Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0369/05
Data do Acordão:06/29/2005
Tribunal: 2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO PIMPÃO
Descritores:FUNDO SOCIAL EUROPEU.
PRESCRIÇÃO.
Sumário:É de vinte anos, nos termos do artº 309º do C. Civil, o prazo de prescrição das quantias devidas ao Fundo Social Europeu.
Nº Convencional:JSTA0005664
Nº do Documento:SA2200506290369
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo:
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1. A..., L.da, recorre da sentença que, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, julgou improcedente a oposição referente à execução por dívidas ao DAFSE.

Alegou formulando o seguinte quadro conclusivo:
1º O DAFSE suprimiu parte do apoio concedido para Formação Profissional e solicitou a restituição do mesmo.
2° Fê-lo, coercivamente, através de execução fiscal. Ora,
3° O Tribunal Tributário é incompetente, em razão da matéria, para em Execução Fiscal cobrar dívida da natureza da, aqui, em causa. Na verdade,
4° Nos termos do disposto no artigo 233° do C.P.T. equiparar “outras dívidas” a crédito do Estado, para as executar por esta via, tem de o ser por “Lei”.
5° No caso não o é por organicamente inconstitucional o artigo 1° do DL.- 158/90.
6° O DAFSE é um Instituto Autónomo, com gestão de receitas próprias.
7° Não está definido a que título está a exigir da Recorrente a quantia exequenda.
8º Esta não é equiparável a comparticipação saída do Orçamento de Estado.
9° Seja como for sempre a alegada dívida estará prescrita.
10° Se se aplicar o direito civil, por via do direito de regresso o prazo é de três anos.
11º Se se pretender que se trata de reposição de dinheiros públicos o prazo será de cinco anos. Ora,
12° O Despacho que suprimiu o apoio foi proferido em 04/12/90 e a R. citada em 30/07/99.
Decidindo-se como se decidiu violou-se o disposto no artigo 167° - 1, alínea q) da C.R.P., artigo 498° - 2 do Código Civil e 40º do DL.- 155/92.
Deve revogar-se a decisão recorrida e julgar-se procedente a oposição.
O EMMP entende que o recurso não merece provimento nos termos da jurisprudência deste STA que identifica.

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2. A decisão recorrida fixou o seguinte quadro factual:
A) Com base na certidão de dívida emitida pelo Departamento Para os Assuntos do Fundo Social Europeu foi instaurada contra a oponente a execução fiscal n°-3760-99/100597.9, na 2ª Repartição de Finanças de Ovar, para cobrança coerciva da quantia de 1.801.369$00, proveniente de verbas recebidas indevidamente do Fundo Social Europeu e do Estado Português, respeitante à acção de formação profissional desenvolvida no âmbito do “dossier” 870276 P1, cfr. certidão de fls. 6 destes autos que aqui se dá por inteiramente reproduzida.
B) A oponente foi citada em 30/07/1999, por carta registada com aviso de recepção, cfr. certidão de citação e aviso de recepção de fls. 14 e 15 que aqui se dão por inteiramente reproduzidos.
C) A petição inicial da presente oposição deu entrada na 2ª Repartição de Finanças do Concelho de Ovar em 18/08/1999, conforme carimbo aposto a fls. 2 destes autos.
D) Por despacho do Secretário de Estado do Emprego, de 04/12/90, foi suprimido o apoio do FSE e a correspondente comparticipação pública nacional, cfr. ofício de fls. 10 que aqui se dá por inteiramente reproduzido.
E) O DAFSE, por ofício de 4/11/98, solicitou à oponente a devolução da quantia de 1.801.369$00, cfr. oficio de fls. 7 a 9 que aqui se dá por inteiramente reproduzido.
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3.1. A sentença recorrida entendeu não sofrer de inconstitucionalidade orgânica a norma do artº 1º do DL 158/90, de 17-5 e não haver decorrido o prazo da prescrição da dívida exequenda depois de afirmar a competência do tribunal recorrido.
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3.2. São estas questões que a recorrente suscita no presente recurso e a que este STA já respondeu nos acórdãos de 03-07-2002, rec. 26.647, 06-11-2002, rec. 727-02 e 25-06-2003, rec. 325 e que acompanharemos.
Entende-se, por isso, que tendo sido retirado à oponente o apoio financeiro referido e ordenada a restituição do montante de 1.801.369$00 foi instaurada execução fiscal para cobrança coerciva de dívida ao Departamento para os Assuntos do Fundo Social Europeu respeitante a acção de formação profissional.
E o processo de execução fiscal abrange a cobrança de tal dívida.
Com efeito e como resulta do preâmbulo do Decreto-Lei nº 158/90, de 17 de Maio, transcrito na sentença recorrida:
«As normas jurídicas portuguesas existentes no âmbito das comparticipações financeiras do Fundo Social Europeu prevêem a restituição voluntária sempre que as mesmas não sejam utilizadas ou, sendo-o, sejam utilizadas para fins diferentes daqueles para que foram concedidas.
