Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0295/12
Data do Acordão:10/16/2013
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:DULCE NETO
Descritores:ANULAÇÃO DE LIQUIDAÇÃO
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
MEIO PROCESSUAL ADEQUADO
RECURSO POR OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
REQUISITOS
ACÇÃO PARA RECONHECIMENTO DE DIREITO
Sumário:I - O recurso por oposição de acórdãos interposto em acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária instaurada em 10/07/2008 depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos legais: que se verifique contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA.

II - Dos acórdãos em confronto resulta não ocorrer oposição quanto à questão fundamental de direito relativa à interpretação da norma contida no art. 145º nº 3 do CPPT.

III - Verifica-se, porém, a invocada oposição relativamente à questão de saber se no caso de ter sido deferida reclamação graciosa e anulada a totalidade da liquidação do imposto nesse procedimento administrativo - onde não fora pedida a condenação da administração ao pagamento de juros indemnizatórios - o interessado está impedido de utilizar a acção prevista no art. 145º do CPPT para obter o reconhecimento do direito a esses juros em virtude de ter ainda ao seu alcance a via da impugnação administrativa e/ou judicial da decisão proferida nessa reclamação.

IV - Tendo sido diferida, na íntegra, a reclamação graciosa onde fora pedida a anulação total da liquidação de imposto, o reclamante não dispunha de legitimidade procedimental para recorrer hierarquicamente da decisão proferida nessa reclamação, nem de legitimidade processual para a impugnar contenciosamente.

V - Razão por que é de acolher a solução sufragada no acórdão recorrido, no sentido de admitir o recurso à acção para o reconhecimento de um direito, independentemente da correcção do julgado em função da eventual existência, no actual quadro jurídico, da possibilidade de o contribuinte lançar mão do processo de execução do julgado para obter a cumprimento de actos administrativos não impugnáveis e de aí pedir o pagamento de juros indemnizatórios, já que isso se prende com a interpretação do art. 157º nº 3 do CPTA e essa não foi a questão de direito colocada neste recurso por oposição de acórdãos.

Nº Convencional:JSTA00068408
Nº do Documento:SAP201310160295
Data de Entrada:04/24/2013
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Meio Processual:REC OPOS JULGADOS
Objecto:AC STA PROC0295/12 DE 2012/10/17 E AC STA PROC0396/07 DE 2007/10/17
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - REC JURISDICIONAL
Legislação Nacional:CPPT ART145 ART102 N2 ART76
CPTA/02 ART152 N1 A
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC01708/03 DE 2004/04/24; AC STA PROC041/07 DE 2007/03/28; AC STA PROC0291/09 DE 2009/10/21
Referência a Doutrina:JORGE LOPES DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 5ED PAG1017
VIEIRA DE ANDRADE - JUSTIÇA ADMINISTRATIVA 3ED PAG140
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A FAZENDA PÚBLICA recorre para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo do acórdão proferido por esta Secção em 17 de Outubro de 2012 (processo n.º 0295/12), a fls. 134 a 146, invocando oposição entre ele e o acórdão que a mesma Secção proferiu em 17 de Outubro de 2007 (processo n.º 0369/07).

Por despacho de fls. 187, o Excelentíssimo Juiz Conselheiro Relator admitiu poder ocorrer a invocada oposição de julgados

