Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0548/08
Data do Acordão:04/22/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JORGE DE SOUSA
Descritores:IRC
DEFERIMENTO TÁCITO
FUSÃO DE SOCIEDADES
LIQUIDAÇÃO DE SOCIEDADE COMERCIAL
REVOGAÇÃO DO ACTO ADMINISTRATIVO
FUSÃO DE SOCIEDADES COMERCIAIS
Sumário:I - A adopção de conceitos próprios de fusão de sociedades, que é feita no n.º 1 do art. 67.º do CIRC, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 221/2001, de 7 de Agosto, tem o alcance de afastar, nesta matéria, os conceitos de fusão de sociedades comerciais adoptados no Código das Sociedades Comerciais, que eram aplicáveis à face da redacção inicial do CIRC, que não continha conceitos próprios.
II - Justifica-se que, no âmbito do direito fiscal, se considerem como casos de fusão de sociedades os de transferência global de activo e passivo de uma sociedade para outra que é detentora da totalidade do seu capital social, quando não houve qualquer actividade distinta dessa que seja denominada «liquidação».
III - Não podem considerar-se «elementos necessários ou convenientes para o perfeito conhecimento da operação» de fusão de sociedades os necessários para averiguar se existem ou não dívidas à Segurança Social.
IV - Formado deferimento tácito, nos termos do art. 69.º, n.º 7, do CIRC, na redacção da Lei 32-B/2002, de 30 de Dezembro, sobre um pedido de transmissibilidade dos prejuízos fiscais, na sequência de fusão de sociedades, ele configura um acto constitutivo de direitos para o requerente, que só pode ser revogado com fundamento em invalidade [arts. 140.º e 141.º do CPA, subsidiariamente aplicáveis, por força do preceituado nos arts. 2.º, alínea c), da LGT e 2.º, alínea d), do CPPT].
Nº Convencional:JSTA00065694
Nº do Documento:SA2200904220548
Data de Entrada:10/21/2008
Recorrente:B...
Recorrido 1:SE DOS ASSUNTOS FISCAIS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:AC TCA NORTE
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR FISC - IRC.
DIR PROC ADM GRAC - PRINCÍPIOS GERAIS.
Legislação Nacional:CIRC01 ART67 N1 C ART69 N2 N7 NA REDACÇÃO DO DL 221/2001 DE 2001/08/07.
CIRC88 ART62 NA REDACÇÃO DO DL 123/92 DE 1992/07/02.
CPPTRIB99 ART20 N1.
CPA91 ART140 ART141.
CPTA02 ART51 N4 ART87 N2.
Referência a Doutrina:LUÍS MENEZES LEITÃO FUSÃO CISÃO DE SOCIEDADES E FIGURAS AFINS IN FISCO N58 PAG20.
BAPTISTA MACHADO INTRODUÇÃO AO DIREITO E AO DISCURSO LEGITIMADOR PAG186.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – B..., S.A., propôs no Tribunal Central Administrativo Norte acção administrativa especial em que impugna o acto do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais de indeferimento de um pedido de transmissibilidade de prejuízos fiscais, que consta do Despacho n.º 116/2005 – XVII, de 30/9/2005.
A acção foi contra o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e não contra Ministério das Finanças, como deveria (art. 10.º, n.º 2, do CPTA, aplicável por remissão do art. 97.º, n.º 2, do CPPT), mas tal não obsta a que se considere a acção regularmente proposta, como impõe o n.º 4 daquele art. 10.º, considerando-se que a acção foi proposta contra o Ministério das Finanças.
O Tribunal Central Administrativo Sul decidiu «negar provimento à acção»o que, naturalmente, tratando-se de uma acção e não de um recurso, significa que a julgou improcedente.
Inconformada, a Autora interpôs o presente recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do disposto no art. 150.º do CPTA, tendo sido decidido pelo Excelentíssimo Senhor Relator na formação a que se refere o n.º 5 daquele artigo, que o recurso deveria seguir os termos dos recursos jurisdicionais previstos no art. 142.º do mesmo Código.