Portugal é, nos termos do direito comunitário, subsidiariamente responsável, perante a Comissão das Comunidades Europeias, pelo reembolso das comparticipações pagas e não utilizadas ou indevidamente aplicadas.
A natureza das verbas envolvidas impõe, assim, que as acções contenciosas conducentes à reposição daqueles subsídios, quando irregularmente utilizados, se processem no domínio da justiça fiscal. Isto, obviamente, sem prejuízo da responsabilidade criminal que, eventualmente, se verifique em cada situação concreta.
Este decreto-lei tem por objectivo fixar a instância processual competente, definir os títulos executivos necessários à propositura da acção e, ainda, graduar os créditos emergentes daquelas situações, em ordem a garantir o respectivo pagamento na concorrência de mais credores.»
Por isso estabeleceu o artº 1º do mesmo Decreto-Lei nº 158/90, de 17 de Maio, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 246/91,de 6 de Julho, que:
“1 - Sempre que as entidades obrigadas à restituição de qualquer quantia recebida no âmbito das comparticipações do Fundo Social Europeu e do Estado Português não cumpram a sua obrigação no prazo estipulado, será a mesma realizada através de execução fiscal.
2- A execução fiscal será promovida pelos serviços competentes de justiça fiscal com base em certidão do despacho do director-geral do Departamento para os Assuntos do Fundo Social Europeu que determine a restituição e sua notificação à entidade devedora.
3- A representação do exequente nos tribunais tributários faz-se nos termos do disposto no artigo 42.° do Código de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei nº 154/91, de 23 de Abril.”
E por força do artº 233º nº 2 alínea b) do C.P.T., referente ao âmbito da execução fiscal serão igualmente cobradas mediante processo de execução fiscal “outras dívidas equiparadas por lei aos créditos do Estado”;
No mesmo sentido estabelecia o artº 62° do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (Decreto-Lei nº 129/84, de 27 de Abril — ETAF) que “compete aos tribunais tributários de 1ª instância conhecer:

c. Da cobrança coerciva de dívidas a pessoas de direito público, nos casos previstos na lei, (...);

g. Das demais matérias que lhes forem confiadas por lei:”
Nos termos do artº 31° do CPT “constituem garantias dos créditos do Estado, além de outras previstas na lei, a sua cobrança coerciva mediante processo de execução fiscal e o direito de reclamação de créditos fiscais em processos de execução que não sigam os termos da execução fiscal”.
Neste mesmo sentido se pronunciou este STA (citado Ac. 06-11-2002, rec. 727/02) em cujo sumário se escreveu que “na apontada qualidade compete-lhe (ao FSE), além do mais, proceder à eventual cobrança coerciva, através da via contenciosa da justiça fiscal – execução fiscal – dos saldos credores a final apurados por decisão da Comissão Europeia relativamente às acções de formação comparticipadas com verbas daquele FSE e do OSS, porventura emergentes da não aplicação ou aplicação indevida dos subsídios concedidos”.
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3.3. Conforme se decidiu no já referido acórdão deste STA de 03-07-2002, rec. 26647, das decisões do DAFSE que ordenam a restituição de quantias indevidamente recebidas cabe recurso contencioso para os tribunais administrativos de círculo pelo que não tendo sido interposto tal recurso não podem os interessados pretender fazer valer os seus direitos através de oposição à execução fiscal por não poder ser aí apreciada a ilegalidade em concreto nos termos do artº 286º 1 g) do CPT.
Nem sofre a norma do artº 1º do DL 158/90, de 17-5, na redacção do DL 246/91, de 6-7, de inconstitucionalidade tal como o entendeu o TC no acórdão 440/2000, proc. 7/2000, de 2000-10-24.
Com efeito e conforme neste acórdão se escreveu:
“…
Assim, de acordo com toda esta legislação, a competência dos tribunais fiscais para, através da acção executiva, cobrarem dívidas ao Estado abrange, para além das resultantes de contribuições, impostos e taxas, coimas e outras sanções pecuniárias decorrentes de contra-ordenações fiscais, os reembolsos e reposições e ao lado destes, podem também ser cobradas através do processo de execução fiscal, outras dívidas ao Estado, de qualquer natureza, desde que a obrigação de pagamento esteja reconhecida por despacho ministerial, e ainda, as dívidas que, por lei, são equiparadas aos créditos do Estado e ainda a cobrança de dívidas a pessoas de direito público, nos casos previstos na lei.
No caso em apreço torna-se relevante salientar que, aprovado o financiamento público de uma acção de formação (que corresponde á soma da contribuição comunitária com a contribuição pública) e realizados os adiantamentos previstos, quando se detecta a existência de montantes indevidamente pagos ou não justificados cabe ao DAFSE notificar as entidades promotoras para procederem á restituição desses montantes.
Trata-se portanto de reembolsos de dinheiros do Estado (caso da comparticipação vir do Orçamento) ou de dinheiros vindos do FSE, cujo pagamento é feito por intermédio do Estado e por cujo reembolso o Estado é, em certos termos, responsável, como resulta das disposições citadas dos Regulamentos (CEE) nºs 1681/94 e 4253/88.
