Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0161/07
Data do Acordão:05/22/2007
Tribunal:2 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:JORGE DE SOUSA
Descritores:LICENÇA DE CONSTRUÇÃO
PARQUE NATURAL SINTRA-CASCAIS
PARECER VINCULATIVO
ACTO ADMINISTRATIVO
ACTO PERMISSIVO
REVOGAÇÃO DO ACTO ADMINISTRATIVO
AUDIÊNCIA PRÉVIA
PRINCÍPIO DA INOPERÂNCIA DOS VÍCIOS
Sumário:I - Se, no âmbito de um procedimento de licenciamento de construção sujeito a parecer favorável concordante da Comissão Directiva do Parque Natural Sintra-Cascais, for proferido um parecer expresso desfavorável, a câmara municipal competente para se pronunciar sobre o pedido de licenciamento não pode decidir em desconformidade com ele, mesmo que tenha sido recebido para além do prazo para formação de presunção de concordância previsto no art. 19.º, n.ºs 8 e 9, do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, na redacção do Decreto-Lei n.º 177/2001, de 4 de Junho.
II - O referido «parecer» tem natureza de acto administrativo de tipo permissivo, configurando uma «autorização», estando subordinado ao regime de revogação dos actos administrativos previsto nos arts. 140.º e 141.º do CPA.
III - Na alínea b) do n.º 2 da Resolução do Conselho de Ministros n.º 56/2002, de 13 de Março, que interdita os «actos e actividades» de «construção, reconstrução ou ampliação de edifícios ou outras instalações», inclui-se a alteração de um edifício em construção.
IV - Por força dos princípios do aproveitamento do acto e da inoperância dos vícios, a constatação de que um acto administrativo enferma de um vício procedimental nem sempre justifica que ele seja anulado, não se justificando a anulação, designadamente, quando decisão diferente da que foi adoptada pela autoridade administrativa estaria afectada por nulidade.
Nº Convencional:JSTA00064349
Nº do Documento:SA1200705220161
Data de Entrada:02/21/2007
Recorrente:A...
Recorrido 1:PRES DA CM DE SINTRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:RECURSO JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF LISBOA.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR URB - LICENCIAMENTO CONSTRUÇÃO.
Legislação Nacional:DL 555/99 DE 1999/12/16 NA REDACÇÃO DO DL 177/2001 DE 2001/06/04 ART19 ART24 ART68.
RCM 56/2002 DE 2002/03/13 N2.
CPA91 ART134 ART140 ART141.
DRGU 9/94 DE 1994/03/11 ART7 ART25.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC34743 DE 1995/04/27.; AC STA PROC40842 DE 1999/09/23.; AC STA PROC495/02 DE 2003/05/14.
Referência a Doutrina:FREITAS DO AMARAL CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO V2 PAG256-274.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A... interpôs no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa recurso de anulação do despacho do Senhor Presidente da Câmara Municipal de Sintra, de 13-6-2003, proferido no exercício de competência delegada, que indeferiu um pedido de licenciamento de obras.
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, que sucedeu na competência daquele Tribunal, negou provimento ao recurso.
Inconformado, o Recorrente interpôs o presente recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando alegações com as seguintes conclusões:
1. O facto de os n.ºs 1 dos art. 7º e 25º do Regulamento do Plano de Ordenamento do Parque Natural Sintra-Cascais imporem a necessidade do parecer da Comissão Directiva e de este parecer ser vinculativo.
II. Não significa que o parecer - obrigatório e vinculativo - não deva ser dado no prazo geral de 20 dias que a Regime Jurídico da Urbanização e Edificação fixa no nº 8 do seu art. 19º.
III. E que, não sendo dado nesse prazo, tal comportamento omissivo não seja considerado como concordância, como estatui o nº 9 do art. 19º desse Regime Jurídico.
IV. Pois, não havendo nenhuma norma especial que fixe diferente prazo, então necessariamente haverá que se aplicar a lei geral, sob pena de assim se subverter todo o sistema legal do urbanismo que, hoje em dia, fixa prazos para todo e qualquer acto do procedimento V. Assim se promovendo a celeridade processual como uma das traves mestras d / sistema.