A Autora, ora Recorrente, apresentou alegações com as seguintes conclusões:
A – O Direito Fiscal, como ramo autónomo de direito adopta conceitos próprios e autónomos dos outros ramos do Direito;
B – É o que se verifica, em concreto, na definição de fusão constante do art. 67º nº 1 alínea c) do Código do IRC;
C – O qual é, na sua substância e nos seus efeitos, idêntico ao adoptado no art. 148-.º do Código das Sociedades Comerciais, ao abrigo do qual foi efectuada a operação de concentração em que a Recorrente interveio.
D – Sendo indiscutível e inquestionável que a operação efectuada pela Recorrente se tratou, nos termos do art. 67º nº 1 al. c) do Código do IRC, de uma fusão, devia o Douto Tribunal recorrido ter apreciado a questão do deferimento tácito do pedido de transmissibilidade dos prejuízos fiscais registados nas sociedades incorporadas.
E – Ora, da matéria de facto constante dos autos e, nos termos da legislação então aplicável, só se pode concluir que houve deferimento tácito do pedido apresentado pela Recorrente.
F – Porque entre a data de apresentação do pedido – 31 de Janeiro de 2005 – e o decurso do prazo de deferimento tácito – seis meses a contar daquela data – não ocorreu nenhum facto susceptível de suspender o decurso deste prazo.
G – Formado o acto tácito de deferimento pelo decurso do prazo de seis meses legalmente fixado, e estando verificados, como se provou, os requisitos – formais e substanciais – da sua validade, o acto de revogação do acto tácito de deferimento praticado pela Administração Fiscal, não pode produzir os seus efeitos, porque o acto tácito de deferimento foi, para a Recorrente constitutivo do direito à dedução dos prejuízos fiscais registadas nas sociedades incorporadas.
H – Pelo que se verifica a limitação à revogação dos actos administrativos constante do art. 140º do Código do Procedimento Administrativo (CPA).
I – Sendo assim de concluir que a Recorrente pode, na qualidade de sociedade incorporante deduzir os prejuízos fiscais que, à data da operação de fusão, estavam contabilizados e reconhecidos nas sociedades incorporadas.
O Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais contra-alegou, concluindo da seguinte forma:
a) A operação realizada pela A. não é enquadrável no conceito fiscal de fusão, constante da al. c) do nº 1 do art. 67º do CIRC;
b) Tal facto, torna desnecessário o apuramento da verificação de outros requisitos, designadamente, o de que a operação se realize por razões económicas válidas.
c) Assim, a operação em causa não cumpre os requisitos da neutralidade fiscal presentes no regime fiscal de transmissibilidade de prejuízos do art. 69º do mesmo Código.
d) Deste modo, não faz qualquer sentido a recorrente invocar que ocorreu deferimento tácito, uma vez que o mesmo nunca seria válido por não estarem reunidos os pressupostos dos artigos 67º, nº 1, al. c) e 69º, ambos do CIRC.
Termos pelos quais e, com o douto suprimento de V. Exa., não deve ser admitido o presente recurso de revista ou, pelo menos, deve-lhe ser negado provimento, sendo mantido o Acórdão recorrido, com todas as legais consequências.
O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer nos seguintes termos:
Tanto quanto se apura das conclusões das alegações de fls. 229 e 230 as questões objecto do presente recurso são as seguintes:
– Saber se a operação efectuada pela recorrente B... SA com as suas participadas C..., SA e D... preenche o conceito de fusão tal como definido no artº 67º, nº l do CIRC;
– Saber se na sequência do processo de fusão da recorrente B... SA com as suas houve deferimento tácito do pedido de transmissibilidade dos prejuízos fiscais registados nas sociedades incorporadas;
– Saber se, verificado esse acto tácito de deferimento a Administração Fiscal podia revoga-lo, ou, se, pelo contrário ocorria limitação à revogação dos actos administrativos constante do art. 140º do Código do Procedimento Administrativo.
