Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0158/10
Data do Acordão:06/30/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO
PRESCRIÇÃO
INÍCIO DO PRAZO DE PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
IVA
Sumário:I - Estando em causa uma dívida de IVA referente aos 1° e 2° trimestres do ano de 2000 e sendo este tributo um imposto de obrigação única (e não um imposto periódico) o termo inicial do prazo de prescrição (de 8 anos) que se contava, à luz da inicial redacção do nº 1 do art. 48º da LGT, a partir da data da ocorrência dos respectivos factos tributários e não a partir do início do ano civil seguinte, passou a contar-se, por via da alteração que o art. 40º da Lei nº 55-B/2004 introduziu neste nº 1, a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto, ou seja, no caso, a partir de 1/1/2001.
II - A citação do responsável subsidiário, se for o primeiro facto interruptivo ocorrido na vigência da Lei nº 53- A/2006, 29/12 (que introduziu a actual redacção ao nº 3 do art. 49° da LGT), interrompe o prazo que, relativamente a ele, ainda estiver em curso, impedindo o decurso do mesmo até à decisão que puser termo ao processo de execução fiscal.
Nº Convencional:JSTA00066507
Nº do Documento:SA2201006300158
Data de Entrada:03/02/2010
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A... E B...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF COIMBRA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR FISC - IVA.
Legislação Nacional:LGT98 ART48 ART49 ART45 N4 ART12 N1 ART18 N3 ART43 N2.
CCIV66 ART12 N2 ART326 N1 ART327 N1.
L 53-A/2006 DE 2006/12/29 ART91 ART49.
L 55-B/2004 DE 2004/12/30 ART40.
CPC96 ART715 N2 ART726.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC598/08 DE 2008/11/26.; AC STA PROC1076/09 DE 2010/03/03.
Referência a Doutrina:BAPTISTA MACHADO INTRODUÇÃO AO DIREITO E AO DISCURSO LEGITIMADOR 2002 PAG235 PAG242-243.
JORGE DE SOUSA NOTAS SOBRE A APLICAÇÃO NO TEMPO DAS NORMAS SOBRE PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA PAG36-39.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO
1.1. A Fazenda Pública recorre da sentença que, proferida no TAF de Coimbra, julgou procedente, com fundamento na prescrição da dívida exequenda, a oposição à execução fiscal, deduzida por A... e B..., com os demais sinais dos autos. A execução foi inicialmente instaurada contra a sociedade “C..., Lda.”, por dívidas de IVA do 1º e 2º trimestres do ano de 2000, no valor de € 5.522,09 e veio a ser revertida contra os referidos oponentes.
1.2. A recorrente termina as alegações do recurso formulando as Conclusões seguintes:
1. A oposição refere-se ao Processo de Execução Fiscal (PEF) nº ... instaurado para cobrança coerciva de IVA do ano de 2000 - 1° e 2° trimestres no montante total de 5.522,09 euros.
2. As questões alegadas na oposição foram a falta de notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade, a ilegalidade da dívida exequenda e a prescrição da dívida por já terem decorrido mais de cinco anos a contar da liquidação.
3. A douta sentença apenas apreciou a questão da prescrição da dívida, por a sua procedência inviabilizar o conhecimento das demais questões, julgando procedente a oposição e declarou prescrita a dívida de IVA do ano de 2000, da qual respeitosamente se discorda.
