Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0187/06
Data do Acordão:05/31/2006
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JORGE DE SOUSA
Descritores:IRC.
CORRECÇÃO DA MATÉRIA COLECTÁVEL.
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.
IMPUGNAÇÃO UNITÁRIA.
ACESSO AO DIREITO.
Sumário:I – De harmonia com o disposto no art. 89.º do CPT, os actos de fixação da matéria tributável de IRC, apenas podem ser impugnados contenciosamente de forma autónoma nos casos em que constituam o acto final do procedimento, por não haver lugar a liquidação de imposto.
II – O afastamento da possibilidade de impugnação autónoma de actos procedimentais que não sejam imediata e directamente lesivos por si mesmos não contende com a garantia constitucional do acesso ao direito.
Nº Convencional:JSTA00063218
Nº do Documento:SA2200605310187
Data de Entrada:02/21/2006
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:AC TCA.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR FISC - IRC.
Legislação Nacional:CPTRIB91 ART33 ART64 ART87 ART89 ART118 ART120 ART286.
CIRC88 NA REDACÇÃO DO DL 138/92 DE 1992/07/17 ART46 ART111 ART112.
CONST97 ART20 ART268.
ETAF84 ART62.
CPPTRIB99 ART36 ART204.
LGT98 ART77.
Jurisprudência Nacional:AC TC 74/84 IN BMJ N351 PAG172.; AC STAPLENO PROC20128 DE 2000/09/20.; AC STA PROC21176 DE 1997/02/05.
Referência a Doutrina:VIEIRA DE ANDRADE OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO PORTUGUESA DE 1976 PAG226-229.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A..., LDA, deduziu no Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Braga impugnação judicial do acto da Direcção de Finanças de Braga que corrigiu o lucro tributável de I.R.C. relativo ao ano de 1990.
Por despacho do Meritíssimo Juiz, aquele Tribunal declarou-se incompetente em razão da matéria para conhecer da questão colocada.
Interposto recurso jurisdicional deste despacho, este Supremo Tribunal Administrativo veio a ordenar a ampliação da matéria de facto.
Baixando o processo ao Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Braga, foi proferido novo despacho em que foi declarada a incompetência em razão da matéria para o conhecimento da questão colocada.
A impugnante interpôs novo recurso jurisdicional para o Tribunal Central Administrativo, que revogou o despacho recorrido.
Baixando os autos ao Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Braga, veio a ser proferida sentença, em que foi absolvida da instância a Fazenda Pública, por se ter entendido ser ilegal o meio processual utilizado.
A impugnante interpôs novo recurso jurisdicional para o Tribunal Central Administrativo a que foi negado provimento.
Novamente inconformada, a impugnante interpôs o presente recurso jurisdicional para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando alegações com as seguintes conclusões:
1 – Veio o presente recurso interposto do, aliás, douto acórdão de fls..... que, abstendo-se de conhecer do mérito da causa, negou provimento ao recurso confirmando a decisão recorrida, considerando inimpugnável o acto recorrido.
2 – Com efeito, foi a recorrente notificada, pela Direcção Distrital de Finanças de Braga, da correcção do lucro tributável no exercício de 1990, da fixação da matéria colectável do exercício de 1990, do imposto e da derrama a pagar.
3 – Entendida a liquidação “como a aplicação de uma taxa a certo valor ", houve, efectivamente, na sequência da fixação da matéria tributária, uma verdadeira liquidação, pois, a Direcção Distrital de Finanças de Braga fez aplicar as taxas de IRC de 36,5% e da derrama de 10% ao valor da matéria colectável fixada, tendo procedido ao cálculo do imposto e derrama a pagar.
4 – Em face de tal notificação, deduziu a recorrente a competente reclamação relativamente à qual não houve qualquer decisão, pelo que, decorridos 90 dias e constatado o seu indeferimento tácito (artigo 125º do CPT), apresentou a competente impugnação judicial.
