Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0202/14.2BEMDL 03/18
Data do Acordão:09/11/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24856
Nº do Documento:SA2201909110202/14
Data de Entrada:01/10/2018
Recorrente:PE... - PARQUE EÓLICO .........., SA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. PE... – Parque Eólico .........., S.A., com os demais sinais dos autos, recorre da sentença de improcedência da impugnação judicial que instaurou contra o acto de indeferimento da reclamação administrativa apresentada ao abrigo do art.º 130º, nº 3, alínea b), do Código do IMI e que deduzira bem assim, do despacho proferido em 4/07/2016 que fixou à causa o valor de € 414.910,00.

1.1. No que toca ao recurso interposto do despacho de 4/07/2016, apresentou alegações que finalizou com o seguinte quadro conclusivo:

A. Discorda a Recorrente da posição assumida pelo Douto Tribunal a quo no despacho recorrido quanto à determinação do valor da acção proposta e, por via disso, quanto a ser devido o pagamento de nova taxa de justiça pelo impulso processual respeitante à apresentação da petição de impugnação;

B. A impugnação judicial proposta não tem por objecto qualquer acto de fixação de valores patrimoniais, in casu do valor patrimonial tributário no montante de EUR 414.910,00;

C. O objecto da acção corresponde antes à decisão proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças de Montalegre a 12 de Março de 2014, a qual, indeferindo a reclamação apresentada pela Recorrente nos termos do artigo 130º, nº 3, alínea b), do CIMI, recusou eliminar da matriz o prédio em referência;

D. Em concreto, a questão decidenda objecto dos autos de impugnação consiste em aferir da conformidade à lei do entendimento sustentado pela Administração Tributária quanto ao enquadramento dos aerogeradores de parques eólicos no conceito de prédio previsto no artigo 2º do CIMI e, por via disso, da legalidade do acto de recusa de supressão da matriz predial urbana do aerogerador acima referido, cuja emissão se estribou nesse entendimento;

E. O valor patrimonial tributário atribuído ao alegado prédio não assume qualquer relevância no âmbito da impugnação judicial apresentada, independentemente do respectivo quantum e do momento da sua determinação, a questão decidenda manter-se-á imutável;

F. Por não estar em causa a impugnação de qualquer acto de fixação de valores patrimoniais, o valor da acção proposta não poderia ter sido determinado nos termos do artigo 97º-A, nº 1, alínea c), do CPPT, não se mostrando igualmente aplicável qualquer das restantes alíneas deste número;

G. Perante o exposto, não merece acolhimento a posição sufragada pelo Douto Tribunal a quo no despacho recorrido quanto à necessidade de determinação do valor da causa nos termos do artigo 97º-A, nº 1, alínea c), do CPPT;

H. Em consequência, não é devida a taxa de justiça determinada pelo Douto Tribunal a quo;

I. Por tudo quanto ficou exposto, requer-se ao Douto Tribunal ad quem que diligencie pela revogação do despacho recorrido, com fundamento em erro de julgamento, por ter tido a sua prolação por premissa uma errónea determinação do valor da causa por parte do Douto Tribunal a quo e, por via disso, um incorrecto entendimento por parte deste Douto órgão jurisdicional da taxa de justiça legalmente devida pela apresentação da petição de impugnação subjacente aos autos acima identificados, tudo com as demais consequências legais, nomeadamente de restituição da taxa de justiça, no montante de EUR 1.632,00, que, atento o efeito meramente devolutivo do presente recurso, tenha sido paga pela Recorrente, nos termos do artigo 6º nº 1 e Tabela I-A do RCP, em cumprimento do referido despacho.

Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Ex.ªs doutamente suprirão, requer-se ao Douto Tribunal ad quem que julgue o presente recurso procedente, revogando, em consequência, o despacho recorrido e, por via disso, ordenando a restituição da taxa de justiça, no montante de EUR 1.632,00, que, atento o efeito meramente devolutivo do presente recurso, tenha sido paga pela Recorrente em cumprimento desse despacho, tudo com as demais consequências legais.

