Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0173/05
Data do Acordão:03/16/2005
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO PIMPÃO
Descritores:VENDA JUDICIAL.
NULIDADE PROCESSUAL.
Sumário:Na venda por negociação particular, subsequente a uma frustrada venda por propostas em carta fechada, a fixação de um preço da venda dos bens penhorados no que resultar da melhor proposta que venha a ser apresentada não integre a nulidade prevista no artº 193° e seguintes do C.P.Civil uma vez que não se mostra ter ocorrido a prática de acto que a lei não admita ou a omissão de acto ou formalidade que a lei prescreva uma vez que não ocorreu irregularidade susceptível de influir na realização da venda dos bens penhorados.
Nº Convencional:JSTA00061824
Nº do Documento:SA2200503160173
Data de Entrada:02/04/2005
Recorrente:CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF CASTELO BRANCO.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:CPC96 ART193 ART886-A.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo:
1. Caixa Geral de Depósitos, SA, recorre da sentença que, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, negou provimento aos recursos interpostos nos autos de execução em que é credora com garantia real.
Alegou formulando o seguinte quadro conclusivo:
A) A venda por negociação particular, no momento em que é determinada, carece de fixação do preço mínimo;
B) Tal não aconteceu no caso «sub judice», como expressamente refere o despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Seia ao referir “Não será fixado preço mínimo (...)”;
C) E não vale como fixação do preço mínimo a remissão para a “melhor proposta que venha a ser apresentada”;
D) Tal equivaleria a fixar um preço máximo e contribuiria para o desvirtuar das garantias dos credores e custas do processo por correrem o risco de conluio dos proponentes na obtenção de preços irrisórios;
E) A fixação do preço mínimo no acto em que se ordena a venda é um dever da entidade condutora da acção executiva, não transferível para os proponentes;
F) Daí que a pessoa designada para conduzir a venda actue como mero mandatário, que o preço seja directamente depositado na CGD, que a alternativa ao dispor seja a da aquisição dos bens pelo valor da dívida exequenda e acrescido e que a determinação do valor seja susceptível de reclamação;
G) Ficando por esclarecer o que se seguiria após a fixação do preço mínimo pelos proponentes: nova publicitação? admissão de novos interessados ? ainda haveria possibilidade de reclamação? para quem? Enfim um sem número de questões desnecessárias;
H) Anulada a venda, deve a execução ficar suspensa a aguardar o trânsito em julgado da decisão que for proferida sobre a validade dos contratos de arrendamento.
I) A sentença em causa viola os arts. 325° e 256º do CPT, 905º do CPC e arts. 248°, 276° a 278° do CPPT.
O EMMP entende que o recurso merece provimento e que a venda deve ser anulada e a execução suspensa.
2. A sentença recorrida fixou o seguinte quadro factual:
A) Na execução fiscal n° 1279-93/100053.5, pendente no Serviço de Finanças da Guarda foi ordenada a venda de bens penhorados integrantes do estabelecimento da executada A..., por despacho do Chefe do Serviço de Finanças, de 27/10/2000;
B) A Caixa Geral de Depósitos, S.A. foi citada da penhora dos bens e respectiva venda, na qualidade de credora com garantia real sobre imóveis (hipoteca) e equipamento (penhor) integrantes da universalidade dos bens penhorados;
C) Em 27/11/2000, a Caixa Geral de Depósitos, S.A. requereu ao Chefe do respectivo Serviço de Finanças a suspensão da execução referida em A), o que foi indeferido;
D) A venda dos bens mencionados em A) foi efectuada por negociação
particular, ordenada por despacho do Chefe de Finanças, de 29/11/2000 e foi precedida da publicação de um anúncio (cfr. despacho de fls. 461 dos autos, que aqui se dá por inteiramente reproduzido);
E) O despacho referido em D), relativamente ao preço de venda dos bens
penhorados refere o seguinte: “Não será fixado preço mínimo, correspondendo este ao valor da melhor proposta que venha a ser apresentada”;
F) O produto da venda dos bens referidos em D) foi depositado na Caixa Geral
de Depósitos, S.A. à ordem do 2° Juízo do Tribunal Judicial da comarca de
Seia, Processo de Falência n° 136/00 (cfr. doc’s. juntos a fls. 716 e 734 dos autos);
3.1. A sentença recorrida começou por afirmar que se impõe o conhecimento, em primeiro lugar, do recurso por último interposto, no qual se pede a anulação de todo o processado desde o despacho que ordenou a venda, dada a relação de prejudicialidade entre ambos, uma vez que a eventual procedência deste pedido pode determinar o regresso dos autos a uma fase processual susceptível de permissão de suspensão da instância executiva.
