitos que caracterizam estas isenções denominadas “isenções simples” o legislador, com as disposições conjugadas constantes dos arts. 1.º e 2.º, 19.º n.º 2, 12º, 35º nº 5, 91º nº 2 do CIVA e Decreto-Lei n.º 241/86 de 20 de Agosto, estabeleceu a seguinte solução: sempre que os bens em causa sejam utilizados como bens de investimento por um sujeito passivo de IVA com actividade tributada, é permitido que os sujeitos passivos renunciem a essas isenções, optando pela liquidação de imposto, e exercendo o direito à dedução do IVA suportado para a realização dessas operações. Assim
III – A dedução do IVA suportado a montante apenas pode ser utilizado por quem, nos termos dos, reúna os pressupostos que lhe permitam assumir a qualidade de sujeito passivo de IVA e desde que cumpridas determinadas formalidades, nomeadamente as previstas no n. do CIVA (forma legal dos documentos que servem de suporte ao exercício do direito à dedução, contendo todos os elementos mencionados no n.º 5 do art. 35º do CIVA). E
IV – O Decreto-Lei nº 241/86 de 20 de Agosto, que conjuntamente com os nºs. 4 a 6 do artº 12º do CIVA estabelece as formalidades e condicionalismos a cumprir pelos sujeitos passivos que dele pretendam beneficiar, impõe como limite ao exercício do direito à dedução, o prazo de caducidade de quatro anos, previsto no n.º 2 do art. 91º do CIVA (art. 5º e 9º do referido diploma legal) a contar do nascimento do direito á dedução.
V – E isto porque o art. 9º do Decreto-Lei n.º 241/86 de 20 de Agosto, dispõe que “a disciplina geral do IVA será aplicável às operações referidas neste diploma na medida em que não se revelar contrária à presente regulamentação”, não contendo este diploma qualquer disposição que contrarie o prazo de exercício do direito à dedução definido no do CIVA.
VI – Assim, quando a renúncia à isenção tiver sido precedida de uma locação isenta, nos termos dos nºs. 4 e 5 do art. 4º do citado Decreto-Lei, o direito à dedução do imposto suportado é limitado na proporção do número de anos em que o imóvel estiver afecto a uma actividade ou sector tributado sendo que.” A referida proporção resulta de uma fracção que comporta, no numerador, a diferença entre o número de anos a que alude o n.º 2 do art. 91.º do Código do IVA – 4 anos – e o número de anos em que a locação tiver estado isenta – no caso 2 anos – e, no denominador, o número de anos previsto naquela disposição.
VII – O imóvel em questão na Impugnação passou a estar afecto a uma actividade tributada, apenas no período em que ocorreu a emissão do certificado, e isto porque até essa data a locação esteve isenta.
VIII – A douta sentença recorrida, ao julgar parcialmente procedente a impugnação ignorou o regime decorrente das normas referidas nos pontos II e IV, V, e VI anteriores, pelo que fez errada aplicação do direito e sofre consequentemente do vício de erro sobre os pressupostos de direito. E
IX – Porque decide em sentido oposto ao regulado nos n.ºs 4 e 5 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 241/86 de 20 de Agosto articulados com os artigos 3º nº 1, 4º nºs 1 a 5, 12º e 91º do CIVA, sofre de vício de violação de lei, por violação concreta destas normas.
Nestes termos e nos mais de direito e com o douto suprimento de Vs. Exas., deve ser concedido provimento ao recurso, a decisão recorrida, na parte em que julgou procedente a Impugnação, ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação totalmente improcedente. PORÉM V. EXAS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.
O recurso da Fazenda Pública foi inicialmente dirigido ao Tribunal Central Administrativo (fls. 214 e 227 a 233 dos autos), que veio, por Despacho do Relator naquele Tribunal (a fls. 273, frente e verso, dos autos), a declarar-se incompetente para dele conhecer e competente a secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo. Por requerimento datado de 30 de Março de 2009 (a fls. 276 dos autos) a Representante da Fazenda Pública requereu, nos termos do n.º 2 do artigo 18.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), a remessa do processo à secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal.
