Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0190/14
Data do Acordão:11/11/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO
INQUÉRITO CRIMINAL
INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO
Sumário:I - A contagem do prazo de caducidade do direito de liquidar tributos nos termos do art. 45.º, n.º 5, da LGT, só ocorre se o acto tributário de liquidação e a investigação criminal se referirem aos mesmos factos.
II - Não se encontrando fixados nos autos os concretos factos que motivaram a liquidação oficiosa impugnada, nem aqueles que são alvo da investigação criminal a que alude o probatório, detecta-se na sentença um défice instrutório que importa colmatar para decidir a questão da caducidade da liquidação face ao que dispõe o art. 45.º, n.º 5, da LGT.
III - Não dispondo o STA de base factual para decidir o recurso jurisdicional, torna-se essencial que os autos baixem ao tribunal a quo para fixação do quadro factual suficiente para o julgamento da causa.
Nº Convencional:JSTA000P19680
Nº do Documento:SA2201511110190
Data de Entrada:02/13/2014
Recorrente:A....., LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 602/10.7 BELRA

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade denominada “A…….., Lda.” (adiante Impugnante ou Recorrente) recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou improcedente a impugnação judicial por ela deduzida contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) do ano de 2004 com fundamento em caducidade do direito à liquidação.

1.2 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e a Recorrente apresentou as alegações de recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor (Porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgem aqui em tipo normal.):

«a) A recorrente reagiu contra o acto de liquidação de IRC relativo ao ano de 2004 mediante a instauração da impugnação judicial onde foi proferida a decisão ora recorrida, invocando, a caducidade do direito à liquidação do imposto. Efectivamente,

b) A caducidade do direito à liquidação de imposto constituiu vício do acto tributário da liquidação gerador da anulabilidade e constitui fundamento de impugnação judicial por ilegalidade, nos termos do art. 99.º do CPPT, razão pela qual veio a impugnante, ora recorrente, recorrer a tal procedimento requerendo que fosse, reconhecido e declarado que na data em que a Administração Tributária procedeu à liquidação do imposto (IRC) relativo ao período em apreciação (2004), ponderando o valor do pagamento por conta já efectuado no montante de € 70. 680,34, integrando nele o valor do estorno anteriormente entregue (€ 312,05) juros compensatórios por recebimento indevido (€ 53,27) e juros compensatórios apurados nos termos do art. 94.º do CIRC (€ 12.806,68) tudo, no montante de € 85.486,95, já há muito tinha ocorrido a caducidade do direito (mais concretamente em 31.12.2008), mostrando-se, pois, impossível proceder à notificação da recorrente no prazo consignado na lei (Cfr. o n.º 1 do art. 45.º e art. 46.º do Decreto-Lei n.º 398/98 de 17 de Dezembro (Lei Geral Tributária), e o art. 93.º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas e em consequência, que fosse declarada a anulação da liquidação de IRC de 2004, com os pertinentes efeitos de extinção relativamente à execução fiscal entretanto instaurada;

c) Resulta do n.º1 do art. 45.º do Decreto-Lei n.º 398/98 de 17 de Dezembro (Lei Geral Tributária), que “O direito de liquidar os tributos caducas se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, aquando a lei não fixar outro”,

d) Por seu turno, o art. 93.º do Código do Imposto Sobre e Rendimento das Pessoas Colectivas sob o título “Caducidade do direito à liquidação”, dispõe que “A liquidação do IRC, ainda que adicional, só pode efectuar-se nos prazo se termos previstas nos artigos 45.º e 46.º da Lei Geral Tributária”.

e) Considerando a remissão deste último normativo para os prazos da Lei Geral Tributária, interessa ter presente o disposto no n.º 4 do art. 45.º deste diploma, por ser o que aqui interessa: “O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicas, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu”.

