Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0574/09
Data do Acordão:10/08/2009
Tribunal:1 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:FREITAS CARVALHO
Descritores:ELEITOS LOCAIS
PERDA DE MANDATO
VEREADOR EM REGIME DE PERMANÊNCIA
INSTRUMENTO DE GESTÃO TERRITORIAL
PLANO DE URBANIZAÇÃO
VIOLAÇÃO
OMISSÃO DE AGIR
ILEGALIDADE GRAVE
Sumário:I - Viola os especiais deveres do vereador responsável pelo pelouro do ordenamento do território e urbanismo, a quem cumpre zelar pelo cumprimento da legalidade urbanística e ordenamento do território municipal, a conduta omissiva, prolongada por mais de um ano e meio, que permitiu a continuação de uma obra particular sem a necessária licença, não determinando a instauração de procedimento de contra-ordenação, nem ordenando o embargo, nem dando andamento a auto de notícia levantado pelos serviços, nem atendendo às sucessivas informações dos serviços que concluíam pela ilegalidade da obra e propunham o indeferimento do pedido de licenciamento, antes, prosseguindo com o processo administrativo, e chegando a propor à câmara o deferimento, com informação favorável.
II - Tal actuação consubstancia ilegalidade grave, visando fins alheios ao interesse público, pelo que, verificando-se os pressupostos previstos nas disposições combinadas dos artigos 8º nº1 alínea d) e 9º alínea i) da Lei nº 27/96, de 1 de Agosto, é de declarar a perda de mandato do eleito local.
Nº Convencional:JSTA00066004
Nº do Documento:SA1200910080574
Data de Entrada:05/29/2009
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:B...
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF BEJA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR SANCIONATÓRIO.
Legislação Nacional:L 27/96 DE 1996/08/01 ART9 C I ART8 N1 D.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso do Supremo Tribunal Administrativo
O Ministério Público recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja que julgou improcedente a acção administrativa que intentou contra B…, vereador da Câmara Municipal de Santiago do Cacém, identificado nos autos, com vista à declaração de perda de mandato, ao abrigo do disposto nos artigos 8º, n. 1. al. d), 9º, al.s c) e i), e 11º, da Lei n.º 27/98, de l-08.
I. O recorrente formula as seguintes conclusões:
1º - A conduta do demandado deve aferir-se pela realidade fáctica existente no momento da sua prática, devendo ser apurada e apreciada face ao pressupostos de facto e de direito existentes no momento em que ocorre, não podendo ser determinada por ulteriores desenvolvimentos factuais, previsíveis ou imprevisíveis.
2º - O demandado não logrou provar qualquer causa que justificasse ou excluísse a sua culpa;
3º - A factualidade provada integra-se na previsão legal dos arts. 8º nºs 1, al. d) e 3 e 9º, als. c) e i), ambos da Lei nº 27/96, de 1/08;
4º - Pelo que nunca poderia conduzir à improcedência da presente Acção, mas antes à da sua procedência;
5º - A douta sentença padece de uma errada apreciação da prova bem como de uma errada interpretação das normas contidas nesses preceitos legais, que conduziu a um erro de julgamento com a errada aplicação do direito aos factos;
6º - Ocorreu, deste modo, a violação dos arts. 8º nºs 1, al. d) e 3 e 9º, als. c) e i) da Lei nº 27/96, de 1/08 e ainda do art. 266º da Constituição da República Portuguesa.
7º - Razão pela qual deve ser revogada a douta sentença e substituída por outra que julgue procedente por provada a presente Acção, com a consequente declaração de perda de mandato de B….
O recorrido apresentou contra alegações que finaliza com as conclusões seguintes:
A - Nos termos conjugados dos arts. 8º nº 1 e 9º al. c) e i) da Lei 27/ 96 de 1/8, incorre em perda de mandato, membro de órgão autárquico que viole culposamente instrumento de ordenamento do território ou de planeamento urbanístico válidos e eficazes ou que incorra em ilegalidade grave traduzida na consecução de fins alheios ao interesse público.
