Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0739/09
Data do Acordão:12/09/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURANÇA SOCIAL
SUBSÍDIO DE DESLOCAÇÃO
PRÉMIO DE PERMANENCIA
PRÉMIO PAGO PELA ENTIDADE PATRONAL
Sumário:I - Nos termos do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 300/89, de 4 de Setembro e da alínea d) do artigo 2.º do Decreto Regulamentar n.º 12/83, de 12 de Fevereiro, integram a base de incidência objectiva de contribuições para a Segurança Social as importâncias efectivamente pagas a jogadores profissionais e treinadores de futebol a título de "prémios de classificação, de permanência e de jogo", previstos nos respectivos contratos como podendo ser pagos, se e quando forem efectivamente pagos;
II - As cláusulas contratuais nos termos das quais os prémios como retribuição extraordinária, não fazem parte da remuneração não são oponíveis à segurança social, pois que se encontram em violação das normas de incidência objectiva que estabelecem a base de incidência contributiva das contribuições para a segurança social, não estando essa base de incidência na disponibilidade das partes;
III - O mesmo não sucede, porém, em relação às importâncias pagas mensalmente a alguns jogadores a título de "subsídio de deslocação", referentes às suas deslocações da residência para o Clube e deste para a residência, pois que tais importâncias parecem assumir carácter compensatório por despesas efectuadas com transporte ou "ajudas de custo", pelo que sobre elas não recairiam contribuições para a segurança social (ex vi das alíneas a) e b) do artigo 3.º do Decreto Regulamentar n.º 12/83, de 12 de Fevereiro), a não ser que a entidade liquidadora demonstrasse, o que não fez, que não obstante a designação e o facto de se referirem a deslocações de e para o clube, tinham carácter retributivo ou remuneratório.
Nº Convencional:JSTA00066171
Nº do Documento:SA2200912090739
Data de Entrada:07/10/2009
Recorrente:A...
Recorrido 1:INST DA SEGURANÇA SOCIAL, IP
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF BRAGA DE 2008/05/09 PER SALTUM.
Decisão:PROVIMENTO PARCIAL.
Área Temática 1:DIR FISC - CONTRIBUIÇÕES SEG SOC.
Legislação Nacional:DL 300/89 DE 1989/09/04 ART3 N1 N2.
L 28/98 DE 1998/06/26 ART14.
DRGU 12/83 DE 1983/12/12 ART2 D ART3 A B.
DL 49408 DE 1969/11/24 ART88 N1.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A…, com os sinais dos autos, interpôs recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 9 de Maio de 2008, que julgou improcedente a impugnação por si deduzida contra liquidações oficiosas de contribuições para a segurança social dos anos de 2000, 2001, 2002 e 2003 (até Março), no valor de € 216.598,90 €, apresentando as seguintes conclusões:
1ª No entendimento da Agravante o enquadramento fiscal da Segurança Social expresso na sentença em crise, padecem, ambos, de erro quanto aos pressupostos de direito, que se reflectiram no enquadramento fiscal dado às quantias em questão, porquanto, consideraram que tais prestações são passíveis de serem qualificadas como retribuição e, por isso, estarem sujeitas a tributação em sede de contribuições para a Segurança Social.
2ª Primeiro, porque não se podem qualificar tais verbas como retribuição, pois, como se exporá infra, tais verbas pagas a título de prémios de jogo e subsídio de deslocação não são passíveis de ser qualificadas/integradas no conceito de retribuição constante do Regime Jurídico do Contrato de Trabalho Desportivo, Convenção Colectiva de Trabalho (CCT), celebrada entre a Liga Portuguesa de Futebol e o Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol e do Código do Trabalho.
3ª Tais verbas constituem uma remuneração extraordinária e não retribuição.
4ª Não se enquadrando na norma do artigo 261º do Código do Trabalho, que define o que não é retribuição, a qualificação das mesmas terá de ser feita à luz dos princípios gerais constantes do artigo 249.º e esses prescrevem que só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.
5ª De igual modo, para se poder qualificar tais prestações como retribuição tem de estar presentes, nos casos em concreto, os elementos definidores do que se entende por retribuição.