Nessa sequência, a Recorrente apresentou alegações sobre o mérito do recurso, que rematou com as seguintes conclusões:
A. Entre os dois Acórdãos em questão, o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento do STA, proferido em 17/10/2007 no Proc. nº 0369/07, tendo por base situações fácticas idênticas e relativamente à mesma questão fundamental de direito foram tomadas decisões opostas.
B. Verifica-se que, em ambos os arestos, o fundamento e o recorrido, esteve em causa a apreciação da idoneidade da Acção para o Reconhecimento de um Direito, como meio processual utilizado pelos Contribuintes para pedirem o pagamento de juros indemnizatórios em consequência da anulação de liquidação, os quais não haviam pedido em sede própria.
C. Todavia, o Acórdão fundamento tendo por base situação fáctica idêntica decidiu, em sentido oposto, a mesma questão fundamental de direito.
D. A questão de direito circunscreve-se à interpretação dada aos artigos 145º, 102º nº 2 e 76º todos do CPPT e artigo 268º da CRP.
E. E, em ambos os Acórdãos, recorrido e fundamento, está em causa saber se para obter a condenação da AT ao pagamento dos juros indemnizatórios se pode utilizar a Acção para o reconhecimento de um Direito, ou se, este meio processual só pode ser utilizado como meio complementar para quando inexista outro que permita assegurar a obtenção dos efeitos jurídicos pretendidos.
F. No Acórdão recorrido foi entendido que os juros indemnizatórios podem ser pedidos fora dos meios administrativos e judiciais que a legislação fiscal coloca à disposição dos SP como meios de defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, entendendo que a Acção para o Reconhecimento de um Direito assume um carácter complementar dos restantes meios contenciosos previstos no contencioso tributário, só sendo admissível a sua utilização quando for o meio mais adequado para a assegurar a tutela jurisdicional efectiva.
G. O Acórdão fundamento, por outro lado, e tal como prevê o nº 3 do artigo 145º do CPPT, defende que este é um meio complementar que só poderá ser utilizado quando os outros meios não assegurem a tutela plena e eficaz de para fazer valer os seus direitos ou interesses legítimos.
H. Assim, enquanto que o Acórdão recorrido sustenta que de acordo com os princípios constitucionais tal meio processual não é excluído pelo facto de haver outro meio processual à disposição, já o Acórdão fundamento ao contrário, faz outra interpretação, dos mesmos princípios, interpretação esta que a RFP, entende ser a mais adequada e que refere que: «(...) não pode afirmar-se que o legislador constitucional tenha pretendido uma duplicação de mecanismos contenciosos utilizáveis. Com efeito, o que decorre do nº 5 do artigo 268º da Constituição é que qualquer procedimento da Administração que produza uma ofensa de situações juridicamente reconhecidas tem de poder ser sindicado jurisdicionalmente. É nesta total abrangência da tutela jurisdicional que se traduz a plena efectivação das garantias jurisdicionais dos administrados».
I. Em suma, a RFP pugna pela aplicação da interpretação dada pelo Acórdão fundamento à questão de direito, ou seja que “não se pode dizer que, no caso em apreço, a presente acção seja o meio mais adequado para a recorrente assegurar a tutela efectiva do seu direito, já que dispunha de outros meios processuais para obter a condenação da Administração Fiscal e, consequentemente, obter o pagamento dos juros agora peticionados”.
J. Pelo supra exposto, deve ser proferido Acórdão que decida a questão controvertida de acordo com o sentido decisório do Acórdão fundamento.

Termos em que e, com o douto suprimento de V. Exas., deve dar-se provimento ao presente recurso, devendo ser proferido Acórdão que decida no sentido preconizado no Acórdão fundamento.