4. A douta sentença deu como provados os seguintes factos:
a) A execução foi instaurada em 06-12-2001 (processo nº ...), contra a executada “C..., Lda.”, para cobrança de dívida de IVA do ano de 2000 (1° e 2° trimestres), no montante total de € 5.522,09;
b) A sociedade devedora foi citada da instauração do processo de execução fiscal em 07-12-2001;
c) Em 21 de Janeiro de 2008 foi elaborado o projecto de reversão da dívida da sociedade “C..., Lda.” com fundamento na inexistência de bens penhoráveis, contra os responsáveis subsidiários A... e mulher B...;
d) A sociedade por quotas executada “C..., Lda.”, com sede na Rua ..., no distrito de Coimbra com a matrícula nº ... e registada na AP. ... da Conservatória do Registo Comercial da Figueira da Foz, da qual eram sócios os ora oponentes A... e B..., figurando como gerente A...;
e) Por despacho do Chefe de Finanças Adjunto, por delegação de poderes, de 9-07-2008 foi determinada a reversão das dívidas, com fundamento na inexistência de património da devedora originária;
f) Os oponentes foram citados do despacho de reversão em 11-06-2008;
g) A oposição foi instaurada em 4-06-2008;
h) No processo de execução fiscal nº ... nas datas de 2002-01-03, 2002-03-01 e 2002-05-09 foram efectuados pagamentos;
i) Em 15 de Julho de 2003, a Direcção Geral das Contribuições e Impostos, através do Serviço de Finanças do concelho da Figueira da Foz remeteu à executada originária um ofício, notificando-a a comparecer naquele serviço a fim de regularizar as dívidas fiscais;
j) A executada originária através do mod. 50 em 2007-12-21 e 2007-12-28 procedeu aos pagamentos;
k) A execução fiscal esteve parada entre 16.07.2003 e 20-12-2007.
5. Face ao período temporal a que se referem os factos tributários, IVA do ano de 2000, o regime legal aplicável é o previsto na Lei Geral Tributária (LGT) que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1999.
6. A douta sentença concluiu que tendo os oponentes, na qualidade de responsáveis subsidiários, sido citados apenas em 11-06-2008, após o 5° ano posterior ao da liquidação do tributo, a dívida fiscal estava prescrita conforme disposto pelo nº 3 do art. 48° da LGT.
7. Ora, o nº 3 do art. 48° da LGT não estabelece nenhum prazo de prescrição, como parece alcançar-se/resultar da douta sentença.
8. O nº 3 do art. 48° da LGT apenas limita o efeito interruptivo da prescrição contra o devedor principal na esfera jurídica do responsável subsidiário. Esse efeito interruptivo cessa, nos termos deste nº 3, quando a citação dos responsáveis subsidiários, no processo de execução fiscal for efectuada após o 5° ano posterior ao da liquidação.
9. A citação do devedor principal interrompe a prescrição da obrigação do responsável subsidiário, mas esse efeito cessa “ex tunc”, caso a reversão se não faça nos cinco anos posteriores ao da liquidação, contando-se então o prazo de prescrição desde o início, como se nunca tivesse sido interrompido.
10. Nos termos do nº 1 do art. 48° da LGT o início do prazo de prescrição, por se tratar de dívida de IVA do ano de 2000, conta-se a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou o facto tributário, seja 2001.
11. Por força do nº 1 do art. 49° da LGT a prescrição interrompe-se com a citação que ocorreu em 07-12-2001.
12. No entanto, porque a citação dos oponentes, na qualidade de responsáveis subsidiários, foi efectuada em 11-06-2008, após o 5° ano posterior ao da liquidação, tem como efeito a ineficácia das interrupções anteriores (nº 3 do artigo 48° LGT).
13. Assim, desde 01-01-2001 até 11-06-2008, haviam já decorrido 7 anos, 5 meses e 11 dias, pelo que a dívida ainda não se encontrava prescrita.
14. A citação dos oponentes em 11-06-2008, e porque depois da actual redacção dada ao nº 3 do art. 49° da LGT (Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro) é a primeira causa de interrupção, tem o efeito de reiniciar novo prazo de prescrição de 8 anos.
15. Contando 8 anos a partir de 12-6-2008 verifica-se que a dívida de IVA do ano de 2000 não se encontra prescrita.
Termina pedindo que a sentença recorrida seja revogada e substituída por acórdão que julgue improcedente a oposição.
1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.
1.4. O MP emite Parecer no sentido do provimento do recurso, fundamentando-se, em síntese, no seguinte:
a) Por um lado, a dívida não está prescrita.