B - Não é, pois, suficiente para ser decretada a perda de mandato, que o membro de órgão autárquico pratique uma infracção a instrumento de ordenamento do território ou de planeamento urbanístico, sendo imprescindível que essa infracção tenha sido CULPOSA
C - Ora, nenhum dos factos considerados provados pela douta sentença recorrida, integra ou é susceptível de integrar VIOLAÇÃO do PDM ou PU de Santiago do Cacém ou de outro instrumento de planeamento e, muito menos, CULPOSA.
D - Não é suficiente para ser decretada a perda de mandato, que o membro de órgão autárquico cometa simples ilegalidade, é necessário que essa ilegalidade seja GRAVE e que, com ela se consiga fins alheios ao interesse público.
E - A factualidade considerada provada não constitui ilegalidade grave que tenha alcançado fins alheios ao interesse público.
F - A douta sentença recorrida julgou bem, aplicou correctamente o direito aos factos quando considerou que a conduta do aqui recorrido não consubstancia uma situação concreta final que viole instrumentos do território ou de planeamento urbanístico válidos e eficazes e/ou omissão dolosa que integre ilegalidade grave traduzida na consecução de fins alheios ao interesse público.
II. A sentença recorrida considerou assentes os seguintes factos:
A) O demandado B… foi eleito, por sufrágio universal e directo, nas eleições autárquicas de 16.12.2001, para o mandato de 2002/2005, para a Câmara Municipal de Santiago do Cacém, conforme resultados publicados no Mapa Oficial nº 1 - BI 2002 - Diário da República, I série - B, de 27.3.2002 - ver doc nº 1 junto com a petição inicial.
B) Em 8.1.2002 foi nomeado vereador dessa Câmara Municipal, em regime de permanência, tendo-lhe sido atribuídos os pelouros do Ordenamento do Território e Urbanismo, Habitação, Desenvolvimento Económico e Turismo, Solidariedade e Acção Social e ainda Ambiente e Saneamento desde 28.1.2002 sem este último pelouro), conforme despachos nº 1/2002, nº 5/2002 e nº 11/2002 do Presidente da Câmara Municipal, respectivamente, de 1.8.2002, 1.8.2002 e 16.1.2002 - ver docs nº 2, nº 3 e nº 4 juntos com a petição inicial.
C) O demandado iniciou de imediato funções e por despacho de 17.1.2002, do Presidente da Câmara Municipal, foram-lhe delegadas competências no pelouro do urbanismo, nomeadamente, para:
- embargar e ordenar a demolição de quaisquer obras, construções ou edificações efectuadas por particulares ou pessoas colectivas, sem licença ou com inobservância das condições dela constantes, dos regulamentos, das posturas municipais ou de medidas preventivas, de normas provisórias, de áreas de construção prioritária, de áreas de desenvolvimento urbano prioritário e de planos municipais de ordenamento do território plenamente eficazes,
- determinar a instrução dos processos de contra-ordenação e aplicar as coimas, nos termos da lei, com a faculdade de delegação em qualquer dos restantes membros da Câmara Municipal - ver docs nº 5, 6 e 7 juntos com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
D) No ano de 2003, a Inspecção-Geral da Administração do Território levou a cabo uma acção inspectiva ao Município de Santiago do Cacém, a qual culminou na elaboração de relatório - ver doc nº 8 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
E) Na altura da inspecção encontrava-se em construção uma urbanização - obra particular - a cerca de 200 metros dos Paços do Município de Santiago do Cacém, sita na Rua de Lisboa, EN 120, em Santiago do Cacém, o que foi constatado pelos inspectores da IGAT - depoimento de C… e D….
F) No local dessa urbanização, que englobava 6 módulos habitacionais com vários pisos cada um deles, para habitação e comércio, não foi afixado aviso publicitário de qualquer alvará de licença ou de autorização camarária - depoimento de C…, D…, E… e F….
G) Desde o início da obra, no ano de 2002, que a mesma estava a ser executada sem título adequado - licenciamento ou autorização municipal - por confissão.
H) A obra estava a ser realizada no prédio designado por «…» ou «…», sito na Rua de Lisboa - Estrada Nacional 120, freguesia e concelho de Santiago do Cacém, inicialmente registado sob o art 02306/270900 da Conservatória do Registo Predial de Santiago do Cacém, com a área de 2.933,75m2, em nome de F… e posteriormente averbado em nome da Sociedade «G…, SA - ver doc nº 9 junto com a petição inicial, fls. 45 a 55, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e depoimento da F….