1.2. No que toca ao recurso da sentença, formulou alegações que rematou com as seguintes conclusões:

· DO OBJECTO DO RECURSO

A. Discorda a Recorrente em absoluto do sentido decisório perfilhado pelo Douto Tribunal a quo, por entender que o aerogerador em presença não é um prédio na acepção do artigo 2º do CIMI;

B. Entende a Recorrente padecer a sentença de nulidade por ter o Douto Tribunal a quo omitido a notificação das partes para produzirem por escrito as suas alegações de direito, conforme expressamente prevê o artigo 120º do CPPT;

C. Perante o exposto, delimita-se o objecto do presente recurso à análise das seguintes questões jurídicas:

i.) Se a sentença recorrida padece de nulidade por força da omissão de notificação para apresentação de alegações escritas nos termos do artigo 120º do CPPT;

ii.) Se, como defende o Douto Tribunal a quo no âmbito da sentença recorrida, os aerogeradores de parques eólicos são prédios na acepção do artigo 2º do CIMI.

· DA NULIDADE DECORRENTE DA OMISSÃO DE NOTIFICAÇÃO PARA APRESENTAÇÃO DE ALEGAÇÕES ESCRITAS, NOS TERMOS DO ARTIGO 120º DO CPPT

D. Sempre teria o Douto Tribunal a quo de notificar a Recorrente para apresentar alegações escritas antes de proferir a decisão final, nos termos do artigo 120º do CPPT, sob pena de nulidade processual;

E. Caso a Recorrente tivesse tido a possibilidade de apresentar alegações escritas, teria podido manifestar a sua posição e, desse modo, teria podido sensibilizar o Douto Tribunal a quo para a necessidade de uma tomada de posição distinta;

F. Constata-se pois que a omissão da notificação para apresentação de alegações escritas nos termos do artigo 120º do CPPT teve influência directa no exame e decisão da causa, tendo a sentença recorrida constituído uma verdadeira decisão-surpresa, situação expressamente vedada pelo artigo 3º, nº 3, do CPC, padecendo, por isso, a sentença de nulidade processual;

G. Nestes termos, requer-se a esse Douto Tribunal ad quem que reconheça a nulidade de que padece a sentença recorrida, por violação dos artigos 120º do CPPT, e 3º, nº 3, do CPC, tudo com as demais consequências legais;

· DO ERRO DE JULGAMENTO DA SENTENÇA RECORRIDA CONCERNENTE À PRETENSA SUBSUNÇÃO DO AEROGERADOR EM REFERÊNCIA NO CONCEITO DE PRÉDIO PREVISTO NO ARTIGO 2º DO CIMI

H. O Douto Tribunal a quo entende ser o aerogerador visado um prédio na acepção do artigo 2º do CIMI, sem que daí resulte qualquer violação das normas constitucionais oportunamente invocadas pela Recorrente — isto é, os artigos 103º, nº 2, 165º, nº 1, alínea i), e 112º da CRP;

I. Discorda a Recorrente da posição adoptada pelo Douto Tribunal a quo, na medida em que claudicam os elementos atinentes à natureza física e económica ínsitos no conceito de prédio previsto no artigo 2º do CIMI, sendo certo que uma interpretação conforme à Lei fundamental — in casu, aos princípios constitucionais plasmados nos artigos 103º, nº 2, 165º, nº 1, alínea i), e 112º da CRP — pressupõe necessariamente a não aplicação deste preceito legal à realidade em presença;

J. No que especificamente respeita ao elemento atinente à natureza física, entende a Recorrente que o mesmo não se encontra preenchido uma vez que os aerogeradores de parques eólicos constituem conjuntos integrados de componentes — equipamentos — necessários à produção de energia eléctrica, não possuindo a sapata de betão e a estrutura tubular metálica autonomia funcional intrínseca, não sendo subsumíveis nos conceitos de construção e edificação;

K. No que especificamente respeita ao elemento atinente à natureza económica, não possuindo a sapata de betão e a estrutura tubular metálica autonomia funcional relativamente aos demais componentes integrantes do aerogerador, também não a possui, pelos mesmos motivos e maioria de razão, a nível económico, claudicando, em consequência, o preenchimento do requisito em apreço, conforme tem sido aliás expressamente decidido pela jurisprudência dos tribunais superiores;

L. Tudo ponderado, conclui-se não serem os aerogeradores de parques eólicos prédios na acepção do artigo 2º do CIMI, constituindo os seus diversos componentes bens de equipamento não enquadráveis nos conceitos de construção e edifício, carecendo igualmente de valor económico autónomo;