1.2. A A…………, S.A., ora Recorrida, apresentou contra-alegações que concluiu da seguinte forma:
1. Nos presentes autos, discute-se essencialmente a questão de saber se a acção para reconhecimento de um direito em matéria tributável é o meio adequado para pedir a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios na sequência da anulação de acto de liquidação em processo de reclamação graciosa.
2. A questão de direito que subjaz ao presente recurso interposto pela Fazenda Pública com fundamento na oposição de acórdãos circunscreve-se à interpretação e alcance do artigo 145º, 102º nº 2 e 76º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) e o artigo 268º da Constituição da República Portuguesa.
3. Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 145º do CPPT, as acções para obter o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido em matéria tributária podem ser propostas por quem invoque a titularidade do direito ou interesse a reconhecer.
4. A Fazenda Publica vem fundamentar a interposição do presente recurso com o acórdão fundamento que vem pugnar pelo recurso a juízo, para obtenção de juros indemnizatórios “intentando impugnação judicial, quer da decisão da reclamação graciosa (art. 102º, nº 2 do CPPT), quer do subsequente recurso hierárquico (art. 76º do mesmo diploma legal), sendo a decisão deste “passível de recurso contencioso (acção administrativa especial), salvo se de tal decisão já tiver sido deduzida impugnação judicial com o mesmo objecto”, bem como pedir a execução da sentença anulatória proferida no processo de impugnação judicial ou na acção administrativa especial e requerer, então, que a Administração fosse condenada a pagar os referidos juros, mas também não o fez”.
5. Face à fundamentação apresentada considera a ora Recorrida que se verifica um manifesto lapso quanto aos referidos normativos ao caso sub judice e nessa medida alargados os meios processuais considerados “adequados” para assegurar o direito a juros indemnizatórios quando os mesmos apenas serão aplicáveis em caso de indeferimento total ou parcial da Reclamação Graciosa, o que não se verifica no caso vertente.
6. Adicionalmente, nos termos do nº 1 do artigo 43º da Lei Geral Tributária (LGT) são devidos juros indemnizatórios quando se determine em Reclamação Graciosa que houve erro imputável aos serviços no qual resulte o pagamento de divida tributária em montante superior ao legalmente devido.
7. Sendo que nos termos do disposto no nº 4 do artigo 61º do CPPT, os juros indemnizatórios poderão ser reclamados ou impugnados autonomamente caso o pagamento do tributo seja efectuado após o termo dos prazos gerais de reclamação ou impugnação.
8. Assim, e de acordo com o Acórdão recorrido “por interpretação extensiva pode entender-se a referência a impugnação judicial como abrangendo todos os processos judiciais que têm por objecto a apreciação da legalidade de actos de liquidação, incluindo as acções para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo quando incluam uma apreciação desse tipo e os processos de execução de julgado, que são um complemento dos processos de impugnação” (in Jorge de Sousa, CPPT, 2006, 1, 479 e 480).
9. Em suma, e nos termos do Acórdão recorrido “as acções para reconhecimento de um direito só podem ser propostas nos casos em que tal meio processual for o mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efectiva do direito ou interesse legalmente protegido, de acordo com o disposto no nº 3 do art. 145º do CPPT” não exigindo, necessariamente que seja o único meio para assegurar a tutela efectiva do direito do contribuinte.
10. Refira-se que “a referida disposição legal terá de ser interpretada não só literalmente, mas também por apelo aos princípios consignados no art. 268º, nº 4 da Constituição. E nesse sentido tal meio processual não é excluído pelo facto de haver outro meio processual à disposição, sendo necessário, também, que esse outro meio processual seja idóneo a assegurar uma tutela plena, eficaz e efectiva do direito em causa.”,
11. Tanto mais que o referido normativo constitucional ao estabelecer que “É garantido aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos e a adopção de medidas cautelares adequadas” em momento algum refere que o meio mais adequado terá de ser único à disposição do contribuinte.
12. Assim, e verificando-se o reconhecimento pela própria Administração Fiscal, no caso sub judice, que houve erro imputável aos serviços de que resultou o pagamento indevido de IVA e juros, relativamente aos períodos de tributação 01.12T, 02.09T e 03.06T, sempre terá a ora Recorrida direito a juros indemnizatórios nos termos do disposto no artigo 100º da LGT.
13. Constituindo a acção para reconhecimento de direito em matéria tributária meio adequado para o contribuinte assegurar o seu direito.
14. Em face do supra exposto, deve ser proferido Acórdão que decida a decisão controvertida no sentido sustentado pelo Acórdão recorrido.

1.3. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto emitiu douto parecer no sentido de que se devia julgar verificada a invocada oposição de acórdãos e de que se devia decidir o recurso no sentido da adesão à tese vertida no acórdão recorrido, argumentando o seguinte:

«1º É garantido aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses (art. 268º nº4 CRP).