I) Em 19.11.2001, F…, na qualidade de proprietário do terreno denominado «…» em Santiago do Cacém, tinha requerido ao Município de Santiago do Cacém a aprovação do projecto de arquitectura a que coube o processo de obras (licenciamento) nº 424/2001 - ver doc nº 9 (fls. 102 do processo físico) junto com a petição inicial.
J) Em 15.2.2002 foi elaborada informação técnica, no pedido de licenciamento de 19.11.2001, que no ponto 18 fez constar que: considerando apenas os lugares em terreno do requerente (em cave), verifica-se estarem em deficit 17 lugares de estacionamento; no ponto 19 que: a realização de lugares de estacionamento a realizar em terreno público (e na zona de influência do loteamento) carecerá de parecer superior favorável, nos pontos 25 e 27 é também referido a ocupação de terreno municipal não só com o estacionamento público, mas com a execução dos módulos A e D, numa área de cerca de 136,00m2 e nos pontos 23 e 24 é informada a falta de cedências para áreas verdes e equipamentos - ver docs juntos aos autos.
K) Por ofício de 4.3.2002, o particular foi notificado, em cumprimento do despacho do demandado de 15.2.2002, para, no prazo de 10 dias, dizer o que se lhe oferecesse sobre o conteúdo da informação de 15.2.2002 e apresentar projecto de loteamento - ver docs final sobre o pedido - por acordo.
R) Em 7.10.2002 foi lavrado o auto de notícia nº 44/2002, pelo fiscal do Município E…, com o seguinte teor:
procedeu sem alvará de licença de construção à execução de um edifício de habitação e comércio, composto por módulos, estando em execução os módulos A, B e C, tendo o módulo A a cobertura colocada, o módulo B as alvenarias executadas e o módulo C com a extra-terra concluída, estando a proceder-se neste à elevação de alvenarias, tudo o resto se encontra por executar.
Existe na Câmara o processo nº 424/2001, com projecto de arquitectura para a obra em causa, que foi indeferido.
E porque há violação do disposto na al c) do nº 3 do art 4º do DL nº 555/99, de 16.12, com a redacção dada pelo DL nº 177/2001, de 4.6, o que se constitui como contra- ordenação, prevista na al a), do nº 1, e punida no nº 2 do art 98º do mesmo DL. Nos termos do art 41º de DL nº 433/82 de 27.10, levantou-se o presente auto o qual, depois de devidamente assinado e para os devidos efeitos, vai ser remetido a despacho do Sr Vereador B…, por delegação de competências do Sr Presidente de Câmara Municipal” - ver doc de fls. 238 dos autos.
S) Em 19.11.2002 o auto de notícia n° 44/2002 foi remetido ao demandado, com vista à instauração de processo de contra-ordenação e de embargo da obra - ver docs do processo e depoimento de E…
T) O demandado, face ao auto de notícia, não determinou a instauração de processo de contra-ordenação e o embargo da obra - por acordo.
U) A 29.1.2003 o particular deu entrada a um pedido de reapreciação do processo de loteamento, como se o mesmo tivesse sido indeferido, propondo-se a realizar um conjunto de trabalhos e uma garantia bancária no valor desse projecto e em 22.4.2003 foram juntos ao processo novos elementos – ver doc nº 9 (fls. 74 a 76) e doc nº 11 (fls. 10 da parte II).
V) Em 6.5.2003 foi prestada nova informação técnica continuando a constar a deficiência das áreas a ceder ao município e o mesmo problema dos lugares de estacionamento em deficit, verificando-se a necessidade de parecer superior favorável a realização destes em terreno público, tal como a necessidade de realização de uma reunião e um acerto de extremas relativamente ao módulo D da obra - ver doc nº 9 (fls. 88 a 95) junto aos autos com a petição inicial.
W) Tal informação propõe à consideração superior o indeferimento face às propostas do particular - ver doc nº 9 junto com a petição inicial.