M. Em consequência, inversamente ao sentido decisório propalado na sentença recorrida, mantêm plena razão de ser os argumentos esgrimidos nos artigos 43º a 56º da petição inicial, os quais se dão por integralmente reproduzidos na presente sede, carecendo de fundamento a posição perfilhada pelo Douto Tribunal a quo relativa à alegada não preterição do regime ínsito nos artigos 103º, nº 2, 165º, nº 1, alínea i), e 112º da CRP;

N. Com efeito, a subsunção da realidade em presença no conceito de prédio previsto no artigo 2º do CIMI não pode deixar de ser vista como um meio inadmissível de determinação da incidência tributária em sede de IMI, bulindo directamente com a tipicidade inerente ao escopo garantístico do princípio da legalidade tributária previsto nos artigos 103º, nº 2, da CRP, e 8º, nº 1, da LGT;

O. Ademais, provindo do entendimento vertido pela Administração Tributária na Circular nº 8/2013, de 4 de Outubro de 2013, do Director-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, equivale a admitir como possível a definição de obrigações tributárias por meras orientações administrativas, hipótese que resulta manifestamente incompatível com o disposto no artigo 112º, nº 1, da CRP, com o referido princípio da legalidade tributária previsto nos artigos 103º da CRP e 8º da LGT e, de igual modo, com o princípio da reserva de lei previsto no artigo 165º, nº 1, alínea i), da CRP;

P. Tudo ponderado, conclui-se não serem os aerogeradores de parques eólicos prédios na acepção do artigo 2º do CIMI;

Q. Nestes termos, requer-se a esse Douto Tribunal ad quem que julgue totalmente procedente o presente recurso, revogando a decisão recorrida com fundamento em erro de julgamento por incorrecta aplicação do regime ínsito no artigo 2º do CIMI e, nessa medida, nos artigos 103º, nº 2, 165º, nº 1, alínea i), e 112º, nº 1, da CRP, tudo com as demais consequências legais.



1.3. Não foram apresentadas contra-alegações pela Recorrida.



1.4. O Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de que assiste razão à Recorrente no que toca ao recurso que interpôs do despacho que fixou à causa o valor de 414.910,00€, na medida em que o acto impugnado é o acto de recusa de supressão na matriz predial de um prédio constituído por um aerogerador, e o que nela se discute é o enquadramento dessa realidade física no conceito de prédio previsto no art.º 2º do CIMI e não o valor patrimonial tributário que lhe foi atribuído, pelo que o valor da acção não é, como se julgou na decisão recorrida, o que corresponde ao valor patrimonial tributário do prédio (414.910,00€), mas, antes, o valor indicado na petição inicial, de acordo com o disposto nos arts. 78º nº 2, alínea i, e 32º do CPTA.

Mais defende que o meio processual que deveria ter sido utilizado para atacar o acto impugnado é a acção administrativa e não a impugnação judicial, pelo que teria ocorrido erro na forma de processo utilizado pela Impugnante, ainda que tenha sido a Autoridade Tributária que a induziu nesse erro conforme resulta do doc. de fls. 73.
Remata afirmando que deverá proceder-se à convolação na forma de processo adequada e anular-se todo o processado, ficando prejudicado o conhecimento do recurso interposto da sentença.

1.5. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir em conferência.

2. O despacho recorrido, de 4/07/2016, tem o seguinte teor:

«Vem impugnada a fixação do valor patrimonial tributário de 414.910,00€, com fundamento em erro de direito - cfr. art.º 5, 7, 8, 9, 10, 11, e 13 da PI. Assim, contrariamente ao sugerido na PI, não estamos perante um processo cujo valor deva ser fixada pelo juiz da causa com recurso a critérios indeterminados nos termos do art.º 12.º, al. f) do RCP, porque o valor atendível para efeitos de custas quando se impugne o acto de fixação dos valores patrimoniais é aquele valor contestado de 414.910,00€ - art.º 97º-A, nº 1, al. c) do CPPT.

Pelo exposto notifique a Impugnante para pagar a taxa de justiça devida.»


3. Na sentença recorrida consta como provada a seguinte matéria de facto:

1. A Impugnante é uma sociedade comercial anónima, com sede e direcção efectiva em Portugal, que se dedica à produção, transporte, venda e distribuição de electricidade proveniente do sector das energias renováveis —art.º 1 da PI, não impugnado.