5 – A menção que é feita à impugnação do acto de revisão da matéria colectável na inicial deve-se apenas à circunstância de os actos de alteração da matéria colectável e de liquidação serem praticamente simultâneos e consequentes – dai a sua notificação conjunta –, sendo o vício de violação da lei que impende sobre o primeiro a razão da invalidade do segundo.
6 – Assim, o acto efectivamente visado pela recorrente, quando entendida a petição não apenas numa perspectiva literal, mas antes numa interpretação causal, tendo em conta o real interesse da recorrente, é o acto da liquidação contido no despacho em causa, inquinado pela frontal violação da lei contida na decisão administrativa de revisão da matéria colectável.
7 – É que, de outro modo, sempre se deverá entender que a mesma liquidação nunca foi levada a cabo ou, pelo menos, notificada à recorrente, como consta do ofício da Direcção Geral dos Impostos de fls. 189.
Sem Prescindir,
8 – Ainda que se considere que a recorrente foi tão só notificada do acto de fixação da matéria colectável, o que não se concebe, ainda assim o mesmo não deixa de ser judicialmente impugnável.
9 – A sobredita correcção, ainda que integre um acto preparatório do acto tributário, por ser dele destacável, deve ser impugnada contenciosa e autonomamente, sob pena do mesmo se consolidar na ordem jurídica como caso resolvido (vide: Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 08/05/91, 06/05/98 e 28/01/98, publicados in www.dgsi.pt).
10 – Na vigência do Código de Processo Tributário, os actos em matéria tributária (como é o caso) são sempre impugnáveis, podendo o contribuinte usar uma de duas vias: ou interpõe recurso hierárquico e, da decisão deste recurso, impugnação judicial para os tribunais tributários de 1ª instância; ou requer a revisado dessas correcções (José Casalta Nabais, Direito Fiscal, pág. 288).
11 – Qualquer outra interpretação sempre retiraria sentido e utilidade ao preceituado no nº 5 do referido artigo 112º do CIRC, visando tal normativo, tão só, evitar contradições de julgados entre a decisão da autoridade administrativa e qualquer decisão judicial.
12 – No mesmo registo, outro entendimento contenderia, ainda, com o estatuído na alínea c) do nº 1 do artigo 62º do ETAF – tido, ainda, como regime vigente para os processos que se encontrem pendentes à data da entrada em vigor da Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro.
13 – Do mesmo modo o acórdão recorrido, esbarrou na questão da lesividade do acto, procurando compaginar a sua interpretação das normas aplicáveis com a actual redacção do art. 268º nº 4 da Constituição, simplesmente negando ao mesmo os seus efeitos externos.
14 – É que, nos termos do preceituado no nº 4 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa exige-se apenas que o acto seja potencialmente lesivo para ser susceptível de recurso contencioso, sendo lesivo o acto que projecta os seus efeitos negativamente na esfera jurídica do administrado, violando direitos ou interesses deste legalmente protegidos,
15 – Ao que acresce o facto, indesmentível e confessado pela administração tributária no oficio de fls. 189, de não existir outro fundamento para que a recorrida seja hoje alvo de execução fiscal (Proc. n.º 4200199491008633).
16 – Por último, como se lê da alínea a) do artigo 120º do CPT, constitui fundamento de impugnação judicial "qualquer ilegalidade”, aí incluindo-se aquelas que decorrem “de erro na avaliação ou determinação da matéria colectável, quer esta seja susceptível quer não de impugnação autónoma " (Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, Código de Processo Tributário, Anotado, pág. 225).
17 – Viola, pois, o acórdão recorrido, os artigos 111º e 112º do CIRS, 118º e 120º do CPT, artigo 62º, nº 1, alínea c) do ETAF e nº 4 do artigo 268º da CRP, pelo que não pode o mesmo manter-se.
Termos em que deve dar-se provimento ao presente recurso, revogar-se o, aliás, douto acórdão recorrido e substituir-se por outro em que se julgue o recurso inteiramente procedente, só assim se fazendo JUSTIÇA!
