Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0147/18
Data do Acordão:02/28/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PREÇO ANORMALMENTE BAIXO
Sumário:Deve admitir-se recurso de revista de decisão do TCA que considerou não justificado um preço anormalmente baixo, por mesmo assentar num hipotético e incerto benefício financeiro aos custos com pessoal.
Nº Convencional:JSTA000P23001
Nº do Documento:SA1201802280147
Data de Entrada:02/12/2018
Recorrente:PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS
Recorrido 1:A......, S.A.E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar – art. 150º, 1, do CPTA.
Acordam no Supremo Tribunal Administrativo (art. 150º, 1 do CPTA)

1. Relatório

1.1. A PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS recorreu, nos termos do art. 150º, 1, do CPTA, para este Supremo Tribunal Administrativo do acórdão do TCA Sul, proferido em 19 de Outubro de 2017, que confirmou parcialmente a sentença proferida pelo TAF de Sintra, negando provimento ao recurso por si interposto e concedendo provimento ao recurso interposto pela A………. SA, revogando a sentença na parte em que determinou o retomar do procedimento pré – contratual, reconhecendo ocorrer uma situação de incumprimento absoluta à satisfação da pretensão fundada da autora e ordenou a baixa dos autos à primeira instância para convite às partes para acordarem no montante indemnizatório (art. 45º e 102º do CPTA).

1.2. Justifica a admissão da revista pela litigiosidade que envolve as questões ora em causa, ou seja decisões dos júris dos procedimentos tomadas no âmbito do poder discricionário relativas à consideração ou desconsideração das justificações apresentadas em sede de esclarecimento do preço anormalmente baixo.

1.3. A A……… pugna pela não admissão da revista.

2. Matéria de facto

Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. Matéria de Direito

3.1. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». Como decorre do próprio texto legal e a jurisprudência deste STA, tem repetidamente sublinhado trata-se de um recurso excepcional, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando-o como uma «válvula de segurança do sistema», que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

3.2. No presente processo está em causa a exclusão da proposta apresentada pela A…….., com base na existência de preços anormalmente na sua proposta, face aos critérios estabelecidos na cláusula 6º,n.º 1 do Caderno de Encargos. Com efeito fora fixado expressamente um limiar de determinação automática do preço anormalmente baixo – custos mínimos recomendados pela Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT). O júri do concurso, após pronúncia da A………., considerou que a justificação por esta apresentada não era bastante e excluiu a proposta.

Entendeu o júri do concurso, em síntese, que a circunstância invocada pela A………. de que iria obter apoios financeiros, mais precisamente medidas de apoio à contratação de trabalhadores, o que permitiria uma redução de custos com o pessoal afecto ao serviço em causa reduzido em 50%, tal como o previsto no Dec. Lei 89/95, de 6/5 e Portaria n.º 106/2013, de 14/3.

Entende o recorrente que a justificação dos preços, perante a obtenção de incentivos financeiros futuros, incertos e hipotéticos equivalia não pode ser considerada, devendo manter-se a decisão que a excluiu tendo ainda em conta que nos termos do art. 70º, 2, f) do CCP devem ser excluídas as propostas em relação às quais se possa concluir que o contrato a celebrar implicaria a violação de vinculações legais ou regularmente aplicáveis.

No presente caso – como consta da al. c) da matéria de facto – “o preço anormalmente baixo mediante a aplicação dos preços unitários e face às necessidades identificadas no Anexo II do Caderno de Encargos é o que for inferior a € 7.067.42.”

O valor do indicado na proposta da A………. era de € 6.932.863,20 (facto da al. h), tendo esta apresentado a justificação deste preço, como já referimos, o facto do mesmo reflectir a dedução aos custos do trabalho da quantia relativa ao apoio financeiro correspondente a 50% da retribuição mensal do trabalhador, sendo esse apoio financeiro calculado em função da contratação de 20 trabalhadores.

Sustenta a entidade recorrente, neste recurso, que os incentivos em causa – fundamento único apresentado pela concorrente para justificar o preço anormalmente baixo – não são automáticos, pelo que não ocorrendo tais benefícios, deixa de haver justificação para o preço anormalmente baixo. E mesmo que, face a uma não concessão dos benefícios financeiros previstos no Dec. Lei 89/95 – viesse a ser ela a suportar o acréscimo de despesas, cumprindo os encargos legais em matéria de salários e segurança social, a verdade é que em tal caso, deixaria de haver a justificação para o preço anormalmente baixo.

A questão ora em causa tem suscitado grande controvérsia, de que é exemplo o acórdão deste STA de 12-7-2017, proferido no recurso 0328/17, onde se entendeu (com um voto de vencido) além do mais (segundo o sumário): “I - Nada impede que se fixe nas peças do procedimento um limiar abaixo do qual as propostas sejam consideradas anormalmente baixas, ainda que por remissão para a Recomendação da ACT. II - Nada impede que ao abrigo do seu poder de conformação das cláusulas do procedimento se tivesse fixado um subfactor de avaliação “justificação do preço proposto”. III - Compete à concorrente que apresenta preço anormalmente baixo de acordo com as peças procedimentais fazer a prova convincente de que, não obstante, a sua proposta ser objectivamente anormalmente baixa, era uma proposta credível susceptível de criar confiança relativamente à boa execução do contrato, e que não punha em causa os receios que estiveram na base da fixação do critério de preço anormalmente baixo. IV - A partir do momento em que não foram invocados pela concorrente factos de onde resultasse a realização das preocupações tidas em causa na fixação da cláusula de preço anormalmente baixo, nada impedia o júri de fundamentar a não aceitação da justificação com o facto de não haver seriedade da proposta e viabilidade da sua execução sem violação de normas legais atinentes ao trabalho e já que, a seu ver, não obstante a Recomendação não ser norma imperativa é um elemento padrão para o tipo de procedimento concursal em causa.

O entendimento seguido no citado acórdão de 12-7-2017, recurso 0328/17, afasta-se, pelo menos em parte, do entendimento seguido no acórdão recorrido, o que evidencia estarmos perante questões, relativamente às quais – em boa exista vasta jurisprudência – ainda não existe ainda jurisprudência uniforme deste STA.

A nosso ver as questões suscitadas neste recurso justificam a admissão da revista, não só pelos elevados valores do concurso em causa (cerca de sete milhões de euros), mas também por estamos perante questões onde a litigiosidade é grande e não existir ainda um consenso jurisprudencial sobre as mesmas.

4. Decisão

Face ao exposto admite-se a revista.

Lisboa, 28 de Fevereiro de 2018. – São Pedro (relator) – Costa Reis – Madeira dos Santos.