2º A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, a partir do termo do prazo da execução da decisão (art. 100º LGT redacção vigente na data da propositura da acção).

3º O pedido de juros indemnizatórios pode ser formulado autonomamente, fora do âmbito dos meios graciosos ou contenciosos onde foi declarada a anulação do acto tributário indevidamente praticado.

4º Como corolário da garantia constitucional do acesso ao direito e aos tribunais, a todo o direito ou interesse protegido em matéria tributária corresponde o meio processual mais adequado de o fazer valer em juízo (art.20º nº 1 CRP; art. 97º nº2 LGT; no processo civil idêntico corolário tem expressão no art. 2º nº 2 CPC).

5º Acolhendo a teoria do alcance médio quanto à abrangência do meio processual controvertido (cf. parecer do Ministério Público fls.130/132), a solução normativa estabelece que as acções para obter o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido em matéria tributária apenas podem ser propostas sempre que esse meio processual for o mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efectiva do direito ou interesse legalmente protegido (art.145º nº3 CPPT).

6º No caso concreto a acção para reconhecimento de direito ou interesse protegido em matéria tributária é o meio processual mais adequado para obter o pagamento dos juros indemnizatórios, considerando:

- a ilegitimidade procedimental para apresentação de recurso hierárquico de decisão de deferimento total de reclamação graciosa, onde não foi formulado o pedido de juros indemnizatórios;
- a ilegitimidade processual para dedução de impugnação judicial contra subsequente decisão de indeferimento do recurso hierárquico ou contra a decisão de deferimento da reclamação graciosa, por falta de interesse directo em demandar, em consequência da anulação do acto tributário de liquidação (art.26° nºs 1 e 2 CPC);
- a impossibilidade de requerer a execução de julgado, por inexistência de decisão judicial a executar».

1.4. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir em conferência do Pleno da Secção.