A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública contra-alegou, concluindo da seguinte forma:
O art. 89º do CPT consagrava o princípio da impugnação unitária só podendo, em regra, o acto de fixação da matéria colectável ser atacado na impugnação que se proponha quanto ao acto de liquidação, só podendo ser impugnável em si o acto de fixação que não der origem a liquidação de imposto.
Nesses termos, em sede de I.R.C., o artigo 111.º do CIRC previa a possibilidade de reclamar ou impugnar a liquidação (n.º 1);
A matéria colectável apenas poderia ser objecto de impugnação autónoma em casos em que não houvesse liquidação de IRC (n.º3):
No caso sub judicio o acto impugnado foi o da “correcção do rendimento tributável”, pedindo o recorrente expressamente a respectiva “anulação” pelo que a impugnação foi correctamente rejeitada;
A perda do direito à apreciação judicial da legalidade das decisões da Administração por incorrecta utilização dos meios e normas processuais não constitui qualquer violação das normas constitucionais;
O acesso ao direito é mediado pelo “direito à acção”, em termos definidos pelo legislador ordinário;
Não é objecto dos presentes autos (nem no STA. nem nas instâncias) a averiguação da existência da notificação da liquidação não podendo decorrer deles quaisquer efeitos na execução.
Não tem qualquer cabimento a apreciação da correcção da execução fiscal para cobrança da divida tributária respectiva.
Nestes termos, deve ser negado provimento ao presente recurso.
O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer nos seguintes termos:
I. Nas conclusões das suas alegações de recurso a recorrente A..., vem alegar que:
A menção que é feita à impugnação do acto de revisão da matéria colectável na petição inicial deve-se apenas à circunstância de os actos de alteração da matéria colectável e de liquidação serem praticamente simultâneos e consequentes, sendo o vício de violação da lei que impende sobre o primeiro a razão da invalidade do segundo.
Assim, o acto efectivamente visado pela recorrente, quando entendida a petição não apenas numa perspectiva literal, mas antes numa interpretação causal, tendo em conta o real interesse da recorrente, é o acto da liquidação contido no despacho em causa, inquinado pela frontal violação da lei contida na decisão administrativa de revisão da matéria colectável.
Ainda que se considere que a recorrente foi tão só notificada do acto de fixação da matéria colectável o mesmo não deixa de ser judicialmente impugnável.
Na vigência do Código de Processo Tributário, os actos em matéria tributária são sempre impugnáveis, podendo o contribuinte usar uma de duas vias: ou interpõe recurso hierárquico e, da decisão deste recurso, impugnação judicial para os tribunais tributários de 1.ª instância ou requer a revisão dessas correcções.
II. A nosso ver o recurso não merece provimento, já que o douto acórdão recorrido interpretou correctamente as normas legais em causa e, por isso, não merece qualquer censura.
Com efeito, atento o disposto no art.° 89º do Código de Processo Tributário, o acto definido na petição inicial não é inimpugnável judicialmente.
Constitui o referido normativo uma concretização do princípio da impugnação unitária, nos termos do qual só há impugnação contenciosa do acto final do procedimento, que afecta imediatamente a esfera patrimonial do contribuinte, fixando a posição final da administração tributária perante este, e definindo os seus direitos e deveres – vide, neste sentido, Lei Geral Tributária, comentada e anotada, Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, reimpressão, pág. 292, anotação 1.
Só assim não seria quando a fixação da matéria colectável não desse lugar à liquidação do imposto. Não ficava, no entanto, impedido o contribuinte de invocar qualquer ilegalidade praticada na determinação da matéria colectável ou a sua errónea quantificação. Tê-la-ia que fazer, no entanto, em reclamação ou impugnação do acto tributário de liquidação (n.º 2 do artigo 89º do Código de Processo Tributário).