2. A Impugnante é titular e proprietária de parque eólico sito na União de Freguesias de Cambezes do Rio, Donões e Mourilhe, no concelho de Montalegre, composto por nove aerogeradores da marca Nordex, do modelo N60 — cfr. doc. 1 da PI.

3. Cada um dos referidos aerogeradores é composto por uma sapata de betão (“fundação”) com 125,44 m2; uma estrutura tubular metálica (“torre”) constituída por quatro pisos, com 13,70 m2 (junto à base) e 4,30 m2 (junto à nacelle); uma nacelle, um rotor e três pás — cfr. docs. 2 a 5 da PI.

4. Ao A. foi-lhe concedida a licença de exploração para o parque eólico em apreço — doc. n.º 6, que aqui se dá por reproduzido;

5. O dito parque eólico iniciou a sua exploração no ano de 2003 — cfr. doc. 6 da PI;

6. No dia 7 de Janeiro de 2014, a Impugnante foi notificada do ofício nº 15.458.748, do Chefe do Serviço de Finanças de Montalegre, contendo o seguinte: «Em resultado da avaliação efectuada ao PRÉDIO TIPO “OUTROS” inscrito na matriz predial urbana sob o artigo P-897 da freguesia 170636 CAMBEZES DO RIO, DONÕES E MOURILHE, foi atribuído o Valor Patrimonial Tributário abaixo descrito [EUR 414.910,00], apurado nos termos do nº 2, do artigo 46º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis» — doc. 7 da PI;

7. A Impugnante procurou determinar junto do serviço de finanças a realidade avaliada, tendo sido informada de que o mesmo corresponderia a uma das torres eólicas (aerogeradores) do parque eólico denominado “PARQUE EÓLICO DA CABEÇA DO ALTO” — art.º 6.º da PI, não contestado.

8. Ao alegado prédio foi atribuído o valor patrimonial tributário de EUR 414.910,00 — cfr. doc. 7. da PI;

9. Por ter discordado da inclusão do aerogerador em apreço na matriz predial urbana, a Impugnante apresentou perante o serviço de finanças reclamação nos termos do artigo 130º, nº 3, alínea b), do CIMI, tendo no seu âmbito requerido a sua supressão da matriz e, nesse contexto, sustentado:

«A Reclamante [Impugnante] considera que a referida realidade não se enquadra no conceito de prédio para efeitos de Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”), baseando-se para o efeito em parecer jurídico do Professor Doutor CARLOS LOBO, emitido a 28 de Maio de 2010, no qual se salienta que os parques eólicos - e, por maioria de razão, os seus diversos componentes, designadamente as torres eólicas - não beneficiam de qualquer contrapartida pública de suporte infra-estrutural, violando a sua hipotética consideração como prédios urbanos o princípio da equivalência, basilar da tributação em sede de IMI […]. // Por outro lado, o enquadramento da realidade em causa na categoria de «Outros» - na acepção do artigo 6º, nº 1, alínea d), do CIMI - é manifestamente desadequado já que tal categoria não é susceptível de integrar componentes de um parque eólico que, por natureza, não são urbanas […]. //Paralelamente, importa enfatizar já resultar do regime ínsito no Anexo II, nº 33, ao Decreto-Lei nº 189/88, de 27 de Maio, na redacção dos Decretos-Lei nºs 168/99, de 18 de Maio, e 339C/2001, de 29 de Dezembro (actualmente previsto no Anexo II, nº 28, ao Decreto-Lei nº 35/2013, de 28 de Fevereiro), a obrigação de pagamento aos municípios pela Reclamante, na qualidade de empresa detentora de licenças de exploração de parques eólicos, de «uma renda de 2,5% sobre o pagamento mensal feito pelo entidade receptora da electricidade produzida», a qual, ainda que sob as vestes encapotadas de contribuição especial, assume a natureza de um verdadeiro imposto, fazendo por isso claudicar a incidência de IMI sobre a mesma realidade tributária (...). //Pelos motivos expostos, entende a Reclamante ser a torre eólica em referência insusceptível de inclusão matricial para efeitos de IMI, o que nesta sede se invoca para os devidos efeitos legais. Nestes termos, requer-se a supressão da matriz predial urbana do alegado prédio acima melhor identificado, tudo com as demais consequências legais» — cfr. doc. 8 da PI;