VI. Mas, caso assim se não entenda, o Particular (e a própria Câmara Municipal...) poderia ficar perpetuamente a aguardar o parecer.
VII. O que sempre seria injusto e iníquo, nunca podendo (devendo) ser esse o resultado da aplicação de uma lei num Estado de Direito.
VIII. Também a aplicação das medidas preventivas estatuídas na Resolução do Conselho de Ministros n.º 56/2002 à pretensão urbanística do Recorrente
IX. A qual se traduz claramente na realização de obras de alteração em edifício não concluído
X. E cuja possibilidade está expressamente prevista no art. 83º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação
XI. Não pode deixar de violar a Lei.
XII. Pois que na al. b) do n.º 2 da RCM 56/2002, não ficaram interditadas as obras de alteração
XIII. Tendo apenas sido proibidas as obras de construção, de reconstrução e de ampliação.
XIV. Pelo que também esta aplicação das medidas preventivas à pretensão do Recorrente padece de vício de violação de lei
XV. Sendo que, do teor das conclusões supra e parafraseando o Ilustre Conselheiro António Samagaio, «o direito do interessado na participação da formação do acto de que é alvo (...) é, verdadeiramente, violado no caso de existir a possibilidade, mesmo que ténue que seja, de vir a influir quer pelos esclarecimentos prestados, quer pelo chamamento da atenção de certos aspectos de facto ou de direito, na decisão a proferir, no termo da instrução...»
XVI. Sendo que no caso ora em apreciação, não sendo a Lei tão clara quanto parece decorrer da sentença do M. Juiz a quo,
XVII. Sempre deveria ter sido garantido o direito de audição prévia do administrado previsto no art. 101º do Código de Procedimento Administrativo
XVIII. Sendo que a omissão desta fase procedimental, porque não fundamentada numa inequívoca aplicação da Lei e do Direito
XIX. Também é ilegal.
XX. Outra solução é injusta, e restringe o direito de participação do Administrado nas decisões que lhe dizem respeito.
Nestes termos e com o sempre mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se o Acórdão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, assim se fazendo JUSTIÇA.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer nos seguintes termos:
1. Imputa o recorrente à sentença recorrida erro de julgamento sobre a improcedência do alegado vício de violação dos arts 19º, n.ºs 8, 9 e 11 e 24º, n.º 1, al. c) do DL n.º 555/99, redacção do DL nº 177/01, de 4 de Junho.
Alega, a propósito, que a falta de emissão, no caso, de parecer da Comissão Directiva do Parque Natural Sintra-Cascais (PNSC), no prazo legalmente previsto no nº 8 do referido artº 19º, significa concordância daquela entidade com a sua pretensão de licenciamento, nos termos do nº 9 do mesmo artigo, e que, face a ela, por inobservância daquele prazo, não operaria o parecer desfavorável posteriormente emitido, em 30/1/2003 – cfr. fls. 45/47.
Ora, sendo certo que o silêncio daquele órgão vale como acto tácito de concordância, nos termos sustentados pelo recorrente, o parecer desfavorável posterior à sua formação procedeu à sua revogação, extinguindo todos os respectivos efeitos jurídicos, com fundamento na sua ilegalidade, por violação da al. b) do nº 2 da RCM nº 56/2002, de 13 de Março – cfr. fls. 47/45.
Em consequência, dada a natureza obrigatória e o carácter vinculativo que a lei confere ao parecer da Comissão Directiva do PNSC sobre o projecto de licenciamento de construção apresentado pelo recorrente, de acordo com o disposto nos arts 7º, nº 1 e 25º, nº 1 do Regulamento do Plano de Ordenamento do Parque Natural de Sintra-Cascais, aprovado pelo Decreto-Regulamentar n.º 9/94, de 11 de Março, a autoridade recorrida não podia deixar de indeferir a pretensão do recorrente, sob pena de nulidade, nos termos dos arts 24º, nº 1, al. c) e 68º, al. c) in fine do DL n.º 555/99, redacção do DL nº 177/01, de 4 de Junho, bem como do artº 13º do DL nº 151/95, de 24 de Junho.