No caso em apreço e, conforme resulta do probatório fixado nas instâncias, a recorrente veio «deduzir impugnação judicial do acto da Direcção de Finanças de Braga que alterou o resultado tributável em termos de IRC, referente ao exercício de 1990, para 119 550 968$00, por correcção do lucro tributável para 166 908 468$00», terminando a sua petição dizendo que «deve a presente impugnação ser julgada totalmente procedente, anulando-se a correcção do rendimento tributável referente ao exercício de 1990» – vide petição inicial de fls. 2 a 5 e Acórdão recorrido a fls. 197 v.
Dúvidas não há, pois, sobre a intenção da impugnante que era efectivamente a de impugnar a alteração ao rendimento colectável efectuada pela Direcção de Finanças de Braga, intenção essa já manifestada na reclamação prévia apresentada naquela Direcção de Finanças e a que alude o ponto b) da matéria de facto provada.
Daí que não possa proceder a argumentação da recorrente no sentido de que a sua verdadeira intenção era impugnar a liquidação, já que não é essa a realidade que transparece dos autos.
Como igualmente não deverá proceder a argumentação que a recorrente parece querer retirar das disposições conjugadas dos arts. 120º do Código de Processo Tributário e 268º, nº 4 da Constituição da República Portuguesa, no sentido de que os actos em matéria tributária são sempre impugnáveis e no sentido de que basta que o acto seja potencialmente lesivo para ser susceptível de recurso contencioso.
Com efeito, e como vem sido repetidamente afirmado pela nossa jurisprudência do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal Administrativo, o condicionamento da via contenciosa de impugnação de actos subalternos ou interlocutórios é compatível com a Constituição, nomeadamente com a garantia constitucional da admissibilidade de impugnação contenciosa, ínsita no seu art. 268º, nº 4.
Tal garantia só sairia violada se tal apreciação contenciosa ficasse de todo inviabilizada, o que não é o caso.
Nestes termos somos de parecer que o recurso não merece provimento, devendo ser confirmada a decisão sindicada,
As partes foram notificadas deste douto parecer, apenas se tendo pronunciado a Impugnante mantendo a posição assumida nas alegações do recurso jurisdicional.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – No acórdão recorrido deu-se como assente a seguinte matéria de facto:
a) No dia 18-8-1994, a ora recorrente, dirigindo-se ao Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Braga, veio «deduzir impugnação judicial do acto da Direcção de Finanças de Braga que alterou o resultado tributável em termos de I.R.C., referente ao exercício de 1990 para 119 550 968$00, por correcção do lucro tributável para 166 908 468$00», terminando a sua petição dizendo que «deve e a presente impugnação ser julgada totalmente procedente, anulando-se a correcção do rendimento tributável referente ao exercício de 1990» – cf. a petição inicial de fls. 2 a 6.
b) No dia 23-3-1994, a ora recorrente havia apresentado ao Director de Finanças de Braga um requerimento, em que «vem nos termos do artigo 111.º do Código do I.R.C., reclamar da correcção da matéria colectável do exercício de 1990», terminando por «solicitar a revisão da correcção efectuada» – cf. a informação oficial de fls. 18, e o documento de fls. 6.
c) O requerimento dito em b) foi objecto de apreciação pela Direcção de Serviços do IRC, em que, com a data de 13-10-94, se concluiu que «essa Direcção distrital de finanças procedeu correctamente» – cf. a informação oficial de fls. 104, e o documento de fls. 25 e 26.
3 – No acórdão recorrido entendeu-se que tal acto não é autonomamente impugnável, só podendo sê-lo no âmbito de impugnação judicial do acto de liquidação que se baseie em tal acto de correcção.
Ao caso dos autos aplica-se o regime do C.P.T., pois a impugnação foi apresentada na sua vigência.
O Código de Processo Tributário prevê o procedimento de revisão da matéria colectável nos seus arts. 84.º a 89.º.
Neste art. 89.º, na redacção inicial, vigente à data em que foi apresentada a impugnação, estabelecia-se o seguinte:
Artigo 89.º
Inimpugnabilidade autónoma das decisões das comissões
1 – O acto de fixação da matéria colectável não é susceptível de impugnação judicial autónoma, salvo se não der origem à liquidação de imposto.