f) Contra a recorrente foi instaurado pela Direcção de Finanças de Lisboa - Inspecção Tributária, um processo de Inspecção Externa, que teve por objecto e nomeadamente, por ser o aqui releva, o IRC do ano 2004. Contudo, conforme decorre da Ordem de Serviço n.º 200801459 de 17-06-2009;

g) O Relatório de Inspecção Tributária que determinou a liquidação de imposto, apenas em 11.11.2009 foi noticiado à impugnante, ora recorrente, nos termos que melhor decorrem da notificação que se juntou como Doc. n.º 5 à petição inicial e que nesta sede se dá por integralmente reproduzido;

h) Decorre do n.º 1 do art. 46.º da Lei Geral Tributária que “O prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho ou despacho no início de acção de inspecção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo desde o seu início, caso a duração da inspecção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação”.

i) Salvo melhor entendimento ou erro de contagem (que se admite por mera hipótese e sem conceder) o direito da Administração Tributária liquidar o tributo em causa (IRS/2004) caducou em 31.12.2008.

k) Em 05-11-2009, foi exarado o Parecer no Relatório de Inspecção aludido em D) dos factos provados, no qual, confirmando-se as correcções propostas, em sede de IVA e IRC relativas aos exercícios de 2003 e 2004, de natureza meramente aritmética resultante de imposição legal conforme consta dos capítulos III e IX do Relatório de Inspecção Tributária (...), concluiu que as infracções cometidas indiciavam a prática dos crimes de fraude qualificada e abuso de confiança previstos nos artigos 104.º e 105.º ambos do Regime Geral das Infracções Tributárias e de contra ordenações fiscais punidas pelo artigo 114.º do mesmo diploma legal.

j) Em 09-11-2009 foi exarado o Despacho do Chefe de Divisão (por delegação do Director de Finanças) no Relatório de Inspecção Tributária, dando concordância ao parecer e determinou a adopção de procedimentos subsequentes adequados (cfr. alínea E) dos factos provados).

l) Na ausência de outros elementos de prova produzidos pela Dma. Representante da Fazenda Pública, sobre a data precisa a partir da qual os factos tributários objecto da impugnação judicial passaram a ser directamente investigados no âmbito dos autos de inquérito, uma vez que, estes comportam várias dezenas de intervenientes enquanto alegados suspeitos de utilização de “facturação falsa”, é forçoso concluir que tal data remonta a 17.06.2009, com a Ordem de Serviço n.º 200801459, que determinou o início da acção inspectiva desencadeada à recorrente.

m) E, na data do início da investigação/inspecção destes factos tributários já tinha ocorrido a caducidade do direito à liquidação do imposto.

n) A infirmação, de forma inequívoca, da conclusão de que a investigação dos factos tributários em causa nos presentes autos teve o seu início, no aludido processo de inquérito, e no que à recorrente concerne, quando já tinha ocorrido a caducidade do acto de liquidação do imposto, caberia à Dma. Representante da Fazenda Pública, pelo que, e não tendo esta procedido a tal demonstração, não obstante a recorrente o ter expressamente requerido, em sede da impugnação judicial, deveria o tribunal a quo retirar as pertinentes consequências, reconhecendo a verificação da alegada caducidade.

o) Até porque, a ora recorrente, só viria a ser constituída arguida no âmbito daqueles autos de inquérito, muito tempo depois de ocorrido a caducidade do direito à liquidação do imposto.

O tribunal a quo ao decidir como decidiu e ao não reconhecer verificada a arguida caducidade do direito à liquidação do LRC de 2004, fez uma errada interpretação e aplicação dos n.º 1 do art. 45.º e art. 46.º do Decreto-Lei N.º 398/98 de 17 de Dezembro (Lei Geral Tributária), e o art. 93.º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, aos factos, impondo-se a sua revogação, com o que será feita, JUSTIÇA!».