X) Apesar da informação técnica que antecede, em 3.6.2003 o demandado promoveu informação para abertura de discussão pública do loteamento do «…» - ver doc nº 9 junto com a petição inicial (fls. 101).
Y) Esta proposta foi levada à reunião de Câmara realizada em 16.6.2003, não tendo havido qualquer reunião para delimitar o terreno em parte ocupado pelo módulo D - ver doc nº 9 junto com a petição inicial.
Z) Após o procedimento de discussão pública do loteamento e por ofício de 4.7.2003, assinado pelo demandado, o particular teve conhecimento das conclusões, o qual contém a transcrição da informação técnica e que relativamente às extremas do módulo D que iria ser apresentado para apreciação na Câmara Municipal a delimitação de novo traçado do terreno, por forma a regularizar a situação - ver docs juntos aos autos.
AA) Por deliberação camarária de 27.8.2003, tomada por maioria, rectificada em reunião de 19.11.2003, no processo de loteamento 06/2002, foi aprovado: o loteamento com a constituição de um lote para um edifício plurifamiliar com 6 módulos e respectivas obras de urbanização, conforme plantas e memórias descritivas, documentos que são dados como reproduzidos na presente acta, (...), e de acordo com requerido em 29.1.2003, através de requerimento nº 438, nomeadamente garantir o máximo de lugares de estacionamento públicos no edifício, contemplando os restantes exigidos por lei em terreno exterior à área de intervenção do loteamento, assim como a construção do Rua B e da Rotunda e execução dos arranjos exteriores no valor de 11. 796,90, relativo a área não cedida para áreas verdes.
Deverá proceder ao pagamento de 30.610,64 referente a compensação por áreas não cedidas para equipamentos.
Deverá prestar garantia bancária relativa a obras de urbanização no valor de f 331.600,00.
Deverá prestar garanta bancária no valor de 50.333,22 relativo à execução de 19 lugares de estacionamento em falta e que serão executados em terrenos do domínio público - ver docs n° 9, 11 e 17 juntos com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
BB) Na deliberação, tomada na reunião realizada em 19.11.2003, referente a «aprovar a demarcação entre o prédio do requerente e o prédio do município conforme planta síntese», com fundamento: «não se conhecem». Por despacho nº 13/2003, de 13.10.2003, o demandado embargou as seguintes obras de construção civil que estão a ser executadas, sem prévia autorização municipal:
execução de edifício de habitação e comércio, composto por seis módulos, que de modo geral se encontram em fase de rebocos, com cobertura colocada, alvenarias e estrutura executadas e tubagens colocadas. Nos módulos A, B e C a construção encontra-se com rebocos exteriores parcialmente concluídos, por executar rebocos interiores, encontram- se também colocados azulejos nas cozinhas e instalações sanitárias. Nos módulos D e E os rebocos exteriores estão parcialmente executados. Estão em execução os rebocos interiores nas cozinhas e instalações sanitárias para assentamento de azulejos nos módulos D, E e F - ver doc nº 13 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
HH) Na mesma data, 13.10.2003, foi publicado o edital nº 64/2003, em 15.10.2003 foi elaborado o respectivo auto de embargo, com o nº 14/DGU- SF/03, e, por ofício, foi o mesmo notificado a F… - ver docs nº 14, 15, 16 juntos com a petição inicial.
II) Em 18.11.2003 foi emitido o alvará de autorização de construção nº 299/2003 - ver doc nº 9 junto com a petição inicial.
JJ) Em 18.12.2003, na sequência da emissão do alvará, o embargo foi revogado - ver doc nº 9 junto com a petição inicial.
KK) O prédio onde foi realizada a construção localiza-se na área abrangida pelo perímetro fixado no Plano de Urbanização de Santiago do Cacém, sector 4.6, zona esta que na Planta Síntese do PU se identifica como «sujeita a operação de loteamento a elaborar pela administração» – ver doc nº 10 junto com a petição inicial.