Acrescentou que quanto ao recurso interposto em segundo lugar as questões a dirimir são as de saber se houve ou não preterição de formalidades no procedimento de venda dos bens penhorados nos autos e relativas à não fixação de um preço mínimo e o não respeito pelo formalismo da publicidade.
E sobre a questão da não fixação do dito preço mínimo afirmou a sentença recorrida (cfr. fls. 930 e 931) que é ao órgão de execução fiscal que cabe o cumprimento do disposto no artº 886º-A do CPCivil e que foi o que fez no despacho citado no probatório ao estabelecer que “não será fixado preço mínimo, correspondendo este ao valor da melhor proposta que venha a ser apresentada”.
Acrescentou a decisão recorrida que se o órgão de execução fiscal, pode, fixar um preço mínimo de venda, pode também autorizar a venda por valor inferior a valor anteriormente fixado e, se assim é, afigura-se que nada obsta a que possa desde logo fazer corresponder o valor mínimo da venda ao da melhor proposta que for apresentada, como foi o caso dos autos.
E daí concluiu que a alegada não fixação do preço mínimo da venda dos bens penhorados não integre qualquer nulidade das previstas nos art°s 193° e seguintes do C.P.Civil pois que não se mostra ter ocorrido a prática de acto que a lei não admita ou a omissão de acto ou formalidade que a lei prescreva, pelo que não se verifica qualquer irregularidade susceptível de influir na realização da venda dos bens penhorados.
Por isso segundo a sentença agora em recurso e porque não ocorreriam as nulidades suscitadas ficaria prejudicado o pedido de realização de nova venda.
Apreciando o primeiro recurso e depois de afirmar que vem peticionada a revogação do despacho do Chefe da Repartição de Finanças de Seia que indeferiu o pedido de suspensão da execução afirma que tendo, entretanto, os bens penhorados na execução fiscal sido vendidos e o produto da venda depositado à ordem do processo de falência que corre termos pelo 2° Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Seia, tendo a instância executiva chegado ao seu termo, e tendo improcedido o presente recurso na parte em que se peticionava a anulação dos actos processuais desde o despacho que ordenou a venda dos bens penhorados, improcede igualmente o pedido de suspensão da execução, posto que não subsiste instância susceptível de ser suspensa.
3.2. A recorrente CGD sustenta, em síntese, nas suas alegações que a venda por negociação particular, no momento em que é determinada, carece de fixação do preço mínimo o que não aconteceu no caso dos autos, não valendo como fixação de preço mínimo a remissão para a “melhor proposta que venha a ser apresentada”.
Continua, por isso, a discutir a questão da não fixação do preço mínimo da venda conformando-se com a decisão no que respeita à irregular publicitação da venda.
Além da matéria factual fixada na sentença recorrida e anteriormente transcrita resulta dos autos de execução que, em 27-10-2000 (fls. 177), foi proferido despacho ordenando a venda por propostas em carta fechada e com o valor fixado nos termos do artº 323º 1 a) e 323º 1 b) e 2 do CPT.