10. Paralelamente, a Impugnante apresentou perante o serviço de finanças pedido de segunda avaliação nos termos do artigo 76º, nº 1, do CIMI — cfr. doc. 9 da PI;

11. Por ofício n.º 264, de 18 de Fevereiro de 2014, do Chefe do Serviço de Finanças de Montalegre, a Impugnante foi notificada do projecto de decisão de indeferimento da reclamação apresentada e, bem assim, para exercer o seu direito de participação na formação da respectiva decisão — doc. 10 da PI;

12. Do projecto de decisão em referência resulta o seguinte: «Uma torre eólica constitui uma realidade imobiliária que se enquadra no conceito de prédio para efeitos de tributação em IMI, uma vez que se trata de uma “instalação dotada de autonomia económica em relação ao prédio onde se encontra implantada, embora situada em fracção de território que constitui parte integrante de património diverso”, com carácter de permanência e assente no mesmo local por período superior a um ano (nºs 1, 2 e 3 do art.º 2º do CIMI), sendo classificada como prédio urbano, nos termos do nº 4 do mesmo Código, atendendo a sua natureza, nos termos do art.º 6º do CIMI, é qualificada como prédio urbano tipo outros, tudo como melhor consta do entendimento sancionado na circular n.º 8/2013. Em face do acima exposto é nosso entendimento que a torre eólica se enquadra no conceito de prédio previsto no CIMI, pelo que deverá ser inscrita na matriz. Assim, a pretensão da reclamante [Impugnante] no sentido da não inscrição do prédio na matriz predial urbana da freguesia de Salto, deste concelho, sob o artigo P-896, não deverá ser merecedora de deferimento» — doc. 10 da PI;

13. No dia 14 de Março de 2014 por ofício nº 451, e após exercício de audiência prévia, a Impugnante tomou conhecimento da decisão de indeferimento da reclamação apresentada nos termos do artigo 130.º, n.º 3, alínea b), do CIMI, no âmbito da qual a Administração Tributária mantém o entendimento sustentado no projecto de decisão, recusando suprimir da matriz predial urbana o alegado prédio em referência — doc. 12 da PI;

14. Esta acção deu entrada em 16/4/2014 — cfr. fl. 1 do processo físico;



4. Como se viu, o Magistrado do Ministério Público junto do Supremo Tribunal Administrativo defende, no seu douto parecer, que ocorreu erro na forma de processo utilizada para atacar o acto impugnado, na medida em que deveria ter sido utilizada a acção administrativa e não a impugnação judicial, ainda que tenha sido a Autoridade Tributária que induziu a Impugnante nesse erro.

Salvo o devido respeito, não podemos acompanhar esse entendimento, pela simples razão de que foi proferida decisão na 1ª instância a julgar improcedente a excepção de erro na forma de processo suscitada pela Fazenda Pública na contestação e nem as partes nem o Ministério Público dela recorreram (cfr. despacho de 4/7/2016, a fls. 154 no sitaf), tendo, assim, transitado em julgado.

Transitada essa decisão, fica precludida a possibilidade de lhe fazer qualquer reparo ou de a repreciar.

Pelo que se impõe passar de imediato ao conhecimento dos vícios que a Recorrente invoca e que se traduzem em saber se: (i) ocorreu uma nulidade processual por força da omissão de notificação das partes para apresentação de alegações; (ii) se a sentença padece de erro de julgamento, no que toca aos pressupostos de incidência objectiva do IMI, ao ter julgado que os aerogeradores de parques eólicos constituem “prédios” na acepção do art.º 2º do CIMI.

Quanto à nulidade por omissão de notificação para apresentação de alegações.

Segundo a Recorrente, ocorreu uma nulidade processual na tramitação dos autos em 1ª instância, porquanto as partes não foram notificadas para alegações de facto e de direito, isto é, foi omitida a fase das alegações a que alude o art.º 120º do CPPT, o que a impossibilitou de se pronunciar quanto à junção do processo administrativo (PA) e de documentos apresentados.

Como é consabido, se as questões colocadas e a dirimir em sede de impugnação judicial são apenas de direito, o julgador deve conhecer do pedido logo após a fase dos articulados e do parecer do Ministério Público (arts. 113º, n.º 1, e 114º, do CPPT), não havendo lugar a fase de alegações pelas partes. Razão por que, nessa específica situação, a falta de notificação para alegações não constitui um desvio ao formalismo prescrito na lei.

