Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01092/16
Data do Acordão:05/03/2017
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:OPOSIÇÃO DE JULGADOS
TAXA MUNICIPAL DE DIREITOS DE PASSAGEM
TAXA DE OCUPAÇÃO DO SUBSOLO
Sumário:A partir da entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, apenas se consente aos Municípios taxar as utilidades decorrentes da ocupação e utilização do domínio público municipal com a implementação e funcionamento de estruturas necessárias às redes de comunicações daquela natureza acessíveis ao público através da Taxa Municipal de Direitos de Passagem prevista naquela lei, não lhes sendo lícito taxá-las através de tributos ou encargos de outra espécie ou natureza, designadamente através de taxa de ocupação/utilização do solo municipal com obras necessárias à implantação de infra-estruturas ou equipamentos.
Nº Convencional:JSTA00070147
Nº do Documento:SAP2017050301092
Data de Entrada:10/04/2016
Recorrente:A..............S.A.
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE SINTRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC OPOS JULGADOS
Objecto:AC STA PROC0691/15 - AC TCAS PROC1092/16
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - OPOSIÇÃO.
Legislação Nacional:L 5/2004 DE 2004/02/10 ART106 N2.
DL 123/2009 DE 2009/05/21.
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC01091/16 DE 2017/03/29.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO VOLII PAG396.
CASALTA NABAIS - DIREITO FISCAL 2ED PAG230-231.
Aditamento:
Texto Integral: Recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo por oposição de acórdãos.

1. RELATÓRIO

1.1 “ A……………….., S.A.” (adiante Recorrente) veio, ao abrigo do disposto no art. 284.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo do acórdão proferido nestes autos em 8 de Outubro de 2015 pela Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, invocando oposição com o acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 21 de Outubro de 2015, proferido no processo n.º 691/15, e identificando como questão jurídica fundamental decidida em sentido divergente a da legalidade da liquidação de taxa por ocupação do domínio publico municipal para instalação de infra-estruturas necessárias à implantação de redes de comunicação electrónicas acessíveis ao público, em cumulação com a cobrança de taxa municipal de direitos de passagem (TMDP).

1.2 Admitido o recurso, e em face das alegações produzidas ao abrigo do disposto no art. 284.º, n.º 3, CPPT, a Desembargadora relatora entendeu verificar-se a invocada oposição e ordenou a notificação das partes para alegaram nos termos do n.º 5 do mesmo artigo.

1.3 A Recorrente apresentou, então, alegações sobre o mérito do recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«A. A partir da entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, apenas se consente aos Municípios taxar as utilidades decorrentes da ocupação e utilização do domínio público municipal com a implementação e funcionamento de estruturas necessárias às redes de comunicações daquela natureza acessíveis ao público através da Taxa Municipal de Direitos de Passagem prevista naquela lei, não lhes sendo lícito taxá-las através de tributos ou encargos de outra espécie ou natureza.

B. O sentido do conceito de “direitos de passagem”, como sendo os direitos de instalação de recursos em, sobre ou sob propriedade pública ou privada, conferidos a uma empresa autorizada a oferecer redes públicas de comunicações, vem definido no artigo 11.º na directiva-quadro (Directiva n.º 2002/21/CE, de 7 de Março).

C. Da directiva autorização (Directiva n.º 2002/20/CE, de 7 de Março) resulta claro que a instalação de recursos relativos a redes de comunicações electrónicas em, sob ou sobre propriedade pública, pode ser sujeita a taxas, que incidam sobre empresas que detenham tais direitos de instalação e essas taxas incidentes sobre as empresas autorizadas a oferecer redes públicas de comunicações, previstas no mencionado Artigo 13.º da directiva autorização, são as únicas que podem ser cobradas,

D. Mas em contrapartida dos referidos direitos de instalação conforme decorre do considerando (3) da citada directiva autorização.

E. Com efeito, este considerando da directiva autorização indica expressamente que “O objectivo da presente directiva consiste em criar um quadro jurídico que garanta a liberdade de oferta de serviços e redes de comunicações electrónicas, apenas sujeitos às condições previstas na presente directiva e a restrições de acordo com o n.º 1 do artigo 46.º do Tratado, nomeadamente medidas relativas à ordem pública, à segurança pública e à saúde pública”,

F. Daí resultando que mais nenhum encargo ou condição pode ser imposto às entidades autorizadas a oferecer redes públicas de comunicações pela atribuição de direitos de passagem.

G. No caso sub judice, ao arrepio das normas acima elencadas, o Município de Sintra decidiu aplicar e liquidar, para além da Taxa Municipal de Direitos de Passagem (TMDP”), a Taxa de Ocupação de Domínio Público (“TODP”), por entender – tal como sufragado pelo Tribunal a quo – que a operação de instalação dos cabos necessários fornecimento dos serviços de comunicação electrónica representa uma realidade perfeitamente autónoma, distinta e separável do fornecimento de serviços de comunicações electrónicas, considerando, assim, que tal operação necessariamente prévia legitimaria o Município de Sintra a aplicar e liquidar a TODP.