Alega a recorrente que a operação por si efectuada se tratou de uma fusão tal como é definida pelo direito fiscal, no conceito adoptado pelo art. 67º, n.º 1, al. c) do IRC, conceito esse que é, na sua substância e efeitos, idêntico ao adoptado no art. 148.º do CSC, ao abrigo do qual foi efectuada a operação de concentração em causa.
E que entre a data de apresentação do pedido de transmissibilidade dos prejuízos fiscais registados nas sociedades incorporadas – 31 de Janeiro de 2005 – e o decurso do prazo de deferimento tácito – seis meses a contar daquela data – não ocorreu nenhum facto susceptível de suspender o decurso deste prazo.
Conclui que se formou o acto tácito de deferimento pelo decurso do prazo de seis meses legalmente fixado, estando verificados os requisitos – formais e substanciais – da sua validade.
Assim, acrescenta, o acto de revogação do acto tácito de deferimento praticado pela Administração Fiscal, não pode produzir os seus efeitos, porque o acto tácito de deferimento foi, para a Recorrente constitutivo do direito à dedução dos prejuízos fiscais registadas nas sociedades incorporadas.
Fundamentação:
A nosso ver o recurso não merece provimento, não colhendo a argumentação da recorrente quanto à primeira questão, mostrando-se subsequentemente prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas.
Vejamos.
Resulta do art. 67.º, n.º 1, al. c) do CIRC (redacção do Decreto-Lei n.º 221/2001, de 7 de Agosto) que se considera fusão «A operação pela qual uma sociedade (sociedade fundida) transfere o conjunto do activo e do passivo que integra o seu património para a sociedade (sociedade beneficiária) detentora da totalidade das partes representativas do seu capital social.»
Verifica-se assim, nesta hipótese da alínea c) a transferência dos activos e passivos da sociedade fundida para a sociedade beneficiária que é detentora da totalidade das partes representativas do capital social da primeira, ou seja uma empresa mãe incorpora uma filha.
Trata-se, pois, da chamada fusão incorporação que consiste na reunião por integração de uma ou mais sociedades noutra já existente Vide CIRC anotado da DGSI, pág. 237..
A doutrina vem entendendo como características fundamentais da operação de fusão as seguintes:
a) necessidade de existirem pelo menos duas sociedades intervenientes;
b) transferência global e total do património de uma sociedade para o de outra;
c) dissolução sem liquidação da sociedade fundida ou incorporada Cf, neste sentido Maria Teresa Veiga de Faria, Tratamento Fiscal das Fusões e Cisões de Sociedades de Capitais, in CTF 343-345, pág. 221 e segs., e ainda Luís Meneses Leitão, Fusão Cisão de Sociedades e Figuras Afins, revista Fisco, nº 57, pág. 20.
Como refere Jacques Y. Roelans, citado por Maria Teresa Veiga de Faria, ob. citada, pág. 308, a fusão tem por consequência a transferência do conjunto do património da sociedade incorporada para a sociedade incorporante ou das sociedades que se fundiram para a sociedade que se constituiu de novo, e deixando a sociedade incorporante ou as sociedades fundidas de existir, não havendo lugar a qualquer liquidação.
Ora acórdão recorrido teve em conta que a recorrente fundamentou o seu pedido de autorização para a dedução de prejuízos fiscais da sociedade C..., S.A., e D..., Lda., no facto de, em 20/1/04, se ter concretizado a dissolução e liquidação das sociedades acima referidas, por transmissão global do património respectivo para a autora.
E tendo em consideração esse facto concluiu que tal operação não se enquadra no conceito de fusão da a alínea c) do n .º 1 do artigo 67.º do CIRC.