As presentes conclusões foram apresentadas na sequência de convite dirigido já por este Tribunal à recorrente Fazenda Pública para apresentação de novas conclusões, atendendo a que em face das tempestivamente apresentadas não era inteligível o objecto do recurso interposto pela Fazenda Pública (cfr. promoção do Ministério Público, a fls. 280 dos autos e despacho da relatora a fls. 281).
2 – Contra-alegou apenas a recorrente A…, concluindo nos seguintes termos:
A. O presente recurso enferma de diversas objecções de índole processual. Em primeiro lugar é dirigido a tribunal incompetente, porquanto incide apenas sobre matéria de direito, pelo que deveria ser interposto junto do Supremo Tribunal Administrativo (artigo 280.º do CPPT).
B. Em segundo lugar, a delimitação do objecto do recurso resulta ininteligível, pois:
i. Para além de considerar que a decisão recorrida julgou totalmente procedente a impugnação, o que não é, de todo, correcto, como se comprova pelo decaimento do pedido principal, constante do dispositivo, que motivou a apresentação de Recurso Independente pelo Impugnante (ora Recorrido);
ii. Refere como seu objecto a “devolução do IVA liquidado durante o período da locação isenta” sem que, depois, faça qualquer referência a esta questão, quer nas alegações, quer nas conclusões, centrando-se na temática (diversa) do IVA dedutível e na das respectivas regularizações.
C. Acresce que o recurso não tem qualquer fundamento de suporte. Com efeito, centra-se na exegese do regime de regularizações da dedução do IVA, previsto no Decreto-Lei n.º 241/86, de 20 de Agosto, em particular no seu artigo 4.º, que, face à respectiva fórmula, se traduz num período de regularizações de 4 anos, o qual, no caso concreto, redundaria numa redução do IVA dedutível incorrido na aquisição do imóvel, de 50%.
D. Ora, nem o Tribunal “a quo”, nem o Impugnante ora Recorrido, ignoram o referido regime ou sequer tiveram dúvidas sobre o seu sentido ou resultado. As posições das partes e do Tribunal quanto ao sentido da interpretação do artigo 4.º do citado Decreto-Lei n.º 241/86 e às consequências da sua aplicação são coincidentes.
E. Porém, resulta da decisão, em consonância com a posição vencedora vertida na p.i. de Impugnação, que o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 241/86 colide irremediavelmente com o n.º 2 do artigo 20.º da sexta Directiva do IVA que estabelece, de forma cogente, um período mínimo de 5 anos para efeitos de regularizações. Ora, um período e regularizações de apenas 4 anos não obedece a esta condição, pelo que tal artigo e regime não foi, nem devia/podia, sufragado pela decisão recorrida (cfr. artigo 8.º, n.º 4 da CRP).
F. Aliás, o legislador português optou genericamente por um regime de regularizações de 20 anos (cfr. Decreto-Lei n.º 31/2001, de 8 de Fevereiro e artigos 24.º, 24.º-A e 25.º do Código do IVA), com excepção deste caso particular do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 241/86. Por esta razão deve, também, suscitar-se a questão do carácter desproporcionado desta disciplina diferenciada de regularização face ao regime-regra que vigora em Portugal.
G. Quanto aos fundamentos subjacentes à desaplicação do regime de regularizações do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 241/86 (pontos E. e F. supra), que constituem a base da decisão no segmento recorrido, e que constam detalhadamente dos artigos 25.º a 46.º da p.i., o silêncio do recorrente é absoluto.
H. Assim, não pode deixar de concluir-se que o recurso é desprovido de fundamento jurídico de suporte, pois, nem as alegações, nem as conclusões apontam qualquer demérito à base jurídica da decisão que culminou no afastamento do regime de regularizações resultante deste diploma (Decreto-Lei n.º 241/86).