6ª Os contratos em causa não consagram como retribuição os prémios de jogo que, eventualmente, possam vir a ser pagos, nem tão pouco consagra a obrigatoriedade de os mesmos virem a ser pagos.
7ª Por sua vez, a CCT dispõe expressamente que “Quando a retribuição compreenda a atribuição aos jogadores de prémios de jogos ou de classificação, em função dos resultados obtidos, consideram-se essas prestações vencidas salvo acordo escrito em contrário, com a remuneração do mês seguinte àquele em que esses resultados se verificarem”. Ora,
8ª Só nos casos em que expressamente se consagre que a retribuição compreende prémios de jogo é que se poderá falar de prémios de jogo enquanto retribuição e, consequentemente, se poderá fazer incidir sobre tais verbas as contribuições para a Segurança Social.
9ª Acresce, igualmente, que, não sendo consagradas expressamente como retribuição, como é o caso, para que estas retribuições extraordinárias possam ser consideradas retribuição seria necessário, para além de outros requisitos, que as mesmas preenchessem os requisitos da regularidade e periodicidade, constantes do n.º 2 do artigo 249.º do Código do Trabalho, o que manifestamente não é o caso.
10ª Prémios de Classificação e Permanência:
11ª Desde logo, porque, por um lado, estamos a falar de prémios de classificação e permanência, que, a serem pagos, só o serão no final da época desportiva, porque só nessa altura é que se consegue determinar qual a classificação final da equipe de futebol.
12ª Portanto, fica afastada, à partida, a regularidade e periodicidade (no que diz respeito à obrigatoriedade, veremos infra) exigidas para que se possa falar em retribuição.
13ª Dado que, a serem pagos, constituirão uma prestação extraordinária, a ser paga uma única vez.
Prémios de Jogo:
14ª Por outro lado, e no que respeita aos prémios de jogo, estes só serão pagos, caso a equipe de futebol ganhe os jogos em que seja interveniente.
15ª E não há nada de mais aleatório e arbitrário que uma competição desportiva, na qual se insere, obviamente, um jogo de futebol.
16ª Dado que, não se pode determinar com nenhuma certeza qual o resultado final de um jogo e qual a classificação final de uma equipe de futebol.
17ª E uma vez que a atribuição daquelas prestações estão, para além da consagração da sua obrigatoriedade, dependentes do resultado final,
18ª É manifesto que não poderemos falar de retribuições regulares e periódicas.
19ª No que diz respeito à regularidade, e uma vez mais evocamos, aqui, o facto de que uma equipe pode ganhar vários jogos seguidos, como os pode perder, ou, até, pode ganhar e perder alternadamente.
20ª O legislador ao consagrar tal expressão teve em vista uma remuneração não arbitrária, mas que, ao invés, seguisse uma regra permanente, constante,
21ª O que só aconteceria caso a equipe, no caso dos prémios de jogo, ganhasse todos os jogos.
22ª Por outro lado, o carácter periódico implica que a retribuição se reporte a períodos certos no tempo, o que, uma vez mais, só aconteceria caso a equipe ganhasse todos os jogos, porque só assim a retribuição, para além de regular, ou seja, certa, poderia ser periódica.
23ª Porém, mesmo nesta situação, o prémio poderia não ser regular, porque o jogador teria de ser convocado para o poder receber.
24ª Importa, igualmente, atentar-se no facto de a relação de trabalho emergente um contrato de trabalho desportivo consubstancia uma natureza bem diferente de uma relação normal de trabalho, como por exemplo, a relação de trabalho de um empregado fabril.
25ª Não estamos na presença de um trabalhador cujo rendimento e produtividade se afere pelo número de peças produzidas e o tempo em que as mesmas o foram.
26ª Para além do que, os prémios são atribuídos em função do desempenho da equipe de futebol e não em função do rendimento particular de cada jogador,
27ª Não precisando sequer que o jogador jogue, ou sequer jogue bem, bastando que tenha feito parte da convocatória para os jogos.