LL) No concelho de Santiago do Cacém vigora o Regulamento de Qualificação do Estacionamento Necessário nas Operações Urbanas a realizar na Cidade de Santiago do Cacém, o qual dispõe, no seu art 3º, nº 1, al b), que o promotor terá de garantir que 45% dos estacionamentos que está vinculado a realizar sejam públicos, estacionamentos estes que depois de realizados e recebidos pela Autarquia integram o seu domínio público - ver doc nº 9 junto com a petição inicial.
MM) Na sequência de comunicação da IGAT foi instaurado procedimento criminal contra o aqui demandado, que deu origem ao inquérito nº 60/04.5TASTC e no qual foi proferida decisão de arquivamento – ver doc junto aos autos em 21.5.2007.
NN) Em 7.10.2005 deu entrada neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja a presente acção para perda de mandato – ver petição inicial.
OO) Em 9 - l0-2005 realizaram-se eleições autárquicas, para o mandato de 2006/2010.
PP) O demandado foi eleito, nas eleições autárquicas de 9.10.2005, para a Assembleia de Freguesia de Santa Maria da Feira, concelho de Beja, conforme informação da Comissão Nacional de Eleições, tendo tomado posse em 31.10.2005 - ver doc junto aos autos em 12.12.2005 (fls. 215), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
III. O Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja intentou a presente acção administrativa especial, ao abrigo do disposto nos artigos 8º, nº 1, al d), 9°, als c) e i) e 11º da Lei n.º 27/96, de 1.8, propor acção administrativa para perda de mandato contra B…, vereador da Câmara Municipal de Santiago do Cacém, identificado nos autos, alegando, em síntese que o Réu no exercício das suas funções de vereador do referido município, em regime de permanência, responsável pelos pelouros do Ordenamento do Território e Urbanismo, Habitação, Desenvolvimento Económico e Turismo, Solidariedade e Acção Social e ainda Ambiente e Saneamento, no âmbito do processo de licenciamento de obra n.º 424/01 e no processo de loteamento n.º 6/2002, cometeu diversas ilegalidades que, no entender do A, consubstanciam violação culposa do Plano de Urbanização de Santiago do Cacém e do Regulamento Municipal de Quantificação do Estacionamento Necessário nas Operações Urbanas daquela cidade, bem como “ilegalidade grave traduzida na consecução de fins alheios ao interesse público”, que, nos termos das supracitadas disposições legais, determinam a perda de mandato do R.
A sentença recorrida, considerando embora que, face à matéria de facto provada, o R. “agiu contra as disposições legais que lhe impunham decisão final, decisão de embargo, decisão a ordenar a instauração de processo de contra-ordenação, não promoção de informação para abertura de discussão pública do loteamento do «…»”, concluiu face ao facto de a obra em causa ter, a final, obtido o alvará de licenciamento do loteamento onde se inseria bem como o alvará de licença de construção, que “a sua conduta atento o apurado, maxime, nas als AA), BB), DD), II) dos factos provados, não consubstancia uma situação concreta final que viole instrumentos de ordenamento do território ou de planeamento urbanístico válidos e eficazes e/ou omissão dolosa que integre ilegalidade grave traduzida na consecução de fins alheios ao interesse público”, razão por que julgou improcedente a acção, absolvendo o R. do pedido.
O recorrente sustentando, em síntese, que demonstrado que está que o recorrente, no exercício das sua funções de vereador, praticou diversas ilegalidades que consubstanciam violação culposa de instrumentos de ordenamento do território e de planeamento urbanístico válidos e eficazes, bem como ilegalidades graves traduzidas na consecução de fins alheios ao interesse público, não é o facto de, em altura posterior, a obra ter sido licenciada que retira o carácter ilícito àquela conduta, pelo que a decisão recorrida ao não decretar a perda de mandato fez errada interpretação e aplicação dos artigos 8º, nºs 1, al. d), e 3, e 9º, al. c) e i), da Lei n.º 27/96, de 1-08, razão porque deve ser revogada.
Vejamos.