2. No acórdão recorrido consta como provada a seguinte matéria de facto:
1.º A Autora é uma sociedade que exerce a actividade de promoção e gestão de parques empresariais, a quem cabe a responsabilidade de gestão dos espaços e manutenção das infra-estruturas que integram os parques respectivos, contra o pagamento de uma taxa previamente definida no regulamento de utilização do parque empresarial.
2.º Em 31.03.2004 foi alvo de acção inspectiva externa, de âmbito parcial a IVA e com extensão aos exercícios de 2001, 2002 e 2003.
3.º No âmbito da referida acção inspectiva, a A.F. qualificou os contratos realizados pela Autora, como actos objectivamente isentos de IVA, nos termos do nº 30, do art.9º do CIVA.
4.º A Autora, nos exercícios em exame, não renunciou à isenção, e tratou todas as operações realizadas como prestações de serviços, nos termos do art.4º do CIVA.
5.º A Autora deduziu o IVA suportado em todas as operações realizadas a montante.
6.º A A.F. ao qualificar as operações realizadas pela Autora como operações isentas de IVA, concluiu que a Autora nos exercícios económicos em escrutínio deduziu IVA indevidamente.
7.º A A.F. procedeu a correcções à matéria colectável e liquidou adicionalmente IVA e os correspondentes juros compensatórios para os anos de 201, 2002 e 2003 - cfr. docs. 1 a 6, juntos aos autos pela Autora.
8.º Inconformada com a decisão de liquidação, a Autora apresentou junto da Direcção de Finanças do Porto, em 16.11.2005, Reclamação Graciosa dos actos de liquidação - cfr. doc. 7, junto aos autos pela Autora.
9.º A Autora realizou o pagamento do imposto que lhe foi liquidado adicionalmente para os exercícios de 2001, 2002 e 2003, bem como dos respectivos juros de mora - cfr. docs. 1 a 6, juntos aos autos pela Autora, no montante global de 66.984,16 euros.
10.º Em sede de apreciação administrativa a Direcção de Finanças do Porto, proferiu despacho de deferimento total da Reclamação Graciosa, decidindo pela anulabilidade dos actos de liquidação de IVA e juros compensatórios para os exercícios de 2001, 2002 e 2003 - cfr. doc. 8, junto aos autos pela Autora.
11.º Decisão que, teve na sua génese o seguinte fundamento:
“(…) o parque em causa é considerado uma empresa integrada, incluindo a gestão centralizada, a captação de publicidade, a fiscalização das lojas e até a manutenção das infra-estruturas.
Assim sendo, a função económico-social desempenhada pelo parque afasta-se da do contrato de arrendamento comercial e apesar de a lei civil não tutelar os estabelecimentos comerciais incompletos, os contratos celebrados devem ser qualificados como atípicos e inominados.
O conjunto de obrigações a que fica sujeita a entidade gestora, significa que ela desenvolve uma actividade empresarial que traduz no conjunto de serviços prestados pela gestora aos lojistas e à proprietária e que incluem a própria concepção do parque.
Não pode, pois considerar-se o contrato em causa como um contrato misto, onde se inclui o de arrendamento, pois este é meramente instrumental à actividade empresarial, perdendo autonomia e as suas características típicas.
Do exposto decorre que os contratos em causa não constituem uma transferência onerosa de estabelecimento comercial, mas sim um contrato atípico e inominado.
Assim sendo, estamos perante uma prestação de serviços, como tal definida pelo art. 4º do CIVA e portanto perante uma operação tributável não abrangida pela isenção prevista no art.9º, nº 30 CIVA.”
12.º Assim, e, tendo por substrato a decisão de anulação das liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios, a Direcção de Serviços de Cobrança da DGCI, em 21.07.2007, procedeu à notificação à Autora, dando-lhe conhecimento de que por ter havido erro imputável aos serviços, foram anuladas as liquidações de IVA respeitantes aos anos de 2001, 2002 e 2003 - cfr. docs. 9, 10 e 11, juntos aos autos pela Autora.
13.º O que originou, na Direcção Geral do Tesouro, a emissão de dois cheques pelo valor correspondente ao montante pago pela Autora a título de IVA e Juros Compensatórios.
14.º Foram emitidos à ordem da Autora, os seguintes cheques:
- cheque nº 8884047006, datado de 24.03.2008, no valor de 62.752,47 euros, sacado sobre a conta n° 00000000673 - cfr.doc.12;
- cheque nº 1184047009, datado de 24.03.2008, no valor de 4.531,69 euros, sacado sobre a conta n°00000000674 - cfr. doc. 13.

3. O presente recurso tem por base a oposição do acórdão proferido pela Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em 17 de Outubro de 2012, no processo n.º 295/12 (acórdão recorrido) com o acórdão que a mesma Secção proferiu em 17 de Outubro de 2007, no processo n.º 369/07 (acórdão fundamento), sendo que, tal como invocado pela Recorrente, a questão fundamental de direito sobre a qual existirá oposição de soluções se circunscreve à interpretação dada aos arts. 145º, 102º nº 2, e 76º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e art. 268º da Constituição da República Portuguesa (CRP), uma vez que em ambos os acórdãos estava em causa saber se o contribuinte pode utilizar a acção para o reconhecimento de um direito, prevista no art. 145º do CPPT, para obter a condenação da Administração Tributária (AT) ao pagamento de juros indemnizatórios na sequência de decisão de deferimento total de reclamação graciosa deduzida contra acto de liquidação de imposto mas onde não fora formulado esse pedido de juros indemnizatórios.

Importa, desde logo, apreciar se ocorre ou não a invocada oposição de acórdãos, pois tal como tem sido reiteradamente afirmado pela jurisprudência deste Supremo Tribunal, que aqui nos dispensamos de enumerar por tão numerosa, essa decisão não faz caso julgado e não impede ou desobriga o Tribunal de recurso de reapreciar a questão.