1.3 A Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação:

«[…]
O prazo de caducidade a considerar é o prazo de 4 anos, contável a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário (art. 45.º, n.ºs 1 e 4 da LGT e art. 93.º do CIRC).
No caso em apreço, iniciando-se a contagem do prazo de caducidade do direito à liquidação do imposto em 01.01.2005 o mesmo esgotar-se-ia, na ausência de causas de suspensão operantes, em 31.12.2008.
Sucede que em 21.10.2003 havia sido instaurado inquérito criminal contra a ora recorrente relativamente aos factos a que respeita o acto de liquidação impugnado - cfr. Alíneas A), D), E), H) e I) do probatório.
Como decorre do n.º 5 do art. 45.º da LGT, aplicável ao caso por força do disposto no n.º 2 do art. 57.º da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dez., sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo de quatro anos a que se refere o n.º 1 do preceito é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.
Ora, sendo certo que em 2011 o inquérito criminal em causa ainda se encontrava pendente de decisão – cfr. Alíneas H) e I) do probatório – é manifesto que na data da liquidação e da sua notificação à ora recorrente ainda não havia operado a caducidade do direito à liquidação, sendo irrelevantes para o caso, salvo melhor entendimento, a data em que no inquérito se iniciaram as investigações dos factos imputados à ora recorrente e a data em que a mesma terá sido constituída arguida, irrelevando ainda os efeitos sobre o prazo de caducidade que a lei faz derivar da realização de acção inspectiva, nos termos do art. 46.º, n.º 1 da LGT.
Não enferma, pois, a sentença recorrida do erro que lhe é imputado».

1.5 Colheram-se os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos.

1.6 A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida fez correcto julgamento quando considerou que a impugnação judicial não podia proceder com fundamento na invocada caducidade do direito à liquidação, o que, como procuraremos demonstrar, passa por indagar qual e como se conta o prazo para o exercício daquele direito, designadamente se a este prazo é aplicável a extensão prevista no n.º 5 do art. 45.º da Lei Geral Tributária (LGT), na redacção que lhe foi introduzida pela Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado para o ano de 2006).


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:

«A) Em 21-10-2003, foi instaurado o processo de inquérito n.º 1596/03.OJFLSB, contra vários arguidos, entre os quais, a ora impugnante (facto que se extrai da informação de fls. 19/21 do processo administrativo em apenso);

B) A Impugnante, A………, Lda., foi sujeita a uma inspecção, conforme decorre da Ordem de Serviço n.º 200801459 de 17-06-2009 (cfr. fls. 10 do processo administrativo em apenso);

C) A inspecção identificada na alínea que antecede, teve o seu término a 30-08-2009 (cfr. fls. 11 do processo administrativo em apenso);

D) Em 5-11-2009, foi exarado o seguinte Parecer no Relatório de Inspecção:

“Visto. Confirmo as correcções propostas, em sede de IVA e IRC relativas aos exercícios de 2003 e 2004, de natureza meramente aritmética resultante de imposição legal conforme consta dos capítulos III e IX do Relatório de Inspecção Tributária (...)
As infracções cometidas indiciam a prática dos crimes de fraude qualificada e abuso de confiança previstos nos artigos 104.º e 105.º ambos do Regime Geral das Infracções Tributárias e de contra ordenações fiscais punidas pelo artigo 114.º do mesmo diploma legal.
(…)” cf. fls. 35 dos autos.

E) Em 9-11-2009 foi exarado o Despacho do Chefe de Divisão (por delegação do Director de Finanças) no Relatório de Inspecção Tributária, com o seguinte conteúdo:

“Concordo.
Confirmo nos termos que vêm propostos à margem.
Procedimentos subsequentes adequados” Cfr. fls. 35 dos autos.