H. Contudo, a verdade é que o fornecimento de serviço de comunicações electrónicas, sujeito a taxa sobre direitos de passagem, é uma única realidade, não podendo ser desdobrada em sub-realidades, para efeitos de tributação.

I. Conforme resulta do direito aplicável, os direitos de passagem tributados pela TDMP abrangem os direitos de instalação de recursos em, sobre ou sob propriedade pública ou privada, conferidos a uma empresa autorizada a oferecer redes públicas de comunicações, conforme acima se evidenciou.

J. Atente ainda ao disposto na alínea m) do Artigo 2.º da citada directiva-quadro que define o conceito de “oferta de rede de comunicações electrónicas”, como sendo “o estabelecimento, operação, controlo ou disponibilização da referida rede”, não se encontrando aí qualquer fundamento que sustente a tese de que o estabelecimento, operação, controlo ou disponibilização da referida rede devam ser tratadas como realidades autónomas passíveis de regimes diferenciados.

K. As taxas previstas no Artigo 13.º da directiva autorização – correspondentes à TMDP – são, com efeito, as únicas que podem ser cobradas em contrapartida dos referidos direitos de instalação, conforme decorre do considerando (3) da citada directiva autorização.

L. A Taxa Municipal de Direitos de Passagem foi instituída pelo artigo 106.º, n.º 2, da Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, ao abrigo do disposto no artigo 13.º da directiva autorização (Directiva n.º 2002I201CE, de 7 de Março), como contrapartida dos “direitos e encargos relativos à implantação, passagem e atravessamento de sistemas, equipamentos e demais recursos das empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, em local fixo, dos domínios, público e privado municipal” (sublinhado nosso).

M. Está estipulado no n.º 4 do artigo 106.º da Lei n.º 5/2004, que “o Estado e as Regiões Autónomas não cobram às empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público taxas ou quaisquer outros encargos pela implantação, passagem ou atravessamento de sistemas, equipamentos e demais recursos físicos necessários à sua actividade, à superfície ou no subsolo, dos domínios público e privado do Estado e das Regiões Autónomas” (realce nosso).

N. Com a aprovação do Decreto-Lei n.º 123/2009, de 21 de Maio, resulta clara a intenção do legislador de clarificar que neste âmbito não podem ser exigidas outras taxas, encargos ou remunerações pelos direitos de passagem, fazendo constar no respectivo Preâmbulo que “nos termos da Lei das Comunicações Electrónicas pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, o direito de utilização do domínio público para a implantação, passagem ou atravessamento necessários à instalação de sistemas, equipamentos e demais recursos, através de procedimentos transparentes, céleres e não discriminatórios e adequadamente publicitados (...) No que respeita às taxas devidas pelos direitos de passagem nos bens do domínio público e privado municipal, o presente decreto-lei remete para a Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, a qual prevê a taxa municipal de direito de passagem (TMDP). Porém, e em cumprimento dos princípios constitucionais aplicáveis, é clarificado que neste âmbito não podem ser exigidas outras taxas, encargos ou remunerações pelos direitos de passagem, evitando-se, assim, a duplicação de taxas relativas ao mesmo facto” (sublinhado e realce nossos).

O. Do número 1 do Artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 123/2009, de 21 de Maio, resulta ainda claro que “Pela utilização e aproveitamento dos bens do domínio público e privado municipal, que se traduza na construção ou instalação, por parte de empresas que ofereçam redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, de infra-estruturas aptas ao alojamento de comunicações electrónicas, é devida a taxa municipal de direitos de passagem, nos termos do artigo 106.º da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, não sendo permitida a cobrança de quaisquer outras taxas, encargos ou remunerações por aquela utilização e aproveitamento” (realces nossos).

P. Da norma atrás transcrita resulta evidente que a TMDP afastou, de forma expressa e inequívoca, a cobrança de quaisquer outras taxas, encargos ou remunerações por aquela utilização e aproveitamento.

Q. Assim, as “vantagens” identificadas pela lei como dando lugar ao pagamento da TMDP, são as de instalação de sistemas e equipamentos das empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, em (implantação), sobre (passagem) e sob (atravessamento) propriedade pública e privada municipal.

R. E o facto constitutivo da relação jurídica da TMDP (facto tributário) consiste naquela instalação de recursos – como decorre dos Artigos 24.º, n.º 1, alínea b), 106.º, n.º 2, da Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, 11.º da directiva-quadro (Directiva n.º 2002/21/CE, de 7 de Março) e 13.º da directiva autorização (Directiva n.º 2002/20/CE, de 7 de Março).

S. Com a entrada em vigor da TMDP, foram tacitamente revogadas as disposições dos regulamentos camarários que, de acordo com a Lei das Finanças Locais, previam a cobrança de outras taxas aplicadas aos factos tributados pela TMDP.

T. O quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações electrónicas impunha, somente, que as taxas em causa fossem “objectivamente justificadas, transparentes, não discriminatórias e proporcionais relativamente ao fim a que se destinam [tivessem] em conta os objectivos do artigo 8.º da Directiva 2002/21/CE (directiva-quadro)” (cfr. o Artigo 13.º da directiva autorização – Directiva n.º 2002/20/CE, de 7 de Março) (condições estas que o legislador português reproduziu no n.º 1 do Artigo 106.º da Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro).

