Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0996/06
Data do Acordão:10/15/2014
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CA
Relator:FERNANDA MAÇÃS
Descritores:PLANO DE ORDENAMENTO DO PARQUE NATURAL SINTRA-CASCAIS
DEVER DE INDEMNIZAR
PRESSUPOSTOS
Sumário:I - A omissão de convocação de audiência preliminar prevista no artigo 508.º-A do CPC consubstancia-se numa mera irregularidade se a ausência da audiência preliminar não influi na decisão da causa;
II - Não é necessária autorização legislativa para que o diploma de desenvolvimento de lei de bases regule aquilo que nela vem editado;
III - Para se equacionar o dever de indemnizar directamente ao abrigo do artigo 18.º da Lei n.º 48/98, de 11 de Agosto, é necessário que se verifiquem restrições significativas de efeitos equivalentes a expropriação a direitos de uso do solo preexistentes e juridicamente consolidados.
Nº Convencional:JSTA00068950
Nº do Documento:SAP201410150996
Data de Entrada:11/06/2013
Recorrente:A...., S.A.
Recorrido 1:PRESIDÊNCIA DO CM
Votação:MAIORIA COM 3 VOT VENC
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:AC STA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR ADM CONT.
DIR URB - INSTR GESTÃO TERRITORIAL.
Legislação Nacional:CONST76 ART165 N1 B E S Z ART198 N2.
CPTA02 ART5 N1 ART37 N2 F ART42 ART87 ART95 N2.
CPC96 ART138 ART201 N1 ART265-A ART508-A N1 B N5 ART508-B
ART510 ART668 N1 B D.
CPC13 ART195 N1.
POPNSC94.
POPNSC04.
RJIGT ART92 N5 A ART143 N3.
L 48/98 DE 1998/08/11 ART18.
DL 380/99 DE 1999/09/22 ART143.
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC012059 DE 2011/03/17.
Referência a Doutrina:LEBRE DE FREITAS, MONTALVÃO MACHADO E RUI PINTO - CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO VOLII COIMBRA EDITORA 2001 PAG363-364.
LOPES DO REGO - COMENTÁRIO AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ALMEDINA 1999 PAG348.
ALBERTO DOS REIS - COMENTÁRIO AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL VOLII COIMBRA EDITORA 1945 PAG486.
FERNANDA PAULA OLIVEIRA - REGIME JURÍDICO DOS INSTRUMENTOS DE GESTÃO TERRITORIAL ALMEDINA 2012.
FERNANDO ALVES CORREIA - O PLANO URBANÍSTICO E O PRINCÍPIO DA IGUALDADE PAG377.
GOMES CANOTILHO E VITAL MOREIRA - CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA ANOTADA 4ED VOLII COIMBRA EDITORA 2006 PAG335.
GOMES CANOTILHO - DIREITO CONSTITUCIONAL E TEORIA DA CONSTITUIÇÃO ALMEDINA COIMBRA 1998 PAG660-669.
FERNANDO ALVES CORREIA - PLANOS MUNICIPAIS DE ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO PEREQUAÇÃO DE BENEFÍCIOS E ENCARGOS E INDEMNIZAÇÃO PAG86-87.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Supremo Tribunal Administrativo

I-RELATÓRIO

1- A………, S.A., reclamou para a conferência do despacho do então relator, proferido a 12 de Março de 2013 (fls. 2803/2835), que apreciou o pedido subsidiário de efectivação da responsabilidade civil por acto lícito.

2- Por Acórdão de fls. 2929 e segs. foi decidido indeferir a reclamação, mantendo-se a decisão de julgar improcedente o pedido de indemnização por facto lícito.