Sendo a dívida proveniente de IVA, o prazo de prescrição de 8 anos conta-se a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto (art. 48° nº 1 LGT, na redacção do art. 40° da Lei nº 55-B/2004, de 30/12).
A citação do devedor originário produz efeitos em relação aos responsáveis solidários e subsidiários (arts. 18° nº 3 e 48° nº 2 LGT), embora a interrupção não produza efeitos quanto ao responsável subsidiário se a citação deste, em processo de execução fiscal, for efectuada após o 5° ano posterior ao da liquidação (art. 48° nº 3 LGT).
Mas o efeito desta norma é apenas o de tornar irrelevante em relação ao responsável subsidiário as causas de interrupção da prescrição verificadas em relação ao devedor originário, sem prejuízo do efeito interruptivo resultante da sua própria citação, se ocorrer antes do termo do 8° ano a contar do início do prazo de prescrição (cf. Jorge Lopes de Sousa Notas sobre a aplicação no tempo das normas sobre prescrição da obrigação tributária 6. pp. 36/39)
No caso, o prazo de prescrição teve início em 1/1/2001, mas a citação da sociedade devedora originária, em 7/12/2001, interrompeu esse prazo de prescrição.
Todavia, embora esta citação não produza efeitos quanto aos responsáveis subsidiários porque foram citados em 11/6/2008, após o 5° ano posterior ao da liquidação do imposto (art. 48° nº 3 LGT), já a sua própria citação como responsáveis subsidiários, nessa data de 11/6/2008, interrompeu o prazo de prescrição conexo com a sua própria responsabilidade, na medida em que foi efectuada antes do termo do prazo de 8 anos, iniciado em 1/1/2001.
E porque esta citação é o primeiro facto interruptivo ocorrido na vigência da Lei nº 53- A/2006, de 29/12 (que conferiu a actual redacção ao art. 49° nº 3 LGT), ficou inutilizado, como consequência, o prazo decorrido em relação aos mesmos responsáveis subsidiários e ficou impedido o decurso do prazo até à decisão que puser termo ao processo de execução fiscal (arts. 326° nº 1 e 327° nº 1 CCivil, adaptados aos factos interruptivos previstos na LGT).
b) Por outro lado, as questões da inexigibilidade da dívida por falta de notificação da liquidação no prazo de caducidade e de ilegalidade da liquidação de IVA (por alegada inactividade da sociedade no ano 2001) não foram apreciadas na sentença recorrida porque prejudicadas pela solução da questão da prescrição da dívida tributária.
Ora, sendo a decisão do tribunal de recurso no sentido da inexistência de prescrição justificar-se-ia o conhecimento das questões prejudicadas, em substituição do tribunal recorrido (arts.715° nº 2 e 726° CPC/art. 2° al. e) CPPT).
Mas, no caso, a insuficiência da matéria de facto fixada e a intervenção do STA na qualidade de tribunal de revista (com poderes de cognição restritos a matéria de direito) impedem a sua apreciação, pelo que a sentença impugnada deve ser revogada e substituída por acórdão que declare a inexistência de prescrição da dívida exequenda e ordene a devolução do processo ao Tribunal a quo, para apreciação das questões prejudicadas pela solução da questão da prescrição da dívida exequenda, após pertinente ampliação da matéria de facto.
1.5. Notificadas as partes para querendo se pronunciarem sobre esta questão (cfr. art. 704º do CPC), nenhuma delas o fez.
1.6. Colhidos os vistos legais, cabe decidir
FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgaram-se provados e não provados os factos seguintes:
2.1. Factos provados
1) O processo de execução fiscal nº ... foi instaurado em 6 de Dezembro de 2001 contra a executada “C..., Lda.”, por dívidas de IVA do ano de 2000, referentes ao 1° e 2° trimestres (003T e 006T), liquidadas no ano de 2001, no montante total de € 5.522,09, conforme resulta do teor das certidões juntas a fls. 1 a 2 do apenso cujos termos se dão aqui por reproduzidos.