28ª Por isso é entendimento da Agravante que, tais prestações, não poderão, outrossim, ser enquadráveis na categoria de prémios de produtividade, rendimento ou assiduidade, previstos na alínea d), do artigo 2º do Decreto-Regulamentar 13/82, de 12/2,
29ª Dado que, atento o carácter aleatório dos jogos de futebol, os resultados não são aferidos em função do rendimento dos jogadores e treinadores,
30ª Segundo, e reportando-nos, agora, ao elemento/requisito da obrigatoriedade, porque os normativos ínsitos nos nºs 1 e 2 do referido artigo 3º do Dec. Lei 300/89, de 4/9, consagram, claramente, que apenas é considerado remuneração para efeitos de incidência das contribuições para a Segurança Social aquelas que são recebidas de harmonia com o estabelecido nos contratos que os vinculam aos entidades empregadoras,
31ª E nos contratos dos jogadores e dos treinadores está consagrada uma cláusula que dispõe que “o clube poderá ainda pagar ao Jogador prémios de jogo ou de classificação, em função dos objectivos, os quais como retribuição extraordinária, não fazem parte da remuneração”.
32ª É o próprio contrato que exclui expressamente tais prestações da retribuição.
33ª Pois, se as partes quisessem que as mesmas fizessem parte da remuneração teriam disposto nesse sentido, consagrando expressamente qual o montante e a periodicidade com que seriam pagas.
34ª O que significa que não existe nenhuma obrigação de pagamento de qualquer quantia a título de prémios por parte da entidade empregadora,
35ª Pois o pagamento de tais quantias está dependente, por um lado, da decisão da entidade empregadora e, por outro, da verificação das circunstâncias que possam levar ao pagamento daquelas, ou seja,
36º Não se encontra previsto no contrato que a entidade empregadora tenha de pagar tais prémios e muito menos que os mesmos façam parte da retribuição.
37ª Não existe uma prévia vinculação da entidade empregadora ao pagamento de tais quantias, assim como, estas não se encontram antecipadamente garantidas aos jogadores e treinadores,
38ª Encontrando-se, desde logo, excluído um dos elementos constitutivos da retribuição que é a obrigatoriedade.
39ª Aliás, o valor do prémio do jogo é por vezes alterado, no decurso da época desportiva.
40ª E como vimos supra, falta também o elemento da regularidade e da periodicidade.
41ª Acresce que, é o próprio nº 2 do artigo 3º supra aludido que dispõe que as remunerações a tomar em consideração incluem prémios de assinatura, o que não é o caso,
42ª Prémios atribuídos por força de regulamento interno, o que também não é o caso, dado que, apesar de ele existir actualmente, o mesmo não consagra qualquer disposição quanto a prémios,
43ª E, por fim, os que sejam atribuídos por força de contrato em vigor. Ora,
44ª Naqueles contratos, como vimos, não está consagrada nenhuma disposição que refira o pagamento de quaisquer prémios, está apenas consagrada a possibilidade de os mesmos poderem vir a ser pagos, dependentes da decisão da entidade empregadora.
45ª Reitera-se a falta de obrigatoriedade de pagamento dos mesmos.
46ª Como se referiu supra, é o próprio CCT que não consagra essa obrigatoriedade, dispondo apenas como deverão ser pagas caso sejam consideradas como retribuição.
Subsídio de Deslocação:
47ª No que concerne às prestações a título de Subsídio de Deslocação, pago pela Agravante a alguns dos jogadores, é entendimento desta que as mesmas não são passíveis de integrar o conceito de retribuição para efeitos de incidência de contribuições para a Segurança Social,
48º Constituindo, apenas e só, ajudas de custo.
Aliás, é o próprio artigo 3º, alínea b), do Decreto-Regulamentar 13/82, de 12/2, que exclui, expressamente, as ajudas de custo do conceito de retribuição.
49ª Pelo que, sobre aqueles não poderão incidir quaisquer contribuições para a Segurança Social.