3- Não se conformando, A………., S. A., veio interpor recurso para o Pleno deste STA, apresentando as seguintes conclusões das suas alegações:
“1. O Despacho recorrido é inadmissível num Estado-de-Direito, na medida em que possibilita a supressão total de um direito de propriedade valiosíssimo, sem qualquer indemnização.
2. O Despacho criou uma situação jurídico-processual verdadeiramente singular, com dois despachos saneadores, contraditórios sobre o segundo pedido - o primeiro que difere a análise para a fase da instrução do processo, e o segundo que contém uma decisão de mérito, julgando-a improcedente - enfermando de diversas nulidades.
3. Em primeiro lugar, nos termos do disposto no artigo 668.º, n.º 1, alínea b), do anterior CPC (artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do novo CPC), o Despacho é nulo por falta de fundamentação pois no mesmo não se apresenta um único argumento para fundamentar o entendimento quanto à necessidade de introduzir adaptações na tramitação da presente ação.
4. Perante a total ausência de fundamentação quanto a este aspeto, nunca poderá a Recorrente ficar esclarecida quanto às circunstâncias que levaram à necessidade afastar o artigo 87.º do CPTA, substituindo-se a sua aplicação pela aplicação do artigo 510.º do anterior CPC (artigo 595.º do novo CPC), quando esta ação segue a forma da ação administrativa especial e, no âmbito da mesma, existe uma disposição - o artigo 87.º do CPTA - cujo objeto é precisamente o mesmo do artigo 510.º do anterior CPC (artigo 595.º do novo CPC).
5. No caso sub judice, não se verifica qualquer necessidade de introduzir adaptações à tramitação da presente ação no sentido de afastar a aplicação do artigo 87.º do CPTA, pelo que dever-se-ia ter recorrido ao artigo 87.º do CPTA e nunca ao artigo 510.º do anterior CPC (artigo 595.º do novo CPC).
6. Contudo, porque a Recorrente não prescindiu, de forma alguma, do direito de apresentar alegações finais, nunca seria possível, nos termos do disposto no 87.º do CPTA, conhecer do mérito da causa no saneador.
7. Em segundo lugar, nos termos do disposto no artigo 201º, n.º 1, do anterior CPC (artigo 195.º, n.º 1, do novo CPC), o Despacho é nulo por ter introduzido alterações à tramitação da presente ação em violação dos princípios da igualdade das partes e do contraditório.
8. É que, ainda que o conhecimento do mérito da causa no despacho saneador, nos termos do disposto no artigo 510.º, n.º 1, alínea b), do anterior CPC (artigo 595.º, n.º 1, alínea b), do novo CPC), fosse possível, sempre se terá de concluir que, tendo as alterações à forma de tramitação processual sido introduzidas sem a observância dos princípios da igualdade das partes e do contraditório, o Despacho é nulo, nos termos do disposto no artigo 201.º, n.º 1, do anterior CPC (artigo 195º, n.º 1, do novo CPC).
9. Em terceiro lugar, nos termos do disposto no artigo 201.º, n.º 1, do anterior CPC (artigo 195.º, n.º 1, do novo CPC), o Despacho é nulo por ter sido proferido por juiz singular, quando o presente pedido deveria ter sido apreciado em conferência.
10. O único meio através do qual, em abstrato, o Exm.º Senhor Conselheiro-Relator poderia, sozinho, emitir uma decisão de mérito, é aquele que se encontra previsto no artigo 27.º, n.º 1, alínea i), do CPTA, que não foi sequer invocado no Despacho.
11. Ainda que no Despacho se tivesse invocado o artigo 27.º, n.º 1, alínea i), do CPTA, a decisão ao abrigo do mesmo nunca seria possível pois nenhum dos seus pressupostos se encontra verificado.
12. Constatando-se a prática de um ato - decisão do mérito tomada por juiz singular, no saneador - que, no caso sub judice, a lei não permite, impõe-se a conclusão de que o Despacho é nulo, nos termos do disposto no artigo 201.º, n.º 1, do anterior CPC (artigo 195º, n.º 1, do novo CPC).
13. Em quarto lugar, nos termos do disposto nos artigos 668.º, n.º 1, alínea b), e 201.º, n.º 1, do anterior CPC (artigos 615.º, n.º 1, alínea b), e 195.º, n.º 1, do novo CPC), o Despacho é nulo por a audiência preliminar ter sido ilegalmente dispensada.
14. Ainda que se admitisse que, no caso sub judice, seria possível conhecer do mérito do pedido no saneador, nos termos do artigo 510.º, n.º 1, alínea b), do anterior CPC, o Despacho deveria ter invocado o artigo 508.º-B do anterior CPC como fundamento da dispensa da audiência preliminar.
15. Não o tendo feito, estamos, nos termos do disposto no artigo 668.º, n.º 1, alínea b), do anterior CPC (artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do novo CPC), perante a nulidade do Despacho por falta de fundamentação.
16. Não obstante, e ainda que no Despacho se tivesse feito qualquer referência ao artigo 508.º-B do anterior CPC, a verdade é que, mesmo nesse cenário, sempre se teria que concluir pela inadmissibilidade da dispensa da audiência preliminar por não se verificar o condicionalismo previsto naquele artigo.
17. A omissão de realização de audiência preliminar, não sendo possível a sua dispensa, constitui, nos termos do disposto no 201.º, n.º 1, do anterior CPC (artigo 195.º, n.º 1, do novo CPC), uma nulidade, que determina a anulação do processado, quando - como sucede no caso em apreço - interfere no exame e decisão da causa.
18. Em quinto lugar, nos termos do disposto no artigo 668.º, n.º 1, alínea d), do anterior CPC (artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do novo CPC), o Despacho é nulo por omissão de pronúncia.
19. Da simples leitura do Despacho, constata-se que o mesmo é absolutamente omisso quanto à inconstitucionalidade orgânica do artigo 143.º, n.º 3, do RJIGT, alegada, em termos amplos e fundamentados, pela Recorrente, na sua Petição Inicial.
20. Assim, o Despacho, em violação do disposto no artigo 668.º, n.º 1, alínea d) do anterior CPC (artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do novo CPC) - e, também, do disposto no artigo 95º, n.º 2, do CPTA - , não se pronunciou “sobre questões que devesse apreciar”, pelo que enferma do vício de nulidade, por omissão de pronúncia.
21. O Despacho é ainda frontalmente contraditório com o anterior despacho saneador na parte em que neste sentido: “difere-se a instrução respeitante aos pedidos de indemnização”.
22. À data da aprovação do POPNSC de 2004, existiam, na esfera jurídica da Recorrente, possibilidades objetivas de aproveitamento urbanístico do solo, consubstanciadas em direitos de uso do solo, juridicamente consolidadas, com base nos seguintes títulos jurídicos:
a) Contrato de Urbanização celebrado com a Câmara Municipal de Cascais, em 14 de dezembro de 1922;
b) Novo Plano de Urbanização da Marinha, homologado por Despacho do Ministro das Obras Públicas, de 1 de julho de 1957;
c) Plano Turístico Hoteleiro para a Quinta da Marinha, com Despacho favorável do Subsecretário das Obras Públicas, de 15 de junho de 1967, e aprovado por Deliberação da Câmara Municipal de Cascais, de 31 de outubro de 1968 (esta Câmara Municipal viria a confirmar a vigência deste Plano, em 1992);
d) Plano de Ordenamento do Parque Natural de Sintra-Cascais, aprovado pelo Decreto Regulamentar n.º 9/94, de 11 de março;
e) Plano Diretor Municipal de Cascais, ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 96/97, de 19 de junho;
f) Plano de Ordenamento da Orla Costeira Sintra-Sado, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 86/2003, de 13 de março.
23. O POPNSC de 2004 eliminou todas as faculdades de exploração urbanística do terreno, reconhecidas pela Administração durante largos (oitenta) anos. Ao mesmo tempo, e como logo se conclui, tal facto causou avultados prejuízos à Recorrente, pelo que a mesma tem o direito a ser indemnizada pelos prejuízos sofridos por uma atuação administrativa que, embora lícita, se revelou, em termos objetivos, altamente lesiva dos seus direitos e interesses.
24. Esta indemnização nasce da responsabilidade civil da Administração por facto lícito, na medida em que o POPNSC de 2004 configura uma verdadeira expropriação do plano e baseia-se no princípio da igualdade perante os encargos públicos e, principalmente, na garantia constitucional da propriedade privada (artigo 62.º, n.º 1, da CRP), nos termos da qual qualquer expropriação terá de ser feita mediante o pagamento de uma indemnização (artigo 62.º, n.º 2, da CRP).
25. A garantia constitucional da justa indemnização aplica-se quer às expropriações translativas, quer às denominadas expropriações do plano, como sucede no caso da Recorrente, em que o expropriado conserva a propriedade do imóvel, mas restringem-se significativamente as suas possibilidades objetivas de aproveitamento urbanístico do solo.
26. O POPNSC de 2004 não contém qualquer instrumento de perequação que permita compensar a Recorrente pelos prejuízos sofridos, pelo que se encontra preenchido o primeiro pressuposto legal do direito da Recorrente a uma indemnização por expropriação do plano: a impossibilidade de compensação dos prejuízos através de mecanismos de perequação.
27. O facto de não ter ficado demonstrado que a Recorrente seja titular de qualquer licença ou autorização, conforme exigido legalmente, não poderá significar, tal como o Despacho pretende fazer crer, que “a autora [ora Recorrente] não pode arvorar, pois, qualquer direito de uso de solo preexistente e juridicamente consolidado”.
28. O artigo 143.º, n.º 3, do RJIGT é orgânica e materialmente inconstitucional e deve ser interpretado no sentido de se ressalvarem os casos em que o proprietário não obteve, durante o prazo pelo mesmo estipulado, a licença ou autorização, por facto imputável à Administração.
29. A inconstitucionalidade orgânica do artigo 143.º, n.º 3, do RJIGT resulta da carência da necessária autorização legislativa da Assembleia da República.
30. A inconstitucionalidade material do artigo 143.º, n.º 3, do RJIGT resulta do facto de os seus dois requisitos serem estabelecidos cumulativamente.
31. O artigo 143.º, n.º 3, do RJIGT é também inconstitucional, na interpretação em que determina sempre a cessação do direito à indemnização, no final do prazo de cinco anos, mesmo naqueles casos em que durante este prazo o particular não pôde concretizar os seus direitos por razões imputáveis à Administração, uma vez que viola (i) o princípio constitucional da proteção da confiança, (ii) a garantia constitucional da propriedade privada e (iii) o próprio princípio da igualdade, uma vez que trata de forma rigorosamente idêntica, situações substantivamente distintas.
32. E é também inconstitucional o segundo requisito constante do artigo 143.º, n.º 3, do RJIGT, que exige a pré-existência de uma licença válida, uma vez que o mesmo é formulado em termos excessivamente restritos e remete para o domínio dos vínculos sociais e situacionais da propriedade hipóteses de verdadeira expropriação.
33. Face à inconstitucionalidade do artigo 143.º, n.º 3, do RJIGT, dever-se-á recusar a aplicação, no presente litígio, do mesmo e analisar o direito da Recorrente a uma indemnização por fato lícito exclusivamente ao abrigo do artigo 18.º da LBPOTU.
34. À luz da referida norma, não poderão subsistir dúvidas quanto ao direito a uma justa indemnização por parte da Recorrente, por fatos lícitos, face aos pesados sacrifícios patrimoniais que, objetivamente, lhe foram causados com a restrição radical de quaisquer possibilidades objetivas de aproveitamento urbanístico do solo.
35. Nos termos do artigo 143.º, n.º 4, do RJIGT, “o valor da indemnização corresponde à diferença entre o valor do solo antes e depois das restrições provocadas pelos instrumentos de gestão territorial” — no caso, o POPNSC de 2004.
36. Esta diferença entre o valor do solo antes e depois do POPNSC de 2004, calculada (ainda que bastante por baixo) nos termos do Código das Expropriações, corresponde aos seguintes valores, de acordo com os vários Planos que foram sucessivamente aplicáveis ao terreno da Recorrente:
a) Aplicação do Novo Plano da Marinha de 1957: 371 420 640 Euros (Trezentos e setenta e um milhões, quatrocentos e vinte mil, seiscentos e quarenta euros);
b) Proposta de loteamento de 1992: 308 873 136 Euros (trezentos e oito milhões, oitocentos e setenta e três mil, cento e trinta e seis euros);
c) Proposta de loteamento de 1996: 349 004 640 Euros (trezentos e quarenta e nove milhões, quatro mil, seiscentos e quarenta euros).
d) Índices ponderados das propriedades envolventes: 374 305 440 Euros (trezentos e setenta e quatro milhões, trezentos e cinco mil, quatrocentos e quarenta euros).
37. O que sucedeu com o POPNSC de 2004 foi a modificação radical de regras há muito sedimentadas sobre o uso e a ocupação do solo, em nome de novas conceções do interesse público que impelem a Administração a salvaguardar, em benefício da coletividade, certos valores ambientais.
38. Esta salvaguarda de valores ambientais nunca poderá ser feita com total desrespeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares, como expressamente decorre do artigo 266.º, n.º 1, da CRP.
39. Em face de tudo o que se expôs na presente ação, e concluindo como o Professor FREITAS DO AMARAL, “[n]ão é legítimo reconduzir a privação dos direitos edificativo da A…….., SA, à ideia de vinculação situacional da propriedade, uma vez que o que ocorreu em 2004, com a revisão do POFNSC, foi uma modificação radical da situação do terreno e das regras sobre o seu uso e ocupação, de há muito sedimentadas juridicamente, em nome de novos fins de interesse público que o próprio plano visa prosseguir (mas que não lhe são impostos como um dado de facto) — assim se lançando novos e pesados sacrifícios patrimoniais sobre um único particular, em beneficio de toda a colectividade”. (Parecer em anexo à Petição Inicial, pág. 156.)
Nestes termos, e nos mais de direito aplicáveis, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente por provado e, consequentemente ser o Despacho … revogado e substituído por decisão judicial que, no cumprimento dos trâmites processuais aplicáveis, julgue a presente ação procedente, por provada, condenando-se o Réu Estado a pagar à Recorrente uma quantia que nunca será inferior ao mais baixo dos seguintes valores, correspondente aos danos que o POPNSC de 2004, objetivamente lhe causou:
a) 371.420.640,00 € (trezentos e setenta e um milhões, quatrocentos e vinte mil, seiscentos e quarenta euros);
b) 308.873.136,00 € (trezentos e oito milhões, oitocentos e setenta e três mil, cento e trinta e seis euros);
c) 349.004.640,00 € (trezentos e quarenta e nove milhões, quatro mil, seiscentos e quarenta euros);
d) 374.305.440,00 € (trezentos e setenta e quatro milhões, trezentos e cinco mil, quatrocentos e quarenta euros)”.

4- A Presidência do Conselho de Ministros, em nome do Primeiro-Ministro, veio formular contra-alegações, das quais se extraem as seguintes conclusões:
“1. Uma vez que as questões da impugnação do Regulamento do Plano de Ordenamento do Parque Natural Sintra-Cascais, bem como do pedido de indemnização pelos danos resultantes da alegada ilegalidade ficaram resolvidas no acórdão de 25 de setembro de 2012, já transitado em julgado, restava nos presentes autos a apreciação de um único pedido - o pedido subsidiário de efetivação da responsabilidade civil por ato lícito -, ao qual corresponde, conforme determina a alínea f) do nº 2 do artigo 37º do CPTA, a forma de ação administrativa comum;
2. Pelo que decidiu bem o Senhor Conselheiro Relator no despacho saneador ao conhecer de imediato do referido pedido subsidiário de efetivação da responsabilidade civil por ato lícito;
3. Isto porque quer no quadro das necessárias adaptações a que se refere o artigo 5 do CPTA, quer no quadro de aplicação direta das regras da ação administrativa comum, que segue os termos do processo de declaração do Código do Processo Civil (cfr. artigo 42º do CPTA), é legalmente admissível e encontra-se devidamente fundamentada a opção do Senhor Conselheiro Relator de conhecer do pedido subsidiário no despacho saneador;
4. E também esteve bem a Conferência ao julgar improcedente o pedido subsidiário de indemnização por facto lícito;
5. Isto porque a ora Recorrente nunca obteve a titularidade de qualquer direito de edificação ou urbanização;
6. Tornando-se, assim, indiferente que a ora Recorrente se considere lesada nos seus direitos e interesses e que articule diversas vias de determinação desse prejuízo. Era necessário que tivesse sido (e não foi, por ausência do direito de edificação ou urbanização) lesada em direitos ou interesses juridicamente protegidos, não assumindo qualquer relevo a lesão de expectativas não tuteladas;
7. Finalmente, para que se pudesse reconhecer a existência do direito a indemnizar teria também de se conseguir demonstrar a existência de um sacrifício especial e anormal;
8. Mas, como é consabido, as restrições urbanísticas não podem ser vistas num Estado de Direito Democrático como sacrifícios anormais.
Nestes termos e nos demais de Direito que V/.Exas. mui doutamente suprirão, deve o acórdão
sob censura ser mantido, por manifesta Legalidade, e considerado improcedente o presente recurso jurisdicional, só assim se fazendo a habitual JUSTIÇA!”