2) A sociedade devedora foi citada da instauração do processo de execução fiscal em 07.12.2001, conforme teor de fls. 4 do apenso e 9 a 10 dos autos cujos termos se dão aqui por integralmente reproduzidos.
3) Em 21 de Janeiro de 2008 foi elaborado o projecto da reversão da dívida da sociedade “C..., Lda.”, com fundamento na inexistência de bens penhoráveis em nome do sujeito passivo contra os responsáveis subsidiários A... e mulher B..., conforme teor de fls. 16 cujos termos se dão aqui por integralmente reproduzidos.
4) A sociedade por quotas executada “C..., Lda.», com sede na Rua da ..., no distrito de Coimbra com a matrícula nº ... e registada na Ap. ... da Conservatória do Registo Comercial da Figueira da Foz, da qual eram sócios os ora oponentes A... e B... figurando como gerente A..., conforme resulta do teor da certidão da conservatória do Registo comercial junta a fls. 22 a 25 do apenso cujos termos se dão aqui por integralmente reproduzidos.
5) Por despacho do Chefe de Finanças Adjunto, por delegação de poderes, de 9 de Junho de 2008 foi determinada a reversão das dívidas referidas em 1), com fundamento na inexistência de património da devedora originária, conforme teor de fls. 46 a 48 do apenso cujos termos se dão aqui por integralmente reproduzidos.
6) Os oponentes foram citados do despacho de reversão em 11.06.2008, conforme resulta do teor de fls. 46 a 55 do apenso.
7) A oposição foi instaurada em 4 de Julho de 2008.
Mais resulta demonstrado nos autos:
8) No processo de execução fiscal nº ..., nas datas de 2002.01.03, 2002.03.01 e 2002.05.09 foram efectuados os pagamentos das quantias melhor indicadas nas guias de pagamento juntas ao apenso da execução a fls. 5 a 7 cujo teor das mesmas se dá aqui por integralmente reproduzido.
9) Em 15 de Julho de 2003, a Direcção Geral das Contribuições e Impostos, através do Serviço de Finanças do Concelho da Figueira da Foz remeteu à executada originária um ofício, notificando-a a comparecer naquele serviço a fim de regularizar as dívidas fiscais, nos termos constantes de fls. 8 e que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
10) A executada originária através do modelo 50 em 2007.12.21 e 2007.12.28 procedeu aos pagamentos melhor indicados nas confirmações juntas aos autos a fls. 9 a 12 cujos termos damos aqui por integralmente reproduzidos.
11) A execução fiscal esteve parada entre 16.07.2003 e 20.12.2007.
3.1. Referenciando que, tendo em conta as questões suscitadas (inexigibilidade da dívida por falta de notificação da liquidação no prazo de caducidade, ilegalidade da liquidação de IVA, por alegada inactividade da sociedade originária no ano de 2001, e prescrição da dívida), esta última seria de conhecer prioritariamente, a sentença veio a concluir pela procedência da oposição por considerar que ocorreu a invocada prescrição, com a fundamentação que em síntese, é a seguinte:
Sendo aplicável o regime previsto nos arts. 48º e 49º da LGT (que entrou em vigor em 1/1/1999), resulta que, no caso, estando em causa dívidas de IVA dos 1º e 2º trimestres de 2000 e sendo este um imposto de obrigação única, o termo inicial da prescrição se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto, ou seja, a partir de 1/1/2001. Ora, tendo em conta as causas de interrupção da prescrição legalmente previstas, bem como a circunstância de a citação da devedora originária ter ocorrido em 7/12/2001 (sendo este o facto que releva para este efeito, atento o disposto no nº 3 do art. 49° da LGT), temos que o prazo de prescrição se interrompeu 10 meses e 6 dias após, iniciando-se nova contagem da prescrição.
Por outro lado, embora as causas de suspensão ou de interrupção da prescrição aproveitem igualmente ao responsável subsidiário, se este for citado após o 5° ano subsequente ao da liquidação, o prazo de prescrição corre ininterruptamente, não se suspendendo por qualquer causa relativa ao devedor principal. Mas o devedor subsidiário tem de ser citado no prazo de 8 anos, prescrevendo a dívida caso assim não suceda.