Improcede nesta parte o recurso.
2. Invoca também o recorrente erro de julgamento em matéria de improcedência do vício de violação de lei, por ofensa do nº 2, al. b) da RCM n.º 56/2002, de 13 de Março, em cuja previsão de interdição de realização de obras de construção, reconstrução ou ampliação de edifícios ou outras instalações não se incluiria a sua pretensão urbanística, uma vez que ela se traduzia na realização de obras de alteração em edifício não concluído.
Está em questão um pedido de licenciamento de obras de alteração do projecto de arquitectura de um imóvel (moradia), em que a respectiva construção está em fase de estrutura e em desacordo com o projecto aprovado – matéria de facto provada, a fls. 130.
As obras a licenciar compreendem-se pois no âmbito da actividade que tem em vista a construção de uma nova edificação, na medida em que não existe ainda, como resultado dessa actividade, um imóvel susceptível de utilização humana, cujas características físicas sejam objecto de modificação.
E, como tal, elas não poderão deixar de ser qualificadas como obras de construção e não de alteração, como o recorrente pretende, carecendo de suporte a alegação, manifestamente contraditória, de que se trata de obras de alteração em edificação já existente, embora não concluída – cfr. artº 2º, als a), b) e e) do DL 555/99, de 16 de Dezembro, redacção do DL n.º 177/01, de 4 de Junho.
Acresce que, de acordo com a informação em que se fundou o acto impugnado, o projecto contempla a realização de obras com aumento da área de implantação, o que igualmente obsta à sua qualificação como obras de construção, nos termos da referida alínea e) in fine – Cfr. fls. 48 e segs.
Em consequência, ocorrendo, no caso, a interdição de construção e/ou ampliação prevista no nº 2, al. b) daquela RCM, improcederá, também aqui, o recurso.
3. Por último, nenhuma censura merece a sentença recorrida, ao negar eficácia invalidante à preterição do direito de audiência do interessado, com o aproveitamento do acto administrativo, sendo certo, como é e resulta do exposto, que o acto de indeferimento do projecto de licenciamento foi praticado no exercício de poderes vinculados e se revela, em juízo de prognose póstuma, como a única decisão concretamente possível – Cfr, entre outros, os Acórdãos deste STA, de 22/11/06, rec. 0425/06; de 10/5/06, rec. 01035/04; de 2/6/05, rec. 01998/03 e de 14/12/04, rec. 01451/03.
4. Em nosso parecer, o recurso não merece pois provimento, devendo, pelas razões expostas, ser confirmada a douta sentença recorrida.
As partes foram notificadas deste douto parecer e nada vieram dizer.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte matéria de facto:
1. Em 19.9.1999, o Presidente da CMS emitiu, a favor do Recorrente o alvará de licença de construção n.º 789/2001, referente ao processo n.º 1111/99, relativo a uma moradia sita no Mindelo, na Praia das Maçãs, nos moldes constantes a fls. 15 dos autos, aqui dados por reproduzidos na íntegra.
2. No decurso da execução da obra licenciada, o Recorrente introduziu, alterações ao projecto aprovado.
3. Em, 31.1.2001, os Serviços de Fiscalização da CM deslocaram-se ao local e lavraram informação na qual se regista a implantação da dita moradia em desacordo com o projecto aprovado, conforme, consta a fls. 344 do processo instrutor, aqui dado por reproduzido na íntegra.
4.Em 1.2.2002, o Recorrente deu entrada nos Serviços da CMS um pedido de licenciamento de obras de alteração do projecto de arquitectura em edifício não concluído, nos termos constantes no processo instrutor, aqui dado por reproduzido.
5. No dia 4.2.2002, constatando algumas deficiências no projecto apresentado, o Recorrente juntou novas peças desenhadas em substituição das entregues em 1.2.2002.
6. Em 4.2.2002, os Serviços de Fiscalização Técnica da CM deslocaram-se ao local e lavraram, informação na qual se regista a implantação da construção em desacordo como projecto aprovado, encontrando-se a obra em fase de estrutura, com base num projecto não aprovado e sem a necessária licença municipal, nos moldes constantes a fls. 345 do processo instrutor, aqui dado por reproduzido na íntegra.