Resulta dos factos provados que o R, então vereador para a Câmara Municipal de Santiago do Cacém, para o mandato de 2002/2005, com o pelouro do Ordenamento do Território e Urbanismo, Habitação, Desenvolvimento Económico e Turismo, e poderes delegados pelo respectivo Presidente para “embargar e ordenar a demolição de quaisquer obras, construções ou edificações efectuadas por particulares ou pessoas colectivas, sem licença ou com inobservância das condições dela constantes, dos regulamentos, das posturas municipais ou de medidas preventivas, de normas provisórias, de áreas de construção prioritária, de áreas de desenvolvimento urbano prioritário e de planos municipais de ordenamento do território plenamente eficazes”, bem como para “determinar a instrução dos processos de contra-ordenação e aplicar as coimas, nos termos da lei”, tendo conhecimento que, a cerca de 200 metros da Câmara Municipal, se encontrava em construção uma obra constituída por seis módulos habitacionais com vários pisos cada um deles, para habitação e comércio, para a qual, em 19.11.2001, lhe tinha sido presente o pedido de aprovação do respectivo projecto de
arquitectura, com vista ao licenciamento das obras, cujo processo tomou o n.º 424/2001
- pontos A) a D) e F) a I), da matéria de facto.
O prédio em causa localiza-se na área abrangida pelo perímetro fixado no Plano de Urbanização de Santiago do Cacém1, – Publicado no DR II Série, n.º de 140, de 20-06-98., sector 4.6, zona esta que na Planta Síntese do PU se identifica como «sujeita a operação de loteamento a elaborar pela administração», estando ainda sujeito ao Regulamento de Quantificação do Estacionamento Necessário nas Operações Urbanas na Cidade de Santiago do Cacém2 – Aprovado pela Câmara Municipal em 28 de Janeiro de 1998 e pela Assembleia Municipal na sessão de 27 de Fevereiro de 1998, publicado no Apêndice do DR, II Série, n.º 263, de 13-11-1997., o qual obriga à garantia de determinada percentagem dos estacionamentos a realizar sejam públicos, a qual passará a integrar o domínio público da Autarquia - pontos KK) e LL), da matéria de facto.
O Réu, apesar da informação dos serviços, de 15-02-2002 no sentido do indeferimento de tal pretensão pelo facto de “estarem em deficit 17 lugares de estacionamento” e da implantação do edifício implicar “a ocupação de terreno municipal não só como estacionamento público, mas com a execução dos módulos A e D, numa área de cerca de 136,00m2”, bem como de estarem em falta de cedências para áreas verdes e equipamentos, não tomou qualquer decisão sobre o pedido de licenciamento - pontos J) a L), da matéria de facto.
Do mesmo modo, tendo-lhe, em 14-5-2002, sido solicitada a apreciação e aprovação do Projecto de Operação de Loteamento para o prédio em causa, cujo processo tomou o n.º 6/2002, datada de 11-06-2002, e de uma nova informação de 26 - 09-2002, no mesmo sentido, o R; de novo, apesar do parecer de indeferimento nelas contido, não tomou qualquer decisão sobre tal pedido, permitindo que a obra prosseguisse sem o respectivo licenciamento municipal - pontos G) e M) a Q), da matéria de facto.
Em 7.10.2002, pelos serviços de fiscalização da Câmara Municipal de Santiago do Cacém, foi lavrado o auto de notícia nº 44/2002, o qual, dando conta da ilegalidade da obra em causa, foi, em 19.11.2002, remetido ao Réu, a fim de ser determinado o embargo da obra e ordenada a instauração de processo de contra-ordenação, o qual só o fez em 13-10-2003 - cfr. pontos R) a T) e FF) e GG), da matéria de facto -, mais de um ano depois e após, em 3-06-2003, ter promovido a abertura da discussão pública do loteamento objecto das informações de indeferimento de 14-05-2002 e de 26-09-2002, bem como de ter proposto à Câmara Municipal, informando favoravelmente, a aprovação do loteamento do prédio em causa - Proc. n.º 6/2002-, o que veio a acontecer por deliberação de 27-08-03, rectificada em 19-11-2003, tendo porém o alvará de licenciamento do loteamento sido emitido em 22-09-2003 - pontos X) a AA), DD), da matéria de facto.
Só então, em 13-10-03, foi ordenado o embargo - FF, GG e HH - que foi revogado em 18-12-2003, na sequência da emissão, em 18-11-2003, do alvará de licença de construção n.º 299/2003 - pontos II) e JJ), da matéria de facto.
