Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0508/03
Data do Acordão:10/28/2004
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CA
Relator:RUI BOTELHO
Descritores:PESSOAL DOS CTT.
REVISÃO DE PROCESSO DISCIPLINAR.
DEVER LEGAL DE DECIDIR.
Sumário:I - O pedido de revisão de sanção disciplinar deve ser dirigido à entidade que emitiu o acto punitivo e não àquela que sobre ela detenha poderes tutelares.
II - Se o pedido é apresentado a esta, que se não pronuncia, não se forma qualquer indeferimento tácito já que lhe não cabia o dever legal de o decidir, carecendo de objecto o recurso contencioso dele interposto.
III - Assim, de acordo com o disposto no do n.º 1 do art.º 60 do Regulamento Disciplinar dos CTT (Portaria n.º 348/87, de 28.4) "O interessado na revisão de um processo disciplinar apresentará requerimento nesse sentido ao conselho de Administração." e não ao Ministro que tutele a empresa.
Nº Convencional:JSTA00062225
Nº do Documento:SAP200410280508
Data de Entrada:03/31/2004
Recorrente:A...
Recorrido 1:MINES
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:AC 2 SUBJECÇÃO DO CA.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM GER - FUNÇÃO PUBL DISCIPLINAR.
Legislação Nacional:PORT 348/87 DE 1987/04/28 ART60.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
I Relatório
A.., com melhor identificação nos autos, vem recorrer do acórdão da 2.ª Subsecção, de 2.11.03, que rejeitou o recurso contencioso por si interposto do acto tácito que imputou ao Ministro do Equipamento Social na sequência do requerimento que lhe dirigiu e que visava a revisão da sanção disciplinar que lhe foi imposta enquanto funcionário dos CTT.
Terminou a sua alegação formulando as seguintes conclusões:
a)- O Acórdão deve ser sanado dos erros que o enfermam.
b)- Devem ser fixados ao Patrono os honorários e aceites as despesas pelo patrocínio judiciário.
c)- O processo disciplinar cuja revisão se requer embora instruído pelo CA dos CTT foi decidido pela Tutela e Julgado por esse Venerando Tribunal.
d)- A revogação ou alteração de um acto administrativo terá que seguir o disposto no art.º 18 da LOSTA e no art.º 142 do CPA.
e)- A Tutela dos CTT é a única entidade que pode decidir revogar ou alterar a decisão que tomou e, o STA, o único Tribunal com jurisdição para o fazer melhor, para apreciar o recurso do acto de indeferimento tácito da Tutela.
Não foi apresentada contra-alegação.
O Magistrado do Ministério Público emitiu Parecer sustentando a manutenção do julgado.
Colhidos os vistos cumpre decidir.
II Factos
Matéria de facto que importa fixar:
A. Na sequência de processo disciplinar, por deliberação de 24.1.96, proferida pelo Conselho de Administração dos CTT, foi imposta ao recorrente a sanção disciplinar de despedimento, "ao abrigo do n.º 5 do art.º 10 do RD/CTT aprovado pela Portaria n.º 348/87, de 27 de Abril..." . (doc. n.º 2)
B. Dela interpôs o recorrente recurso contencioso no TAC de Lisboa e, face ao seu inêxito, recurso jurisdicional para este STA, onde tomou o n.º 42641, também ele julgado improcedente.(doc. n.º 2)
C. Por decisão da 7.ª Vara Criminal da Comarca de Lisboa, transitada em julgado, o recorrente foi absolvido da acusação formulada no processo crime instaurado com base nos factos (pelo menos parte) que haviam servido de fundamento à sanção disciplinar.