I. Aliás, os fundamentos da decisão do Tribunal “a quo” nem sequer são aflorados, como se não existissem ou não existisse (ou tivesse sido dada) qualquer justificação para a aplicação do regime geral do artigo 24.º-A do Código do IVA, em substituição da disciplina legal desaplicada.
J. Quanto à questão complementar da devolução do IVA liquidado nas rendas, no período em que o arrendamento foi considerado isento, o recorrido nada tem a contra-alegar, porquanto, não há qualquer alegação ou conclusão do recurso neste domínio, devendo, nesta parte considerar-se transitada a decisão.
K. Se e na medida em que não for clara para esta instância de recurso a inaplicabilidade do artigo 4.º, número 4 e 5 do Decreto-Lei n.º 241/86, por incompatibilidade com a sexta Directiva do IVA e com o Direito Comunitário, o sentido propugnado pelo Impugnante, ora recorrido, solicita-se a suspensão da instância e o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça, ao abrigo do artigo 234.º do TCE, para clarificação das questões “prejudiciais” suscitadas na p.i., no âmbito do pedido subsidiário.
Termos em que, com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, não deve ser dado provimento ao recurso deduzido pela Fazenda Pública, e se pugna pela manutenção da sentença recorrida, na parte em que o Recorrido obteve vencimento, tudo sem prejuízo da tramitação e procedência do recurso independente por este deduzido quanto ao pedido principal. Assim deliberando, farão Vossas Excelências, como sempre, justiça!
3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto não emitiu parecer dada a impossibilidade de (o) emitir no prazo legal (fls. 299 dos autos).
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação -
4 – Matéria de facto
Na sentença do Tribunal Tributário de Lisboa objecto de recurso foram dados como provados os seguintes factos:
1. Em 24/09/2003, foi celebrado entre a B… – Sucursal em Portugal e a C…, Lda., um contrato de arrendamento Comercial de duração limitada (cfr. doc. junto a fls. 65 a 111 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
2. Em 18/12/2003, foi emitido, pelo Serviço de Finanças de Lisboa 10, o Certificado de renúncia à isenção de IVA da empresa B… – Sucursal em Portugal relativamente ao contrato de compra e venda de imóvel a realizar com A… (cfr. doc. junto a fls. 39 dos autos);
3. Em 19/12/2003 foi celebrado entre a B… – Sucursal em Portugal e a A… um contrato de compra e venda de imóvel sito na Rua …, n.º 7 e 7.ª, Vale de Algés, Parque Residencial e Turístico de Miraflores, freguesia de Carnaxide, concelho de Oeiras, pelo valor de € 16.010,065,00, ao qual acresceu IVA à taxa legal em vigor no montante de € 3.041.912,00 (cfr. doc. junto a fls. 41 a 48 dos autos);
4. Em 22/12/2003, foi emitido pelo A… um recibo de renda n.º 726-2003, referente ao mês de Dezembro de 2003 à C…, Lda. no montante de € 148.211,14, ao qual acresceu IVA no montante de € 28.160,12 (cfr. doc. junto a fls. 52 dos autos);
5. Em 01/01/2004, foi emitido pelo A… um recibo de renda n.º 793-2004, referente ao mês de Fevereiro de 2004 à C…, Lda. no montante de € 104.421,48, ao qual acresceu IVA no montante de € 19.840,08 (cfr. doc. junto a fls. 53 dos autos);
6. Em 28/06/2005, a impugnante dirigiu ao Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 2, um pedido de renúncia à isenção de IVA, bem como a emissão do respectivo certificado relativamente ao contrato de arrendamento com a C…, Lda., relativamente ao imóvel sito na Rua …, n.º 7 e 7.ª, Vale de Algés, Parque Residencial e Turístico de Miraflores, freguesia de Carnaxide, concelho de Oeiras (cfr. doc. junto a fls. 57 dos autos);
7. Em 05/07/2005 foi emitido pelo Serviço de Finanças de Lisboa 2 o certificado de opção pela sujeição a IVA, nos termos do requerimento identificado no ponto anterior (cfr. doc. junto a fls. 58 dos autos);
8. Em data que não se pode precisar, a impugnante dirigiu ao Director Geral dos Impostos um requerimento solicitando autorização para dedução do IVA, no montante de € 3.041.912,00, pago no acto de aquisição do imóvel, identificado no ponto 3 do probatório (cfr. doc. junto a fls. 60 e 61 dos autos);