Reverte com efeito do probatório, com relevo para a matéria dos autos, que «em 31/1/2005, a B..., S.A., no âmbito de um processo de "fusão" com as suas participadas C..., S.A., e D..., Lda., requereu ao Ministro das Finanças a transmissibilidade dos prejuízos fiscais registados nas referidas sociedades incorporadas; b) Em 20 de Dezembro de 2004 foi concretizada a dissolução e liquidação das sociedades C... S.A., sociedade anónima, (....) e D..., Lda., sociedade por quotas,(...) c) Verificou-se a transferência do conjunto do activo e do passivo que respectivamente integravam o património da C... e da D... (sociedades fundidas) para a esfera da entidade detentora da totalidade das partes representativas do capital social daquelas (a Autora);
d) À data da transferência do património a A. possuía a totalidade do capital social das sociedades por si absorvidas. (...)»
A chamada liquidação por transmissão global está prevista no artº 148B, n2 l do CSC que dispõe nos seguintes termos: «O contrato de sociedade ou uma deliberação dos sócios pode determinar que todo o património, activo e passivo, da sociedade dissolvida seja transmitido para algum ou alguns sócios, inteirando-se os outros a dinheiro, contanto que a transmissão seja precedida de acordo escrito de todos os credores da sociedade».
Como bem se sublinha a fls. 3 do parecer junto aos autos apensos, este arts 148e não dispensa a liquidação, Admite e regula um processo simplificado de liquidação que não é uma fusão, mas constitui, ainda e sempre, um caso de liquidação.
Daí que se entenda que a operação efectuada pela recorrente com as suas participadas C..., SA e D... não preenche o conceito de fusão tal como definido no art. 67º, n-1 do CIRC, pelo que deverá ser julgado improcedente o recurso.
As partes foram notificadas deste douto parecer e nada vieram dizer.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – No acórdão recorrido deu-se como assente a seguinte matéria de facto:
a) Em 31/1/2005, a B..., S.A., no âmbito de um processo de "fusão" com as suas participadas C..., S.A., e D..., Lda., requereu ao Ministro das Finanças a transmissibilidade dos prejuízos fiscais registados nas referidas sociedades incorporadas;
b) Em 20 Dezembro de 2004 foi concretizada a dissolução e liquidação das sociedades C... S.A., sociedade anónima, com o capital social Euro 1.350.000 (um milhão e trezentos e cinquenta mil euros), pessoa colectiva número ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o n.º 3672; D..., Lda., sociedade por quotas, com sede na Rua ..., ... piso, Lisboa, com o capital social de Euro 100.000 (cem mil euros), pessoa colectiva número ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, sob o n.º 9860;
c) Verificou-se a transferência do conjunto do activo e do passivo que respectivamente integravam o património da C... e da D... (sociedades fundidas) para a esfera da entidade detentora da totalidade das partes representativas do capital social daquelas (a Autora);
d) À data da transferência do património a A. possuía a totalidade do capital social das sociedades por si absorvidas. Os motivos subjacentes a estas operações prenderam-se, por um lado, com a constatação de que as sociedades fundidas se encontravam numa situação de perda de metade do capital social e, por outro lado, com a complementariedade da actividade por estas desenvolvida com a da sociedade sua detentora;
e) Entendendo que se encontravam reunidos os pressupostos necessários, a demandante apresentou no dia 31 de Janeiro de 2005, dois requerimentos, para efeitos de aproveitamento dos prejuízos fiscais das sociedades supra referidas que foram por si incorporadas;
f) Em resposta a tais requerimentos, foi a A. notificada no dia 23 de Maio de 2005, por intermédio do Ofício n.º 014478, do projecto de decisão de indeferimento do seu pedido de dedução de prejuízos fiscais;
g) Por despacho de 30/9/2005, n.º 1116/2005-XVII, do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, foi indeferido o pedido de transmissibilidade de prejuízos fiscais – tendo este sido recebido em 20/10/2005;
h) Em 18/1/2006, a B..., S.A., interpôs a presente administrativa especial.
3 – A Recorrente requereu ao Senhor Ministro das Finanças a transmissibilidade dos prejuízos fiscais registados nas sociedades C..., S.A., e D..., Lda., defendendo que se trata de um processo de «fusão» enquadrável na alínea c) do n.º 1 do art. 67.º do CIRC.