5- O contra-interessado Instituto de Conservação da Natureza veio também apresentar contra-alegações, tendo concluído nos termos que se seguem:
“1 - Não existe nulidade do despacho sentença por falta de fundamentação da necessidade de introduzir alterações à tramitação da presente ação, porquanto na verdade a A. tinha apresentado já alegações de direito (como o próprio reconhece), embora restringidas, compreensivelmente, mas por sua opção, ao pedido principal, aplicando-se, assim, para além do mais, o artigo 87.º/1, al.b) do CPTA.
II - Não existe nulidade do despacho-sentença por ter introduzido alterações à tramitação da presente ação em violação dos princípios da igualdade e do contraditório, porquanto do que se trata é de o Venerando Tribunal ter formulado o seu juízo em forma de sentença, não havendo qualquer oportunidade que uma parte tenha tido que a outra também não tenha, pois a fase dos articulados estava concluída, a qual, segundo o critério do julgador, em termos plenamente suficientes para julgar.
III - Não existe nulidade do despacho sentença por ter sido proferido por juiz singular em vez de em conferência, porquanto as alegações finais a que se refere o artigo 87.º/1, al. b) CPTA, são exatamente as alegações de direito que o A. já tinha produzido, embora, como se disse, por sua opção as tivesse restringido ao pedido principal.
IV - Não existe nulidade do despacho sentença por ter sido ilegalmente preterida a audiência preliminar, pois, quando muito seria uma mera irregularidade, porquanto a decisão de suficiência do processo para proceder ao julgamento sempre tomaria irrelevante a referida diligência;
V - Não existe nulidade do despacho sentença por omissão de pronúncia quanto à questão da inconstitucionalidade material e orgânica do art. 143.º/3 RJIGT, porquanto de facto não houve qualquer omissão mas antes uma expressa interpretação ou concretização claramente como conforme à lei de bases, não havendo na sua interpretação, como afirma o acórdão da conferência, a alegada inconstitucionalidade orgânica e muito menos a material. Como se sabe a concretização constitucional operada pelos tribunais é muito distinta da tarefa realizada na fiscalização abstracta da constitucionalidade pelo Tribunal Constitucional.
VI - Quanto ao mais, em termos de fundo, está a sentença bem proferida e não deve ser alterada, louvando-nos nas alegações das peças apresentadas.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Excelências, deve o presente recurso ser rejeitado e mantida a decisão.”

6- Colhidos os vistos, nos termos legais, cumpre apreciar e decidir.

II-FUNDAMENTOS
1- DE FACTO
No acórdão recorrido fixou-se o seguinte:
Dá-se por reproduzido todo o ponto 2.1. do acórdão de 25.9.2012, fls. 2726 a 2728.
Considera-se, ainda, com base nos documentos que se referem:
1) Em 17 de Agosto de 1994 a Autora recorreu do Despacho Conjunto de 3 de Março de 1994 (despacho fixado em 12 do ponto 2.1. do acórdão de 25.9.2012) para o Supremo Tribunal Administrativo, recurso a que foi negado provimento por acórdão de 13/02/96 proferido no processo n.º 34.722 (vide Apêndices ao Diário da República, Volume II, de 31/08/98, págs. 1409 e segs.);
2) A Autora recorreu desse acórdão, recurso a que foi negado provimento por acórdão do Pleno de 8/10/98 (vide Apêndices ao Diário da República, de 12/04/2001, págs. 1091 e segs.)
3) A Autora interpôs recurso desse acórdão de 8/10/98 (entretanto integrado já por acórdão de 9/12/98 indeferindo a arguição da sua nulidade) para o Tribunal Constitucional, que, por acórdão de 23/11/99 não julgou inconstitucionais os nºs 1 e 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 327/90, de 22/10 (vide Acórdão n.º 639/99, de 23/11/99, in Jurisprudência do Tribunal Constitucional, www.tribunalconstitucional.pt);
4) Em 1996 a autora apresentou, pelo arquitecto ………. , alterações à proposta de loteamento de 1992 (proposta fixada em 6 do ponto 2.1. do acórdão de 25.9.2012) com os seguintes parâmetros urbanísticos:
- Quadro de áreas:
- Área total da parcela: 273 ha;
- Área preferencial para turismo e recreio 30 ha (incluindo corredor de vento);
- Área de ambiente rural (A): 23 ha;
- Área de ambiente rural (B): 10 ha;
- Área de intervenção específica: 6 ha;
- Total de áreas a urbanizar: 69 ha;
- Quadro de índices:
- Área de construção: 138 000 m2;
- Área de implantação: 61 600 m2;
- Número de fogos: 748
- População prevista: 2 618 hab.;
- Índice de construção: 0,05;
- Índice de ocupação: 0,02;
- Densidade populacional: 9,6 hab./ha. [cfr. artigo 92, c), da petição inicial e documento denominado «A……………, SA, - Projecto de Urbanização – Doc. Separado – Dossier» (documento com data de entrada no PNSC em 18/06/2003, arquivado na «Pasta n.º 11, Fichas de Participação-Discussão Pública», do processo instrutor; note-se que há ligeiras alterações entre o que consta na petição inicial e o documento do instrutor).
(…) Afigura-se desnecessária outra actividade probatória”.

2- DE DIREITO

2-1. No presente processo, A……….., S.A., com sede na Rua ………, ……….., em Lisboa, apresentou impugnação da revisão do PLANO DE ORDENAMENTO DO PARQUE NATURAL DE SINTRA-CASCAIS, aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 1-A/2004, de 8 de Janeiro, pedindo a declaração de ilegalidade das normas resultantes da conjugação dos artigos 11.º a 15.º do REGULAMENTO DO PLANO DE ORDENAMENTO DO PARQUE NATURAL DE SINTRA-CASCAIS, com a Planta de Síntese 1D, ambos anexos àquela Resolução.
Cumulou esse pedido com o de indemnização pelos danos resultantes da alegada ilegalidade e, subsidiariamente, formulou pedido de efectivação de responsabilidade civil por acto lícito.
Pelo Acórdão de 25 de Setembro de 2012, a fls. 2720/2796, julgou-se improcedente o pedido de declaração de ilegalidade e, consequentemente, o pedido de indemnização pelos danos resultantes da alegada ilegalidade.
Não houve julgamento no que respeita ao pedido subsidiário, sendo que essa matéria havia sido diferida, conforme despacho saneador de fls. 2401 a 2404.
O Acórdão de 25 de Setembro transitou em julgado, sem a interposição de qualquer recurso, tendo o pedido subsidiário, relativo à efectivação de responsabilidade civil por acto ilícito sido indeferido por despacho do relator, proferido a 12 de Março de 2013 (fls. 2803/2835), por não proceder a arguição de falta de fundamentação, nem a apontada nulidade e não havendo qualquer relevo para a alegada inconstitucionalidade.
A……….., S.A, interpõe recurso do Acórdão proferido pelo STA (Secção do Contencioso Administrativo) de 20 de Junho de 2013, que indeferiu a reclamação do mencionado despacho.
Para tanto alega, entre o mais:
· O Despacho é nulo, “nos termos do disposto no artigo 668.º, n.º 1, alínea b), do anterior CPC (artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do novo CPC), por falta de fundamentação pois no mesmo não se apresenta um único argumento para fundamentar o entendimento quanto à necessidade de introduzir adaptações na tramitação da presente ação”;
Para a recorrente não se verificando a necessidade de “introduzir adaptações à tramitação da presente ação no sentido de afastar a aplicação do artigo 87.º do CPTA,” seria este o preceito a aplicar e “nunca ao artigo 510.º do anterior CPC (artigo 595.º do novo CPC)”, pelo que perante a total ausência de fundamentação quanto a este aspecto, nunca poderá a Recorrente ficar esclarecida quanto às circunstâncias que levaram a esta decisão;
· “(…) o Despacho é nulo por ter introduzido alterações à tramitação da presente ação em violação dos princípios da igualdade das partes e do contraditório”, nos termos do disposto no art. 201º, nº 1, do anterior CPC (art. 195º, nº 1, do Novo CPC);
· “(…) o Despacho é nulo por ter sido proferido por juiz singular, quando o presente pedido deveria ter sido apreciado em conferência, nos termos do disposto no artigo 201.º, n.º 1, do anterior CPC (artigo 195.º, n.º 1, do novo CPC);
· “(…) o Despacho é nulo por a audiência preliminar ter sido ilegalmente dispensada, nos termos do disposto nos artigos 668.º, n.º 1, alínea b), e 201.º, n.º 1, do CPC” “(…)” “(…) A omissão de realização de audiência preliminar, não sendo possível a sua dispensa, constitui, nos termos do disposto no artigo 201.º, n.º 1, do CPC, uma nulidade, que determina a anulação do processado, quando - como sucede no caso em apreço - interfere no exame e decisão da causa;
· “(…) O Despacho é nulo por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 668.º, n.º 1, alínea d), do CPC, porquanto, “é absolutamente omisso quanto à inconstitucionalidade orgânica do artigo 143.º, n.º 3, do RJIGT, alegada, em termos amplos e fundamentados, pela Autora, na sua Petição Inicial;
· “(…) Direito a obter uma indemnização por responsabilidade civil da Administração por facto lícito, fato lícito exclusivamente ao abrigo do artigo 18.º da LBPOTU, “na medida em que o POPNSC de 2004 configura uma verdadeira expropriação do plano e baseia-se no princípio da igualdade perante os encargos públicos e, principalmente, na garantia constitucional da propriedade privada (artigo 62.º, n.º 1, da CRP), nos termos da qual qualquer expropriação terá de ser feita mediante o pagamento de uma indemnização (artigo 62.º, n.º 2, da CRP)”;
· “(…)” Inconstitucionalidade material do art. 143.º, n.º3, do RJIGT: (i) Se interpretado no sentido de os seus dois requisitos serem de verificação cumulativa; (ii) na interpretação em que determina sempre a cessação do direito à indemnização, no final do prazo de cinco anos, mesmo naqueles casos em que durante este prazo o particular não pôde concretizar os seus direitos por razões imputáveis à Administração, uma vez que viola (i) o princípio constitucional da proteção da confiança, (ii) a garantia constitucional da propriedade privada e (iii) o próprio princípio da igualdade; (iii) se interpretado como exigindo a pré-existência de uma licença válida.