F) A Liquidação de IRC do ano de 2004 foi emitida a 16-11-2009 e notificada à Impugnante a 16-12-2009 (conforme informação que se extrai de fls. 18/21 do Processo Administrativo em apenso e fls. 15 dos autos);

G) Em 25-3-2010, deu entrada a presente acção, neste Tribunal (cf. fls. 1 dos autos);

H) Pela Direcção de Finanças de Lisboa, foi emitido um fax com o seguinte conteúdo “Conforme combinado telefonicamente, e em resposta ao V/Ofício n.º 1835 de 30-08-2010 dirigido à Divisão de Processos Criminais Fiscais da DF de Lisboa, informa-se o seguinte:

1. A firma A………. Lda. – NIPC ………… (na qualidade de utilizadora de facturas presumivelmente falsas) e a firma B……….., Lda. – NIPC ………… (na qualidade de emitente dessas mesmas facturas) fazem ambas parte do Processo de Inquérito n.º 1596/03.0JFLSB da Polícia Judiciária, relativamente ao IRC e IVA dos anos de 2003 e 2004;
2. O referido Processo de Inquérito n.º 1596/03.0JFLSB da Polícia Judiciária – que inclui igualmente a firma C…………, Lda. – NIPC ……….. (como emitente e utilizador de facturas presumivelmente falsas e/ou não correspondentes a transacções reais) foi instaurado em 21.10.2003, não se encontrando ainda concluído” (cf. informação que se extrai de fls. 18/21 do processo administrativo em apenso);

I) Em 09-09-2011 foi emitido um fax pela Polícia Judiciária – Unidade Nacional de Combate à Corrupção dirigido à Direcção de Finanças de Santarém com o seguinte conteúdo:

“Em resposta ao V/ Ofício, informa-se que a A……….., Lda. é interveniente no processo em referência (NUIPC: 1596/03.0JFLSB), recaindo sobre a mesma suspeitas de utilização de “facturação falsa”, durante o período compreendido entre 2003 e 2004.
Mais se informa que o inquérito em apreço foi instaurado no ano de 2003.” (Cf. fls. 289 dos autos)».

2.2 DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

Uma sociedade deduziu impugnação judicial à liquidação adicional de IRC que lhe foi efectuada com referência ao ano de 2004 e na sequência de uma inspecção que levou a que a AT procedesse a correcções da matéria tributável declarada.
Invocou a Impugnante caducidade do direito à liquidação em virtude de apenas ter sido notificada daquela liquidação em Dezembro de 2009, sendo que o prazo para o exercício do direito à liquidação, na sua tese, caducou em 31 de Dezembro de 2008.
A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria julgou a impugnação improcedente.
Quanto à invocada notificação para além do termo do prazo da caducidade do direito à liquidação, considerou, em síntese, que o prazo de caducidade foi alargado, ao abrigo do disposto no art. 45.º, n.º 5, da LGT, introduzido pela Lei n.º 60-A/2005, de 31 de Dezembro, cuja aplicação aos prazos em curso foi determinada pelo n.º 2 do art. 57.º da mesma Lei, motivo por que concluiu pela não verificação do invocado fundamento de oposição.
A Impugnante insurge-se contra a sentença invocando, em resumo, que na data em que se iniciou a investigação criminal estava já caducado o direito à liquidação.
Assim, como adiantámos em 1.6, a questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida fez correcto julgamento quando considerou que a impugnação judicial não podia proceder com fundamento na invocada caducidade do direito à liquidação, o que passa por indagar qual o prazo e o modo como se conta o prazo para o exercício daquele direito, designadamente se a este prazo é aplicável a extensão prevista no n.º 5 do art. 45.º da LGT, na redacção que lhe foi introduzida pela Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro.
A questão que se coloca neste processo foi já suscitada perante este Supremo Tribunal Administrativo em recurso em tudo idêntico, diferindo apenas quanto ao ano a que respeita o IRC: 2004 no presente processo, 2003 no processo n.º 178/14, que foi decidido por acórdão proferido em 1 de Outubro de 2014 (Ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/c010887b851997fa80257d6c002f7d96. ).
Vamos, pois, limitar-nos a remeter para a fundamentação aí expedida, com a qual concordamos integralmente.