9. Em 01/10/2006, foi emitido pelo A… um recibo de renda n.º 6723-2006, referente ao mês de Novembro de 2006 à C…, Lda. no montante de € 102.870,82, ao qual acresceu IVA no montante de € 21.602,87 (cfr. doc. junto a fls. 54 dos autos);
10. Em 02/11/2006, foi emitido pelo A… um recibo de renda n.º 7013-2006, referente ao mês de Dezembro de 2006 à C…, Lda. no montante de € 102.870,82, ao qual acresceu IVA no montante de € 21.602,87 (cfr. doc. junto a fls. 55 dos autos);
11. Em 07/12/2005, foi elaborada a informação n.º 2040, da direcção de serviços do IVA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, de acordo com a qual foi parcialmente indeferido a dedução do IVA liquidado na aquisição do imóvel identificado no ponto 3 do probatório (cfr. doc. junto a fls. 26 a 30 dos autos);
12. Sobre esta informação recaiu despacho do subdirector geral, concordando com a informação identificada no ponto anterior (cfr. doc. junto a fls. 26 dos autos);
13. Em 09/02/2006, a impugnante solicitou a revisão parcial do despacho do Subdirector Geral do IVA de 09/12/2005 (cfr. doc. junto a fls. 32 dos autos);
5 – Apreciando
5.1 Recurso do A…, no que respeita à improcedência do pedido principal
A sentença recorrida julgou improcedente o pedido principal formulado pelo então impugnante – de que lhe fosse reconhecido ter juridicamente sucedido à anterior proprietária do imóvel na renúncia à isenção do IVA sobre a locação do imóvel, mantendo, pois, a renúncia à isenção do IVA que aquela havia exercido e lhe fora certificada -, por ter considerado que a isenção em causa (a prevista no então artigo 9.º n.º 30 do Código do IVA) não é uma isenção que persiga o bem, trata-se de uma isenção que tem de ser solicitada pelos detentores do direito à isenção, pelo que se ocorreu uma alteração dos titulares do direito ao arrendamento, terão necessariamente de ser estes a solicitar a renúncia à isenção, pois não se trata de uma isenção do bem ou do contrato, mas sim uma isenção pessoal (cfr. sentença recorrida, a fls. 198 dos autos).
Contra o decidido, alega o recorrente que tendo adquirido o imóvel com renúncia à isenção de IVA, e estando já o imóvel arrendado com renúncia à isenção de imposto, uma vez que sucedeu ope legis no arrendamento terá de se considerar que sucedeu também na renúncia à isenção, pelo que inexistiriam razões que determinem ou justifiquem a emissão de um novo certificado de renúncia à isenção de IVA no arrendamento do imóvel como condição necessária à manutenção do correspondente regime fiscal, tanto mais que todos os requisitos consagrados na lei necessários à opção pela renúncia continuam a verificar-se, o próprio regime jurídico do arrendamento urbano não permitiria, no caso, a adopção de uma solução que se traduzisse na possibilidade de alteração do contrato de arrendamento em vigor e o certificado de renúncia não é emitido no estrito interesse do locador, mas de todas as partes e não pode ser revogado unilateralmente, porquanto configura um acto administrativo constitutivo de direitos em matéria tributária (cfr. as conclusões 1 a 8 das suas alegações de recurso supra transcritas). Alega, ainda que a isenção de IVA aplicável às operações de imóveis não tem natureza “pessoal” mas objectiva, que a opção pela tributação que foi aplicado ao contrato desde o seu início pelo anterior proprietário, não sofreu vicissitudes ou alterações que possam colocar em causa as condições essenciais à opção pela tributação, para além de que esta (opção) foi exercida por meios válidos e foi constitutiva de direitos que não podem ser revogados, pelo que, não se verificando, quer o pressuposto de uma locação isenta, quer a necessidade de renovação do certificado, não deve, em conformidade, ocorrer qualquer limitação do direito à dedução ou ajustamento ao direito à dedução contra o recorrente (cfr. conclusões 9 a 11 das suas alegações de recurso).