Vejamos.

2-1.1.Quanto à invocada nulidade do despacho reclamado por falta de fundamentação

No Acórdão recorrido, quanto a esta matéria, depois de se reproduzir o que a este propósito ficou consignado no despacho reclamado [“Conforme se decidiu no despacho de fls. 1411/1414, e de acordo com o artigo 5.º, n.º 1, do CPTA, a acção tem estado a seguir os termos da acção administrativa especial, com as necessárias adaptações.
Na situação actual dos autos, resta a apreciação de um único pedido, a que corresponde a forma de acção administrativa comum – artigo 37.º, n.º 2, f), do CPTA.
Seja no quadro das necessárias adaptações a que se refere o artigo 5.º do CPTA, seja no quadro directo de aplicação das regras da acção administrativa comum, que segue os termos do processo de declaração do Código de Processo Civil (artigo 42.º do CPTA) é possível, nas presentes circunstâncias, conhecer do pedido no saneador – artigo 510.º do CPC.”], ponderou-se:
“Verifica-se, assim, que o despacho indicou quer as razões de facto quer as de direito que o determinavam a introduzir adaptações na tramitação.
Com certeza que se admite que a reclamante discorde do decidido, mas não pela sua falta de fundamentação. E como é sabido, «A fundamentação deficiente ou errada afecta o valor doutrinal da sentença mas não implica a sua nulidade» (do Proc. 012059, 17-03-2011 do Pleno desta Secção, com diversas referências jurisprudenciais e doutrinária).
Deste modo, não procede a arguição de falta de fundamentação.”
Com efeito, a Recorrente pode discordar da fundamentação seguida pelo Acórdão recorrido, mas isso não integra a figura da nulidade prevista no art. 668º, nº 1, alínea b), do CPC, como muito bem ficou decidido.
Improcedem, pois, as alegações da Recorrente.

2-1.2. Quanto à alegada nulidade, por se terem introduzido alterações à tramitação da acção

Para a Recorrente, uma vez que não prescindiu do direito de apresentar alegações finais, nos termos do disposto no art. 87º do CPTA, não poderia o tribunal recorrido ter conhecido do mérito da causa no despacho saneador, o que implica a nulidade do referido despacho. Na óptica da Recorrente, ainda que fosse possível conhecer do mérito da causa no despacho saneador, “o despacho reclamado é também nulo por ter introduzido alterações à tramitação da presente acção em violação dos princípios da igualdade das partes e do contraditório, nos termos do disposto no artigo 201º, n.º 1, do anterior CPC (artigo 195.º, n.º 1, do novo CPC).”
A este propósito, pode ler-se no Acórdão recorrido, entre o mais, que “(…) tal conduta não se integra na previsão do artigo 201.º, n.º 1, do CPC.
“Tratou-se, já então, como agora, de realizar a melhor adaptação às circunstâncias.
Não deve esquecer-se que, conforme o artigo 138.º do CPC, os actos processuais terão a forma que, nos termos mais simples, melhor corresponda ao fim que visam atingir.
O despacho teve em atenção, apenas, as questões suscitadas pelas partes, nos respectivos articulados, com respeito do contraditório.
Em qualquer caso, a falta de prévia comunicação para a adaptação realizada pelo despacho sob reclamação não influi no exame e decisão da causa.
Tanto que o exame e decisão da causa continuam na órbita do mesmo tribunal, isto é, agora, da conferência da mesma secção.
Não há alteração de tribunal, não há alteração de patamar hierárquico, é no mesmo tribunal que se mantém o processo, por isso que todas as garantias de apreciação por este tribunal colectivo estão satisfeitas.
Por isso, não existe a apontada nulidade.
E não existe desrespeito da estabilidade da tramitação.
O seguimento unicamente das regras da acção administrativa especial justificou-se enquanto houve que ter em conta a cumulação de pedidos. A partir do momento em que resta um único pedido para apreciar, por trânsito em julgado de acórdão sobre toda a outra matéria, naturalmente que deve o juiz determinar a prática dos actos que melhor se ajustem ao fim do processo. É uma regra geral, com ilustração quer no citado artigo 138.º, quer no artigo 265-A do CPC. Mas é essa mesma regra que se inscreve no artigo 5.º do CPTA. Afinal, o juiz deve, a todo o momento, verificar do melhor meio para chegar ao objectivo a que o processo se dirige, a apreciação da causa em discussão. Naturalmente que sempre no respeito dos direitos das partes (sendo que a quanto à falta de audição releva o que acima se expressou).
Foi o que o despacho intentou.
E a verdade é que não se observa que essa adaptação represente qualquer obstáculo ao adequado conhecimento do mérito.
Com certeza que deixaram de se realizar as alegações previstas para a acção administrativa especial. Mas isso porque o conhecimento no saneador dispensa essas alegações. (…).”
Afigura-se que assiste razão ao Acórdão recorrido.
Com efeito, para além do que ficou dito, não podemos acompanhar a Recorrente, em especial, quando alega que não tendo prescindido do direito de apresentar alegações finais, segundo o disposto no art. 87º do CPTA, nunca seria possível conhecer do mérito da causa no saneador, o que conduziria à nulidade do despacho, nos termos do art. 201º, nº1, do anterior CPC.
O legislador ao dizer expressamente no art. 5º do CPTA que quando os pedidos cumulados correspondam a diferentes formas de processo deve adoptar-se a acção administrativa especial, “com as necessárias adaptações”, tais adaptações compreendem precisamente a não aplicação da regra imperativa do art. 87º do CPTA numa situação como a dos autos. Estamos perante uma opção do legislador, que apenas se deve ter como imperativa no âmbito da tramitação da acção administrativa especial, cuja razão de ser tem como pressuposto que as questões a decidir são estritamente de direito e se justifica também de algum modo pela tradição.
A alegada preterição do direito a alegações resulta assim de uma norma (87º do CPTA), cuja imperatividade só faz sentido no âmbito da pura acção administrativa especial.
Com efeito, a existência desta tramitação processual especial relativamente à acção comum justifica-se em virtude da especificidade e complexidade das matérias administrativas, a envolverem normalmente a apreciação de diversas ilegalidades imputáveis a um acto administrativo. Ante a singularidade e complexidade dos problemas jurídicos torna-se fundamental que o entendimento das partes relativamente ao direito a aplicar e aos termos de resolução da causa sejam reduzidos a escrito, na medida em que sendo submetidas a essa forma se torna mais acessível e ponderável a oportunidade do seu conteúdo pelo Juiz.
Compreende-se, assim, que no domínio da acção administrativa especial se tenha institucionalizado normativamente e enraizado em tradição a obrigatoriedade das alegações escritas.
A alegada preterição do direito a alegações resultaria assim de uma norma (art. 87º do CPTA), cuja imperatividade só faz sentido no âmbito da pura acção administrativa especial, exigência que não tem paralelo na acção administrativa comum e que apenas foi convocada no caso dos autos devido à cumulação inicial dos pedidos.
Em suma, podemos concluir que, quer no quadro das necessárias adaptações a que se refere o artigo 5.º do CPTA, quer no quadro de aplicação directa das regras da acção administrativa comum, que segue os termos do processo de declaração do Código do Processo Civil (cfr. artigo 42.º do CPTA), é legalmente admissível e encontra-se devidamente fundamentada a opção do relator de conhecer do pedido subsidiário no despacho saneador.
Sempre se dirá, ainda, finalmente, que em parte alguma, quer na reclamação para a conferência, quer agora nas alegações de recurso, a Recorrente invoca quaisquer prejuízos para sua defesa decorrentes da aludida omissão das alegações.
Improcedem, pois, as alegações da Recorrente.

2-1.3. Quanto à alegada nulidade, por o despacho reclamado ter sido proferido por juiz singular

Alega a Recorrente que o despacho reclamado é ainda nulo por ter sido tomada decisão de mérito por juiz singular, no saneador, quando a lei o não permite.
A este propósito, pode ler-se no Acórdão recorrido que “(…) a reclamante não tem em conta que se está em sede de um despacho saneador. Não há despacho saneador por acórdão. A questão é, afinal, a de saber se pode ser lavrado despacho saneador. Ora, como se considerou de seguir as regras da acção administrativa comum e, por isso, os termos do processo de declaração do CPC, o saneador é despacho admissível para a decisão de mérito.
A diferença é que enquanto nas situações correntes há recurso do saneador que conhece do mérito, por isso, com mudança da hierarquia do tribunal, no presente caso o que há é reclamação, por ser essa a regra quanto aos despachos proferido por relator. E por isso, a impugnação do despacho começa por ser dirigida ainda ao mesmo tribunal e não já a tribunal de outra hierarquia ou nível.”
Em face do exposto, afigura-se que também aqui não assiste razão à Recorrente.