Esta disposição estabelece que se considera fusão «a operação pela qual uma sociedade (sociedade fundida) transfere o conjunto do activo e do passivo que integra o seu património para a sociedade (sociedade beneficiária) detentora da totalidade das partes representativas do seu capital social, nas referidas sociedades incorporadas».
No caso em apreço, como resulta da matéria de facto fixada, concretizou-se a dissolução e liquidação das sociedades C... S.A., e D..., Lda., e ocorreu a transferência do conjunto do activo e do passivo destas sociedades para a Autora, que era então a detentora da totalidade das partes representativas do capital social daquelas.
No acórdão recorrido entendeu-se que este conjunto de operações não se enquadra no conceito de «fusão», previsto naquela alínea c) do n.º 1 do art. 67.º do CIRC, porque ocorreu uma liquidação e «é da própria essência de fusão de sociedades a ausência de um processo de liquidação de sociedades envolvidas», «pois a sociedade absorvente ou a nova sociedade sucedem universalmente no património das sociedades que se extinguem (art. 112.º, al. a)) pelo que não se torna necessário que esse património seja liquidado para pagamento aos credores e determinação da quota dos sócios». ( ( ) Esta citação, transcrita no acórdão recorrido é extraída de LUÍS MENEZES LEITÃO, Fusão, cisão de sociedades e figuras afins», in Fisco, n.º 58, página 20. )
Esta interpretação, porém, tem de ser classificada como restritiva, pois a fórmula utilizada naquela alínea c) do n.º 1 do art. 67.º do CIRC abrange manifestamente a situação em apreço, pois as sociedades fundidas transferiram o conjunto do activo e do passivo que integravam os seus patrimónios para a sociedade beneficiária, detentora da totalidade das partes representativas do seu capital social.
A interpretação restritiva, porém, só é permitida quando se «chega à conclusão de que o legislador adoptou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que se pretendia dizer. Também aqui a ratio legis terá uma palavra decisiva. O intérprete não deve deixar-se arrastar pelo alcance aparente do texto, mas deve restringir este em termos de o tornar compatível com o pensamento legislativo, isto é, com aquela ratio. O argumento em que assenta este tipo de interpretação costuma ser assim expresso: cessante ratione legis cessat eius dispositio (lá onde termina a razão de ser da lei termina o seu alcance)». (()BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, página 186. )
No caso dos autos, não se vislumbra qualquer razão para afirmar que o legislador disse mais do que o que queria e pretendeu excluir do regime da fusão relevante para efeitos daquele art. 67.º as situações em que ocorreu liquidação.
Na verdade, a utilização de conceitos extraídos do Código das Sociedades Comerciais para encontrar razões para restringir o alcance daquela alínea c) é de excluir, pois a adopção de conceitos próprios de fusão de sociedades que é feita naquele o n.º 1 daquele art. 67.º, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 221/2001, de 7 de Agosto, tem precisamente o evidente alcance de afastar, nesta matéria, os conceitos próprios do direito das sociedades comerciais, que eram adoptados à face da redacção inicial do CIRC (( )Então no art. 62.º, a que corresponde o art. 67.º, após a renumeração operada pelo DL n.º 198/2001, de 3 de Julho. ) em que não se estabeleciam conceitos próprios de «fusão» de sociedades.
Por outro lado, já antes daquele DL n.º 221/2001, se efectuara um alargamento do conceito de fusão de sociedades para efeitos de aplicação do respectivo regime especial previsto no CIRC, ao aditar-se à redacção inicial, através do DL n.º 123/92, de 2 de Julho, um n.º 7 do art. 62.º em, que se estabeleceu que «é equiparada à fusão a operação pela qual uma sociedade transfere o conjunto do activo e do passivo que integra o seu património para a sociedade detentora da totalidade dos títulos representativos do seu capital social».
Com a introdução desta nova norma, manteve-se a do n.º 1 do mesmo artigo em que se aludia ao conceito de fusão de sociedades, sem qualquer especialidade e com implícita remissão para o conceito utilizado no Código das Sociedades Comerciais.