2.2.2 DA APLICABILIDADE DA EXTENSÃO DO PRAZO DA CADUCIDADE DETERMINADO PELO N.º 5 DO ART. 45.º DA LGT, ADITADO PELA LEI N.º 60-A/2005 – (IN)SUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO

Passamos a transcrever o referido acórdão, permitindo-nos apenas introduzir as modificações pertinentes em face do diferente ano a que se refere a liquidação, modificações que faremos sob o tipo de letra normal:

«Vem o presente recurso jurisdicional interposto da sentença que julgou improcedente a impugnação judicial que a ora Recorrente deduziu contra o acto de liquidação oficiosa de IRC referente ao exercício de 2004, impugnação que teve por fundamento a falta de notificação dessa liquidação no prazo de caducidade.
A sentença recorrida julgou a impugnação improcedente com a seguinte argumentação:

«No caso em apreço, estamos perante um tributo de IRC do ano de 2004, que tratando-se de um imposto periódico, o prazo de caducidade da liquidação conta-se a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, o que significa que, é o dia 1-1-2005 que marca o início do prazo em apreço, o que acarreta desde logo concluir que a Administração Tributária tinha de proceder à sua liquidação e notificá-la até 31-12-2008, de acordo com o regime estabelecido no art. 45.º n.ºs 1 e 4 da LGT (seguindo a jurisprudência, inter alia, do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 30-10-2012, Proc. n.º 03956/10).
Sucede porém que, conforme resulta do probatório, a referida liquidação só foi notificada à Impugnante a 16-12-2009, pelo que cumpre analisar se ocorreu alguma causa de suspensão ou interrupção do respectivo prazo de caducidade.
O sobredito art. 46.º, n.º 1, da LGT dispõe que o prazo de caducidade se suspende com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da acção de inspecção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo do seu início, caso a duração da inspecção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação.
Efectivamente, resulta do recorte probatório, que a Impugnante foi inspeccionada em 2009, depois de ter ocorrido o prazo limite de caducidade para a liquidação, que como se referiu ocorreu a 31-12-2008.
Acontece que, por força da Lei n.º 60-A/2005, de 30-12-2005, que entrou em vigor a 1-1-2006, foi aditado um novo n.º 5 ao citado artigo 45.º da LGT, o qual dispõe, como se referiu, que sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 desse normativo é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano
Destarte, tendo em conta que o n.º 5 do artigo 45.º da LGT é aplicável aos prazos de caducidade em curso à data da entrada em vigor da Lei n.º 60-A/2005 (neste particular, sufragamos o entendimento vertido no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2-7-2008, Proc. 343/08), e resultando dos autos que o processo de inquérito contra a ora Impugnante foi instaurado em 21-10-2003, e que em 2011 ainda não tinha tido desfecho (cf. decorre das alíneas H) e I) do probatório), é evidente que à data em que aquela liquidação foi emitida e notificada - 16-12-2009 - (cf. resulta da alínea F) do probatório) não tinha ocorrido o prazo de caducidade do direito à liquidação do referido tributo, pelo simples facto de, a partir de 1-1-2006 (data da entrada em vigor do art. 45.º, n.º 5, da LGT), ter entrado em vigor uma causa de suspensão daquele prazo: a instauração de inquérito criminal (…)».