50ª Incorreu, assim, o Tribunal “a quo”, em erro quanto aos pressupostos de direito no enquadramento fiscal expresso na sentença em crise, porquanto, qualificou como retribuição as quantias pagas pela Agravante a jogadores e treinadores,
51ª Quando, na verdade, tais quantias não são passíveis de serem enquadradas no conceito de retribuição.
52ª Pois, não se verificam os requisitos da obrigatoriedade, periodicidade e regularidade,
53ª Cuja verificação é condição “sine qua non” para que qualquer quantia possa ser qualificada como retribuição.
NESTES TERMOS e nos melhores de direito, que V.ª (s) Ex.ª (s) doutamente suprirão, julgando-se totalmente procedente o presente recurso e, consequentemente, declarando-se o erro quanto aos pressupostos de direito que enferma o enquadramento fiscal expresso pelo Tribunal “a quo” na sentença que antecede, pelas razões de facto e de direito acabadas de expor, e revogando-se a douta sentença recorrida, V.ª (s) Exª. (s) farão JUSTIÇA!!!
2 – Não foram apresentadas contra-alegações.
3 – O recorrente dirigiu o seu recurso ao Tribunal Central Administrativo Norte (fls. 145 dos autos), que veio, por Acórdão de 4 de Junho de 2009, a declarar-se incompetente em razão da hierarquia para dele conhecer, declarando competente para o efeito a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (cfr. Acórdão do TCA-Norte, a fls. 202 a 210 dos autos).
Na sequência desta decisão, veio o recorrente, ao abrigo do n.º 2 do artigo 18.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), requerer a remessa do processo a este Tribunal (cfr. requerimento a fls. 216 dos autos).
4 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal entendeu não haver lugar a nova pronúncia, pois que sobre o mérito do recurso pronunciou-se já, em segunda instância, o Ministério Público junto do T.C.A. Norte, no parecer de fls. 198 e segs., para que se remete.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação -
5 – Questão a decidir
É a de saber se as importâncias em causa – qualificadas como “prémios de jogos, de permanência, de classificação e de continuidade” e “subsídio de deslocação” – pagas pelo Clube a jogadores e treinadores, integram a base de incidência das contribuições para a segurança social.
6 – Matéria de facto
Na sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga objecto de recurso foram dados como provados os seguintes factos:
1. A solicitação da IGFSS a impugnante foi objecto de uma averiguação, à respectiva contabilidade relativamente aos anos de 2000 a Março de 2003, para apuramento relativo a verbas pagas aos Jogadores a título de prémios (nomeadamente Prémios de Jogos, de Permanência, de Classificação e de Continuidade) e de Subsídio de Deslocação, e apuramento relativamente à verba paga a Treinadores, a título de
2. Prémios de Jogo, relativa ao período de Janeiro de 2000 a Março de 2003.
3. Efectuada essa análise constatou-se que:
“… o Clube liquida aos seus jogadores verbas a título de “Prémios de jogo, de Permanência, de Classificação e de Continuidade” e “Subsídio de Deslocação” e que sobre estas verbas não incidiram contribuições para a Segurança Social.
Prémios de Jogo, de Permanência, de Classificação e de Continuidade
Estes prémios estão contabilizados na conta 648311 – Campeonato, do POC. São prémios pagos mensalmente, de acordo com os jogos efectuados. Têm como suporte documental os recibos de vencimento passados aos jogadores, e são pagos conforme o estipulado nos contratos.
No contrato dos jogadores, há uma cláusula, segundo a qual “o clube poderá ainda pagar ao jogador prémios de jogo ou classificação em função dos objectivos, os quais como retribuição extraordinária, não fazem parte da remuneração, nos termos do n.º 1 do art. 88.º do DL 49.408, de 24 de Novembro de 1969”.
A administração não esclareceu em função de quê eram fixados os valores dos prémios e informou que o Clube não possuía regulamento interno.
Subsídio de Deslocação
Esta verba está contabilizada na conta 64836 – Subsídio de Deslocação, do POC. É paga mensalmente a alguns jogadores, e refere-se às suas deslocações da residência para o Clube e deste para a residência. Quando esta verba não é acordada no contrato é negociada posteriormente. Tem como suporte documental os recibos de vencimento.