2 – Na reclamação ou impugnação do acto tributário de liquidação, pode ser invocada qualquer ilegalidade praticada na determinação da matéria colectável ou a errónea quantificação desta.
A referência feita na parte final deste n.º 1 aos casos em que a fixação da matéria colectável não dá origem à liquidação de imposto reporta-se às situações em que esse acto de fixação é o acto final do procedimento ( ( ) É isso que sucede, designadamente, quando for fixada a matéria colectável num valor negativo, que é relevante para efeito de dedução de prejuízos nos anos posteriores, nos termos do art. 46.º do C.I.R.C., na redacção inicial, e quando à matéria colectável do ano a que se refere a fixação deverem ser abatidos prejuízos de anos anteriores, de valor superior. ).
Este art. 89.º do C.P.T. adoptou, assim, o princípio da impugnação unitária, nos termos do qual só o acto final do procedimento é contenciosamente impugnável.
Este princípio, no entanto, tem de comportar excepções no que concerne a actos que são imediatamente lesivos, por força do direito constitucional de impugnação de todos os actos que lesem os particulares, assegurado pelo art. 268.º, n.º 4, da C.R.P., nas redacções de 1989 e posteriores.
É manifesto que o acto de correcção da matéria colectável, quando é fixado um valor positivo, não afecta, por si mesmo, a esfera jurídica do contribuinte, só podendo ter efeitos negativos sobre ele o acto de liquidação que, eventualmente, venha a ser praticado com base na fixação da matéria colectável.
Por isso, nada obsta, no caso, à aplicação daquela regra do art. 89.º, n.º1.
Por outro lado, esta regra é reafirmada nos n.ºs 1 e 6 do art. 111.º do CIRC, nas redacções introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 138/92, de 17 de Julho, vigentes à data em foi apresentada a petição), em que se refere que «os sujeitos passivos de IRC, os seus representantes e as pessoas solidária ou subsidiariamente responsáveis pelo pagamento do imposto poderão reclamar ou impugnar a respectiva liquidação, efectuada pelos serviços da administração fiscal, com os fundamentos e nos termos estabelecidos no Código de Processo Tributário» e que «as entidades referidas no n.º 1 poderão ainda reclamar e impugnar a matéria colectável que for determinada e que não dê origem a liquidação de IRC...».
O art. 112.º, n.º 5, do CIRC, em que se estabelece que «sempre que o contribuinte utilize o recurso previsto neste artigo, não poderá, em relação à matéria recorrida, socorrer-se dos meios de defesa previstos no artigo anterior», para além de não se reportar a correcções do tipo da referida nos autos ( ( ) Como tem vindo a entender este Supremo Tribunal Administrativo, o art. 112.º do CIRC, ao referir-se a «correcções de natureza quantitativa» tem em vista as praticadas no uso de um poder discricionário ou margem de livre apreciação.
Neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos:
– de 5-2-1997, proferido no recurso n.º 21176, publicado no Apêndice ao Diário da República de 14-5-99, página 391;
– de 23-9-1998, proferido no recurso n.º 21515, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 479, página 315, e no Apêndice ao Diário da República de 28-12-2001, página 2453;
– do Pleno do S.T.A. de 20-9-2000, proferido no recurso n.º 20128, publicado no Apêndice ao Diário da República de 10-8-2001, página 167, e no Boletim do Ministério da Justiça n.º 499, página 167
– acórdão do S.T.A. de 14-2-2001, proferido no recurso n.º 25773, publicado no Apêndice ao Diário da República de 27-6-2003, página 547. ) e não ter sido utilizado pela própria Impugnante (deduziu uma reclamação graciosa e não um recurso hierárquico para o Ministro das Finanças) não pode contender com as regras do CPT e do CIRC que se referiram, pois aquele n.º 5 faz parte da redacção inicial do CIRC e as do CPT e do art. 111.º têm redacções posteriores. Por isso, se houvesse incompatibilidade entre estas normas do CPT e do art. 111.º do CIRC e a daquele n.º 5 do art. 112.º ( ( ) E não há incompatibilidade por, como se disse, o art. 112.º se aplicar a situações distintas. ), seria este n.º 5 que se teria de considerar revogado tacitamente (art. 7.º, n.º 3, do Código Civil).