7. Em 13.2.2002, o Presidente da CMS proferiu despacho a embargar a obra.
8. Em 17.6.2002, na informação de apreciação liminar, a arquitecta ... registou deficiências no processo, propondo a notificação do interessado para aí suprir, nos termos constantes no processo instrutor, aqui dado por reproduzido na íntegra.
9. Em 9.10.2002, pelo ofício n.º 7124, o Presidente da solicitou à Comissão Directiva do Parque Natural de Sintra-Cascais parecer relativo à construção em apreço.
10. Em 2.12.2002, o recorrente foi notificado para, no prazo de 30 dias, suprir as deficiências assinaladas.
11. Em 13.12.2002, o Recorrente juntou novas peças, nos moldes constantes no processo instrutor, aqui dados por reproduzido na íntegra.
12. Em 15.1.2003, o técnico do Parque Natural de Sintra-Cascais emitiu informação e proposta de indeferimento do pedido, nos termos e com os fundamentos constantes a fls. 46 a 47 dos autos, aqui dados por reproduzidos na íntegra.
13. Em 30.1.2003, a Comissão Directiva do Parque Natural de Sintra-Cascais deliberou, emitir parecer desfavorável.
14. Em 14.2.2003, a CMS registou, a entrada do dito parecer sob o n.º 780.
15. Face ao silêncio da Autoridade Recorrida quanto ao pedido especificado em 3, o ora Recorrente requereu no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa a intimação judicial para a prática de acto da CMS, que correu termos na 4ª secção, sob o n.º 157/2003.
10. Em 30.5.2003, foi proferida sentença nos autos supra identificados, a qual intimou a CMS ou o Presidente a deliberar sobre o projecto de arquitectura no prazo de 20 dias, nos termos constantes a fls. 36 a 42 dos autos, aqui dados por reproduzidos na íntegra.
17. Em 11.6.2003, o eng.º ..., do Departamento de urbanismo da CMS, emitiu, informação desfavorável e propôs o indeferimento do pedido de licenciamento da obra, nos termos e com os fundamentos constantes a fls. 48 a 33 dos autos, aqui dados por reproduzidos na íntegra.
18. Em 13.6.2003, o Presidente da CMS proferiu despacho de indeferimento da pretensão do Recorrente, lavrado na folha da informação de 11.6.2003, concordando com o seu, teor, nos termos constantes a fls. 33 dos autos, aqui dados por reproduzidos na íntegra.
3 – O Recorrente apresentou nos serviços da Câmara Municipal de Sintra um pedido de licenciamento de obras de alteração do projecto de arquitectura em edifício não concluído (ponto 4, da matéria de facto fixada).
O Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, estabeleceu o regime jurídico do licenciamento municipal das operações de loteamento, das obras de urbanização e das obras particulares, reunindo num só diploma o regime jurídico destas operações urbanísticas.
No art. 19.º deste diploma, na redacção do Decreto-Lei n.º 177/2001, de 4 de Junho, estabelece-se o seguinte:
Artigo 19.º
Consultas a entidades exteriores ao município
1 - Compete ao presidente da câmara municipal promover a consulta às entidades que, nos termos da lei, devam emitir parecer, autorização ou aprovação relativamente às operações urbanísticas sujeitas a licenciamento.
2 - O interessado pode solicitar previamente os pareceres, autorizações ou aprovações legalmente exigidos junto das entidades competentes, entregando-os com o requerimento inicial do pedido de licenciamento, caso em que não há lugar a nova consulta desde que, até à data da apresentação de tal pedido na câmara municipal, não haja decorrido mais de um ano desde a emissão dos pareceres, autorizações ou aprovações emitidos e não se tenha verificado alteração dos pressupostos de facto ou de direito em que os mesmos se basearam.
3 - Para os efeitos do número anterior, caso qualquer das entidades consultadas não se haja pronunciado dentro do prazo referido no n.º 8, o requerimento inicial pode ser instruído com prova da solicitação das consultas e declaração do requerente de que os mesmos não foram emitidos dentro daquele prazo.