É contra o assim decidido que se insurge a Impugnante, ora Recorrente, defendendo que não se mostra averiguada e estabelecida a identidade entre os factos investigados no inquérito criminal referido nas alíneas H) e I) do probatório, e os factos que, na sequência do procedimento de inspecção, deram origem à liquidação impugnada, advogando que, nesta circunstância, em 16/12/2009 (data da sua notificação da liquidação), decorrera já o prazo de caducidade do direito de liquidar tal tributo, que se completara em 31/12/2008, razão por que sustenta que a sentença incorreu em erro de julgamento na interpretação e aplicação das normas contidas nos arts. 45.º n.º 1 e 46.º da LGT, bem como no art. 93.º do CIRC.
Deste modo, a questão que cumpre analisar e decidir neste recurso consiste em saber se a sentença errou ao julgar que a notificação da liquidação oficiosa de IRC referente ao exercício de 2004 ocorreu antes do decurso do prazo de caducidade do direito de liquidar esse tributo, atenta a pendência do processo de inquérito n.º 1596/03.0JFLSB.
Ora, […] a contagem do prazo de caducidade nos termos do 45.º, n.º 5, da LGT só ocorre se a liquidação e a investigação criminal se referirem aos mesmos factos, e, no caso vertente, não se alcança da matéria dada como assente na sentença recorrida qual a factualidade subjacente às correcções realizadas pela administração tributária, já que apenas consta do ponto d) do probatório que, no âmbito de uma acção inspectiva que abrangeu IVA e IRC dos anos de 2003 e 2004, foram efectuadas “correcções de natureza meramente aritmética resultante de imposição legal conforme consta dos capítulos III e IX do relatório de inspecção tributária”, sendo que para aferir se tais correcções estão relacionadas com a matéria objecto de investigação no processo-crime importa igualmente precisar quais os factos em causa, o que não foi levado ao probatório, uma vez que do mesmo apenas consta que “estão a ser objecto de investigação factos relacionados com a utilização de facturação falsa”, o que é, claramente, muito vago.
Razão por que também não podemos deixar de concluir que, não se encontrando fixados nos autos os concretos factos que motivaram a liquidação oficiosa em causa, nem aqueles que são alvo da investigação criminal a que alude o probatório, se detecta na sentença recorrida um deficit instrutório que importa colmatar para enfrentar e decidir a enunciada questão da caducidade da liquidação, face ao que dispõe o art. 45º, nº 5, da LGT.
Neste contexto, e considerando que este Tribunal de recurso não dispõe de base factual para decidir o presente recurso jurisdicional – uma vez que ele pressupõe uma realidade de facto que não está pré-estabelecida nem aqui pode estabelecer-se por virtude de o STA, como tribunal de revista, carecer de poderes de cognição em sede de facto – torna-se essencial que o tribunal “a quo” amplie a matéria de facto de modo a fixar o quadro factual suficiente para o julgamento da causa.
Termos em que se impõe revogar, ao abrigo do disposto no n.º 3 do art. 682.º do CPC, a sentença impugnada, para ser substituída por outra que decida após ampliação da base factual necessária para a aplicação do direito, de acordo com o que se atrás se apontou, assim se concedendo provimento ao recurso».

É neste sentido que decidiremos também.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões, decalcadas do sumário doutrinal do citado acórdão:
I - A contagem do prazo de caducidade do direito de liquidar tributos nos termos do art. 45.º, n.º 5, da LGT, só ocorre se o acto tributário de liquidação e a investigação criminal se referirem aos mesmos factos.
II - Não se encontrando fixados nos autos os concretos factos que motivaram a liquidação oficiosa impugnada, nem aqueles que são alvo da investigação criminal a que alude o probatório, detecta-se na sentença um défice instrutório que importa colmatar para decidir a questão da caducidade da liquidação face ao que dispõe o art. 45.º, n.º 5, da LGT.
III - Não dispondo o STA de base factual para decidir o recurso jurisdicional, torna-se essencial que os autos baixem ao tribunal a quo para fixação do quadro factual suficiente para o julgamento da causa.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em anular a sentença recorrida e determinar a baixa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria para que decida a questão colocada após ampliação da base factual necessária para a aplicação do direito, de acordo com o que se atrás se apontou.

Sem custas.

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Lisboa, 11 de Novembro de 2015. - Francisco Rothes (relator) - Casimiro Gonçalves - Pedro Delgado.