Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02226/16.6BEPRT 0446/18
Data do Acordão:03/20/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO
NULIDADE INSUPRÍVEL
DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS
Sumário:Não é nula a decisão de aplicação da coima que, embora de forma sintética e padronizada, cumpre os requisitos legalmente exigíveis, designadamente a descrição sumária dos factos, a indicação das normas violadas e punitivas, a quantificação da coima e a indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação.
Nº Convencional:JSTA000P24349
Nº do Documento:SA22019032002226/16
Data de Entrada:05/03/2018
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:A............, LDA E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1 – Vem o Ministério Público recorrer para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, exarada a fls. 65/80, que julgou procedente recurso judicial interposto da decisão do Chefe do Serviço Local de Finanças de Matosinhos 2 e anulou a decisão administrativa, no entendimento de que se verifica a nulidade insuprível prevista no artigo 63.°/1/ d), por referência ao artigo 79.º/1/b), todos do RGIT.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«1ª - Nos presentes autos, o Tribunal "a quo" entende que a decisão da autoridade tributária que aplicou a coima aqui impugnada não preenche os requisitos legais previstos no nº 1, al) b), do art.° 79 do RGIT, nomeadamente no que diz respeito à descrição, ainda que sumária, dos factos imputados à arguida.

2ª - O MP entende que a decisão de aplicação de coima não padece de nulidade insuprível, pois a decisão de aplicação de coima observa os requisitos legais previstos no art.º 79 do RGIT, nomeadamente os previstos nas al. b) do nº 1, pois as normas infringidas e punitivas nela vêm concretamente referidas, sendo que da mesma decisão também constam os factos que lhe são imputados: falta de entrega da prestação tributária, valor exigível, valor da prestação entregue, valor em falta, período a que respeita a infração e termo do prazo para cumprimento da obrigação.

3ª - É nosso entendimento que aqueles elementos são suficientes para se poder concluir que a decisão condenatória preenche os requisitos legais previstos na al. b), do nº 1 art.º 79 do RGIT e que por esse motivo, não padece o processo de contraordenação da nulidade insuprível prevista na al. d), do nº 1, do art.º 63 do RGIT.
4ª - Questão diversa é saber se a factualidade apresentada na defesa da arguida e renovada na impugnação judicial dessa coima, teria que ser valorada pela autoridade tributária em sede de decisão final da coima aplicada, ou seja, se a coima concreta aplicada é suscetível de ser alterada ou a arguida absolvida dessa coima, porque a AT efetuou uma apreciação errada da matéria de facto que deverá ser dada como provada. Porém, essa questão deve ser objeto de apreciação em sede de sentença judicial e quanto ao mérito da impugnação apresentada, e não constitui falta dos elementos que levaram a aplicação concreta da respetiva coima, mas erro de facto e de direito, que deverá ser matéria para apreciação do mérito da impugnação.

5ª - A decisão de aplicação da coima contém pois todos os elementos legais exigidos, mas se estas exigências não foram levadas à perfeição, é elemento sem relevância jurídica, pois o essencial é que a decisão seja compreendida pela arguida, para o cabal exercício do direito à sua defesa, sendo que no caso concreto dos autos, tal exigência foi observada, o que se denota pela petição apresentada, o que nos permite concluir com maior facilidade que a decisão notificada foi cabalmente entendida, sendo que a factualidade constante da defesa da arguida não é relevante para preenchimento dos requisitos da al) b), do nº 1, do art.º 79 do RGIT, ou dos factos que devem constar duma acusação - neste sentido, os conselheiros Jorge Sousa e Simas Santos, no seu RGIT anotado (4ª edição), na nota 1 ao art.º 79, o seguinte e acórdãos do STA de 12/12/2006, proferido no P. 1045/06, e de 25/06/2015, proferido no P. 382/15, disponíveis ambos em www.dgsi.pt.

6ª - Foram violados os artigos 79º nº 1- al. b) e 63º nº 1- al. d), ambos do RGIT.
Nestes termos, deverá ser julgado o recurso procedente, revogando-se a sentença recorrida para que seja substituída por outra que conheça do mérito da impugnação judicial da coima aplicada nestes autos pela ATA.»