2-1.4. Quanto à alegada nulidade, por ter sido dispensada a audiência preliminar

Alega a Recorrente, entre o mais, que “Ainda que se admitisse que, no caso sub judice, seria possível conhecer do mérito do pedido no saneador, nos termos do artigo 510.º, n.º 1, alínea b), do CPC, o Despacho deveria ter invocado o artigo 508.º-B do CPC como fundamento da dispensa da audiência preliminar», não o tendo feito, o despacho reclamado é nulo por falta de fundamentação.
As normas em causa têm o seguinte conteúdo:
O artigo 201.º n.º 1, do CPC dispõe:
“1 – Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
(…).”
Por seu turno, o artigo 508.º-B do CPC dispõe:
“1 – O juiz pode dispensar a audiência preliminar quando:
a) (…);
b) A sua realização tivesse como fim facultar a discussão de excepções dilatórias já debatidas nos articulados ou do mérito da causa, nos casos em que a sua apreciação revista manifesta simplicidade.
(…).”
Como resulta do exposto, fora dos casos previstos na primeira parte do art. o art. 201º, nº1, do CPC, o preceito só comina a nulidade nos casos em que a “irregularidade cometida possa influir na causa”, o que confere ao juiz amplos poderes de apreciação.
A este propósito pode ler-se no Acórdão recorrido, entre o mais, que:
“(…) o despacho apreciou unicamente o pedido que restava apreciar, o pedido de efectivação de responsabilidade civil por acto lícito.
E sobre ele teve em atenção, apenas, o indicado pelas partes, nos respectivos articulados, com respeito do contraditório.
Por isso, o despacho reclamado foi precedido dos actos e formalidades que garantiram a adequada discussão do que estava ainda para apreciação.
Em consequência, a omissão de convocação da audiência preliminar consubstancia-se numa mera irregularidade, na medida em que a ausência da audiência preliminar não influi na decisão da causa.
Mais, exactamente porque, como também se disse e se vê claramente na situação presente, tudo o que as partes pretendessem dizer nessa audiência estavam em condições de o proclamar ainda perante o mesmo tribunal, agora em formação colectiva, e que é esta formação, que finalmente produzirá a decisão sobre o caso; assim torna-se mais evidente a falta de influência de tal dispensa da audiência preliminar na decisão. Os seus objectivos são totalmente cobertos através das peças que os interessados apresentem na reclamação. E é nesta exacta medida, aliás, que a ora reclamante apresenta a peça sob apreciação, justamente para que o tribunal tome em consideração todo o seu ponto de vista”.
E a fundamentar esta posição, o Acórdão recorrido socorreu-se da doutrina sobre o sentido e alcance do art. 508º-B, a saber, JOSÉ LEBRE DE FREITAS/MONTALVÃO MACHADO/RUI PINTO (“Código do Processo Civil Anotado”, Coimbra Editora, 2001, Volume 2.º, págs. 363/364), onde se pondera que “O artigo foi introduzido pelo DL 180/96, que nele autonomizou os casos excepcionais, que o DL 329-A/95 incluíra no art. 508-A nºs 1b e 5), em que malgrado a verificação do condicionalismo da alínea b) ou e) do art. 508-A-1, o juiz pode discricionariamente dispensar a audiência preliminar.”
E, ainda, LOPES DO REGO (“Comentários ao Código de Processo Civil”, Almedina 1999, pp. 348), quando pondera que “a injustificada dispensa da audiência preliminar, ao abrigo de uma incorrecta interpretação e aplicação das cláusulas gerais contidas neste preceito, poderá constituir nulidade secundária, que a parte prejudicada com a omissão de tal acto deverá arguir tempestivamente, sob pena de preclusão (arts. 201.º, 203.º e 205.º) – alegando, em termos convincentes, o prejuízo que, na sua perspectiva, decorre da omissão cometida e a sua influência nociva no exame e discussão da causa …”.
Alberto dos Reis em “Comentário ao Código de Processo Civil”, volume 2.º. pág. 486, Coimbra Editora 1945, refere que “os actos de processo têm uma finalidade inegável: assegurar a justa decisão da causa; e como a decisão não pode ser conscienciosa e justa se a causa não estiver convenientemente instruída e discutida, segue-se que o fim geral que se tem em vista com a regulação e organização dos actos de processo está satisfeito se as diligências, actos e formalidades que se praticaram garantem a instrução, a discussão e o julgamento regular do pleito; pelo contrário o referido fim mostrar-se-á prejudicado se se praticaram ou omitiram actos ou deixaram de observar-se formalidades que comprometem o conhecimento regular da causa e portanto a instrução, discussão ou o julgamento dela.
É neste sentido que deve entender-se o passo «quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa»”.
Em suma, em face do exposto, a haver preterição de alguma formalidade a mesma reconduz-se a uma mera irregularidade que não tem o condão de ferir de nulidade o despacho reclamado.
Improcedem, pois, as alegações da Recorrente.

2-1.5. Quanto à nulidade por omissão de pronúncia, por o despacho reclamado ser absolutamente omisso quanto à inconstitucionalidade orgânica do art. 143º, nº 3, do RJIGT.

Alega a Recorrente que o despacho em causa é nulo por omissão de pronúncia [em violação do disposto no artigo 668.º, n.º 1, alínea d) - e, também, do disposto no artigo 95.º, n.º 2, do CPTA] por não se ter pronunciado “sobre questões que devesse apreciar”, segundo o disposto no art. 668º, nº 1, alínea d), do CPC.
A este propósito o que se verifica, mais uma vez, é uma divergência de entendimento entre a Recorrente e o Acórdão recorrido quanto à existência ou não da alegada inconstitucionalidade orgânica, que é questão diferente da invocada omissão de pronúncia sobre esta questão.
Com efeito, não restam dúvidas que o Acórdão recorrido se pronunciou sobre a alegada inconstitucionalidade orgânica.
Vejamos.
A Lei n.º 48/98, de 11 de Agosto, que estabelece as bases da política de ordenamento do território e de urbanismo, dispõe:
«Artigo 18.º
Compensação e indemnização
1 - Os instrumentos de gestão territorial vinculativos dos particulares devem prever mecanismos equitativos de perequação compensatória, destinados a assegurar a redistribuição entre os interessados dos encargos e benefícios deles resultantes, nos termos a estabelecer na lei.
2 - Existe o dever de indemnizar sempre que os instrumentos de gestão territorial vinculativos dos particulares determinem restrições significativas de efeitos equivalentes a expropriação, a direitos de uso do solo preexistentes e juridicamente consolidados que não possam ser compensados nos termos do número anterior.
3 - A lei define o prazo e as condições de exercício do direito à indemnização previsto no número anterior.»
A lei de bases, emitida ao abrigo da competência reservada da AR (art. 165º, nº 1, alínea z), da CRP), impõe, pois, a existência de lei que estabeleça o prazo e condições de exercício do direito de indemnização quando, não sendo possível compensação, haja restrições equivalentes a expropriação.
É nesse quadro que o Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro, em desenvolvimento daquele diploma, veio estabelecer o regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial, onde se contém, o artigo 143.º, que tem o seguinte conteúdo:
«Artigo 143.º
Dever de indemnização
1 - As restrições determinadas pelos instrumentos de gestão territorial vinculativos dos particulares apenas geram um dever de indemnizar quando a compensação nos termos previstos na secção anterior não seja possível.
2 - São indemnizáveis as restrições singulares às possibilidades objectivas de aproveitamento do solo, preexistentes e juridicamente consolidadas, que comportem uma restrição significativa na sua utilização de efeitos equivalentes a uma expropriação.
3 - As restrições singulares às possibilidades objectivas de aproveitamento do solo resultantes de revisão dos instrumentos de gestão territorial vinculativos dos particulares apenas conferem direito a indemnização quando a revisão ocorra dentro do período de cinco anos após a sua entrada em vigor, determinando a caducidade ou a alteração das condições de um licenciamento prévio válido.
4 - Nas situações previstas nos números anteriores, o valor da indemnização corresponde à diferença entre o valor do solo antes e depois das restrições provocadas pelos instrumentos de gestão territorial, sendo calculado nos termos do Código das Expropriações.
5 - Nas situações previstas no n.º 3, são igualmente indemnizáveis as despesas efectuadas na concretização de uma modalidade de utilização prevista no instrumento de gestão territorial vinculativo dos particulares se essa utilização for posteriormente alterada ou suprimida por efeitos de revisão ou suspensão daquele instrumento e essas despesas tiverem perdido utilidade.
6 - É responsável pelo pagamento da indemnização prevista no presente artigo a pessoa colectiva que aprovar o instrumento de gestão territorial que determina directa ou indirectamente os danos indemnizáveis.
7 - O direito à indemnização caduca no prazo de três anos a contar da entrada em vigor do instrumento de gestão territorial ou da sua revisão.»
Para a Recorrente, o artigo 143º, nº 3, regulamenta matéria de reserva relativa de competência da Assembleia da República, abrangida pelas alíneas b), e), l), s) e z), do artigo 165º, nº1, da Constituição, pelo que carecia de uma lei de autorização legislativa da Assembleia da República. O facto de o Decreto-Lei nº 380/99, de 22 de Setembro, ter sido emanado como um diploma de desenvolvimento da Lei nº 48/98, de 11 de Agosto, não o isenta, na óptica da Recorrente, da necessidade de autorização legislativa sempre que disponha sobre outras matérias reservadas, ainda que afins ou conexas com o domínio material do ordenamento do território e do urbanismo.
“(…) Assim, o facto de o artigo 18º, nº3, da Lei nº48/98, de 11 de Agosto, estabelecer que “a lei define o prazo e as condições de exercício do direito à indemnização previsto no número anterior” não serve como autorização legislativa para o regime constante do artigo 143º, nº 3, do DL nº 380/99, que, além de ser um regime inovador, é claramente restritivo do disposto no artigo 18º, nº 2, daquela Lei.”
A este propósito, ponderou-se, entre o mais, no Acórdão recorrido, na lógica do despacho reclamado, “Se o artigo 143.º, n.º 3, se mantiver nos limites do diploma que desenvolve ele não é nem inovador, nem restritivo. E se se mantiver nesses limites é indiferente que a lei de bases tenha sido produzida com invocação apenas da alínea z) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP.(…)”. Não será preciso diploma de autorização legislativa para que o diploma de desenvolvimento possa regular aquilo que vem já editado na lei que ele visa desenvolver.”
Em face do exposto, falece também aqui o argumento da alegada omissão de pronúncia.