Daí que, no caso vertente, não ocorra a invocada omissão de uma formalidade processual, pois que em discussão estava apenas matéria de direito e o Mmº Juiz podia tomar, como tomou, imediato conhecimento do pedido, sem notificação das partes para alegações, em conformidade com o disposto no art.º 113.º do CPPT.

Pelo que improcede este fundamento de recurso.

Quanto ao erro imputado à sentença por nela se ter julgado que os aerogeradores de parques eólicos constituem “prédios” na acepção do art.º 2º do CIMI.

Trata-se de questão inúmeras vezes colocada a este Supremo Tribunal e cuja resposta, há muito consolidada na jurisprudência, é no sentido de que os elementos constitutivos de um parque eólico, mais precisamente os aerogeradores, não se subsumem ao conceito fiscal de “prédio” tal como definido nos artigos 2º, 3º, 4º e 6º do CIMI – cfr. acórdãos de 15.03.2017, recurso 140/15, de 07.06.2017, recurso 1417/16, de 11.10.2017, recurso 360/17, de 15.11.2017, recurso 1105/17, de 15.11.2017, recurso 1074/17 e de 22.11.2017, recurso 661/17.

Razão por que nos limitaremos a transcrever a fundamentação contida no acórdão proferido no recurso nº 0140/15:

«(…) A primeira questão que importa analisar é a de saber se um parque eólico (e, em particular, um dos seus subparques) pode subsumir-se à figura de “prédio”, tendo em conta que, como se viu, os serviços de finanças consideraram como tal o Subparque da Bezerreira, que faz parte integrante do Parque Eólico do Caramulo (e não cada um dos seus aerogeradores, como passou a ser prática dos serviços da administração tributária após a Circular nº 8/2013 da Direção de Serviços do Imposto Municipal sobre Imóveis).
Segundo o entendimento vertido na sentença, o conceito fiscal de “prédio”, para efeitos de incidência do IMI, afasta-se da noção civilística contida no art.º 204º do Código Civil, corporizando um conceito mais amplo, «porquanto prevê a existência de um elemento de natureza física (o território, o qual deve ser autónomo e ter um carácter de permanência); um elemento de natureza jurídica (resultante da necessidade do prédio fazer parte do património de uma pessoa física ou jurídica) e um elemento de natureza económica (traduzido na exigência de possuir um valor económico em circunstâncias normais), sendo «que só com a confluência dos três elementos podemos qualificar determinada realidade como prédio para efeitos de enquadramento em sede de IMI».
Entendimento que se mostra correto, na medida em que o art.º 2º do CIMI define o conceito de prédio do seguinte modo:
«1 - Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.

2 - Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios.

3 - Presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano.».