É, assim, seguro que se pretendeu, para efeitos de aplicação do referido regime especial previsto no CIRC, adoptar um conceito de fusão mais amplo do que o utilizado no Código das Sociedades Comerciais.
Por outro lado, justifica-se que, no âmbito do direito fiscal, se afastem estes conceitos do Código das Sociedades Comerciais, pois nos casos de transferência global de activo e passivo de uma sociedade para outra que é detentora da totalidade do seu capital social, quer tenha quer não tenha existido alguma actividade a que, adequadamente ou não, se dê o nome de liquidação, a realidade económica subjacente é a mesma, pois trata-se de uma transferência global do activo e passivo das sociedades fundidas para uma única beneficiária, detentora da globalidade das participações sociais das sociedades fundidas, situação em que não se vislumbra a necessidade de realizar liquidação, pois ela é instituída dos sócios e seus sucessores, não se justificando em situações em que todo o capital social pertence a um único sócio.
Aliás, no caso em apreço, a única actividade efectuada que foi denominada «liquidação» foi a transferência global para a accionista a ora Recorrente «dos patrimónios activos e passivos constantes do último balanço» (fls. 106), pelo que não existiu qualquer realidade jurídica distinta desta transferência, que se enquadra precisamente na previsão do n.º 7 do citado art. 62.º do CIRC.
A esta luz, as definições especiais de «fusão» de sociedades adoptadas no n.º 1 do art. 67.º do CIRC, são afloramentos da preocupação do Direito Fiscal em atender primacialmente à realidade económica, em detrimento dos conceitos jurídicos utilizados noutros ramos do Direito, preocupação essa bem evidenciada, de forma genérica no n.º 3 do art. 11.º da LGT, ao estabelecer que em caso de dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários.
É de concluir, assim, que não se justifica uma interpretação restritiva da alínea c) do n.º 1 do art. 67.º do CIRC, pelo que, sendo a situação referida no probatório enquadrável na respectiva hipótese normativa, é aplicável à ora Recorrente o regime especial de fusões de sociedades previsto nos arts 67.º e seguintes do CIRC, na redacção dada pelo DL n.º 221/2001, de 7 de Agosto.
4 – A segunda questão colocada pela Recorrente é a da formação de deferimento tácito sobre a sua pretensão de aproveitamento dos prejuízos fiscais das sociedades que foram por si incorporadas.
O art. 69.º do CIRC, na redacção resultante do DL n.º 221/2001, de 10 de Julho, e Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro (vigente até a alteração introduzida pela Lei n.º 50/2005, de 30 de Agosto) estabelecia o seguinte, no que aqui interessa.
1 – Os prejuízos fiscais das sociedades fundidas podem ser deduzidos dos lucros tributáveis da nova sociedade ou da sociedade incorporante até ao fim do período referido no n.º 1 do artigo 47.º, contado do exercício a que os mesmos se reportam, desde que seja concedida autorização pelo Ministro das Finanças, mediante requerimento dos interessados entregue na Direcção-Geral dos Impostos até ao fim do mês seguinte ao do registo da fusão na conservatória do registo comercial.
2 – A concessão da autorização está subordinada à demonstração de que a fusão é realizada por razões económicas válidas, tais como a reestruturação ou racionalização das actividades das sociedades intervenientes, e se insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva, devendo ser fornecidos, para esse efeito, todos os elementos necessários ou convenientes para o perfeito conhecimento da operação visada, tanto dos seus aspectos jurídicos como económicos.
(...)
7 – O requerimento referido no n.º 1, quando acompanhado dos elementos previstos no n.º 2, considera-se tacitamente deferido se a decisão não for proferida no prazo de seis meses a contar da sua apresentação, sem prejuízo das disposições legais antiabuso eventualmente aplicáveis. (Redacção da Lei 32-B/02, de 30-12.)
8 – Para efeitos do cômputo do prazo referido no número anterior, considera-se que o mesmo se suspende sempre que o procedimento estiver parado por motivo imputável ao requerente.
