Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0295/12 |
Data do Acordão: | 10/16/2013 |
Tribunal: | PLENO DA SECÇÃO DO CT |
Relator: | DULCE NETO |
Descritores: | ANULAÇÃO DE LIQUIDAÇÃO JUROS INDEMNIZATÓRIOS MEIO PROCESSUAL ADEQUADO RECURSO POR OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS REQUISITOS ACÇÃO PARA RECONHECIMENTO DE DIREITO |
Sumário: | I - O recurso por oposição de acórdãos interposto em acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária instaurada em 10/07/2008 depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos legais: que se verifique contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA.
II - Dos acórdãos em confronto resulta não ocorrer oposição quanto à questão fundamental de direito relativa à interpretação da norma contida no art. 145º nº 3 do CPPT. III - Verifica-se, porém, a invocada oposição relativamente à questão de saber se no caso de ter sido deferida reclamação graciosa e anulada a totalidade da liquidação do imposto nesse procedimento administrativo - onde não fora pedida a condenação da administração ao pagamento de juros indemnizatórios - o interessado está impedido de utilizar a acção prevista no art. 145º do CPPT para obter o reconhecimento do direito a esses juros em virtude de ter ainda ao seu alcance a via da impugnação administrativa e/ou judicial da decisão proferida nessa reclamação. IV - Tendo sido diferida, na íntegra, a reclamação graciosa onde fora pedida a anulação total da liquidação de imposto, o reclamante não dispunha de legitimidade procedimental para recorrer hierarquicamente da decisão proferida nessa reclamação, nem de legitimidade processual para a impugnar contenciosamente. V - Razão por que é de acolher a solução sufragada no acórdão recorrido, no sentido de admitir o recurso à acção para o reconhecimento de um direito, independentemente da correcção do julgado em função da eventual existência, no actual quadro jurídico, da possibilidade de o contribuinte lançar mão do processo de execução do julgado para obter a cumprimento de actos administrativos não impugnáveis e de aí pedir o pagamento de juros indemnizatórios, já que isso se prende com a interpretação do art. 157º nº 3 do CPTA e essa não foi a questão de direito colocada neste recurso por oposição de acórdãos. |
Nº Convencional: | JSTA00068408 |
Nº do Documento: | SAP201310160295 |
Data de Entrada: | 04/24/2013 |
Recorrente: | FAZENDA PÚBLICA |
Recorrido 1: | A............ |
Votação: | UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT |
Meio Processual: | REC OPOS JULGADOS |
Objecto: | AC STA PROC0295/12 DE 2012/10/17 E AC STA PROC0396/07 DE 2007/10/17 |
Decisão: | NEGA PROVIMENTO |
Área Temática 1: | DIR PROC TRIBUT CONT - REC JURISDICIONAL |
Legislação Nacional: | CPPT ART145 ART102 N2 ART76 CPTA/02 ART152 N1 A |
Jurisprudência Nacional: | AC STA PROC01708/03 DE 2004/04/24; AC STA PROC041/07 DE 2007/03/28; AC STA PROC0291/09 DE 2009/10/21 |
Referência a Doutrina: | JORGE LOPES DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 5ED PAG1017 VIEIRA DE ANDRADE - JUSTIÇA ADMINISTRATIVA 3ED PAG140 |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1. A FAZENDA PÚBLICA recorre para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo do acórdão proferido por esta Secção em 17 de Outubro de 2012 (processo n.º 0295/12), a fls. 134 a 146, invocando oposição entre ele e o acórdão que a mesma Secção proferiu em 17 de Outubro de 2007 (processo n.º 0369/07).
Por despacho de fls. 187, o Excelentíssimo Juiz Conselheiro Relator admitiu poder ocorrer a invocada oposição de julgados
Nessa sequência, a Recorrente apresentou alegações sobre o mérito do recurso, que rematou com as seguintes conclusões: Termos em que e, com o douto suprimento de V. Exas., deve dar-se provimento ao presente recurso, devendo ser proferido Acórdão que decida no sentido preconizado no Acórdão fundamento.