2. Treinadores (código 000 – taxa 34,75%)
Da análise efectuada à contabilidade, verificou-se que o Clube processa aos treinadores uma verba a título de “Prémios de Jogo”, contabilizada na conta 648311 – Campeonatos do POC. Estes prémios são pagos mensalmente, de acordo com os jogos efectuados. Têm como suporte documental os recibos de vencimento, e são pagos conforme o estipulado nos contratos.
No contrato dos treinadores, há uma cláusula, segundo a qual “o clube poderá ainda pagar prémios de jogo ou classificação, em função de objectivos, os quais como retribuição extraordinária, não fazem parte da remuneração, nos termos do n.º 1 do art. 88º do DL 49.408, de 24 de Novembro de 1969.
A administração não esclareceu em função de quê eram fixados os valores dos prémios e informou que o clube não possuía Regulamento Interno.
4. Em face de tal análise a SS concluiu que as verbas pagas aos Jogadores a título de Prémios (nomeadamente Prémios de Jogos, de Permanência, de Classificação e de Continuidade) e de Subsídio de Deslocação, contabilizadas nas contas 648311 – Campeonato e 64836 – Subsídio de Deslocação do POC respectivamente, constituíam base de incidência de contribuições nos termos do n.º 1 e 2 do artigo 3.º do DL n.º 300/89, de 4 de Setembro, tendo sido (as) elaboradas as Declarações de Remunerações (os valores constantes das Declarações de Remunerações correspondem a 1/5 do valor das remunerações efectivas, conforme o estipulado no art.º 4.º do DL 380/89, de 4 de Setembro, relativas ao período de Janeiro de 2000 a Março de 2003, tributadas à taxa de 28,5%, totalizando 53.045,42 € de contribuições. A verba paga aos treinadores a título de Prémios de Jogo, contabilizada na conta 648311 – Campeonato do POC, foi considerada base de incidência de contribuições nos termos da alínea d) do n.º 2 do Decreto Regulamentar n.º 12/83, de 12 de Fevereiro, tendo sido elaboradas as Declarações de Remunerações relativas ao período de Janeiro de 2000 a Março de 2003, tributadas à taxa de 34,75%, totalizando 153.553,48 € de contribuições.
5. A Administração do Clube, elaborou entretanto o Regulamento Interno, constatando-se que no seu articulado não existem referências ao pagamento de prémios de Jogo ou de outra natureza aos jogadores profissionais de futebol.
6. O Clube foi notificado pelos Ofícios n.º 103357 e 103358, de 28 de Julho de 2004, relativamente às contribuições apuradas aos Treinadores e aos Jogadores.
7. Por carta, com data de entrada de 1 de Outubro de 2004, com o n.º 112508, recebida a 8 de Outubro de 2004 e outra recebida, via fax, em 29 de Setembro de 2004, o contribuinte reclama do referido apuramento invocando o carácter excepcional e não regular dos prémios.
8. A SS manteve os apuramentos, Fls. – 54 e 55, tendo a impugnante sido notificada a 9/5/2005 conforme fls. 53.
7 – Apreciando
7.1 Da alegada não integração das importâncias pagas a jogadores e treinadores a título de “prémios de jogos, de permanência, de classificação e de continuidade” e “subsídio de deslocação” na base de incidência das contribuições para a segurança social.
A sentença recorrida, a fls. 107 a 113 dos autos, julgou improcedente a impugnação deduzida pela ora recorrente, por considerar que as prestações em causa, pela sua regularidade e periodicidade (quer anual quer mensal) são de considerar como prestações retributivas, a tal não obstando a forma como as cláusulas do contrato se encontram elaboradas pois que a execução dos contratos é clara no sentido da atribuição dos prémios em causa como direitos dos trabalhadores, como componente da respectiva retribuição (cfr. sentença recorrida, a fls. 113 dos autos).