4 - O presidente da câmara municipal promove as consultas a que haja lugar em simultâneo, no prazo de 10 dias a contar da data do requerimento inicial ou da data da entrega dos elementos solicitados nos termos do n.º 4 do artigo 11.º
5 - No prazo máximo de 10 dias a contar da data de recepção do processo, as entidades consultadas podem solicitar, por uma única vez, a apresentação de outros elementos que considerem indispensáveis à apreciação do pedido, dando desse facto conhecimento à câmara municipal.
6 - No termo do prazo fixado no n.º 4, o interessado pode solicitar a passagem de certidão da promoção das consultas devidas, a qual será emitida pela câmara municipal no prazo de oito dias.
7 - Se a certidão for negativa, o interessado pode promover directamente as consultas que não hajam sido realizadas ou pedir ao tribunal administrativo que intime a câmara municipal a fazê-lo, nos termos do artigo 112.º do presente diploma.
8 - O parecer, autorização ou aprovação das entidades consultadas deve ser recebido pelo presidente da câmara municipal ou pelo requerente, consoante quem houver promovido a consulta, no prazo de 20 dias ou do estabelecido na legislação aplicável a contar da data da recepção do processo ou dos elementos a que se refere o n.º 5.
9 - Considera-se haver concordância daquelas entidades com a pretensão formulada se os respectivos pareceres, autorizações ou aprovações não forem recebidos dentro do prazo fixado no número anterior, sem prejuízo do disposto em legislação específica.
10 - As entidades exteriores ao município devem pronunciar-se exclusivamente no âmbito das suas atribuições e competências.
11 - Os pareceres das entidades exteriores ao município só têm carácter vinculativo quando tal resulte da lei, desde que se fundamentem em condicionamentos legais ou regulamentares e sejam recebidos dentro do prazo fixado no n.º 8, sem prejuízo do disposto em legislação específica.
12 - O presidente da câmara municipal pode delegar nos vereadores ou nos dirigentes dos serviços municipais as competências referidas nos n.ºs 1 e 4.
O art. 24.º, n.º 1, alínea c), do mesmo diploma, estabelece que o pedido de licenciamento é indeferido quando «tiver sido objecto de parecer negativo, ou recusa de aprovação ou autorização de qualquer entidade consultada nos termos do presente diploma cuja decisão seja vinculativa para os órgãos municipais».
No n.º 2, alínea b) da Resolução do Conselho de Ministros n.º 56/2002, de 13 de Março, que estabeleceu medidas preventivas para as áreas a abranger pelo Plano de Ordenamento da Orla Costeira de Sintra-Sado, interditam-se, nas áreas nela referidas, as actividades de «construção, reconstrução ou ampliação de edifícios ou outras instalações».
No art. 7.º, n.º 1, do Regulamento do Plano de Ordenamento do Parque Natural de Sintra-Cascais, na versão constante do Decreto Regulamentar n.º 9/94, de 11 de Março, vigente no momento em que foi formulado o pedido de licenciamento, estabelece-se que «no Parque Natural, e sem prejuízo dos restantes condicionalismos legais, carecem de autorização da comissão directiva os projectos de implantação ou recuperação de construções, grandes infra-estruturas ou quaisquer outras susceptíveis de provocar alterações sensíveis do relevo, do enquadramento paisagístico e do coberto vegetal». No art. 25.º, n.º 1, do mesmo Regulamento, estabelece-se que «salvo disposição em contrário, as autorizações e pareceres emitidos pela comissão directiva do Parque Natural são sempre vinculativos e não dispensam outros pareceres, autorizações ou licenças que forem devidos».