Está em causa um recurso interposto em acção para reconhecimento de um direito instaurada em 10/07/2008, ao qual é, assim, aplicável o ETAF de 2002, pelo que o seu conhecimento, tendo em conta o regime previsto nos artigos 27º, nº 1, alínea b), desse diploma legal, 152º, nº 1, alínea a), do CPTA e 284.º do CPPT, depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos legais:

- que se verifique contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito;
- que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA.

E como também tem sido repetidamente dito pelo Pleno desta Secção, relativamente à caracterização da questão fundamental de direito sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da LPTA para detectar essa contradição, e que são os seguintes:

- identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, o que supõe situações de facto substancialmente idênticas – identidade que não implica, porém, uma total semelhança dos factos, mas apenas a sua subsunção às mesmas normas legais;
- que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica – que ocorre sempre que eventuais modificações legislativas possam servir de base a diferentes argumentos que possam ser valorados para determinação da solução jurídica;
- que se tenha perfilhado, nos dois arestos, soluções opostas e que tal oposição decorra de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.

Vejamos, então, se no caso ocorrem os enunciados requisitos legais, começando pela verificação da existência de contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito.

Como se viu, o presente recurso tem por base a oposição entre dois acórdãos onde a questão que se colocava era a de saber se a acção para reconhecimento de um direito constituía meio processual adequado para pedir o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios face ao integral deferimento de reclamação graciosa onde o contribuinte pedira (e obtivera) a anulação de acto de liquidação de imposto, mas onde não formulara qualquer pedido relativamente esses juros, razão por que a decisão nada declarara quanto a essa matéria.

No acórdão fundamento julgou-se que a possibilidade de utilizar a acção para reconhecimento de um direito ainda não reconhecido estava condicionada, por força da regra da complementaridade ínsita no art. 145º do CPPT, à inexistência de outro meio processual que permitisse assegurar adequadamente a obtenção dos efeitos jurídicos pretendidos. «Assim, à face do preceituado no n.º 3 do art. 145º, só quando por estes meios não for possível obter uma tutela judicial efectiva, nos termos atrás indicados, poderá utilizar-se a acção para obter a tutela judicial do direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

E também no acórdão recorrido se julgou que a acção para reconhecimento de um direito, previsto no art. 145.º do CPPT, assume um carácter complementar dos restantes meios contenciosos previstos no contencioso tributário, só sendo admissível a sua utilização quando for o meio mais adequado para a assegurar a tutela jurisdicional efectiva. Como aí se deixou dito, este entendimento está em sintonia e respeita a jurisprudência reiterada deste ST, como se pode ver, entre outros, nos acórdãos de 11/02/02, 12/03/03, 18/06/03, 24/04/04, 28/03/07 e 21/10/2009, nos recursos nºs 1515, 1907, 524/03, 1708/03 e 41/07, 0291/09 respectivamente.
Para o efeito, explicou-se que tal é «o que decorre, aliás, do disposto no n.º 3 do art. 145º do CPPT ao estatuir que “As acção apenas podem ser propostas sempre que esse meio processual for o mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efectiva do direito ou interesse legalmente protegido.” Dessa forma se vê adoptada o que tem vindo a ser designado por teoria do alcance médio - cfr., a este propósito Jorge Lopes de Sousa, in CPPT, anotado e comentado, 5.ª edição, a fls.1017 e Vieira de Andrade, in “A Justiça Administrativa”, Lições, 3ª edição, a fls. 140, citado no parecer do Ministério Público.
Como afirma o primeiro desses autores, ob. cit., “a possibilidade de utilizar a acção para obter o reconhecimento judicial de um direito não reconhecido, por força da referida regra da complementaridade, está condicionada à inexistência de outro meios contenciosos que permita assegurar eficazmente a obtenção dos efeitos jurídicos pretendidos.
Assim, à face do preceituado no nº 3 do artigo 145º, só quando por este meio não for possível obter uma tutela judicial efectiva, nos termos atrás indicados, poderá utilizar-se a acção como meio para obter a tutela judicial do direito ou interesse legítimo em matéria tributária.».