9 – No caso de ocorrer o deferimento tácito, a dedução dos prejuízos fiscais considera-se automaticamente escalonada por um período mínimo de três anos, não podendo em cada um dos dois primeiros praticar-se dedução superior a um terço do total dos prejuízos.
Está dado como provado que a Recorrente apresentou o respectivo pedido em 31-1-2005 e que só em 30-9-2005 foi proferido despacho de indeferimento [pontos e) e g) da matéria de facto fixada].
Não foi dado como provado qualquer facto que permita concluir que a Recorrente contribuiu de alguma forma para que o procedimento iniciado com o seu pedido estivesse parado ou que não tivesse sido acompanhado dos elementos referidos no n.º 2 daquele artigo.
Por outro lado, constata-se que a Autora juntou ao seu pedido de transmissibilidade de prejuízos fiscais um conjunto de documentos, entre os quais um «estudo demonstrativo das vantagens económicas da operação» (fls. 17 e seguintes), susceptíveis de darem perfeito conhecimento da operação visada, nos seus aspectos jurídicos e económicos, pelo que é de entender que deu satisfação ao requisito imposto pelo n.º 2 do art. 69.º do CIRC, cuja satisfação o n.º 7 do mesmo artigo exige para formação de deferimento tácito.
Justifica-se esta conclusão pelos factos de não terem sido solicitados à ora Autora quaisquer elementos adicionais e de o acto de indeferimento não fazer sequer qualquer referência a hipotético défice de tal documentação.
É certo que a Fazenda Pública, na sua contestação e nas alegações do presente recurso jurisdicional, afirma que existe uma Circular com o n.º 7/2005, de 16-5-2005, que exigiria outros elementos, entre as quais declarações do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social sobre a regularização da situação das empresas envolvidas em relação à Segurança Social.
Mas, para além de não se ter feito prova de que exista essa Circular e que tenha o conteúdo que o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais refere, constata-se que a data da emissão de tal hipotética Circular é posterior à data da apresentação dos pedidos de transmissibilidade de prejuízos fiscais, pelo que nunca se poderia dela retirar qualquer efeito negativo em relação à ora Autora derivado do seu não cumprimento.
Por outro lado, independentemente de a invocada declaração da segurança social ser requisito para deferimento do pedido, constata-se que ela não é indicada, directa ou indirectamente, no n.º 2 do art. 69.º do CIRC, pois, não podem considerar-se «elementos necessários ou convenientes para o perfeito conhecimento da operação visada», pois estes elementos são apenas os que se relacionam com a «demonstração de que a fusão é realizada por razões económicas válidas, tais como a reestruturação ou racionalização das actividades das sociedades intervenientes, e se insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva», como se conclui com evidência do texto daquela norma, ao referir que os tais «elementos necessários ou convenientes» devem «ser fornecidos, para esse efeito» e não para outros efeitos, designadamente para averiguação da existência ou não de dívidas à Segurança Social.
Ora, é apenas do acompanhamento do requerimento por estes elementos referidos no n.º 2 e não quaisquer outros eventualmente necessários ou convenientes para apreciação do pedido que o n.º 7 do art. 69.º fazia depender a formação de deferimento tácito.
Assim, é de concluir que decorreu o prazo de seis meses previsto no n.º 7 daquele art. 69.º para a formação de deferimento tácito, prazo esse que se conta seguidamente (art. 20.º, n.º 1, do CPPT), desde a apresentação dos pedidos, pelo que terminou em 31-7-2005, antes da prolação do despacho de indeferimento, em 30-9-2005.
Formado deferimento tácito, ele configura um acto constitutivo de direitos para a ora Recorrente, que só podia ser revogado com fundamento em invalidade, como decorre dos arts. 140.º e 141.º do CPA, subsidiariamente aplicáveis, por força do preceituado nos arts. 2.º, alínea c), da LGT e 2.º, alínea d), do CPPT.
No caso, o Despacho n.º 116/2005 – XVII, cuja cópia consta de fls. 109-110, proferido depois da formação de deferimento tácito, será revogatório deste, por substituição.