O Recorrente defendeu que, não sendo o parecer da Comissão Directiva do Parque Natural Sintra-Cascais recebido pela Câmara Municipal de Sintra no prazo indicado no n.º 8 do transcrito art. 19.º do Decreto-Lei n.º 555/99, ele deve considerar-se concordante com a pretensão de licenciamento formulada,
Na sentença recorrida entendeu-se que o regime previsto nos n.ºs 8, 9 e 11 daquele art. 19.º apenas é aplicável quando não existir «legislação específica» e que se integra neste conceito o regime previsto nos arts. 7.º, n.º 1, e 25.º, n.º 1, do Regulamento do Plano de Ordenamento do Parque Natural de Sintra-Cascais. Por isso, não terá ocorrido a concordância tácita prevista no art. 19.º daquele Decreto-Lei e, sendo o indeferimento da pretensão do Recorrente baseado no parecer desfavorável da Comissão Directiva do Parque Natural Sintra-Cascais, ele não ofende o disposto nos arts. 19.º, n.ºs 8, 9. e 11 e 24.º, n.º 1 alínea c), do Decreto-Lei n.º 555/99.
Como resulta dos pontos 9 da matéria de facto fixada, o parecer desfavorável da Comissão Directiva do Parque Natural Sintra-Cascais foi recebido pela Câmara Municipal de Sintra muito para além do prazo de 20 dias previsto nos n.ºs 8 e 9 do art. 19.º do Decreto-Lei n.º 555/99.
5 – A controvérsia entre o Recorrente e a sentença recorrida relativamente à questão da existência de um parecer tácito concordante, originado pelo decurso do prazo previsto no art. 19.º, n.º 8, do Decreto-Lei n.º 555/99, sem recepção de qualquer parecer pela Câmara Municipal de Sintra, foi já objecto de decisão, no sentido afirmativo, pela sentença proferida no processo de intimação cuja cópia consta de fls. 36-43.
Não consta expressamente do presente processo se essa sentença transitou em julgado, embora o facto de a Autoridade Recorrida ter invocado a obrigação de cumprimento do decidido como razão para não ter assegurado a possibilidade de exercício do direito de audiência indicie que a referida sentença não foi impugnada.
No entanto, essa questão da existência ou não de parecer tácito concordante com o pedido de licenciamento enquadra-se na questão mais geral, colocada pelo Recorrente na petição de recurso, de saber se a Câmara Municipal de Sintra violou a lei ao invocar como fundamento do indeferimento do pedido de licenciamento o parecer recebido da Comissão Directiva do Parque Natural Sintra-Cascais, emitido após o decurso do prazo referido.
O Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público, no seu douto parecer, defende, em suma, que esse hipotético parecer tácito concordante, a ter existido, devia considerar-se revogado, no momento em que a Câmara Municipal de Sintra praticou o acto impugnado, pelo posterior parecer expresso desfavorável.
A entender-se que, se se tiver formado parecer tácito concordante, terá ocorrido sua revogação, deixará de ter qualquer interesse, para a decisão do presente processo ( ( ) O que não significa que a eventual formação de tal parecer não possa ter relevância para outros efeitos, designadamente indemnizatórios. ), apurar se esse parecer se formou ou não e também não importará esclarecer se se formou caso julgado sobre o decidido no referido processo de intimação no sentido da sua formação.
Assim, justifica-se que se aborde prioritariamente essa questão da revogação, por dela resultar prejudicado o conhecimento das questões de saber se tal parecer se formou e se existe caso julgado relativamente à questão da sua formação.
Ora, é correcto o entendimento do Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público sobre a revogação do hipotético parecer tácito concordante com a pretensão do Recorrente pelo parecer expresso desfavorável.
Com efeito, o denominado «parecer» tem natureza de acto administrativo de tipo permissivo, configurando uma «autorização» que é definida como «o acto pelo qual um órgão da Administração permite a alguém o exercício de um direito ou de uma competência preexistente». ( ( ) FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, volume II, páginas 256-257. )
Nesta situação, tendo tal «parecer» natureza vinculativa, «na realidade quem decide é a entidade que emite o parecer. Esta é que será a verdadeira decisão: a decisão da segunda entidade é apenas uma formalização de algo que já estava pré-determinado no parecer. Neste último caso, sempre que o parecer seja vinculativo, do que se trata é de os dois órgãos praticarem o acto administrativo em co-autoria. O acto tem dois autores: um é o órgão consultivo ou o especialista que emita o parecer vinculante, e o outro é o órgão com competência para tomar a decisão definitiva, mas que é obrigado a seguir as conclusões do parecer». ( ( ) FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, volume II, página 274. )
Por isso, aquele hipotético parecer tácito estará subordinado ao regime de revogação dos actos administrativos previsto nos arts. 140.º e 141.º do CPA.