Vejamos, pois.
Tem de reconhecer-se razão ao recorrente quando este, criticando a fundamentação da sentença recorrida quanto ao pedido principal, vem dizer que a isenção de IVA aplicável às operações de imóveis – em concreto, as previstas nos números 30 e 31 do artigo 9.º do Código do IVA, na redacção vigente à data dos factos -, não têm natureza “pessoal” mas objectiva, pois que se tratam de isenções aplicáveis independentemente da qualidade de quem realiza a operação (assim, PATRÍCIA NOIRET CUNHA, Imposto sobre o Valor Acrescentado: Anotações ao Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado e ao Regime do IVA nas Transacções Intracomunitária, Lisboa, ISG, 2004, p. 200). E assim é, efectivamente. As isenções em causa são isenções automáticas que em nada dependem da qualidade dos sujeitos que realizam a operação, mas apenas da natureza da actividade exercida (no caso da isenção relativa à locação de bens imóveis – n.º 30 do artigo 9.º do Código do IVA), ou da sua sujeição a SISA/IMT (no caso da isenção prevista no n.º 31 do artigo 9.º do Código do IVA).
Do reconhecimento da natureza objectiva destas isenções não resulta, contudo, que a resposta à questão decidenda deva ser diversa daquela que lhe foi dada pelo tribunal “a quo”, pois que da natureza da isenção não decorre linearmente a necessidade ou desnecessidade de (nova) opção pela renúncia à isenção e de emissão de (novo) certificado de renúncia, uma vez verificados os pressupostos de que depende a possibilidade de exercício de tal opção, nos termos dos números 4 a 7 do artigo 12.º do Código do IVA e do Decreto-Lei n.º 241/86, de 20 de Agosto (vigente à data dos factos e aqui aplicável).
Ora, para o válido exercício da renúncia à isenção relativa à locação de bens imóveis (prevista no n.º 30 do artigo 9.º do Código do IVA) o legislador nacional, sob guarida da parte final do artigo 13.º-C a Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977 (de fixação das regras para o exercício do direito de opção pela tributação), veio estabelecer regras legais que se traduzem, por um lado, na fixação dos pressupostos necessários para que a renúncia à isenção possa ser exercida - os fixados no n.º 4 do artigo 12.º do Código do IVA -, por outro, na criação de um procedimento “burocrático” para que a renúncia à isenção possa ser “certificada” (cfr. o n.º 6 do artigo 12.º do Código do IVA).
Ora, não obstante a natureza objectiva da isenção de IVA relativa à locação de bens imóveis, a possibilidade de renúncia a essa isenção tem alguns pressupostos subjectivos – os que se prendem com o regime fiscal em IVA a que está submetido o locatário – sendo que a verificação de tais pressupostos legais, objectivos ou subjectivos, carece de comprovação pela administração fiscal, o que se faz mediante um procedimento burocrático desencadeado por um pedido de renúncia à isenção efectuado pelo locador, mediante a apresentação de uma declaração de modelo aprovado e da qual constem certos requisitos (nome do locatário, renda e demais condições do contrato) e no termo do qual, uma vez comprovados os pressupostos do direito à renúncia, a administração fiscal emite um certificado de renúncia (cfr. o n.º 6 do artigo 12.º do Código do IVA).