Daqui decorre, desde logo, que os acórdãos em confronto adoptaram precisamente a mesma interpretação do art. 145º do CPPT, não se detectando, assim, oposição quanto a esta questão fundamental de direito.

A divergência reside, porém, na questão relativa à existência ou inexistência de outro meio contencioso que permitisse ainda assegurar eficazmente o reconhecimento dos referidos juros indemnizatórios e que, em face do aludido carácter complementar da acção para o reconhecimento de um direito, fosse impeditivo do recurso a esta acção.

Ora, enquanto o acórdão fundamento entendeu que esse meio existia e que seria «a impugnação judicial, quer da decisão da reclamação graciosa (artº 102º, nº 2, do CPPT), quer do subsequente recurso hierárquico (artº 76º do mesmo diploma legal), sendo a decisão deste passível de recurso contencioso (acção administrativa especial), salvo se de tal decisão já tiver sido deduzida impugnação judicial com o mesmo objecto, bem como pedir a execução da sentença anulatória proferida nesse processo de impugnação judicial ou na acção administrativa especial e requerer, então, que a Administração fosse condenada a pagar os referidos juros», já o acórdão recorrido entendeu que «Não obstante o teor do acórdão de 17/10/2007 tirado no recurso 0369/07 (…), não concordamos com a sua argumentação pois é exacto, como afirma o Mº Pº junto deste STA, que não faz sentido falar-se em dedução por parte da recorrida de recurso hierárquico ou impugnação de uma decisão que lhe foi favorável (o deferimento da sua reclamação graciosa quer quanto ao imposto pago quer quanto aos juros compensatórios) ou falar-se em execução de julgado quando inexiste decisão judicial exequenda», razão porque julgou ser aceitável que nestas circunstâncias a acção para reconhecimento de direito legítimo em matéria tributária constituísse o meio processual adequado à tutela da pretensão do autor.

Como assim, afigura-se-nos que, relativamente a esta segunda questão, existe a invocada oposição de acórdãos, por ambos assentarem em situações de facto idênticas nos seus contornos essenciais e estar em causa a mesma questão de direito – saber se no caso de ter sido deferida reclamação graciosa e anulada a liquidação do imposto nesse procedimento administrativo (onde não fora pedida a condenação da administração ao pagamento de juros indemnizatórios), o interessado está impedido de utilizar a acção prevista no art. 145º do CPPT para obter o reconhecimento do direito a esses juros em virtude de ter ao seu alcance a via da impugnação judicial da decisão proferida na reclamação e subsequente execução da sentença que nesta impugnação venha a ser proferida, ou a via do recurso hierárquico da decisão proferida na reclamação e subsequente faculdade de interposição de acção administrativa especial e de execução da sentença que nesta acção judicial venha a ser proferida.

Com efeito, relativamente a esta questão foi perfilhada solução oposta em cada um dos dois arestos, por decisões expressas e antagónicas, pelo que se impõe agora decidir qual a solução que se deve considerar de harmonia com a ordem jurídica - se a do acórdão fundamento, reclamada pela recorrente; se a do acórdão recorrido.

E, avançando na decisão, logo diremos que estamos convictos da justeza da argumentação que fez vencimento no acórdão recorrido, argumentação que, aliás, o Ministério Público tão bem analisou no douto parecer acima transcrito.

É que, tendo sido deferida, na íntegra, a reclamação graciosa onde fora pedida a anulação da liquidação do imposto, com a consequente anulação total dessa liquidação e restituição do imposto pago, e não tendo aí sido formulado qualquer pedido de condenação da administração tributária ao pagamento de juros indemnizatórios ao contribuinte, não se vislumbra como poderia este ter legitimidade para atacar essa decisão, seja em sede de recurso hierárquico, seja em sede de recurso contencioso.