No caso, o referido parecer expresso desfavorável, cuja cópia consta de fls. 45-47, teve por fundamento a violação da interdição de «construção, reconstrução ou ampliação de edifícios ou outras instalações» que está prevista na alínea b) do n.º 2 da Resolução do Conselho de Ministros n.º 56/2002.
Sendo assim, o fundamento da revogação tácita do hipotético parecer tácito concordante, que é corolário do referido parecer desfavorável, será a violação daquela norma, pelo que a revogação podia ser efectuada ao abrigo do disposto no art. 141.º, n.º 1, do CPA.
De qualquer forma, no momento em que foi decidido o indeferimento do pedido de licenciamento pela Câmara Municipal de Sintra tinha sido já proferido o parecer desfavorável, revogatório do hipotético parecer tácito, e era esse o parecer que se mantinha na ordem jurídica, pelo que, tendo ele carácter vinculativo, por força do disposto no art. 25.º, n.º 1, do Regulamento do Plano de Ordenamento do Parque Natural Sintra-Cascais, a decisão de indeferimento do pedido de licenciamento baseada em tal parecer desfavorável não viola qualquer disposição do Decreto-Lei n.º 555/99, sendo, antes, a decisão imposta pela alínea c) do n.º 1 do seu art. 24.º.
Assim, embora por razão diferente das que fundamentam a sentença recorrida, é de manter o decidido sobre a não violação deste diploma pelo acto recorrido.
6 – A segunda questão colocada pelo Recorrente no presente recurso jurisdicional é a de saber se a obra cujo licenciamento o Recorrente pediu se encontra abrangida pela interdição de «construção, reconstrução ou ampliação de edifícios ou outras instalações», prevista na alínea b) do n.º 2 da Resolução do Conselho de Ministros n.º 56/2002, de 13 de Março, que foi o fundamento do parecer desfavorável da Comissão Directiva do Parque Natural Sintra-Cascais (fls. 47).
A tese do Recorrente é, em suma, a de que tratando-se de alteração de edifício não concluído não estará abrangido por aquela interdição.
Na referida alínea b) interditam-se os «actos e actividades» de «construção, de reconstrução ou ampliação de edifícios ou outras instalações».
Sendo assim, é evidente a falta de razão do Recorrente pois, se o edifício não está concluído, as obras a realizar nele, sejam ou não de alteração das já efectuadas, reconduzem-se necessariamente a actos ou actividades de construção ou reconstrução, pelo que sempre estarão abrangidas por aquela interdição.
Aliás, é essa a interpretação que se coaduna com o objectivo proclamado no Preâmbulo daquela Resolução do Conselho de Ministros de evitar a «alteração das circunstâncias e condições existentes».
Por isso, é de manter o decidido na sentença recorrida sobre este ponto.
7 – O Recorrente discorda também do decidido na sentença recorrida sobre o vício de violação do direito de audição prévia.
Na sentença recorrida entendeu-se que devia ser assegurado o direito de audiência, apesar do fundamento invocado pela Autoridade Recorrida para não realizar a audição ser a urgência, derivada do prazo para decisão imposto na sentença proferida no processo de intimação referido.
No entanto, aplicou-se ao caso o princípio do aproveitamento dos actos administrativos e entendeu-se que o vício de preterição do direito de audição não tem eficácia invalidante, por a decisão da Câmara Municipal de Sintra ser imposta pelo Art. 25.º, n.º 1, do Regulamento do Plano de Ordenamento do Parque Natural Sintra-Cascais, conjugado com o n.º 2, alínea b), da Resolução do Conselho de Ministros n.º 56/2002.
A questão de saber se havia lugar a audiência do Recorrente é uma questão distinta da de saber se, devendo ela existir, é de aplicar o princípio do aproveitamento do acto administrativo.