É certo que a lei podia ter dispensado a emissão de novo certificado de renúncia em situação como a dos autos, em que se verifica uma sucessão no arrendamento do imóvel e os pressupostos da renúncia à isenção estão preenchidos, mas a lei não o fez, nem tinha de o fazer.
Parece também certo, e este Tribunal decidiu nesse sentido no seu Acórdão de 30 de Julho de 2002 (rec. n.º 139/02), que o certificado de renúncia à isenção é um acto constitutivo de direitos em matéria tributária, pelo que não pode ser revogado unilateralmente, sendo, porém, igualmente certo que o certificado requerido pelo anterior proprietário do imóvel não foi revogado, antes caducou pois que aquele a quem foi conferido perdeu a qualidade de locador aquando da alienação do imóvel.
E pode mesmo alegar-se que o locador estava obrigado perante a arrendatária a continuar a liquidar IVA sobre as rendas, pois que tal obrigação resultava da cláusula quarta do contrato de arrendamento (a fls. 69 e 70 dos autos), no qual sucedeu “ope legis” ex vi do artigo 1057.º do Código Civil.
A sucessão no contrato de arrendamento não o dispensava, porém, de cumprir as formalidades necessárias para que, de acordo com a lei fiscal, pudesse legitimamente cumprir aquilo a que ficou obrigado para com o arrendatário.
Ora, não o tendo feito no momento que lhe permitiria assegurar o integral exercício do direito à dedução do IVA que suportou aquando da aquisição do imóvel com renúncia à isenção do IVA, mas apenas em momento posterior, esse comportamento omissivo, que redunda em prejuízo seu, é-lhe exclusivamente imputável, pois que não parece que o legislador nacional, ao ter condicionado a renúncia à isenção e ao exigir a certificação administrativa dessa renúncia, tenha excedido a “ampla margem” de manobra de que dispunha no âmbito do artigo 13.º-C da Sexta Directiva (cfr. o Acórdão do TJCE de 9 de Setembro de 2004, processo C-269/03, caso Kirchberg, Colect. P. I-8067).
Improcede, pelo exposto, o recurso que tem por objecto o pedido principal, mantendo-se, quanto a ele, a sentença recorrida, com esta fundamentação.
5.2 Recurso da Fazenda Pública
A primeira dificuldade que surge a este Tribunal na apreciação do recurso interposto pela Fazenda Pública respeita desde logo à determinação do segmento decisório de que recorre. Este vício mantém-se mesmo depois do convite dirigido à recorrente para a apresentação de novas conclusões, a que esta acedeu formalmente, mas mantendo no essencial as conclusões anteriores.
Procurando interpretar as conclusões do recurso, pode ter-se por assente que este só pode ter por objecto o segmento decisório em que ficou vencida, pelo que o presente recurso respeita necessariamente ao pedido subsidiário formulado na petição inicial e a que a sentença recorrida deu provimento. Não se pode assumir, contudo, que tudo aquilo que foi decidido relativamente ao pedido subsidiário é objecto do presente recurso, pois o objecto do recurso é delimitado pelas respectivas conclusões e nestas nenhuma referência, sequer implícita, se encontra à questão da devolução do IVA indevidamente liquidado sobre as rendas durante o período de locação isenta, que o Tribunal “a quo” julgou procedente (cfr. sentença recorrida, a fls. 206 dos autos) e cuja decisão transitou em julgado ao nada ter sido alegado ou concluído contra o julgado.