Como muito bem refere o Ministério Público, verificar-se-ia a ilegitimidade procedimental para apresentação de recurso hierárquico de decisão de deferimento total de reclamação graciosa, onde não foi formulado o pedido de juros indemnizatórios; e verificar-se-ia a ilegitimidade processual para dedução de impugnação judicial contra subsequente decisão de indeferimento do recurso hierárquico ou contra a decisão de deferimento da reclamação graciosa, por falta de interesse directo em demandar, em consequência da anulação do acto tributário de liquidação (art.26º nºs 1 e 2 CPC).

Com efeito, não faz sentido falar na obrigação de dedução, por parte do contribuinte reclamante, de recurso hierárquico ou de recurso contencioso de uma decisão que lhe foi inteiramente favorável (o deferimento da sua reclamação graciosa quanto ao imposto pago), sabido que a impugnação das decisões administrativas ou judiciais tem de satisfazer um interesse da parte prejudicada, que assim pode manifestar o seu inconformismo em relação à pretensão formulada e obter a correcção de uma decisão que lhe foi desfavorável. A faculdade de impugnação/recurso é uma consequência da possibilidade de reacção dos particulares contra os actos públicos que ofendem os seus interesses e, no caso, a decisão proferida na reclamação, tendo apreciado e atendido à causa de pedir invocada, deferindo totalmente a pretensão anulatória formulada, não era passível de qualquer censura para efeitos de recurso administrativo ou contencioso.

Deste modo, e sabido que a legitimidade deve ser aferida e determinada pela utilidade ou prejuízo que da procedência ou improcedência da acção possa derivar para as partes, face aos termos em que o autor configura o direito invocado e a posição que as partes, considerando o pedido e a causa de pedir, assumem na relação jurídica controvertida, tal como a apresenta o autor (art. 26º do CPC), nunca disporia o reclamante de legitimidade ou interesse processual directo (O interesse directo é o requisito essencial da legitimidade, conforme decorre do preceituado no artº 26º do CPC.) para recorrer (administrativa ou contenciosamente) da decisão proferida nessa reclamação, recurso que, assim, estaria votado ao insucesso por falta de um pressuposto processual.

Em suma, in casu, parece óbvio que da decisão proferida na reclamação nenhum prejuízo advém para a reclamante; essa decisão é-lhe inteiramente favorável, uma vez que atendeu totalmente à pretensão que expressou na respectiva petição de reclamação. Razão por que acolhemos a fundamentação constante do acórdão recorrido no sentido de que é inaceitável defender a obrigação de dedução, por parte do contribuinte, de recurso administrativo ou contencioso de decisão administrativa que lhe foi inteiramente favorável, até porque na alegação da recorrente não foram aduzidas razões legais que infirmem decisivamente essa fundamentação.

E porque não há que cuidar, neste recurso por oposição de acórdãos, da correcção do julgado em função da eventual existência, no actual quadro jurídico, da possibilidade de o contribuinte lançar mão do processo de execução do julgado para obter a cumprimento judicial de actos administrativos não impugnáveis e aí pedir directamente o pagamento de juros indemnizatórios, já que não é essa a questão fundamental de direito colocada neste recurso e que obteve decisões opostas (questão que, prendendo-se com a interpretação do art. 157 nº 3 do CPTA, os acórdãos em confronto nem sequer equacionaram), resta-nos acolher a solução adoptada no acórdão recorrido e negar provimento ao presente recurso.

4. Face ao exposto, acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 16 de Outubro de 2013. – Dulce Manuel da Conceição Neto (relatora) - João António Valente Torrão - Joaquim Casimiro Gonçalves - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - José da Ascensão Nunes Lopes – Pedro Manuel Dias Delgado (voto a decisão, revendo anterior posição).