No caso, o despacho de reversão está datado de 9/6/2008 e os oponentes foram citados da reversão em 11/6/2008. Por outro lado há que ter em conta que a Lei 53-A/2006, de 29/12, revogou o disposto no nº 2 do art. 49° da LGT (que estipulava que “a paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação”), revogação que se aplicou a todos os prazos em curso, designadamente ao prazo aqui em questão, objecto de interrupção, em que ainda não tenha decorrido o período superior a um ano de paragem do processo por facto não imputável ao sujeito passivo.
Ora, tendo ficado provado que, até se verificarem os pagamentos por parte da devedora originária, o processo de execução fiscal teve uma paragem superior a um ano, ou seja, uma paragem entre 16/7/2003 até 20/12/2007 - de 4 anos 5 meses e 5 dias, tal período acresce aos iniciais 10 meses e 6 dias, perfazendo, assim, nesta última data (até 20-12-2007), um prazo total de prescrição decorrido de 5 anos 3 meses e 11 dias, sendo que os pagamentos efectuados pela executada originária, nas datas de 3/1/2002, 1/3/2002 e 9/5/2002 (nº 8 do Probatório) e 21/12/2007 e 28/12/2007 (nº 10 do Probatório) ocorreram nos termos do nº 2 do art. 264° do CPPT, pelo que não serão de considerar como integrando uma das causas legalmente previstas de suspensão. Ou seja, na execução fiscal em referência não ocorreu qualquer causa de suspensão.
Porém, dado que os oponentes, na qualidade de responsáveis subsidiários, apenas vieram a ser citados em 11/6/2008, ou seja, após o 5° ano posterior ao da liquidação do tributo, a sentença concluiu que, necessariamente, ocorreu a prescrição da dívida, conforme disposto no nº 3 do art. 48° da LGT.
3.2. A Fazenda Pública discorda do assim decidido, sustentando, como se viu, que a dívida não se encontra prescrita.
No seu entendimento, a dívida (IVA do ano de 2000) não está prescrita dado que, tendo decorrido (desde 1/1/2001 até 11/6/2008) 7 anos, 5 meses e 11 dias, e tendo nesta última data (11/6/2008) ocorrido a citação dos oponentes (a qual, constituindo a primeira causa de interrupção da prescrição ocorrida depois da actual redacção dada ao nº 3 do art. 49° da LGT – pela Lei nº 53-A/2006, de 29/12 -, tem o efeito de reiniciar novo prazo de prescrição de 8 anos), então, contando 8 anos a partir de 12/6/2008, tal prazo ainda não decorreu, sendo que, ao contrário do que parece resultar da sentença recorrida, o nº 3 do art. 48° da LGT não estabelece nenhum prazo de prescrição.
3.3. A questão primeira que importa decidir é, portanto, a de saber se ocorreu a prescrição da dívida.
Vejamos.
4.1. Os arts. 48º e 49º da LGT, na sua redacção inicial, dispunham:
Artigo 48º
«Prescrição
1 – As dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu.
2 – As causas de suspensão ou interrupção da prescrição aproveitam igualmente ao devedor principal e aos responsáveis solidários ou subsidiários.
3 – A interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produz efeitos quanto ao responsável subsidiário se a citação deste, em processo de execução fiscal, for efectuada após o 5º ano posterior ao da liquidação.»
Artigo 49º
«Interrupção e suspensão da prescrição
1 – A reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição.
2 – A paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação.
3 – O prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento ou prestação legalmente autorizada, ou de reclamação, impugnação ou recurso.»
4.2. A Lei nº 100/99, de 26/6, alterou os nºs. 1 e 3 deste art. 49º, os quais ficaram a ter a seguinte redacção:
«1 – A citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição.
3 – O prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou de reclamação, impugnação ou recurso.»