2-1.6. 1.Quanto ao direito a obter uma indemnização por facto lícito em virtude da expropriação operada pelo POPNSC

Segundo a Recorrente, “(…) À data da aprovação do POPNSC de 2004, existiam, (…) na sua esfera jurídica, “possibilidades objetivas de aproveitamento urbanístico do solo, consubstanciadas em direitos de uso do solo, juridicamente consolidadas, com base nos seguintes títulos jurídicos:
a) Contrato de Urbanização celebrado com a Câmara Municipal de Cascais, em 14 de dezembro de 1922;
b) Novo Plano de Urbanização da Marinha, homologado por Despacho do Ministro das Obras Públicas, de 1 de julho de 1957;
c) Plano Turístico Hoteleiro para a Quinta da Marinha, com Despacho favorável do Subsecretário das Obras Públicas, de 15 de junho de 1967, e aprovado por Deliberação da Câmara Municipal de Cascais, de 31 de outubro de 1968 (esta Câmara Municipal viria a confirmar a vigência deste Plano, em 1992);
d) Plano de Ordenamento do Parque Natural de Sintra-Cascais, aprovado pelo Decreto Regulamentar n.º 9/94, de 11 de março;
e) Plano Diretor Municipal de Cascais, ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 96/97, de 19 de junho;
f) Plano de Ordenamento da Orla Costeira Sintra-Sado, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 86/2003, de 13 de março.”
Alega a Recorrente que o POPNSC de 2004 eliminou todas as faculdades de exploração urbanística do terreno, reconhecidas pela Administração durante largos (oitenta) anos, com consequentes avultados prejuízos.
Ainda segundo a Recorrente, essa indemnização deve-se sobretudo porque “O POPNSC de 2004 não contém qualquer instrumento de perequação que permita compensar a Recorrente pelos prejuízos sofridos” e, além do mais, a referida indemnização não pode ser posta em causa pelo facto “de não ter ficado demonstrado que a Recorrente seja titular de qualquer licença ou autorização”.
Como ficou dito, o art. 143º, nº 2, do RJIGT refere expressamente que apenas são indemnizáveis, recorde-se, “as restrições singulares às possibilidades objectivas de aproveitamento do solo, preexistentes e juridicamente consolidadas, que comportem uma restrição significativa na sua utilização de efeitos equivalentes a uma expropriação”. Por sua vez, segundo o nº 3, tais restrições apenas conferem direito de indemnização “quando a revisão ocorra dentro do prazo de cinco anos após a entrada em vigor do plano, determinando a caducidade ou alteração das condições de um licenciamento prévio válido”.
Ora, no elenco de possibilidades de aproveitamento do solo que a Recorrente se arroga ser titular não consta nenhuma que se subsuma às “possibilidades objectivas de aproveitamento do solo, preexistentes e juridicamente consolidadas”, para os efeitos do disposto no art. 143º, nº 2, do RJIGT, ou seja, de justificar um sacrifício equivalente ao de uma expropriação e a justificar o equivalente direito de indemnização constitucionalmente garantido.
Na verdade sobre esta questão, ponderou-se, no despacho reclamado que, quanto às possibilidades objectivas consubstanciadas em direitos de uso juridicamente consolidados “(…) Conforme se firmou no acórdão de 25 de Setembro de 2012, a autora não era titular à data da publicação do Plano de 2004 de nenhum licenciamento prévio válido, nem de qualquer direito adquirido de urbanização ou edificação. E também o Plano de 1994 «se manteve em vigor para além do período de vigência reportado aos cinco anos previstos no artigo 143.º, n.º 3, como elemento da fattis species da norma conferidora de direito de indemnização”.(…)”.
E, mais adiante, pode ler-se:
“Na verdade, a autora defendeu, defende, que dispunha de direitos adquiridos de urbanização.
“Todavia, o acórdão de 25 de Setembro de 2012 fixou que:
«A Autora reconhece, pois, que não dispõe de títulos capazes de integrar o regime transitório e de salvaguarda do artigo 43.º do Regulamento» (final do ponto 2.2.5);
«Não se detecta, pois, a existência de qualquer direito adquirido de urbanização» (final do ponto 2.2.6.F).
“Em conformidade, na análise que procedeu em seguida, esse acórdão teve «em atenção que não foram detectados esses alegados direitos adquiridos. E, por isso, os vícios que deles eram essencialmente dependentes, não podem, evidentemente, ser reconhecidos» (2.2.7).
“2.2.5. É pertinente sublinhar que o acórdão procedeu à apreciação das diversas fontes de onde provinham os alegados direitos ou faculdades consolidadas de aproveitamento urbanístico.
Mas de nenhuma retirou o acórdão esse reconhecimento, fixação ou consolidação.”
E conclui-se, mais adiante que “(…) como se reiterou, não fica demonstrado nos autos que a Autora seja titular de qualquer licença ou autorização, conforme exigido legalmente.
E se fosse titular não era lesada por qualquer omissão pois que não havendo nesse caso sujeição às normas do Regulamento, em virtude do seu artigo 43.º, a situação estava excluída» (do ponto 2.2.8.2.B).
Recorde-se que o Acórdão, assumindo os termos do despacho, sublinhou “ainda, por exaustão, que a possibilidade de se retirar de planos possibilidades objectivas de aproveitamento de solos, que é admitida por alguns autores, em certas circunstâncias, não se colocava, não se coloca, no caso concreto”, referiu a propósito, FERNANDA PAULA OLIVEIRA, que citou: “torna-se (…) em regra, ser necessário, para que tal suceda, que o plano em causa corresponda a um instrumento que delimite, com rigor, os tipos, intensidades e parâmetros de ocupação dos solos, isto é, que seja um plano de pormenor (cfr. Fernando Alves Correia, O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, cit., p. 377, que utiliza o plano de pormenor quando exemplifica a concessão pelo plano do direito de edificar).
Foi aliás neste sentido que o RJUE veio introduzir, no que à realização de operações urbanísticas diz respeito, ao lado do procedimento de licenciamento, primeiro o procedimento de autorização e depois o de comunicação prévia a desencadear quando a área para a qual o interessado pretende concretizar uma operação urbanística é abrangida por plano de pormenor com um conteúdo preciso e o qual, por esse facto, define com rigor as condições de concretização das operações urbanísticas que apenas podem ser rejeitadas se as não cumprirem. Tendo em consideração a diferente natureza jurídica das licenças e das autorizações (isto não obstante as alterações que a este ato foram introduzidas em 2001) e atualmente das licenças das comunicações prévias (as quais, não obstante, se apresentam como verdadeiros atos autorizativos), o legislador parece ter querido indiciar, precisamente, que estando a área abrangida por um plano de pormenor com um conteúdo preciso, dele decorre o direito à concretização da pretensão urbanística (desde que, contudo, a mesma cumpra os condicionalismos precisos dele constantes, o que deverá ser aferido no âmbito dos procedimentos de controlo preventivo destinados à sua concretização). Acresce o facto de se reconhecer agora aos planos de pormenor, em determinadas circunstâncias, efeitos idênticos aos das operações de loteamento, o que os equipara, do ponto de vista jurídico, a estas enquanto atos constitutivos de direitos, embora aqueles efeitos não decorram diretamente da aprovação do plano e correspondente entrada em vigor, mas de atos voluntários dos respetivos proprietários para a efetivação de registo (cfr. artigo 92.5-A do RJIGT)”.
E terminou a concluir, no que se acompanha:
(…)o caso da autora não é integrável em nenhum dos exemplos apresentados nas obras em referência exigindo a indemnização que poderia resultar do artigo 18.º, e que não resultaria do artigo 143.º, que, por essa via, seria inconstitucional.
Em especial, não havia qualquer plano de pormenor, nem havia qualquer caracterização das áreas como urbanas ou urbanizáveis. O que tudo reforça, pois, o que ficou assente no acórdão e não foi controvertido. A autora não pode arvorar, pois, qualquer direito de uso de solo preexistente e juridicamente consolidado”.
Quanto ao argumento de POPNSC de 2004 não conter qualquer instrumento de perequação que permita compensar a Autora pelos prejuízos sofridos, ficou ponderado no Acórdão recorrido que “(…) naturalmente que a falta de previsão de mecanismos equitativos de perequação compensatória determina que haverá lugar a indemnização, se a ela houver lugar. Mas a ordem das palavras não nos deve confundir. Na verdade, a lei de bases prevê que aí onde os instrumentos de gestão territorial vinculativos dos particulares determinem restrições significativas de efeitos equivalentes a expropriação, a direitos de uso do solo preexistentes e juridicamente consolidados que não possam ser compensados através de mecanismos equitativos de compensação perequativa existe o dever de indemnizar (artigo 18.º, n.º 1 e n.º 2). Primeiro que tudo, portanto, para se equacionar o dever de indemnizar é necessário que se verifiquem restrições significativas de efeitos equivalentes a expropriação, a direitos de uso do solo preexistentes e juridicamente consolidados. Só depois é que interessa saber se houve previsão de mecanismos de perequação, na falta dos quais há o dever de indemnizar. Ora, foi precisamente aquela primeira previsão que se observou não estar preenchida.
Quanto à expropriação de plano e ao direito a uma indemnização analisada à luz exclusivamente do artigo 18.º da lei de bases, e à não vinculação situacional.”
Por tudo o que vai exposto, não podem deixar de improceder as alegações da Recorrente.