Assim, a norma do diploma que determina que estas restituições devem se cobradas através do processo de execução fiscal no caso de não cumprimento da restituição voluntária não vem alargar ou sequer modificar a competência já estabelecida no Código de Processo Tributário. Com efeito, o CPT de 1991 inclui no âmbito do processo de execução os reembolsos e reposições de créditos do Estado, o que aliás também já constava do Código das Contribuições e Impostos, que foi por aquele revogado (artigo 144°).
Não existe assim qualquer violação da reserva de lei da Assembleia da República uma vez que não há nenhuma invasão do poder legiferante do Parlamento quando o Governo legisla respeitando os limites já definidos da competência dos serviços de justiça fiscal, designadamente, do âmbito do processo de execução fiscal.”.
Acompanhando o TC entende-se não ocorrer a questionada inconstitucionalidade.
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3.4. Nem ocorreu a invocada prescrição que a oponente continua a sustentar estar sujeita a um prazo de 3 anos, nos termos do nº 2 do artigo 498º do Código Civil ou de cinco anos.
Conforme se escreveu na sentença recorrida não prevendo as normas comunitárias prazo para a prescrição das dívidas resultantes de comparticipações recebidas e a restituir, por não terem sido utilizadas ou terem sido indevidamente utilizadas, sendo certo que as comparticipações resultam de acordo entre o FSE e certas entidades públicas ou privadas que se comprometem a atingir determinados objectivos no âmbito da formação profissional, a situação de prescrição enquadra-se no domínio da lei civil, pelo que o prazo de prescrição à face do direito português será de vinte anos, nos termos do artº 309° do Código Civil.
É também esta a doutrina dos dois últimos acórdãos citados deste STA (06-11-2002, rec. 727-02 e 25-06-2003).
Escreveu-se neste último que:
“Quanto à prescrição:
Nos termos do artº 40° n° 1 do Dec. Lei 155/92, de 28Jul, que estabelece o regime da administração financeira do Estado, “a obrigatoriedade de reposição das quantias recebidas prescreve decorridos cinco anos após o seu recebimento”.
Aquele diploma faz referência à Lei 8/90, de 20 Fev - Lei de Bases da Contabilidade Pública - que no seu artº 2°, faz apelo “à autonomia administrativa nos actos de gestão corrente” que define como sendo “todos aqueles que integram a actividade que os serviços e organismos normalmente desenvolvem para a prossecução das suas atribuições”, excluindo de tal âmbito “os actos que envolvam opções fundamentais de enquadramento da actividade dos serviços e organismos e designadamente, que se traduzam na aprovação dos planos e programas de actividades e respectivos relatórios de execução ou na autorização para a realização de despesas cujo montante ou natureza ultrapassem a normal execução dos planos e programas aprovados” - seu n°3.
O Dec. Lei 155/92 – artº 1º - “contém as normas legais de desenvolvimento do regime de administração financeira do Estado a que se refere a lei n° 8/90, de 20 Fev.
E o próprio preâmbulo daquele primeiro diploma legal faz apelo, procurando concretizá-la, a “uma definição mais rigorosa do âmbito da gestão corrente e princípios de organização interna que o adequam à estrutura do Orçamento por programas”.
Ora, o débito em causa não tem aquela natureza de despesa de gestão corrente.
Na verdade, como resulta do probatório, trata-se de comparticipações conjuntas recebidas pela oponente, do FSE e do OSS, em que se torna difícil separar a origem dos fundos -como se refere no Ac. do TC de 24/10/00 Proc° 7/00-, ainda que seja o Estado Português o responsável pela devolução, às autoridades comunitárias, dos valores por aquela primeira entidade adiantadas - art° 6° do Regulamento CEE n° 2950/83, do Conselho, de 17 Out. E a quantia reclamada no processo executivo corresponde as saldo credor apurado, a final, por decisão da Comissão relativamente às acções de formação profissional comparticipadas com as referidas verbas.
E as comparticipações financeiras do FSE e do OSS, para tais acções, constituem, não despesas de gestão corrente ou de administração mas, antes, “despesas de capital”, como tal inscritas no Orçamento da Segurança Social, conforme mapas anexos ao respectivo Orçamento anual do Estado.
Não tem, pois, aplicação nos autos o prazo de prescrição de 5 anos referido no dito artº 40º n° 1 do Dec. Lei 155/92.
Mas antes o geral ordinário de 20 anos, nos termos do artº 309° do Cód. Civil.”.
E na situação concreta dos presentes autos, tal como decidiu a sentença recorrida, o referido prazo ainda não decorreu pois que tendo o despacho que suprimiu o apoio do FSE sido proferido em 04/12/1990 e sendo a oponente foi citada em 30/07/1999 não se encontrava prescrita a dívida exequenda.
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4. Nos termos expostos nega-se provimento ao recurso.
Custas pela recorrente fixando-se em 50% a procuradoria.
Lisboa, 29 de Junho de 2005. – António Pimpão (relator) – Jorge de Sousa – Brandão de Pinho.