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – Neste Supremo Tribunal Administrativo o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do provimento do recurso, com a seguinte fundamentação que, na parte relevante, se transcreve:
«Em concordância com o recorrente entendemos que não ocorre a nulidade de insuprível da decisão de aplicação da coima, pois que da mesma constam, em medida suficiente que lhe permitem defender-se de forma adequada, como, aliás, ressalta do teor da petição de recurso judicial.
Na verdade, constam da decisão de aplicação da coima os factos que lhe são imputados, a saber, a falta de entrega do pagamento especial por conta, o valor exigível, o valor da prestação entregue, o valor em falta, o período a que respeita a infracção e o termo do prazo para cumprimento da obrigação.
Portanto, parece certo que a não consideração na decisão de aplicação da coima dos elementos trazidos pela arguida/recorrida, em sede do exercício do direito de defesa, não integra a nulidade insuprível do artigo 63.º do RGIT (Neste sentido acórdão do STA, de 07/07/2010-P. 0356/10, acessível em www.dgsi.pt).
Tal omissão tem relevância, sim, enquanto vício da decisão de aplicação coima, pois que a mesma afeta, necessariamente, a correção da decisão de aplicação da coima.
Efetivamente, se tais elementos, traduzidos, nomeadamente, no facto da arguida ser uma empresa de revenda de combustíveis, tivessem sido relevados, pelo menos deveria ter sido aplicada uma coima diferente do que a que foi aplicada, sendo certo que a arguida/recorrida sustenta, mesmo, que a conduta não integra o tipo legal de coima pp no artigo 114.°/2/5/ f) do RGIT.
A decisão recorrida merece, assim, censura.»

4 – Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

5. A primeira instância deu como provada a seguinte matéria de facto:
«A) Contra a Recorrente foi autuado o processo de contra-ordenação nº 35142015060000122159, imputando-lhe a prática de infracção ao abrigo do disposto no artigo 106°, n° 1 do CIRC, punida pelos artigos 114°, nºs 2 e 5 e 26°, n° 4 do RGIT, por falta de entrega de pagamento especial por conta, cfr. teor de fls. 26 dos autos (p.f);

B) A Recorrente apresentou defesa no referido processo, em 16-03-2015, alegando que o valor do pagamento especial por conta se encontrava mal calculado por parte da AT, não sendo devida qualquer coima, cfr. teor de fls. 30 dos autos (pJ.).

C) Em 29-03-2015, foi proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças de Matosinhos 2, a decisão ora recorrida, com o seguinte teor, que consta de fls. 28 dos autos (p.f.):

6. Do objecto do recurso

Da análise da decisão recorrida e dos fundamentos invocados pelo Ministério Público para pedir a sua alteração, podemos concluir que a questão objecto do recurso consiste em saber se a sentença fez correcto julgamento ao anular a decisão administrativa de aplicação da coima com fundamento na verificação da nulidade insuprível por falta de indicação da descrição sumária dos factos (arts. 63.º, n.º 1, alínea d) e al. b) do nº 1 do artº 79º do RGIT).

6.1 Da nulidade da decisão de aplicação da coima por falta de indicação da descrição sumária dos factos.
Em causa nos presentes autos um recurso em processo de contra-ordenação instaurado contra a recorrida A…………, Ldª., em que lhe é imputada a prática de infracção por falta de entrega de pagamento especial por conta, prevista no artigo 106°, n° 1 do CIRC, punida pelos artigos 114º, nºs 2 e 5 e 26º, nº 4 do RGIT.

O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou, por despacho, que a decisão administrativa que aplicou a coima não respeitou a exigência quanto à descrição sumária dos factos, uma vez que nesta não foram relevados, como deveriam, os argumentos apresentados em sede de defesa pela Recorrente, tendo sido ignorados os mesmos.
Mais se consignou que, embora conste dos autos informação prestada pela Direcção de Finanças do Porto sobre as questões levantadas pela Recorrente, a mesma não lhe foi notificada.

Razão pela qual se concluiu que «não pode ter-se como adequadamente cumprido, na decisão de aplicação da coima recorrida, o requisito da indicação da descrição sumária dos factos, a que alude a alínea b) do nº 1 do artigo 79º do RGIT, enfermando a mesma, assim, da nulidade insuprível prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 63º do mesmo diploma».

Não conformado vem o Ministério Público interpor o presente recurso, alegando em síntese que a decisão de aplicação de coima não padece de nulidade insuprível, pois observa os requisitos legais previstos no art.º 79 do RGIT, nomeadamente os previstos na al. b) do nº 1, já que as normas infringidas e punitivas nela vêm concretamente referidas, sendo que da mesma decisão também constam os factos que lhe são imputados: falta de entrega da prestação tributária, valor exigível, valor da prestação entregue, valor em falta, período a que respeita a infracção e termo do prazo para cumprimento da obrigação.
Mais sustenta que constitui questão diversa a de saber se a factualidade apresentada na defesa da arguida e renovada na impugnação judicial dessa coima, teria que ser valorada pela autoridade tributária em sede de decisão final da coima aplicada, concluindo que tal questão deve ser objecto de apreciação em sede de sentença judicial e quanto ao mérito da impugnação apresentada, e não constitui falta dos elementos que levaram a aplicação concreta da respetiva coima, mas erro de facto e de direito, que deverá ser matéria para apreciação do mérito da impugnação.

Vejamos, pois.