2-1.6.2 Quanto à alegada inconstitucionalidade orgânica e material do art. 143º, nº 3, do RJIGT

Em primeiro lugar, quanto à alegada inconstitucionalidade orgânica, a mesma já foi de alguma forma abordada no ponto 2-1.5.
Como vimos, para a Recorrente, pese embora o Decreto-Lei nº 380/99, de 22 de Setembro, ter sido emanado como um diploma de desenvolvimento da Lei nº 48/98, de 11 de Agosto, por sua vez emitida ao abrigo da alínea z) nº1 do art. 165º da CRP, tornava-se necessária uma lei de autorização legislativa, uma vez que, na sua óptica, o referido art. 143º contende com outras matérias sujeitas igualmente a reserva de lei da AR.
“Isto é, uma base geral - constante da citada Lei de Bases (Lei nº 48/98), emanada ao abrigo do artigo 165º, nº 1, alínea z) - não pode substituir uma autorização legislativa que, além de constar de uma lei autónoma, deve definir o objecto, a extensão, a duração e o sentido do Decreto-Lei autorizado.”
Em anotação ao referido preceito constitucional, alínea z) do art. 165º da CRP (“bases do ordenamento do território e do urbanismo”), GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA ponderam “Trata-se de instrumentos legislativos destinados a dar concretização a vários princípios constitucionais (…) e referentes especificamente ao ordenamento do território e princípios referentes a políticas públicas que têm também como referência este ordenamento (…), bem como princípios estruturantes do próprio sistema político (princípio da sustentabilidade e solidariedade intergeracional, princípio da economia de recursos, princípio da coordenação, princípio da subsidariedade, princípio da participação, princípio da responsabilidade)” (cfr. Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª ed., vol. II, Coimbra Editora, 2006, p. 335).
A CRP ao reservar para a AR a definição e o estabelecimento das bases da política do ordenamento do território e do urbanismo pretendeu que fosse esta a fixar as opções político-legislativas fundamentais, uma vez que, ao contrário da lei de autorização, que se limita a autorizar o governo a intervir numa dada matéria, a lei de bases altera ela mesma a ordem jurídica, ficando para o governo a definição concreta dos regimes jurídicos (cfr. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, Coimbra, 1998, pp. 660 a 669).
As bases gerais do ordenamento do território e do urbanismo, constantes da Lei nº 48/98, visam, pois, fixar as opções fundamentais nesta matéria, onde se insere o art. 18º, onde a AR fixou, no seu nº 2, que “Existe dever de indemnizar sempre que os instrumentos de gestão territorial vinculativos dos particulares determinem restrições significativas de efeitos equivalentes e juridicamente consolidados que não possam ser compensados nos termos do nº anterior”.
Por sua vez, no seu nº 3 estabelece que “A lei define o prazo e as condições de exercício do direito de indemnização previsto no nº anterior.”
E foi no seguimento destes preceitos que o Governo veio, através do art. 143º, nº 1, do RJIGT, dar concretização (desenvolvendo) à lei de bases.
Gozando a AR de competência legislativa por excelência, não vemos como possa suscitar-se problemas de inconstitucionalidade orgânica, uma vez que apenas está constitucionalmente limitada e impedida de intervir em matéria da exclusiva competência do Governo (art.198º, nº 2, da CRP). Só se estivesse em causa matéria legislativa concorrente, área em que o Governo e AR dispõem de competência legislativa em pé de igualdade, é que alguns autores defendem poder ocorrer eventual ilegalidade nos casos em que a AR por sistema elabore leis de base limitando os poderes legislativos do Governo, dada a subordinação dos decretos-leis de desenvolvimento à respectiva lei de bases.
No caso dos autos, não se vislumbra qualquer inconstitucionalidade orgânica, porquanto ficou consignado, no Acórdão recorrido, que, “Se o artigo 143º, nº 3, se mantiver nos limites do diploma que desenvolve ele não é inovador, nem restritivo. E se se mantiver nesses limites é indiferente que a lei de bases tenha sido produzida com invocação apenas da alínea z) do nº1 do artigo 165º da CRP.
“Na verdade, então, a questão seria apenas de a lei, a lei de bases, contemplar outros aspectos para além dos directamente prevenidos naquela alínea. Mas enquanto contempla outros aspectos, essa lei, pois que editada pelo órgão que o pode fazer, vai cobrir aquilo que no diploma de desenvolvimento nela se contenha.”
De seguida o Acórdão recorrido procedeu à análise do art. 143º, nº 3, no confronto da lei de bases para concluir verificar-se o perfeito encaixe do preceito na lei de bases.
É o que se verificará melhor, de seguida, da análise da alegada inconstitucionalidade material.
Vejamos.
Segundo a Recorrente, o art. 143º, nº 3, do RJIGT, deve ter-se ainda por materialmente inconstitucional se interpretado no sentido de o direito de indemnização nele previsto estar dependente da verificação cumulativa dos requisitos nele previstos: i) modificação do plano dentro de um lapso temporal; e ii) caducidade ou modificação de uma licença prévia válida.
Para a Recorrente, o mencionado preceito é também inconstitucional, na interpretação em que determina sempre a cessação do direito à indemnização, no final do prazo de cinco anos, mesmo naqueles casos em que durante este prazo o particular não pôde concretizar os seus direitos por razões imputáveis à Administração, uma vez que viola (i) o princípio constitucional da protecção da confiança, (ii) a garantia constitucional da propriedade privada e (iii) o próprio princípio da igualdade, uma vez que trata de forma rigorosamente idêntica, situações substantivamente distintas.
O art. 143º, nº 3, do RJIGT, ao ser interpretado no sentido de consagrar o direito à indemnização apenas nos casos em que o particular dispõe de “um licenciamento prévio válido”, estaria a excluir o pagamento de indemnização nos casos de caducidade de diversas posições jurídicas dos particulares, consolidadas por títulos jurídico-públicos, como, por exemplo: as autorizações urbanísticas, as informações prévias favoráveis e os actos de aprovação de projectos de arquitectura e inúmeras outras situações em que apesar de não haver ainda uma licença passada, a Administração reconheceu ao proprietário, em termos inequívocos, certos direitos ao uso edificativo do solo.
A seguir-se este entendimento, que parece resultar de uma interpretação estritamente literal do preceito, associado à verificação cumulativa dos requisitos nele constantes, poderia eventualmente suscitar-se dúvidas quanto à sua inconstitucionalidade.
Cumpre, em primeiro lugar, salientar que, no Acórdão deste STA nº 0466/13, de 5/11/2013, ficou consignado que são cumulativos os requisitos para a existência do direito de indemnização estabelecidos no nº 3 do art. 143º do RJIGT.
Acontece que, no caso dos autos, o Acórdão recorrido não tomou qualquer posição sobre a interpretação a dar ao preceito. A fundamentação que seguiu foi a de que mesmo aplicando-se uma tese mais ampla, defendida por alguma doutrina, a situação da Recorrente não encontrava guarida.
Para esse efeito, o Acórdão recorrido, na senda do despacho reclamado, chamou à colação a doutrina perfilhada por FERNANDA PAULA OLIVEIRA (Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, Almedina, 2012), que advoga precisamente que, a par de uma interpretação restritiva, é possível sustentar uma interpretação ampla e constitucionalmente mais adequada para o referido preceito, que passa quer pela não exigência da verificação cumulativa dos requisitos do art. 143º, nº 3, do RJIGT, quer por uma interpretação ampla do conceito de licença prévia.
Neste sentido, recordemos as palavras da Autora, reproduzidas no despacho reclamado: “6. Determina o n.º 3 do artigo 143.º do RJIGT - indemnização não apenas por revisão, mas também por alteração ou suspensão dos instrumentos de gestão territorial diretamente vinculativos dos particulares - haver lugar a indemnização sempre que a revisão (alteração ou suspensão) ocorrer dentro do período de cinco anos após a sua entrada em vigor (ou última revisão, alteração ou suspensão), determinando a caducidade ou a alteração das condições de um licenciamento prévio válido.
“Trata-se de um dispositivo cuja interpretação tem suscitado sérias dúvidas a ponto de se defender mesmo a sua inconstitucionalidade - essa é a conclusão a que terá de se chegar se concluirmos que os dois requisitos para a indemnização (modificação do plano dentro de um lapso temporal e caducidade ou modificação de uma licença prévia válida) são cumulativos (neste sentido vide Fernando Alves Correia, “Planos Municipais de Ordenamento do Território, Perequação de Benefícios e Encargos e Indemnização”, cit., p. 86-87).
“Pensamos, no entanto, ser possível fazer-se uma leitura diferente deste normativo: no sentido do que os dois requisitos referidos não são cumulativos mas disjuntivos (neste sentido vide o nosso “Reflexão sobre Algumas Questões Práticas no Âmbito do Direito do Urbanismo”, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Volume Comemorativo do 75º Tomo, Coimbra, Coimbra Editora, 2003, p. 969).
“Se partirmos deste pressuposto poderemos concluir que haverá lugar a indemnização sempre que, em primeiro lugar, a revisão, alteração ou suspensão de um plano ocorra dentro do período de cinco anos a contar da sua entrada em vigor (ou última revisão, alteração ou suspensão), independentemente de o particular ser titular de qualquer licença (1ª parte do nº 3 do artigo 143.º do RJTGT). Nesta situação o que se visa proteger é confiança legítima que os administrados depositaram na manutenção dos efeitos do plano, tendo o legislador português, atendendo aos princípios da flexibilidade e da adaptabilidade dos planos, fixado nos 5 anos o prazo dentro do qual aquela confiança merece proteção.
“A segunda situação de indemnização verificar-se-á sempre que a revisão (alteração ou suspensão), independentemente do momento em que ocorre (antes ou depois do decurso dos referidos cinco anos) determine a caducidade ou a alteração das condições de um licenciamento prévio válido (parte final do n.º 3 do artigo 143. º do RJIGT). Esta parece-nos ser, não obstante a falta de clareza do elemento literal, a única leitura possível se fizermos apelo aos elementos lógico e teleológico da interpretação.
“Uma precisão é necessário fazer a este propósito: a necessidade de se proceder a uma interpretação extensiva ao termo licença de forma a abranger qualquer ato constitutivo de direitos, logo, também, apenas a título de exemplo, autorizações, informações prévias ainda eficazes e, mesmo, a aprovação de projetos de arquitetura.» (págs. 488/9).”
Ora, no caso dos autos, conforme já se afirmou, no Acórdão de 25 de Setembro de 2102, a autora não era titular à data de nenhum licenciamento prévio válido, nem de qualquer direito adquirido de urbanização ou edificação. Para além de que também «o Plano de 1994 se manteve em vigor para além do período de vigência reportado aos cinco anos previstos no artigo 143º, nº 3, como elemento da fattis species da norma conferidora de direito de indemnização.
Assim sendo, mesmo pela interpretação mais ampla do preceito a autora não satisfazia os requisitos do art. 143º, nº3, do RJIGT, pelo que fica afastada a crítica formulada pela autora na base da exigência cumulativa dos requisitos.
Ponderou-se ainda no Acórdão que o próprio Regulamento do POPNSC seguiu a interpretação ampla, uma vez que o art. 43.º, com a epígrafe, «Regime transitório», estabelece o seguinte:
«1 – (…).
4 – Mantêm-se sujeitos às regras que lhe eram aplicáveis à data da entrada em vigor do presente Plano:
a) As parcelas de terreno objecto de licenças ou alvarás de loteamento válidos e eficazes;
b) Os empreendimentos turísticos que disponham de estudo de localização, informação prévia, anteprojecto ou projecto válido e eficaz;
c) Os empreendimentos turísticos que tenham sido objecto de aprovação ou de parecer favorável das entidades competentes do sector do turismo e que sejam consideradas estruturantes, designadamente em virtude da sua qualidade de exploração turística e do seu impacte positivo no desenvolvimento económico da região de implantação e na protecção da sustentabilidade dos respectivos valores naturais, paisagísticos e culturais, pelo ministro do turismo e pela câmara municipal competente.
5 – (…).
7 – (…).»
Afigura-se evidenciado que quando o Plano de 1994 foi alterado pelo Plano de 2004 não houve qualquer restrição significativa de direito de uso de solo preexistente e juridicamente consolidado, no quadro, mesmo, de uma interpretação mais ampla do art. 143º, nº3, do RJIGT, porquanto a autora não dispõe de títulos capazes de integrar o regime transitório e de salvaguarda do art. 43º do Regulamento.
Como ficou consignado no Acórdão recorrido, “(…) o despacho, como se viu, não entendeu o preceito como estabelecendo requisitos cumulativos, nem que se exigisse licença em sentido estrito. A interpretação que o despacho adoptou foi outra, como se salientou. Por isso que em 2.2.4 se referiu: «Interpretando a norma como não exigindo cumulação dos requisitos, essa crítica desaparece.
Também se elimina o que poderia ser assacado por eventual entendimento da caducidade ou alterações limitados a licenciamentos prévios em sentido estrito». Esta última parte exactamente porque se entendeu interpretar «o termo licença de forma a abranger qualquer ato constitutivo de direitos, logo, também, apenas a título de exemplo, autorizações, informações prévias ainda eficazes e, mesmo, a aprovação de projetos de arquitetura». E todo esse tipo de interpretação foi seguido ao longo do despacho.
Finalmente, quanto ao requisito temporal, também o Acórdão recorrido intentou demonstrar que não estava em causa a cessação do direito à indemnização, no final do prazo de cinco anos naqueles casos em que durante este prazo o particular não pôde concretizar os seus direitos por razões imputáveis à Administração.
A este propósito pode ler-se no Acórdão recorrido,”2.2.11: «Assim, não houve qualquer desprotecção de confiança assente num alegado desrespeito do período de cinco anos durante o qual os interessados podem crer na estabilidade dos planos».
Apesar disso continuou, e concluiu em 2.2.12.:
«Portanto, o problema dos cinco anos não é real.
A autora teve muito, muito mais do que o período de protecção da confiança legítima que o diploma de 99 veio fixar em cinco anos.
É todo o tempo que vem, na própria perspectiva da autora, desde 1922.
Desde 1922 que a autora teve possibilidade de levar a cabo edificação ao abrigo de cada regime que ia estando em vigor. Mas nenhum levou a cabo. Tudo o que apresentou não foi levado a bom porto. E mesmo perante o Plano de 1994 também não obteve, podendo tê-lo feito durante mais de cinco anos, qualquer título capaz de lhe permitir levar a cabo acções no respectivo quadro regulamentar, logo que fosse ultrapassada a proibição decorrente do regime do DL 327/90».
E ainda prosseguiu em 2.2.13, concluindo:
«Assim, o tempo que haveria de considerar, numa perspectiva real, seria todo o tempo de que a autora desfrutou antes desse Plano de 1994, ainda antes do incêndio; e esse tempo, como se viu, foi muito superior ao período de cinco anos de protecção da confiança.
A autora teve muito, muito mais do que o período de protecção da confiança legítima que o diploma de 99 veio fixar em cinco anos”.
Por tudo o que vai exposto, verifica-se que, no quadro da situação apurada e discutida nos autos, não há qualquer relevo quanto à alegada inconstitucionalidade, devendo manter-se o Acórdão recorrido.
E, em tudo o mais, que vem discutido, acompanha-se o Acórdão nos seus precisos termos.
Improcedem, pois, as alegações da Recorrente.