D. Em 7.3.02 o recorrente, por intermédio do seu advogado apresentou ao Ministro do Equipamento Social um pedido de revisão do processo disciplinar com o seguinte teor: "Excelência
A..., solteiro, maior, portador do BI n° ..., emitido em 16.01.98 pelo SIC de Lisboa e do cartão de contribuinte fiscal n° ..., residente na Rua ..., Lisboa, vem ao abrigo do disposto no art.º 78 do ED aprovado pelo Decreto-Lei n° 24/84 de 16 de Janeiro, requerer a V. Exa. a revisão do processo disciplinar que lhe foi instaurado enquanto funcionário dos CTT, na sequência do qual o Conselho de Administração da indicada entidade deliberou em 24.01.96, puni-lo com a pena disciplinar de despedimento.
As circunstâncias e os meios de prova susceptíveis para demonstrar a inexistência dos factos que determinaram a condenação constam da sentença (junta sob Doc. n° 1) da 7ª Vara Criminal de Lisboa, que absolveu o requerente e que transitou em julgado em 99/03/26, pelo que nunca poderia ser utilizada pelo requerente no processo disciplinar.
Face ao exposto, requer a V. Exa se digne nomear instrutor que proceda à requerida revisão.
Junta: 1 documento, ofício da Ordem dos Advogados e despacho de nomeação Lisboa 2002, Março 07." (doc. n.º 3)
E. O acto tácito constituído sobre este requerimento foi o objecto do presente recurso contencioso.
III Direito
1. Nas conclusões a) e b) da sua alegação refere o recorrente que o acórdão recorrido contem erros materiais que devem ser corrigidos e ainda que não foram fixados os honorários devidos ao advogado constituído a coberto do regime jurídico do apoio judiciário. Quanto aos erros apontados importa referir que se trata um simples erro de numeração sem qualquer relevância no seu conteúdo decisório. Todavia, corrigindo a situação, declara-se que o ponto IV passa a ponto II. Quanto à omitida fixação de remuneração, até pela existência deste recurso, dir-se-á que a questão será considerada a final.
2. O acórdão recorrido, depois de afirmar a competência da jurisdição administrativa, tratou assim a pretensão do recorrente:
"Ora, não restam dúvidas que ao caso sub judicio não é aplicável o Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo DL 28/94 e designadamente o seu art.º 78° e seguintes, ao abrigo do qual o pedido de revisão aqui em causa foi formulado.
E, conforme tem entendido a jurisprudência deste Tribunal, de forma reiterada, desde o acórdão do Tribunal de Conflitos nº 20.05.2000, P. 339, também à situação sub judice não é aplicável o Estatuto Disciplinar do Pessoal dos CTT, aprovado pela Portaria n.º 348/87, de 28.04, uma vez que o mesmo não se inclui nos regimes jurídicos salvaguardados no n.º 2 do art.º 9° do DL n.º 87/92, do n.º 2 do art.º 3° do DL 277/92 e do n.º 3 do art.º 5° do DL 122/94, pois «o que se quis ressalvar foram somente os regimes especiais em matéria de segurança social e benefícios complementares da mesma natureza, por forma a tutelar não apenas os direitos adquiridos por trabalhadores, beneficiários e pensionistas, mas também as expectativas dos demais trabalhadores oriundos dos CTT EP, enquanto fundadas num quadro normativo compaginável com a natureza privada das entidades que aquela sucederam.».
Mas, assim sendo, não tinha a autoridade recorrida competência para apreciar o pedido de revisão disciplinar em causa, sujeito a regime de direito privado.
De qualquer modo, ainda que se entendesse aplicável ao caso o Estatuto Disciplinar do Pessoal dos CTT aprovado pela Portaria n.º 348/87, de 28.04, como se entendeu no Acórdão deste Tribunal de 20.05.98, proferido no rec. 42 641, que negou provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo aqui recorrente da sentença do TAC de Lisboa, que negou provimento ao recurso contencioso que este interpusera da deliberação do Conselho de Administração dos CTT, de 24.01.96, que o puniu com a pena disciplinar de despedimento, pela infracção prevista e punida nos art.º 3° e 16°, n.º 1 e 2, i) do citado Regulamento Disciplinar dos CTT, cuja revisão ora se pede (cf. certidão junta aos autos a fls.15 e seguintes), a solução não seria diferente.