Entende-se, assim, que o recurso da Fazenda Pública respeita ao segmento da decisão recorrida respeitante às regularizações de IVA, no qual a sentença recorrida decidiu desaplicar o disposto no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 241/86, de 20 de Agosto, por contrariedade ao direito comunitário (artigo 20.º da Sexta Directiva) e aplicar, ao invés, as regras gerais de regularização constantes dos artigos 24.º e 25.º do Código do IVA, das quais resulta, no caso dos autos, assistir a impugnante o direito de recuperar 90% do IVA suportado aquando da aquisição, sendo irrecuperável o valor de € 304.191,20 (cfr. sentença recorrida, a fls. 202 a 206 dos autos).
Discorda, pois, a recorrente da desaplicação que a sentença fez dos números 4 e 5 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 241/86, de 20 de Agosto, articulados com os artigos 3º nº 1, 4º nºs 1 a 5, 12º e 91º do CIVA, imputando-lhe, em consequência, o vício de violação de lei, por violação concreta destas normas (conclusão IX das suas alegações de recurso), alegando que o Decreto-Lei n.º 241/86 de 20 de Agosto, não contém qualquer disposição que contrarie o prazo de exercício do direito à dedução definido no (?) do CIVA, pretendendo, pois, que se entenda que as regularizações do IVA se devem limitar a 50% do imposto suportado na aquisição, pois seria este o valor resultante da fracção que comporta, no numerador, a diferença entre o número de anos a que alude o n.º 2 do art. 91.º do Código do IVA – 4 anos – e o número de anos em que a locação tiver estado isenta – no caso 2 anos – e, no denominador, o número de anos previsto naquela disposição (cfr. as conclusões IV a IX das suas alegações de recurso).
Vejamos.
A sentença recorrida, depois de proceder à transcrição da generalidade das disposições legais que a recorrente alega que a sentença viola e bem assim do Ofício-Circulado n.º 19017, de 21/2/1989 do SIVA (fls. 199 a 205 dos autos), dispõe nos seguintes termos (fls. 206 dos autos): «Ou seja, as regularizações de IVA, relativamente a imóveis poderiam ser efectuadas no prazo de 20 anos. Este regime regra é afastado neste caso de precedência de locação isenta, sendo que o prazo de regularização é fixado em quatro anos. Por outro lado, o art. 20.º da Sexta Directiva Comunitária estabelece um prazo mínimo de cinco anos e um máximo de 20. Atento o princípio do primado do direito comunitário sobre o direito interno, não pode deixar-se de considerar as normas constantes do Decreto-Lei nº 241/86, como violadoras da Sexta Directiva. Ora, assim sendo, não pode o Tribunal deixar de desaplicar o normativo que colide com a Directiva Comunitária, com a consequente remissão para as regras gerais de regularização constantes dos artigos 24.º e 25.º do CIVA supra citados» (fim de citação).
Resulta, pois, do trecho transcrito da sentença recorrida, que o fundamento para a desaplicação da norma limitadora do direito às regularizações é a sua contrariedade ao direito comunitário, e não, como alegado, a sua contrariedade ao Código do IVA, sendo a decisão de afastar a aplicação daquela norma limitativa motivada pelo “princípio do primado do direito comunitário sobre o direito interno”.
Princípio este cuja existência e aplicabilidade ao caso dos autos - em que se verifica uma manifesta contrariedade entre a norma legal interna e o artigo 20.º da Sexta Directiva (cfr. ANTÓNIO BEJA NEVES/AFONSO ARNALDO, «O sector imobiliário e o IVA: Perspectivas de uma relação conturbada», RFPDF, ano 1, n.º 2, pp. 104/105), até implicitamente assumida pelo legislador aquando da aprovação do Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de Janeiro, que revogou o Decreto-Lei n.º 241/86, de 20 de Agosto -, não oferece dúvidas a este Tribunal.
Conclui-se, pois, que o recurso não merece provimento, devendo ser confirmada a sentença recorrida, que bem decidiu
- Decisão -
6 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em negar provimento aos recursos, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a procuradoria em 1/8.
Lisboa, 25 de Novembro de 2009. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Jorge Lino - Valente Torrão.