Temos, assim, que para efeitos deste imposto, “prédio” é toda a fracção de território (elemento físico), abrangendo águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes com carácter de permanência, que faça parte do património de pessoa singular ou coletiva (elemento jurídico) e que em circunstâncias normais tenha valor económico (elemento económico).
Posto isto, e vista a importância vital do elemento de natureza económica, traduzido na necessidade de a fracção de território em causa possuir, por si só, valor económico para poder ser qualificado como “prédio” para efeitos de incidência objectiva de IMI, a problemática reside, desde logo, em saber se, à luz desta norma, um “parque eólico” pode ser classificado como “prédio” nos termos e para os efeitos da inscrição na matriz predial e consequente avaliação e tributação neste imposto municipal sobre o património imobiliário.
O que passa, necessariamente, por saber o que é um parque eólico.
Da leitura de obras técnicas da especialidade (Cfr., entre outras, a dissertação de mestrado de YESMARY CAROLINA DA SILVA GOUVEIA, no Instituto Superior de Engenharia de Lisboa - Área Departamental de Engenharia Civil, intitulado “Construção de um Parque Eólico Industrial” e bibliografia aí citada.) decorre, de forma clara, que o objetivo final de um parque eólico consiste no aproveitamento da velocidade do vento para a produção de energia elétrica, sendo que, para que tal aconteça, é necessário que o parque seja constituído por alguns elementos essenciais, nomeadamente por um conjunto de aerogeradores que são interligados por cabos de média tensão e cabos de comunicação ligados a uma subestação e a um edifício de comando, que se liga a uma (habitualmente aérea) rede elétrica de transporte.
Deste modo, um parque eólico é constituído por um conjunto obrigatório e interligado de bens, equipamentos e infraestruturas – aerogeradores (Cada um composto por uma sapata de betão ou “fundação”, uma estrutura metálica ou “torre”, uma naceile, um rotor, e três pás.), postos de transformação, edifícios de comando e de subestação, rede elétrica de cabos subterrâneos com ligação entre os aerogeradores e o edifício de comando/subestação e, no caso de existência de várias subestações, linhas elétricas de ligação destas, bem como caminhos de acesso - tudo com vista a converter a energia cinética do vento em energia elétrica e a injetá-la no sistema eléctrico de potência, sendo que os grandes parques eólicos exigem a construção de várias subestações e de linhas de transmissão para a conexão ao sistema elétrico de potência, sendo esta injeção ou conexão ao sistema elétrico um dos principais parâmetros de um parque eólico.
Em suma, um parque eólico é uma fracção de território (terrestre ou marítimo) organizado e estruturado com variados e interligados elementos constituintes e partes componentes – onde se destacam os aerogeradores conectados em paralelo (no mínimo cinco), um ou mais edifícios onde se localizam a(s) subestação(ões) e o centro de operação e manutenção – com ligação ao solo e com carácter de permanência, sendo todo esse conjunto de bens e equipamentos imprescindível à atividade económica em questão: atividade de transformação da energia eólica em energia elétrica, sua injeção no sistema elétrico de potência e consequente venda desta eletricidade à rede elétrica de acordo com a tarifa regulada em Portugal para o sector eólico em geral.
O que significa que cada um desses elementos constituintes e partes componentes de um parque eólico não pode, de per si, ser considerado um prédio urbano (“outros”), na medida em que não constitui uma parte economicamente independente, isto é, não tem aptidão suficiente para, por si só, desenvolver a aludida atividade económica (A mesma razão leva a que não possam ser considerados como “prédios” (nem a AT ousa considerá-los como tal) os diversos elementos e estruturas que integram um estádio de futebol (as balizas, as bancadas, a estrutura coberta, os balneários, etc.) ou que integram um campo de golfe (o green, o tee, o fairway, os obstáculos, o edifício de atendimento, etc.), já que cada uma dessas estruturas e elementos, que se encontram interligados e conexionados com vista ao mesmo objetivo e finalidade económica, não possuem autonomia económica em relação à fração de território ocupada, pese embora seja incontroverso que tanto o estádio de futebol como o campo de golfe constituem, à luz do mencionado preceito do CIMI, prédios urbanos para efeitos de incidência objetiva de IMI.)
Por conseguinte, e em suma, caracterizando-se como elementos ad integrandum domum, sem autonomia económica relativamente ao todo de que fazem parte, fica afastada a possibilidade de classificar como “prédios” autónomos cada um dos diversos elementos constituintes e partes componentes de um parque eólico, não só porque o seu destino normal não é diferente de todo o prédio, como, também, porque não é possível avaliá-los separadamente, na medida em que não são partes economicamente independentes.
Razão por que consideramos inteiramente correta a posição expressa pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 26/02/2017, no acórdão prolatado no processo nº 516/15 (onde se discutia a legalidade da inscrição e avaliação como prédio urbano de um aerogerador), segundo o qual «Em circunstâncias normais, um aerogerador integrado num parque eólico destinado à injecção de energia eléctrica na rede pública, não tem valor económico próprio. Pelo contrário, é no próprio parque eólico que se encontra a manifestação de capacidade contributiva que revela a existência de tal valor, motivo pelo qual é o parque eólico, que não o aerogerador, que é remunerado (…).
Pelo que à míngua do terceiro pressuposto, não se pode concluir que um aerogerador pertencente a um parque eólico destinado à injecção de energia eléctrica na rede pública seja um prédio para efeitos de I.M.I., uma vez que o requisito da existência, em circunstâncias normais, do valor económico, não se verifica em relação a cada um dos aerogeradores ou de qualquer outro elemento que compõe o parque eólico (porque individualmente nenhum deles é, por si só, em circunstâncias normais, idóneo para produzir e injectar a energia na rede pública), mas apenas em relação a este (o parque eólico), na sua unidade, atenta a sua finalidade.».
Assiste, pois, razão à Impugnante, ora Recorrente, quando advoga que os elementos constitutivos de um parque eólico (os aerogeradores, os elementos de ligação, a estação de comando e a subestação) não se subsumem à figura de “prédio” de acordo com a definição constante no CIMI, atenta a falta de valor económico próprio.
O que faz soçobrar o entendimento vertido pela Direção de Serviços do Imposto Municipal sobre Imóveis na Circular nº 8/2013, onde se veiculou o entendimento de que cada aerogerador e cada subestação são unidades independentes em termos funcionais, devendo, por isso, ser considerados como prédios autónomos e qualificados como prédios urbanos do tipo "outros".» (fim de citação).
Procede assim, neste ponto e de acordo com a jurisprudência do convocado aresto, a argumentação da Recorrente, o que determina a revogação da sentença e a anulação do acto impugnado.