III- DECISÃO

Termos em que os Juízes do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo acordam em negar provimento ao recurso, mantendo-se o Acórdão recorrido.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 15 de Outubro de 2014. - Maria Fernanda dos Santos Maçãs (Relatora)
Alberto Augusto Andrade de Oliveira - Vítor Manuel Gonçalves Gomes - Alberto Acácio de Sá Costa Reis - António Bento São Pedro - Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa - José Francisco Fonseca da Paz - Maria Benedita Malaquias Pires Urbano - Jorge Artur Madeira dos Santos (Vencido nos termos de declaração que junto) - Carlos Luís Medeiros Carvalho (Vencido quanto ao juízo feito sob os pontos 2.1.2) com consequências quanto ao juízo nos pontos 2.1.3) e 2.1.4). Com efeito, acompanhando o sentido decisório não o faço quanto à fundamentação porquanto se nos afigura que no caso ocorreu nulidade processual dada a infração ao disposto conjugadamente nos arts. 5º, nº 1 e 87º do CPTA já que o regime decorreu deste quadro normativo não “autoriza” uma “adaptação”/“transformação” da forma do processo no decurso dos termos duma ação administrativa com cumulação de pedidos correspondentes a diferentes formas de processo em função daquilo que haja sido o entretanto decidido quanto a parte do objeto pretensivo. Não se me afigura adequado que uma ação administrativa que correu termos e foi parcialmente decidida enquanto ação administrativa especial por força do preceituado no art.05º nº1 do CPTA passe a seguir os seus ulteriores termos como ação administrativa comum com aplicação das regras do CPC (art. 42º do CPTA) pelo simples facto do pedido/pretensão restante e sobre o qual se impunha emitir pronúncia caber na forma de processo da ação administrativa comum. Nessa medida, não colhendo acerto tal entendimento não acompanho este segmento dos fundamentos do posicionamento que fez vencimento, pelo que manteria a decisão tão só por efeito, no caso concreto, da inoperância dos efeitos da nulidade adveniente do erro na forma de processo dada a falta da influência no exame e decisão da causa visto que, pelos termos nela assegurados, não se mostram alegados e demonstrados quaisquer prejuízos na esfera jurídica da recorrente, mormente, nos e para os seus direitos processuais e substantivos.
Face ao considerado acompanho a decisão quanto ao ponto 2.1.3) ressalvada a referência ou o apelo à tramitação da ação administrativa comum de harmonia com o referido.
Por outro lado, na sequência do entendimento expresso temos que, nesse quadro, também no caso não haveria lugar à realização daquela diligência de audiência preliminar (2.1.4)) pelo que de igual modo inexistiria qualquer preterição de direitos processuais conducentes à nulidade.) - José Augusto Araújo Veloso (Vencido, nos termos da declaração junta pelo Exmo Consº Madeira dos Santos, que acompanho com excepção do último parágrafo).
VOTO DE VENCIDO

Creio que o acórdão recorrido claudicou ao não reconhecer que o despacho reclamado violara a lei adjectiva.
Essa violação não estava no facto de ele anomalamente constituir um segundo saneador (e uma segunda sentença) no processo, dada a óbvia necessidade de se decidir o que não se resolvera antes.
Mas estava no pormenor de ele ter alterado a vigente forma do processo, quando o direito processual exige que o processo iniciado sob certa forma, que não esteja errada, deva segui-la até final.
E, contra isto, seria vão invocar o princípio da adequação formal (art. 265º-A do anterior CPC), visto que as «adaptações» feitas pelo despacho reclamado não eram «necessárias».
Tal anomalia, porque introduzida pelo próprio teor do despacho reclamado, não constitui uma nulidade processual, como a recorrente vem dizendo e a posição vencedora aceita - mas um genuíno erro decisório ou de julgamento. Contudo, o aresto recorrido devia ter ignorado a errada qualificação da reclamante e, reenquadrando juridicamente a censura, revogar o despacho reclamado para que os autos prosseguissem segundo a forma processual correcta - cuja falta não é suprível pela reclamação para a conferência. E, como o acórdão «sub specie» o não fez, deveria tê-lo feito este Pleno - dando-se, por essa via, provimento ao recurso.
Discordo, pois, no aludido ponto, da decisão que fez vencimento. E, quanto ao mérito, também não acompanho o seu discurso fundamentador nos domínios em que ele se aparta do acórdão deste STA de 5/11/2013, proferido no recurso n.º 466/13 e por mim relatado.

Jorge Artur Madeira dos Santos.