Por outro lado, o art. 62.º, n.º 1, alínea c), do ETAF de 1984, que estabelecia que «compete aos tribunais tributários de 1.ª instância conhecer» «dos recursos dos actos preparatórios dos mencionados nas alíneas anteriores susceptíveis de impugnação judicial autónoma», não impõe que todos os actos preparatórios sejam susceptíveis de serem impugnados autonomamente, apenas prevendo a competência para os apreciar nos casos em que na lei se preveja essa impugnabilidade autónoma, como, ressalta dos seus próprios termos. ( ( ) Essa impugnabilidade autónoma de actos preparatórios estava prevista, para a generalidade dos actos de correcção da matéria colectável praticados no âmbito dos impostos anteriores à reforma fiscal de 1988 (arts. 78.º do Código da Contribuição Industrial e 20.º do Código do Imposto Profissional, por exemplo). ) Por isso, não pode com base nesta alínea c) concluir-se pela impugnabilidade dos actos de correcção da matéria colectável de IRC.
No que concerne aos arts. 118.º e 120.º do CPT, as referências que aí se fazem à impugnação dos actos tributários com fundamento em qualquer ilegalidade, inclusivamente errónea quantificação dos rendimentos, têm de ser interpretadas em consonância com o art.° 89.º que constitui uma norma especial sobre a matéria: isto é, aquela impugnação pode fazer-se autonomamente nos casos em que não houver lugar a liquidação de imposto e através de impugnação de acto de liquidação nos casos em que haja lugar a essa liquidação.
4 – Como é óbvio, a situação não se alteraria, a nível da lesividade do acto impugnado, na eventualidade de a administração tributária não ter vindo a notificar à Impugnante um acto de liquidação, praticado tendo como pressuposto aquele acto de fixação da matéria colectável, pois, nesse caso, já não poderá vir a ser validamente praticado e notificado à Impugnante um acto de liquidação, por ter decorrido o prazo em que a administração tributária o poderia fazer (art. 33.º, n.º 1, do CPT).
Isto é, se nunca foi notificado à Impugnante qualquer acto de liquidação que tivesse por base o acto de fixação da matéria colectável, é seguro que já não poderá vir a ser praticado um acto de liquidação com efeitos na sua esfera jurídica, pelo que o acto impugnado, para além de não ter tido efeitos na sua esfera jurídica, não poderá já vir alguma vez a tê-los, mesmo indirectamente, através de um acto de liquidação que o tenha como pressuposto.
Por outro lado, se foi praticado um acto de liquidação e ele não foi notificado, a Impugnante pode opor-se à respectiva execução, ao abrigo da alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT [equivalente à alínea n.º 1 do art. 286.º do CPT], pois «os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam notificados» (art. 64.º, n.º 1, do CPT, cujo regime foi mantido pelo art. 77.º, n.º 6, da LGT e 36.º, n.º 1, do CPPT).
Por isso, em nenhuma das situações equacionáveis, a impugnação directa do acto de fixação da matéria colectável é necessária para garantir a tutela judicial dos direitos da Impugnante.
Se, eventualmente, a Impugnante foi notificada de um acto de liquidação baseado no acto de fixação da matéria colectável, com a respectiva ordem de pagamento em determinado prazo, e não o impugnou ou não se opôs a execução fiscal baseada em acto de liquidação que não foi notificado anteriormente para pagamento voluntário da quantia liquidada, a si mesma terá de imputar a perda de acesso à tutela judicial, por não ter utilizado as faculdades previstas na lei para o efeito.