Após o termo legal do mandato de vereador na Câmara Municipal de Santiago do Cacém, o recorrido foi eleito membro da Assembleia de Freguesia de Santa Maria da Feira, concelho de Beja.
Perante esta factualidade a sentença considerou o seguinte: “a omissão e tardia emissão de despacho a ordenar o embargo da obra e processo de contra-ordenação, constitui uma omissão dolosa, que não teve em conta o interesse público no ordenamento do território e do urbanismo.
No caso, a obra começou a ser edificada construída no ano de 2002, o vereador do pelouro teve conhecimento da sua existência com o auto de notícia de 7.10.2002, mas deixou que continuasse a ser feita sem a necessária licença até ser aprovado o loteamento, em 27.8.2003, para depois disso a embargar e determinar fosse objecto de processo de contra-ordenação.
A conduta do demandado é, nesta parte, dolosa e não se limita a um dolo eventual.”
Por outro lado, e relativamente à actuação do R nos processos de licenciamento n.º 424/2001 e 6/2002, considerou, ainda, que “o demandado sabia, por os ter despachado, que os pedidos de licenciamento, de 19.11.2001, 14.5.2002, 29.1.2003, tinham informações técnicas, de 15.2.2002, 11.6.2002, 26.9.2002, 6.5.2003, que referiam a ocupação de terreno municipal com estacionamento público (só assim o particular conseguia cumprir o estacionamento exigido pelos instrumentos legais) e a ocupação do terreno da autarquia pelo bloco D.
O particular não poderia cumprir o Plano de Urbanização de Santiago do Cacém (53º, nº 2 do Regulamento do Plano de Urbanização de Santiago do Cacém) e o Regulamento de Quantificação do Estacionamento Necessário nas Operações Urbanas a realizar na cidade de Santiago do Cacém (art 3º, nº 1, al b), sem a ocupação do terreno público do município, por não ter terreno para executar o estacionamento público exigível pelos instrumentos legais.
E, pese embora a descrita situação fáctica, o demandado, ainda assim, propôs a discussão pública do loteamento promovido pelo particular e informou favoravelmente a proposta de aprovação do loteamento.
Fê-lo sem que o particular dispusesse do terreno necessário para a construção do bloco D e para executar o estacionamento público exigível pelos instrumentos legais, bem sabendo que o particular para cumprir a operação de loteamento ia ocupar terreno público do município”.
Considerando, porém, que a obra acabou por ser licenciada por deliberações camarárias que não foram impugnadas, a sentença recorrida concluiu que a conduta do aqui recorrido “não consubstancia uma situação concreta final que viole instrumentos de ordenamento do território ou de planeamento urbanístico válidos e eficazes e/ou emissão dolosa que integre ilegalidade grave traduzida na consecução de fins alheios ao interesse público.”, razão por que não decretou a perda do mandato do Réu.
Depreende-se da decisão recorrida o seguinte raciocínio: uma vez que a obra foi licenciada pela Câmara Municipal de Santiago do Cacém é porque está conforme ao bloco de legalidade aplicável, designadamente com o respectivo Plano de Urbanização e com o Regulamento de Quantificação do Estacionamento Necessário da Cidade, em vigor, e com o interesse público que é pressuposto de toda a actuação administrativa, razão porque se não verifica o condicionalismo previsto nas al.s c) e i), do art.º 9º, da Lei n.º 27/96, de 1-08.
Não é, porém, totalmente assim.
Na verdade, se pode dizer que o recorrido, com a sua conduta essencialmente omissiva, não praticou qualquer acto que, em concreto, tenha violado quer o PDM de Santiago do Cacém quer o Regulamento de Quantificação já que, apesar de promover a discussão pública do loteamento que na altura não observava as prescrições daqueles instrumentos de gestão territorial e de planeamento urbanístico, o certo é que a Câmara Municipal, após vários ajustamentos com o particular interessado, acabou por licenciar a obra julgando-a conforme tais instrumentos regulamentares, razão por que se não verificam os pressupostos de aplicação da al. c), do artigo 9, da Lei n.º 27/96, de 1-08.