1.2. A A…………, S.A., ora Recorrida, apresentou contra-alegações que concluiu da seguinte forma: «1º É garantido aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses (art. 268º nº4 CRP). 2º A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, a partir do termo do prazo da execução da decisão (art. 100º LGT redacção vigente na data da propositura da acção). 3º O pedido de juros indemnizatórios pode ser formulado autonomamente, fora do âmbito dos meios graciosos ou contenciosos onde foi declarada a anulação do acto tributário indevidamente praticado. 4º Como corolário da garantia constitucional do acesso ao direito e aos tribunais, a todo o direito ou interesse protegido em matéria tributária corresponde o meio processual mais adequado de o fazer valer em juízo (art.20º nº 1 CRP; art. 97º nº2 LGT; no processo civil idêntico corolário tem expressão no art. 2º nº 2 CPC). 5º Acolhendo a teoria do alcance médio quanto à abrangência do meio processual controvertido (cf. parecer do Ministério Público fls.130/132), a solução normativa estabelece que as acções para obter o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido em matéria tributária apenas podem ser propostas sempre que esse meio processual for o mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efectiva do direito ou interesse legalmente protegido (art.145º nº3 CPPT). 6º No caso concreto a acção para reconhecimento de direito ou interesse protegido em matéria tributária é o meio processual mais adequado para obter o pagamento dos juros indemnizatórios, considerando: - a ilegitimidade procedimental para apresentação de recurso hierárquico de decisão de deferimento total de reclamação graciosa, onde não foi formulado o pedido de juros indemnizatórios; 3. O presente recurso tem por base a oposição do acórdão proferido pela Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em 17 de Outubro de 2012, no processo n.º 295/12 (acórdão recorrido) com o acórdão que a mesma Secção proferiu em 17 de Outubro de 2007, no processo n.º 369/07 (acórdão fundamento), sendo que, tal como invocado pela Recorrente, a questão fundamental de direito sobre a qual existirá oposição de soluções se circunscreve à interpretação dada aos arts. 145º, 102º nº 2, e 76º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e art. 268º da Constituição da República Portuguesa (CRP), uma vez que em ambos os acórdãos estava em causa saber se o contribuinte pode utilizar a acção para o reconhecimento de um direito, prevista no art. 145º do CPPT, para obter a condenação da Administração Tributária (AT) ao pagamento de juros indemnizatórios na sequência de decisão de deferimento total de reclamação graciosa deduzida contra acto de liquidação de imposto mas onde não fora formulado esse pedido de juros indemnizatórios. Importa, desde logo, apreciar se ocorre ou não a invocada oposição de acórdãos, pois tal como tem sido reiteradamente afirmado pela jurisprudência deste Supremo Tribunal, que aqui nos dispensamos de enumerar por tão numerosa, essa decisão não faz caso julgado e não impede ou desobriga o Tribunal de recurso de reapreciar a questão. Está em causa um recurso interposto em acção para reconhecimento de um direito instaurada em 10/07/2008, ao qual é, assim, aplicável o ETAF de 2002, pelo que o seu conhecimento, tendo em conta o regime previsto nos artigos 27º, nº 1, alínea b), desse diploma legal, 152º, nº 1, alínea a), do CPTA e 284.º do CPPT, depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos legais: - que se verifique contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito;
E como também tem sido repetidamente dito pelo Pleno desta Secção, relativamente à caracterização da questão fundamental de direito sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da LPTA para detectar essa contradição, e que são os seguintes: - identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, o que supõe situações de facto substancialmente idênticas – identidade que não implica, porém, uma total semelhança dos factos, mas apenas a sua subsunção às mesmas normas legais; Vejamos, então, se no caso ocorrem os enunciados requisitos legais, começando pela verificação da existência de contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito. Como se viu, o presente recurso tem por base a oposição entre dois acórdãos onde a questão que se colocava era a de saber se a acção para reconhecimento de um direito constituía meio processual adequado para pedir o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios face ao integral deferimento de reclamação graciosa onde o contribuinte pedira (e obtivera) a anulação de acto de liquidação de imposto, mas onde não formulara qualquer pedido relativamente esses juros, razão por que a decisão nada declarara quanto a essa matéria. No acórdão fundamento julgou-se que a possibilidade de utilizar a acção para reconhecimento de um direito ainda não reconhecido estava condicionada, por força da regra da complementaridade ínsita no art. 145º do CPPT, à inexistência de outro meio processual que permitisse assegurar adequadamente a obtenção dos efeitos jurídicos pretendidos. «Assim, à face do preceituado no n.