Discorda do decidido a recorrente, alegando em síntese, que tais quantias não são passíveis de serem enquadradas no conceito de retribuição, pois, não se verificam os requisitos da obrigatoriedade, periodicidade e regularidade cuja verificação é condição “sine qua non” para que qualquer quantia possa ser qualificada como retribuição, pelo que imputa à sentença recorrida erro quanto aos pressupostos de direito do enquadramento fiscal expresso pelo Tribunal “a quo”, pois que tais importâncias teriam natureza de remuneração extraordinária (os prémios) e ajudas de custo (o “subsídio de deslocação) e não de retribuição.
Vejamos.
Como bem reconhece a sentença recorrida (a fls. 111 dos autos), é em face da lei vigente à data dos factos que a questão sub judice deve ser analisada, respeitando os factos a contribuições para a segurança social dos anos de 2000, 2001, 2002 e 2003 (até Março).
Assim, o quadro normativo de referência é o constante do Decreto-Lei n.º 300/89 de 4 de Setembro, que procede à reformulação do enquadramento dos profissionais de futebol perante a Segurança Social, adequando o esquema contributivo às circunstâncias específicas do futebol profissional (cfr. a exposição de motivos do diploma), bem como a Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, que estabelece um novo regime do contrato de trabalho do praticante desportivo, enquanto diplomas legais específicos da actividade, havendo que recorrer, em caso de necessidade, às normas gerais sobre a matéria vigentes à data dos factos (Lei do Contrato de Trabalho - LCT - e Decreto Regulamentar n.º 12/83, de 12 de Fevereiro).
O quadro normativo de referência não é, aliás, questão em relação à qual a recorrente manifeste divergência com o decidido. A divergência situa-se, sim, na aplicação deste quadro normativo às quantias classificadas como “prémios de classificação, de permanência e de jogo”, por um lado, e como “subsídio de deslocação”, por outro.
Comecemos, pois, pelo que aos prémios respeita.
A liquidação oficiosa das contribuições para a segurança social relativamente aos prémios pagos a jogadores fundamentou-se no disposto nos números 1 e 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 300/89, de 4 de Setembro (cfr. o n.º 4 do probatório), que dispõe:
Artigo 3.º
Remunerações a considerar
1 - As remunerações a considerar para a determinação da incidência das contribuições para a Segurança Social são as remunerações recebidas de harmonia com o estabelecido nos contratos que vinculam os jogadores às respectivas entidades empregadoras.
2 - As remunerações a tomar em consideração, nos termos do número anterior, incluem os prémios de assinatura de contrato, que devem ser parcelados por cada um dos meses da sua duração, bem como os prémios atribuídos por força do regulamento interno do clube ou de contrato em vigor.
Por sua vez, o artigo 14.º da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, dispõe:
Artigo 14.º
Retribuição
1 – Compreendem-se na retribuição todas as prestações patrimoniais que, nos termos das regras aplicáveis ao contrato de trabalho, a entidade empregadora realize a favor do praticante desportivo profissional pelo exercício da sua actividade ou com fundamento nos resultados nela obtidos.
2 – É válida a cláusula constante de contrato de trabalho desportivo que determine o aumento ou a diminuição da retribuição em caso de subida ou descida de escalão competitivo em que esteja integrada a entidade empregadora desportiva.
3 – Quando a retribuição compreenda uma parte correspondente aos resultados desportivos obtidos, esta considera-se vencida, salvo acordo em contrário, com a remuneração do mês seguinte àquele em que esses resultados se verificarem.
Importa ainda considerar, porque em causa estão igualmente “prémios” pagos a treinadores e não apenas a jogadores, o disposto no Decreto Regulamentar n.º 12/83, de 12 de Fevereiro, cujo artigo 2.º alínea d) foi invocado como fundamento da liquidação oficiosa de contribuições em relação aos prémios pagos a treinadores (cfr. o n.º 4 do probatório).
Dispõe este diploma:
Artigo 1.º Os trabalhadores abrangidos pelo regime geral de segurança social e as respectivas entidades empregadoras concorrerão para as instituições gestoras do regime com as percentagens que se encontrem legalmente estabelecidas sobre as remunerações recebidas e pagas.