Com efeito, nesse caso, o pedido de revisão do referido processo disciplinar, teria de ser dirigido ao Conselho de Administração dos CTT, entidade competente para o apreciar, nos termos do art.º 60°, n.º l do referido Regulamento Disciplinar dos CTT.
Assim, o Ministro da Tutela, à data em que o pedido de revisão foi formulado o então Ministro do Equipamento Social e actualmente o Ministro da Economia, não tinha, nem tem competência primária para apreciar o pedido de revisão do procedimento disciplinar que lhe foi formulado pelo recorrente, pois a sua competência, na matéria, esgotar-se-ia na apreciação do eventual recurso tutelar facultativo da deliberação do Conselho de Administração dos CTT , nos termos do art.º 62, n.º 2 do referido diploma legal.
E, não sendo a entidade competente para apreciar o pedido de revisão formulado pelo recorrente, não tinha a autoridade recorrida o dever legal de o decidir, pelo que não se formou o acto tácito de indeferimento ora sob recurso.
Com efeito, embora nos termos do n.º l do art.º 9° do CPA, os órgãos administrativos tenham o dever de se pronunciar sobre as pretensões dos particulares, só existe esse dever de decisão se se tratar de assunto da sua competência, pelo que a falta de decisão final sobre pretensão dirigida a órgão administrativo incompetente, não confere ao interessado a faculdade de presumir indeferida essa pretensão, para poder exercer o respectivo meio legal de impugnação (cf. n.º l do art.º l09°)
Consequentemente, o presente recurso contencioso, carece de objecto, pelo que terá de ser rejeitado, por ilegalidade na sua interposição, nos termos do §4° do art.º 57° do RSTA.
Termos em que, acordam os juizes deste Tribunal, em rejeitar o presente recurso contencioso, por ilegalidade da sua interposição ( art.º 57° §4° do RSTA)."
As alegações do recorrente não abalam a conclusão de rejeição do recurso contencioso a que ali se chegou. Com efeito, na construção adiantada no acórdão recorrido, ainda que se figurasse a existência de um recurso administrativo do Conselho de Administração dos CTT para o Ministro da tutela no âmbito dos procedimentos disciplinares, e consequentemente, nos de revisão desses procedimentos, o certo é que o pedido teria que ser apresentado perante a entidade com competência primária para apreciar o pedido e nunca perante a entidade com competência para conhecer desse recurso administrativo. Para além de decorrer dos princípios gerais sobre a matéria é o que resulta, também, do n.º 1 do art.º 60 do Regulamento Disciplinar dos CTT (Portaria n.º 348/87, de 28.4) onde diz que "O interessado na revisão de um processo disciplinar apresentará requerimento nesse sentido ao conselho de Administração."
De resto, mesmo aceitando-se a tese incipientemente exposta pelo recorrente, de que a entidade competente para conhecer do pedido de revisão era o Ministro por ter sido ele quem emitiu o acto final no processo disciplinar donde resultou o seu despedimento, o certo é que no seu caso a decisão final do processo administrativo coube ao CA dos CTT e não ao Ministro, tendo sido o acto daquele que foi apreciado nos tribunais, primeiro no TAC de Lisboa e depois neste Tribunal por via do recurso (conf. doc. n.º 2 junto com a petição de recurso e alínea B) da matéria de facto).
Improcedem, assim, as restantes conclusões da alegação do recorrente.
IV Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos acordam em negar provimento ao recurso.
Custas a cargo do recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário concedido, fixando-se a Taxa de Justiça e a Procuradoria em, respectivamente, 300 e 150 euros.
Fixam-se ao advogado constituído os honorários previstos na Portaria n.º 150/02, de 19.2, tanto pelo recurso contencioso como pelo recurso jurisdicional e defere-se o pagamento das despesas pedidas (fls. 85, ponto n.º 4).
Lisboa, 28 de Outubro de 2004. – Rui Botelho (relator) – António Samagaio – Azevedo Moreira – Pais Borges – Angelina Domingues – J Simões de Oliveira – Santos Botelho.