º 3 do art. 145º, só quando por estes meios não for possível obter uma tutela judicial efectiva, nos termos atrás indicados, poderá utilizar-se a acção para obter a tutela judicial do direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
E também no acórdão recorrido se julgou que a acção para reconhecimento de um direito, previsto no art. 145.º do CPPT, assume um carácter complementar dos restantes meios contenciosos previstos no contencioso tributário, só sendo admissível a sua utilização quando for o meio mais adequado para a assegurar a tutela jurisdicional efectiva. Como aí se deixou dito, este entendimento está em sintonia e respeita a jurisprudência reiterada deste ST, como se pode ver, entre outros, nos acórdãos de 11/02/02, 12/03/03, 18/06/03, 24/04/04, 28/03/07 e 21/10/2009, nos recursos nºs 1515, 1907, 524/03, 1708/03 e 41/07, 0291/09 respectivamente. Daqui decorre, desde logo, que os acórdãos em confronto adoptaram precisamente a mesma interpretação do art. 145º do CPPT, não se detectando, assim, oposição quanto a esta questão fundamental de direito. A divergência reside, porém, na questão relativa à existência ou inexistência de outro meio contencioso que permitisse ainda assegurar eficazmente o reconhecimento dos referidos juros indemnizatórios e que, em face do aludido carácter complementar da acção para o reconhecimento de um direito, fosse impeditivo do recurso a esta acção. Ora, enquanto o acórdão fundamento entendeu que esse meio existia e que seria «a impugnação judicial, quer da decisão da reclamação graciosa (artº 102º, nº 2, do CPPT), quer do subsequente recurso hierárquico (artº 76º do mesmo diploma legal), sendo a decisão deste passível de recurso contencioso (acção administrativa especial), salvo se de tal decisão já tiver sido deduzida impugnação judicial com o mesmo objecto, bem como pedir a execução da sentença anulatória proferida nesse processo de impugnação judicial ou na acção administrativa especial e requerer, então, que a Administração fosse condenada a pagar os referidos juros», já o acórdão recorrido entendeu que «Não obstante o teor do acórdão de 17/10/2007 tirado no recurso 0369/07 (…), não concordamos com a sua argumentação pois é exacto, como afirma o Mº Pº junto deste STA, que não faz sentido falar-se em dedução por parte da recorrida de recurso hierárquico ou impugnação de uma decisão que lhe foi favorável (o deferimento da sua reclamação graciosa quer quanto ao imposto pago quer quanto aos juros compensatórios) ou falar-se em execução de julgado quando inexiste decisão judicial exequenda», razão porque julgou ser aceitável que nestas circunstâncias a acção para reconhecimento de direito legítimo em matéria tributária constituísse o meio processual adequado à tutela da pretensão do autor. Como assim, afigura-se-nos que, relativamente a esta segunda questão, existe a invocada oposição de acórdãos, por ambos assentarem em situações de facto idênticas nos seus contornos essenciais e estar em causa a mesma questão de direito – saber se no caso de ter sido deferida reclamação graciosa e anulada a liquidação do imposto nesse procedimento administrativo (onde não fora pedida a condenação da administração ao pagamento de juros indemnizatórios), o interessado está impedido de utilizar a acção prevista no art. 145º do CPPT para obter o reconhecimento do direito a esses juros em virtude de ter ao seu alcance a via da impugnação judicial da decisão proferida na reclamação e subsequente execução da sentença que nesta impugnação venha a ser proferida, ou a via do recurso hierárquico da decisão proferida na reclamação e subsequente faculdade de interposição de acção administrativa especial e de execução da sentença que nesta acção judicial venha a ser proferida. Com efeito, relativamente a esta questão foi perfilhada solução oposta em cada um dos dois arestos, por decisões expressas e antagónicas, pelo que se impõe agora decidir qual a solução que se deve considerar de harmonia com a ordem jurídica - se a do acórdão fundamento, reclamada pela recorrente; se a do acórdão recorrido. E, avançando na decisão, logo diremos que estamos