Resulta, ainda, que, em 28-11-2000 (fls. 455), nenhuma proposta foi apresentada pelo que “tendo em conta o elevado valor da universalidade do estabelecimento a vender … ir-se-á … proceder à venda da universalidade do estabelecimento que consta do edital de venda por uma das formas consignadas no nº 3 do artº 886º do CPCivil”.
Do documento de fls. 456 e 457 resulta que foi escolhida a modalidade de venda por negociação particular e que não foi “fixado preço mínimo correspondente este ao valor da melhor proposta que venha a ser apresentada”.
Conforme resulta de fls. 538 foram apresentadas duas propostas tendo sido aceite a mais elevada a qual não foi coberta pelo outro proponente.
Estabelecia o artº 895º 2 do CPCivil que “no caso de inexistência de proponentes … o juiz, ouvidos os interessados presentes, decidirá sobre a forma como deve fazer-se a venda dos bens”.
Por sua vez estabelecia o artº 886º 3 c) que a venda extrajudicial pode revestir a forma de venda por negociação particular acrescentando a al. c) do artº 904º do CPCivil que a venda é feita por negociação particular quando a venda judicial se haja frustrado e o juiz não determine a venda em estabelecimento de leilões.
Por sua vez estabelecia o artº 905º 1 do mesmo CPCivil que, no despacho que ordene a venda por negociação particular designar-se-á o preço mínimo por que pode ser realizada.
Daí que a indicação do preço mínimo, na venda por negociação particular, tenha especial relevância sendo imprescindível a sua exacta quantificação quando é esta a primeira forma de venda escolhida.
Se estamos já perante uma forma de venda escolhida porque a primeira se frustrou e, por isso alternativa, por falta de proponentes na venda por propostas em carta fechada já a exacta quantificação daquele valor mínimo assume importância menos relevante.
E na situação concreta dos presentes autos perante a fundamentação do despacho em apreciação de que nenhuma proposta foi apresentada e do elevado valor da universalidade do estabelecimento a vender é de entender que na venda por negociação particular podia ser fixado como preço mínimo o correspondente ao valor da melhor proposta que venha a ser apresentada.
A exigência da fixação de um qualquer montante próximo do nada pouco acrescentaria à necessidade de vender os bens penhorados.
Daí que se entenda que o sentido da decisão recorrida só pode ser acompanhado uma vez que estamos perante uma venda por negociação particular que se seguiu a uma tentativa frustrada de venda por propostas em carta fechada.
E para esta forma de venda por negociação particular subsequente a uma frustrada venda por propostas em carta fechada podia o órgão de execução fiscal, no cumprimento do referido artº 886º-A do CPCivil, estabelecer que o preço mínimo corresponderá ao valor da melhor proposta que venha a ser apresentada.
É que, perante tal situação, se o órgão de execução fiscal, pode, fixar um preço mínimo de venda, pode também autorizar a venda por valor inferior a valor anteriormente fixado podendo desde logo fazer corresponder o valor mínimo da venda ao da melhor proposta que for apresentada, como foi o caso dos autos e como refere a sentença recorrida.
Por isso em tal forma de venda por negociação particular, subsequente a uma frustrada venda por propostas em carta fechada, a fixação de um preço mínimo da venda dos bens penhorados correspondente ao que resultar da melhor proposta que venha a ser apresentada não integra a nulidade prevista no artº 193° e seguintes do C.P.Civil uma vez que não se mostra ter ocorrido a prática de acto que a lei não admita ou a omissão de acto ou formalidade que a lei prescreva pelo que não ocorreu irregularidade susceptível de influir na realização da venda dos bens penhorados.
Do exposto resulta que não merece provimento o presente recurso.
4. Nos termos expostos nega-se provimento ao recurso.
Custas pela recorrente fixando-se em 50% a procuradoria.
Lisboa, 16 de Março de 2005. – António Pimpão – (relator) – Pimenta do Vale – Vitor Meira.