4.3. Posteriormente, a Lei nº 55B/2004, de 30/12, alterou o nº 1 daquele art. 48º da LGT, o qual ficou com a redacção seguinte:
«1 – As dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.»
4.4. Finalmente, a Lei nº 53ºA/2006, de 29/12, veio alterar o citado art. 49º da LGT, tendo:
- sido revogado o seu nº 2 (revogação que se aplica a todos os prazos de prescrição em curso, objecto de interrupção, em que ainda não tenha decorrido o período superior a um ano de paragem do processo por facto não imputável ao sujeito passivo - art. 91º da Lei nº 53-A/2006, de 29/12);
- sido alterada a redacção do seu nº 3;
- e tendo sido aditado o actual nº 4.
Assim a actual redacção desse preceito é a seguinte:
«1 – A citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição.
2 – Revogado
3 – Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar.
4 – O prazo de prescrição legal suspende-se em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou enquanto não houver decisão definitiva ou passada em julgado, que puser termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida.»
5.1. Aplicando aos factos dos autos este quadro legal, temos:
Estando em causa uma dívida de IVA referente aos 1° e 2° trimestres do ano de 2000 e sendo este tributo um imposto de obrigação única (e não um imposto periódico) o prazo de prescrição de 8 anos contava-se, à luz da inicial redacção do nº 1 do art. 48º da LGT, a partir da data da ocorrência dos respectivos factos tributários e não a partir do início do ano civil seguinte.
Contudo, por via da alteração que o art. 40º da Lei nº 55-B/2004 introduziu neste nº 1, o dito termo inicial do prazo começou a contar-se a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto, ou seja, no caso, a partir de 1/1/2001.
Com efeito, esta nova redacção do preceito e este novo modo de contagem do prazo de prescrição são já aplicáveis no presente caso, dado que se trata de prazos que estavam em curso no início da vigência da lei que introduziu tal alteração, não havendo aqui qualquer aplicação retroactiva da nova disposição legal, uma vez que, como aponta o MP, o facto extintivo do direito à cobrança coerciva da dívida tributária é duradouro (o decurso do prazo) e não instantâneo (o início do prazo em momento temporal determinado) – cfr. o segmento final do nº 2 do art. 12° do CCivil (entendimento idêntico tem, aliás, vindo a ser afirmado pela jurisprudência desta secção do STA, a propósito da alteração do prazo de caducidade da liquidação, após a alteração introduzida no nº 4 do art. 45º da LGT pela Lei nº 32-B/2002, de 30/12, como pode ver-se, entre outros, dos acs. de 26/11/08, no rec. nº 598/08; de 20/5/09, no rec. nº 293/09; de 25/6/09, no rec. nº 1109/08; e de 3/3/10, no rec. nº 1076/09).
Na verdade, como se refere neste último aresto, citando a lição de Baptista Machado (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 2002, pags. 235 e 242/243), «(…) nada impede que a lei nova se aplique a factos passados que ela assume como pressupostos impeditivos ou desimpeditivos (isto é, como pressupostos negativos ou positivos) relativamente à questão da validade ou admissibilidade da situação jurídica, questão essa que é da sua exclusiva competência» e «tendo o decurso global do prazo o valor de um facto constitutivo (ou extintivo) de um direito ou situação jurídica, se tal prazo ainda se encontrava em curso no momento do início de vigência da lei nova, é porque tal situação jurídica ainda não se encontrava constituída (ou extinta) neste momento. Logo, cabe à lei nova a competência para determinar os requisitos da constituição da mesma situação jurídica. Achando-se uma situação jurídica em curso de constituição, passa o respectivo processo constitutivo a ficar imediatamente subordinado à lei nova».
Assim, não sendo o início do prazo de prescrição, mas o seu integral decurso, o facto extintivo do direito à cobrança da dívida por parte da AT, é de concluir que, por aplicação da regra contida no segmento final daquele nº 2 do art. 12° do CCivil e no nº 1 do art. 12º da LGT, a nova redacção do preceito é aplicável ao presente caso.