5 – O afastamento da possibilidade de impugnação autónoma de actos procedimentais não imediata e directamente lesivos por si mesmos não contende com a garantia constitucional do acesso ao direito, designadamente através da impugnação de actos administrativos, assegurado pelos arts. 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP (nas redacções de 1989 e posteriores)
Com efeito, o acto procedimental de fixação da matéria colectável é impugnável mediatamente, através do acto de liquidação que vier a ser praticado, pelo que fica, desta forma, a possibilidade de controlar judicialmente a sua legalidade.
Por outro lado, se não vier a ser praticado um acto de liquidação, não pode ser reconhecida qualquer lesividade ao acto de fixação da matéria colectável, pelo que não há necessidade de reconhecer aos destinatários desses actos o direito de recorrerem aos tribunais para discutir a sua legalidade.
Assim, a inimpugnabilidade de actos procedimentais do tipo do acto de fixação da matéria colectável não constitui uma restrição do direito de impugnação contenciosa, pois aquele acto é susceptível de ser apreciado contenciosamente, nas situações em que pode ter qualquer interesse para o destinatário impugná-lo.
Trata-se, antes, de um condicionamento daquele direito à impugnação contenciosa, que se traduz em permitir o controle judicial da legalidade daqueles actos apenas quando ele pode ser necessário.
Este condicionamento não é proibido pela Constituição, como o não são outros como a sujeição a prazos ou a imposição regras processuais, que em vez de restringirem o exercício do direito visam assegurá-lo eficazmente.
Como refere VIEIRA DE ANDRADE,
O exercício dos direitos fundamentais no espaço, no tempo e no modo, só será muitas vezes (inteiramente) eficaz se houver medidas concretas que desenvolvendo a norma constitucional, disciplinem o uso, previnam o conflito ou proíbam o abuso e a violação de direitos. Essa necessidade prática (que não se deve confundir com uma necessidade jurídica) é particularmente notória quando se trata de efectivar direitos em que predomina o aspecto institucional, mas pode ser referida à generalidade dos direitos fundamentais.
Nestes casos, as leis são leis regula(menta)doras (leis de organização), que organizam e disciplinam a «boa execução» dos preceitos constitucionais e que, com essa finalidade, poderão, quando muito, estabelecer condicionamentos ao exercício dos direitos. A sua intenção não é restringir, mas, pelo contrário, assegurar praticamente e fortalecer o direito fundamental constitucionalmente declarado. ( ( ) Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, páginas 226-229.
Sobre a distinção entre restrição e condicionamento de direitos, podem ver-se os acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 74/84 (publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 351, página 172, e 201/86 (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, n.º 7, tomo II, página 933). )
6 – No caso em apreço, a Impugnante apresentou à administração tributária uma reclamação graciosa, relativa à correcção da matéria colectável.
Não tendo sido apreciada tal reclamação, apresentou impugnação judicial pedindo a anulação da «correcção do rendimento tributável», pelo que é inequívoco que pretendeu impugnar o acto de fixação e não um acto de liquidação que se tivesse baseado no acto de fixação referido.
Por outro lado, a notificação efectuada (junta pela Impugnante a fls. 76) não faz qualquer referência a um acto de liquidação, tendo apenas uma referência, a título de «observação» (é esse o significado evidente da abreviatura «OBS») ao imposto a pagar com base na matéria colectável fixada, que tem o perceptível alcance de informar a Impugnante do alcance da correcção efectuada.
Não há nessa notificação algo que possa ser entendido como uma notificação de acto de liquidação de IRC efectuado pelos serviços da administração tributária, que se consubstancia no cálculo do imposto acompanhado de uma ordem para pagamento da quantia liquidada, em prazo determinado (art. 87.º do CIRC, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 138/92, de 17 de Julho).
Por isso, não se pode entender que a Impugnante tenha impugnado um acto de liquidação com fundamento em erro na quantificação da matéria colectável.
Termos em que acordam em negar provimento ao recurso e em confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Impugnante, com procuradoria de 50%.
Lisboa, 31 de Maio de 2006. – Jorge de Sousa (relator) – Baeta de Queiroz – Pimenta do Vale.