Relativamente à primeira questão, o decidido na sentença recorrida não foi impugnado, pelo que tem de considerar-se assente (art. 684.º, n.º 4, do CPC, aplicável por força do disposto no art. 102.º da LPTA).
Por isso, apenas há que apreciar se é de aplicar o princípio do aproveitamento do acto administrativo.
Este Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a aplicar frequentemente o princípio geral de direito que se exprime pela fórmula latina utile per inutile non vitiatur, e que, com essa ou com outras formulações e designações (como a de princípio do aproveitamento do acto administrativo, a de princípio da inoperância dos vícios, a de princípio antiformalista, e a de princípio da economia dos actos públicos) ( ( ) Essencialmente neste sentido, não anulando actos administrativos apesar de reconhecerem a existência de vícios, por não ser afectada pelo vício a posição do recorrente, podem ver-se os seguintes acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo:
– acórdão de 27-4-1995, proferido no recurso n.º 34743, publicado no Apêndice ao Diário da República de 20-1-98, página 3722;
– de 28-5-96, proferido no recurso n.º 33082, publicado em Apêndice ao Diário da República de 23-10-98, página 4005;
– de 11-2-98, proferido no recurso n.º 40404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 17-12-2001, página 913;
– de 17-6-99 proferido no recurso n.º 37667, publicado em Apêndice ao Diário da República de 30-7-2002, página 3994;
– de 23-9-99, proferido no recurso n.º 40842, publicado em Apêndice ao Diário da República de 9-9-2002, página 5012;
– de 23-1-2001, proferido no recurso n.º 45967, publicado em Apêndice ao Diário da República de 21-7-2003, página 321;
– de 7-11-2001, proferido no recurso n.º 38983, publicado em Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 37, página 26;
– de 13-2-2002, proferido no recurso n.º 48403;
– de 9-4-2002, proferido no recurso n.º 48427;
– de 12-3-2003, proferido no recurso n.º 349/03;
– de 1-4-2003, proferido no recurso n.º 42197;
– de 14-5-2003, proferido no recurso n.º 495/02. )
À face deste princípio não se justifica a anulação de um acto, mesmo que enferme de um vício de violação de lei ou de forma, quando a existência desse vício não se veio a traduzir numa lesão em concreto para o interessado cuja protecção a norma visa, designadamente, no caso de um vício procedimental, quando a sua ocorrência não teve qualquer reflexo no procedimento administrativo.
Isto significa, assim, que, nos casos em que se apurar em concreto, com segurança, atentas as específicas circunstâncias do caso, que não ocorreu uma lesão dos direitos procedimentais dos interessados, por a sua intervenção no procedimento não poder ter virtualidade, à face da lei, para influenciar o sentido da decisão, não se justificará a anulação do acto.
No caso em apreço verifica-se uma situação desse tipo.
Na verdade, embora a questão da existência ou não de parecer tácito concordante, apreciada na sentença recorrida possa considerar-se de solução discutível e susceptível de ser influenciada pela participação procedimental do ora Recorrente, essa participação deve considerar-se irrelevante perante a constatação da existência de um parecer desfavorável expresso que se impunha à Câmara Municipal de Sintra ao apreciar o pedido de licenciamento.
Com efeito, sendo nulo um eventual acto da Câmara Municipal de Sintra em dissonância com o referido parecer expresso [art. 68.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 555/99) e sendo a nulidade vicio de conhecimento oficioso e a todo o tempo (art. 134.º do CPA), é de entender que estava completamente afastada a possibilidade de ser proferido um acto de deferimento do pedido de licenciamento apresentado pelo Recorrente com susceptibilidade de se manter na ordem jurídica, o que conduz à conclusão da irrelevância da sua participação procedimental antes de ser proferida a decisão impugnada.
Termos em que acordam em negar provimento ao recurso e em confirmar a decisão recorrida, com esta fundamentação.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça de 350 (trezentos e cinquenta) euros e procuradoria de 50%.
Lisboa 22 de Maio de 2007.- Jorge de Sousa (relator) – Políbio HenriquesRosendo José.