De harmonia com o artº 63º nº 1, al. d) do Regime Geral das Infracções Tributárias constitui nulidade insuprível do processo de contra-ordenação tributário a falta dos requisitos legais da decisão de aplicação das coimas.
Por sua vez dispõe o art. 79 nº 1 do Regime Geral das Infracções Tributárias que «A decisão que aplica a coima conterá:
a) a identificação do infractor e eventuais comparticipantes;
b) a descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas;
c) a coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação;
d) a indicação de que vigora o princípio da reformatio in pejus, sem prejuízo da possibilidade de agravamento da coima, sempre que a situação económica e financeira do infractor tiver entretanto melhorado de forma sensível;
e) a indicação do destino das mercadorias apreendidas;
f) a condenação em custas.»

No essencial a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo tem acolhido o entendimento da doutrina de que «a «descrição sumária dos factos» imposta pela alínea b) do n.º 1 do art. 79.º do RGIT e, bem assim, os demais requisitos da decisão de aplicação da coima enumerados nesse número «devem ser entendidos como visando assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão» (JORGE LOPES DE SOUSA e MANUEL SIMAS SANTOS, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, Áreas Editora, 2010, 4.ª edição, anotação 1 ao art. 79.º, pág. 517.).
Por isso, essas exigências «deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício desses direitos» (Ibidem), assim assegurando o direito de defesa ao arguido [cfr. art. 32.º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa].
No que respeita à “descrição sumária dos factos”, há que sublinhar que este requisito da decisão administrativa de aplicação da coima constante da primeira parte da alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT, deve interpretar-se tendo presente o tipo legal de infracção no qual se prevê e pune a contra-ordenação imputada à arguida, pois que os factos que importa descrever, embora sumariamente, na decisão de aplicação da coima serão os factos constitutivos como tal tipificados na norma que pune como contra-ordenação fiscal a conduta do agente, ou na expressão acolhida pela jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, os factos tipicamente ilícitos declarados puníveis pela norma fiscal punitiva aplicada (cf. neste sentido, entre outros, os Acórdãos desta Secção proferidos nos recursos 855/11, de 23.11.2011, 241/09, de 29.04.2009, 540/09 de 16.09.2009, 593/09, de 16.09.2009 e 382/15 de 25.06.2015, todos in www.dgsi.pt).
Como ficou dito no supra citado Acórdão 382/15 «não é nula a decisão de aplicação da coima que, embora de forma sintética e padronizada, cumpre os requisitos legalmente exigíveis, designadamente a descrição sumária dos factos, a indicação das normas violadas e punitivas, a quantificação da coima e a indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação».
No caso sub judice é isso que sucede.
Não obstante os termos sucintos da decisão de aplicação da coima, é manifesto que a mesma contém uma descrição sumária dos factos de forma a possibilitar à arguida o exercício efectivo dos seus direitos de defesa, com perfeito conhecimento dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram, e em termos bastantes para que se considere como adequadamente cumprido o requisito a que alude a alínea b) do n.º 1 do art. 79.º do RGIT (descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas).
Acresce que, pese embora a decisão de aplicação da coima não tenha referido expressamente a defesa apresentada pela arguida, ela foi considerada - e não ignorada - pela entidade decisora como evidenciam os autos, designadamente a informação dos serviços de fls. 16 a 18 e o despacho do Chefe de Finanças de fls. 24 que, concordando com tal informação, manteve a decisão de fixação da coima.
Ora a referência expressa à defesa apresentada não se enquadra em qualquer das situações previstas no RGIT e que constituem nulidades insupríveis no processo de contra-ordenação tributário (falta de notificação do despacho para audição e apresentação de defesa; falta dos requisitos legais da decisão de aplicação das coimas, incluindo a notificação do arguido).
Por isso havemos de concluir que os elementos constantes da decisão condenatória preenchem os requisitos legais previstos no artº 79º, nº 1, al. b) do RGIT e que, por esse motivo, o processo de contra-ordenação não padece da nulidade insuprível.
Questão diversa é, como bem nota o Ministério Público, a de saber se a factualidade apresentada na defesa da arguida e renovada na impugnação judicial foi objecto de errada apreciação pela autoridade tributária em sede de decisão final da coima aplicada.
Trata-se, porém, de questão que deve ser objecto de apreciação em sede de decisão judicial quanto ao mérito da impugnação apresentada.
O recurso será, pois, provido e, em consequência, os autos regressarão ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, a fim de aí prosseguirem, se a tal nada mais obstar.

7. Decisão:

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e ordenar que os autos regressem ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, a fim de aí prosseguirem com o conhecimento do recurso judicial, se a tal nada mais obstar.

Sem custas.
Lisboa, 20 de Março de 2019. – Pedro Delgado (relator) – Isabel Marques da Silva – Ascensão Lopes.