convictos da justeza da argumentação que fez vencimento no acórdão recorrido, argumentação que, aliás, o Ministério Público tão bem analisou no douto parecer acima transcrito. É que, tendo sido deferida, na íntegra, a reclamação graciosa onde fora pedida a anulação da liquidação do imposto, com a consequente anulação total dessa liquidação e restituição do imposto pago, e não tendo aí sido formulado qualquer pedido de condenação da administração tributária ao pagamento de juros indemnizatórios ao contribuinte, não se vislumbra como poderia este ter legitimidade para atacar essa decisão, seja em sede de recurso hierárquico, seja em sede de recurso contencioso. Como muito bem refere o Ministério Público, verificar-se-ia a ilegitimidade procedimental para apresentação de recurso hierárquico de decisão de deferimento total de reclamação graciosa, onde não foi formulado o pedido de juros indemnizatórios; e verificar-se-ia a ilegitimidade processual para dedução de impugnação judicial contra subsequente decisão de indeferimento do recurso hierárquico ou contra a decisão de deferimento da reclamação graciosa, por falta de interesse directo em demandar, em consequência da anulação do acto tributário de liquidação (art.26º nºs 1 e 2 CPC). Com efeito, não faz sentido falar na obrigação de dedução, por parte do contribuinte reclamante, de recurso hierárquico ou de recurso contencioso de uma decisão que lhe foi inteiramente favorável (o deferimento da sua reclamação graciosa quanto ao imposto pago), sabido que a impugnação das decisões administrativas ou judiciais tem de satisfazer um interesse da parte prejudicada, que assim pode manifestar o seu inconformismo em relação à pretensão formulada e obter a correcção de uma decisão que lhe foi desfavorável. A faculdade de impugnação/recurso é uma consequência da possibilidade de reacção dos particulares contra os actos públicos que ofendem os seus interesses e, no caso, a decisão proferida na reclamação, tendo apreciado e atendido à causa de pedir invocada, deferindo totalmente a pretensão anulatória formulada, não era passível de qualquer censura para efeitos de recurso administrativo ou contencioso. Deste modo, e sabido que a legitimidade deve ser aferida e determinada pela utilidade ou prejuízo que da procedência ou improcedência da acção possa derivar para as partes, face aos termos em que o autor configura o direito invocado e a posição que as partes, considerando o pedido e a causa de pedir, assumem na relação jurídica controvertida, tal como a apresenta o autor (art. 26º do CPC), nunca disporia o reclamante de legitimidade ou interesse processual directo (O interesse directo é o requisito essencial da legitimidade, conforme decorre do preceituado no artº 26º do CPC.) para recorrer (administrativa ou contenciosamente) da decisão proferida nessa reclamação, recurso que, assim, estaria votado ao insucesso por falta de um pressuposto processual. Em suma, in casu, parece óbvio que da decisão proferida na reclamação nenhum prejuízo advém para a reclamante; essa decisão é-lhe inteiramente favorável, uma vez que atendeu totalmente à pretensão que expressou na respectiva petição de reclamação. Razão por que acolhemos a fundamentação constante do acórdão recorrido no sentido de que é inaceitável defender a obrigação de dedução, por parte do contribuinte, de recurso administrativo ou contencioso de decisão administrativa que lhe foi inteiramente favorável, até porque na alegação da recorrente não foram aduzidas razões legais que infirmem decisivamente essa fundamentação. E porque não há que cuidar, neste recurso por oposição de acórdãos, da correcção do julgado em função da eventual existência, no actual quadro jurídico, da possibilidade de o contribuinte lançar mão do processo de execução do julgado para obter a cumprimento judicial de actos administrativos não impugnáveis e aí pedir directamente o pagamento de juros indemnizatórios, já que não é essa a questão fundamental de direito colocada neste recurso e que obteve decisões opostas (questão que, prendendo-se com a interpretação do art. 157 nº 3 do CPTA, os acórdãos em confronto nem sequer equacionaram), resta-nos acolher a solução adoptada no acórdão recorrido e negar provimento ao presente recurso.
4. Face ao exposto, acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso. Custas pela Recorrente. Lisboa, 16 de Outubro de 2013. – Dulce Manuel da Conceição Neto (relatora) - João António Valente Torrão - Joaquim Casimiro Gonçalves - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - José da Ascensão Nunes Lopes – Pedro Manuel Dias Delgado (voto a decisão, revendo anterior posição). |