E, por isso, o prazo de prescrição (de 8 anos) iniciou-se em 1/1/2001.
5.2. A sociedade devedora originária foi citada para a execução em 7/12/2001.
E a citação desta produziria, em princípio, efeitos interruptivos daquele prazo de prescrição, relativamente aos responsáveis solidários e subsidiários, por força do princípio da unicidade da relação jurídica tributária, abrangendo todos os obrigados ao cumprimento da obrigação (arts. 18º, nº 3 e 43º, nº 2 da LGT).
No presente caso, porém, visto que os responsáveis subsidiários só vieram a ser citados para a execução em 11/6/2008 (ou seja, depois do 5º ano posterior ao da liquidação -cfr. nº 3 do citado art. 48º da LGT), este efeito interruptivo não produz efeitos quanto a eles, isto é, perdeu eficácia quanto a eles. Na verdade, o efeito deste normativo é apenas o de tornar irrelevante em relação ao responsável subsidiário as causas de interrupção da prescrição verificadas em relação ao devedor originário, sem prejuízo do efeito interruptivo resultante da sua própria citação, se ocorrer antes do termo do 8° ano a contar do início do prazo de prescrição (cfr. Jorge Lopes de Sousa Notas sobre a aplicação no tempo das normas sobre prescrição da obrigação tributária, pags. 36/39).
E é, precisamente, por força deste mesmo efeito interruptivo resultante da sua (dos responsáveis subsidiários) própria citação para a execução, ocorrida em 11/6/2008, antes, portanto, de esgotado o dito prazo de 8 anos (contado desde 1/1/2001) e por força da consequente interrupção do prazo de prescrição conexo com a sua própria responsabilidade, que a dívida não está prescrita: é que esta citação, sendo o primeiro facto interruptivo ocorrido na vigência da Lei nº 53- A/2006, 29/12 (que introduziu a actual redacção ao nº 3 do art. 49° da LGT), teve a virtualidade de interromper esse prazo ainda em curso, inutilizando, assim, o prazo decorrido em relação aos responsáveis subsidiários e impedindo agora o decurso do mesmo até à decisão que puser termo ao processo de execução fiscal (arts. 326° nº 1 e 327° nº 1 CCivil, adaptados aos factos interruptivos previstos na LGT).
A sentença recorrida enferma, portanto, deste alegado erro de julgamento, procedendo, nesta medida, as Conclusões das alegações da recorrente Fazenda Pública.
6. E concluindo-se pela não verificação da prescrição da dívida exequenda relativamente aos oponentes e pela consequente revogação da sentença recorrida, importaria então apreciar, em substituição (arts. 715º, nº 2 e 726º do CPC, aplicáveis subsidiariamente), as questões atinentes à inexigibilidade da dívida por falta de notificação da liquidação no prazo de caducidade e à ilegalidade da liquidação de IVA (por alegada inactividade da sociedade no ano 2001), invocadas nos arts. 2ª a 4º da PI), as quais não foram apreciadas na sentença, por prejudicadas pela solução da questão da prescrição da dívida exequenda.
Todavia, como aponta o MP, a insuficiência da matéria de facto fixada e a intervenção do STA na qualidade de tribunal de revista (com poderes de cognição restritos a matéria de direito) impedem tal apreciação, impondo-se, então, a devolução do processo ao TAF de Coimbra para, após pertinente ampliação da matéria de facto, serem apreciadas aquelas questões, tidas por prejudicadas face à solução da questão da prescrição da dívida exequenda.
DECISÃO
Nestes termos acorda-se em, dando provimento ao recurso:
- revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a oposição quanto ao invocado fundamento da prescrição da dívida exequenda;
- ordenar a baixa dos autos ao Tribunal recorrido para, após pertinente ampliação da matéria de facto, serem apreciadas, se nada obstar, as demais questões também invocadas na Petição Inicial.
Sem custas.
Lisboa, 30 de Junho de 2010. – Casimiro Gonçalves (relator) - Dulce Neto - Alfredo Madureira.