O fundamento invocado para indeferimento da pretensão apresentada pela Autora foi «não ter havido uma sucessão universal de todos os activos e passivos para a sociedade beneficiária ... uma vez que a alínea c) do n.º 1 do art. 67.º do Código do IRC não permite a entrada em liquidação das sociedades implicadas».
Porém, como resulta do probatório «verificou-se a transferência do conjunto do activo e do passivo que respectivamente integravam o património» das sociedades fundidas para a Autora, detentora da totalidade das partes representativas do capital social daquelas, pelo que se tem de concluir que ocorreu a «sucessão universal» referida naquele Despacho e exigida pela alínea c) do n.º 1 do art. 67.º do CIRC.
Por outro lado, como se viu, esta alínea c) do n.º 1 do art. 67.º do CIRC não afastava do seu campo de aplicação as situações em tivesse havido uma operação ou pseudo-operação denominada «liquidação», desde que o conjunto do activo e do passivo que integram o património das sociedades fundidas fosse transferido para a sociedade beneficiária, que era detentora da totalidade das partes representativas do capital social daquelas.
Por isso, o referido Despacho enferma de vício de violação de lei, não só por erro sobre os pressupostos de facto, mas também por violação do disposto nos arts. 140.º e 141.º do CPA, pois o deferimento tácito era válido e constitutivo de direitos.
Estes vícios justificam a anulação do referido Despacho n.º 116/2005 – XVII (art. 135.º do CPA).
5 – A Autora formula, em primeira linha, pedidos de confirmação do deferimento tácito e reconhecimento do direito à dedução dos prejuízos fiscais acumulados nas suas participadas, e subsidiariamente, a «revogação do despacho de indeferimento dos requerimentos apresentados para aplicação do regime estabelecido no art. 69.º do CIRC e, consequentemente, seja deferido o pedido efectuado no referido requerimento».
Independentemente da adequação de tais pedidos a uma acção administrativa especial (inclusivamente em face do preceituado no art. 51.º, n.º 4, do CPTA que impõe a formulação de convite para correcção da petição nos caso de impugnação de actos de indeferimento, por forma a ser apresentado pedido de condenação à prática de acto devido), o certo é que foi já ultrapassada a fase do despacho saneador sem que tivesse sido suscitada qualquer questão prévia, pelo que não podem já suscitar-se qualquer questões desse tipo (art. 87.º, n.º 2, do CPTA).
No entanto, há que notar que os primeiros pedidos devem ser interpretados como pedidos de declaração da existência de deferimento tácito e de dedução dos prejuízos fiscais acumulados nas suas participadas, já que não se faz um pedido de condenação; por outro lado, a satisfação dos interesses da Autora não pode ser efectuada sem a cumulativa eliminação jurídica do despacho de indeferimento, pois se ele devesse subsistir na ordem jurídica, seria revogatório por substituição do deferimento tácito.
Por isso, sendo o objecto do processo a relação jurídica gerada entre a Autora e a Administração Fiscal na sequência do pedido de transmissibilidade de prejuízos fiscais apresentado pela primeira, há que efectuar a respectiva regulação com pronúncia cumulativa sobre todos os pedidos formulados.
Nestes termos acordam em
– conceder provimento ao recurso jurisdicional;
– revogar o acórdão recorrido;
– julgar procedente a acção;
– declarar que se formou deferimento tácito sobre o pedido de transmissibilidade de prejuízos fiscais referido na alínea a) da matéria de facto fixada;
– anular o Despacho n.º 1116/2005-XVII, de 30/9/2005, do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.
Custas pelo Ministério das Finanças, com a seguinte taxa de justiça:
– na 1.ª instância, 5 UC (art. 73.º.D, n.º 3, do CCJ);
– neste Supremo Tribunal Administrativo, em função do valor atribuído à acção (arts. 18.º, n.º 1, e 73.º-A, n .º 4, do CCJ).
Fixa-se em 1/6 a procuradoria.
Lisboa, 22 de Abril de 2009. – Jorge de Sousa (relator) – António Calhau – Lúcio Barbosa.