Outro tanto não acontece, porém, em relação à al. i), da mesma disposição legal, conjugada como n.º 1, al. d) do artigo 8º, do mesmo diploma legal, que determina que perdem o mandato os membros dos órgãos autárquicos que incorram “por acção ou omissão dolosas, em ilegalidade grave traduzida na consecução de fins alheios ao interesse público”.
De facto, face ao conhecimento directo que tinha da ilegalidade da obra em causa e da continuação da mesma, é notória a omissão dolosa dos seus deveres a cargo do recorrido enquanto autarca responsável pelo pelouro do Ordenamento do Território e Urbanismo. Tal resulta, desde logo, da sua conduta ao não determinar a instauração do competente processo de contra ordenação bem como ao não ordenar o embargo das obras que sabia serem ilegais, não dando seguimento, inclusive, ao auto de notícia elaborado pelos serviços de fiscalização em 7-10-2002, antes pelo contrário, continuando a prosseguir com o processo administrativo, ignorando as sucessivas informações dos serviços que, face à situação irregular do processo de licenciamento verificada desde início - falta de área para a o cumprimento da obrigação imposta pelo Regulamento e PDM de 17 lugares de estacionamento e ocupação de 2 m2, de domínio público - concluíam pela ilegalidade da obra e propunham o indeferimento do pedido de licenciamento, chegando ao ponto de propor à Câmara Municipal o deferimento com informação favorável - cfr. doc n.º 9, junto aos autos - o que é demonstrativo do elevado grau de desrespeito pela legalidade urbanística, tutelada não só pelo poder/dever de decidir os processos de licenciamento e de embargar as obras ilegais, como pelo dever de instaurar os respectivos processos de contra ordenação.
Como refere a sentença recorrida, o recorrido, apesar de alertado, deixou que a obra “continuasse a ser feita sem a necessária licença até ser aprovado o loteamento, em 27.8.2003, para depois disso a embargar e determinar fosse objecto de processo de contra-ordenação.”, o que só veio a acontecer por despacho seu de 13-10-2003, revogado em 18-12-2003, face à emissão do alvará de licenciamento de construção - pontos GG., II. e JJ. da matéria de facto
A conduta descrita, que se prolongou por mais de um ano e meio, viola os especiais deveres do recorrido a quem, na qualidade de vereador do responsável pelo pelouro do Ordenamento do Território e Urbanismo, cumpria de zelar pelo cumprimento da legalidade urbanística e ordenamento do território municipal, e que a própria sentença qualifica de dolosa, integra ilegalidade grave que se traduziu na consecução de fins alheios ao interesse público uma vez que as omissões por ele deliberadamente cometidas permitiram, contra o interesse público subjacente, a continuação da obra ilegal e o prosseguimento artificial dos processos administrativos, em claro benefício do particular interessado.
Conclui-se, assim, que aquelas omissões, dolosamente cometidas, consubstanciam ilegalidades graves que visaram fins alheios ao interesse público, considerando-se verificados os pressupostos previstos nas disposições combinadas dos artigos 8º, n.º l, al. d), e 9º, al. i), da Lei n.º 27/96, de 1-08, pelo que a sentença recorrida, decidindo em contrário, não pode manter-se.
IV. Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, julgando procedente a acção, declarar a perda do mandato do recorrido como actual membro da Assembleia de Freguesia de Santa Maria da Feira, concelho de Beja (artigo 8º, nº 3, da Lei n.º 27/96, de 1-08).
Custas pelo recorrido fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs, na primeira instância e 6 UCs na presente instância.
Lisboa, 8 de Outubro de 2009. - José António de Freitas Carvalho (relator) - Alberto Acácio de Sá Costa Reis - Jorge Artur Madeira dos Santos (Vencido. Por um lado, não está demonstrada a ocorrência de “ilegalidade grave”; por outro, não pode dizer-se que a conduta do recorrido se subsuma à al. i) do artº 9º da Lei nº 27/96, pois a matéria de facto não denota que ele, através das suas omissões e da acção que praticou, tenha pretendido atingir “fins alheios ao interesse público”. Portanto, negaria provimento ao recurso e confirmaria, pelas razões expostas, a sentença impugnada).