Resta conhecer do recurso interposto do despacho que fixou à causa o valor de € 414.910,00 e que, consequentemente, determinou o pagamento de (nova) taxa de justiça no montante de € 1.632,00.

Insurge-se a Recorrente contra o decidido no entendimento de que a acção proposta não tem por objecto qualquer acto de fixação de valores patrimoniais, in casu do VPT atribuído ao prédio – € 414.910,00 - mas, tão só, a decisão proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças de Montalegre que recusou eliminar da matriz predial o prédio em referência e cuja anulação se pretende. Razão por que advoga que valor da acção não poderia ter sido, como foi, determinado nos termos da alínea c) do nº 1 do art.º 97º-A do CPPT, por não estar em causa a impugnação de acto de fixação de valores patrimoniais, nem poderá ser determinado nos termos das demais alíneas desse nº 1, sendo, assim, indevida a taxa de justiça cujo pagamento foi determinado pelo Tribunal.

No que lhe assiste razão.

Sobre o valor da causa, dispõe o artigo 97º-A do CPPT:

«1 - Os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as acções que decorram nos tribunais tributários, são os seguintes:

a) Quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende;

b) Quando se impugne o acto de fixação da matéria colectável, o valor contestado;

c) Quando se impugne o acto de fixação dos valores patrimoniais, o valor contestado;

d) No recurso contencioso do indeferimento total ou parcial ou da revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, o do valor da isenção ou benefício.

e) No contencioso associado à execução fiscal, o valor correspondente ao montante da dívida exequenda ou da parte restante, quando haja anulação parcial, exceto nos casos de compensação, penhora ou venda de bens ou direitos, em que corresponde ao valor dos mesmos, se inferior.

2 - Nos casos não previstos nos números anteriores, o valor é fixado pelo juiz, tendo em conta a complexidade do processo e a condição económica do impugnante, tendo como limite máximo o valor da alçada da 1.ª instância dos tribunais judiciais.

3 – (…)».

No caso em apreço, é inquestionável que a presente acção judicial tem por fundamento e causa de pedir a ilegalidade imputada à decisão administrativa que recusou eliminar da matriz o prédio em referência, cuja anulação a Impugnante pretende, pelo que o valor da causa devia ter sido determinado em conformidade com o preceituado no nº 2 do art.º 97º-A do CPPT (cujo limite máximo é de € 5.000,00), aferindo-se se o valor atribuído na petição inicial (€ 2.000,00) se mostra correcto face aos critérios ali estabelecidos.

Em suma, o valor da acção não é de € 414.910,00, correspondente ao valor patrimonial tributário atribuído ao aerogerador, pelo que o despacho recorrido merece a censura que lhe é dirigida, tendo de ser revogado para que outro seja proferido em conformidade com o regime vertido no nº 2 do art.º 97º-A do CPPT.

4. Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento a ambos os recursos e, em consequência:

- revogar a sentença recorrida e julgar procedente a impugnação judicial, com a consequente anulação do acto impugnado;

- revogar o despacho recorrido para que outro seja proferido em conformidade com o preceituado no nº 2 do art.º 97º-A do CPPT.

Custas pela Fazenda Pública em ambas as instâncias, com dispensa de taxa de justiça neste STA uma vez que não contra-alegou.

Lisboa, 11 de Setembro de 2019. – Dulce Neto (relatora) – Pedro Delgado – Aragão Seia.