Artigo 2.º Para efeitos do disposto no artigo anterior, consideram-se remunerações as prestações a que, nos termos do contrato de trabalho, das normas que o regem e dos usos, o trabalhador tem direito pela prestação de trabalho e pela cessação do contrato, designadamente:
(…)
d) Os prémios de rendimento, de produtividade, de assiduidade, de cobrança, de condução, de assinatura de contratos, de economia e outros de natureza análoga.
Das normas transcritas resulta, de forma clara, que os prémios em causa, se e quando pagos, integram a remuneração dos praticantes desportivos e sobre eles incidem contribuições para a segurança social.
No caso dos autos, consta, aliás, do probatório fixado (cfr. o seu n.º 3) que os prémios em causa, quer os pagos a jogadores quer a treinadores, são prémios pagos mensalmente, de acordo com os jogos efectuados, têm como suporte documental os recibos de vencimento e são pagos conforme o estipulado nos contratos, ou seja, que constituíam uma remuneração regular, da qual, obviamente, os beneficiários teriam expectativas de recebimento, verificados que fossem os pressupostos de que estava dependente a sua atribuição.
Consta, igualmente, do probatório fixado, que nos contratos de jogadores e treinadores há uma cláusula, segundo a qual “o clube poderá ainda pagar (…) prémios de jogo ou classificação em função dos objectivos, os quais como retribuição extraordinária, não fazem parte da remuneração, nos termos do n.º 1 do art. 88.º do DL 49.408, de 24 de Novembro de 1969”, alegando a recorrente, com base nesta cláusula dos contratos, a exclusão expressa de tais prestações da retribuição e o seu carácter não obrigatório.
Sucede, contudo, que apenas está em causa a incidência de contribuições sobre os prémios efectivamente pagos, e não sobre os que o não forem – porque não deliberado que o sejam ou porque os objectivos de que dependem não foram atingidos -, acrescendo que as cláusulas apostas nos contratos no sentido da qualificação dos prémios como “retribuição extraordinária” e não como “remuneração”, não são oponíveis à segurança social, pois que se encontram em violação das normas de incidência objectiva que estabelecem a base de incidência contributiva das contribuições para a segurança social, não estando essa base de incidência na disponibilidade das partes, antes cabendo à lei a sua definição imperativa.
Pelo exposto, há-de concluir-se, relativamente aos prémios pagos a jogadores e treinadores, que o recurso não merece provimento.
O mesmo não se pode afirmar, contudo, no que respeita às importâncias pagas a alguns jogadores a título de “subsídio de deslocação”, relativamente às quais consta do n.º 3 do probatório fixado que são pagas mensalmente a alguns jogadores e refere-se às suas deslocações da residência para o Clube e deste para a residência. É que, assim configuradas, tais importâncias parecem antes assumir carácter compensatório por despesas efectuadas com transporte ou “ajudas de custo” e não carácter retributivo ou remuneratório, pelo que sobre elas não recairiam contribuições para a segurança social (ex vi das alíneas a) e b) do artigo 3.º do Decreto Regulamentar n.º 12/83, de 12 de Fevereiro), a não ser que a entidade liquidadora demonstrasse, o que não fez, que não obstante a designação e o facto de se referirem a deslocações de e para o clube, teriam antes carácter retributivo ou remuneratório.
Assim, no que respeita às importâncias pagas a alguns jogadores a título de “subsidio de deslocação” o recurso merece provimento, sendo de revogar, nesta parte, a sentença recorrida.
- Decisão -
8 - Termos em que, face ao exposto, acordam o juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em conceder provimento parcial ao recurso, confirmando a sentença recorrida na parte em julgou improcedente a impugnação das liquidações adicionais relativas aos prémios pagos a treinadores e jogadores e revogando-a na parte relativa ao “subsídio de deslocação” pago a alguns jogadores, que aqui julgamos procedente, anulando a liquidação quanto às importâncias pagas a esse título.
Custas pela recorrente, na medida em que decaiu, fixando-se a procuradoria em 1/6.
Lisboa, 9 de Dezembro de 2009. - Isabel Marques da Silva (relatora) – Pimenta do Vale - Valente Torrão.