U. Ao decidir em sentido contrário, saíram frontalmente violadas pelo Acórdão do Tribunal a quo ora posto em crise (i) o artigo 11.º da directiva-quadro (Directiva n.º 2002/21/CE, de 7 de Março), (ii) o Artigo 13.º da directiva autorização (Directiva n.º 2002/20/CE, de 7 de Março), (iii) o artigo 106.º da Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, e, por fim, (iv) o número 1 do Artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 123/2009.

V. Em particular, ao defender que “A contraprestação consistente na concessão do uso privativo do solo e subsolo com a implantação das infra-estruturas de redes de distribuição de comunicações electrónicas não se identifica com a contraprestação de uso temporário do espaço público tendo em vista a realização das obras necessárias à implantação das referidas infra-estruturas” o Tribunal a quo decide frontalmente contra o exposto no número 1 do Artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 123/2009, de 21 de Maio, saindo este último, portanto, violado.

W. Em sentido claramente contrário ao do Tribunal a quo, decidiu o Supremo Tribunal Administrativo, através do Acórdão datado de 21.10.2015, com o número de documento SA2201510210691 e que se encontra publicado em http://www.dgsi.pt, sustentando que “Como se constata do n.º 2 do normativo atrás referido [refere-se ao artigo 106.º da Lei das Comunicações Electrónicas], e também do estatuído no art. 24.º da Lei 5/2004, a Taxa Municipal de Direitos de Passagem tem como contrapartida o direito de acesso e utilização do domínio público para a implementação, a passagem e o atravessamento necessários à instalação de sistemas, equipamentos e demais recursos das empresas que fornecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público” e que, “Por outro lado o facto gerador da Taxa de Ocupação da Via Pública liquidada é precisamente a ocupação da via pública com a instalação de postos de transferência /cabines eléctricas e tubos e condutas para distribuição de TV por cabo (Vide, com referência ao facto gerador da taxa devida pela ocupação da via pública) o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27.11.2009, recurso 670/09), equipamentos esses que se incluem no conceito de «equipamentos e demais recursos das empresas que fornecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público» adoptado no referido n.º 2 do art. 106.º da Lei 5/2004”.

X. Face ao sustentado supra, conclui o Supremo Tribunal Administrativo que “Verifica-se assim a sobreposição de normas de incidência em causa [que] poderá integrar uma situação de dupla tributação. É certo que a dupla tributação não integra em si mesmo um vício do acto tributário. (...) Porém, no caso sub judice estão em causa taxas. Ora, em matéria de taxas devidas pela ocupação de bens de domínio público é de excluir a admissibilidade de dupla tributação, pois sendo aquelas a contrapartida do benefício obtido, não se pode justificar um duplo pagamento pelo mesmo benefício – cf. Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 20.11.2010, recurso 513/10, in www.dgsi.pt” e,

Y. Que “Tendo em conta esta realidade e a possibilidade de sobreposição de normas de incidência que visam a tributação do mesmo facto e com idêntica finalidade, parece claro poder concluir-se, até com recurso ao elemento sistemático, que o legislador expressou intenção de obviar a que o acesso e utilização do domínio público para a implementação de redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público fosse objecto de incidência de mais do que um tributo”.

Z. Em suma, conclui o supra aludido Acórdão que, (i) “(…) para além da TMDP não podem ser cobradas às empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público quaisquer outras taxas pela instalação de sistemas, equipamentos e demais recursos em terrenos do domínio público municipal e que tenham como contrapartida a utilização desses terrenos, sob pena de se estar a tributar duplamente a mesma realidade. Dupla tributação que é inadmissível em matéria de taxas, na medida em que elas constituem, por natureza, a contrapartida pela obtenção de um determinado benefício (relação de bilateralidade ou de sinalagmaticidade que caracteriza as taxas) e não se poder justificar um duplo pagamento pelo mesmo benefício”, esclarecendo, ainda, (ii) “(...) que o regime actualmente vigente se deverá ter como tendo entrado em vigor e, portanto, plenamente eficaz a partir da entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas e em consequência aplicável ao caso dos autos em que estão em causa taxas liquidadas em 2005, porquanto, o DL n.º 123/2009, de 21/5, apenas clarificou o regime plasmado na Lei n.º 5/2004, de 10/2, e mais propriamente o seu artigo 106.º n.º 2 que passou a proibir a cobrança pelas autarquias locais de qualquer outra taxa, encargo ou remuneração pela utilização ou aproveitamento dos bens do domínio público e privado municipal, para além da taxa municipal de direitos de passagem ali prevista, por forma a evitar a duplicação de taxas relativas ao mesmo facto tributário (cfr. o Preâmbulo do diploma e os arts. 2.º al. a) e 12.º n.º 1)” (realce e sublinhado nosso).

AA. A solução jurídica que vem sendo unânime e consolidadamente adoptada pelo Supremo Tribunal Administrativo corresponde à única solução passível de ser defendida face ao quadro legislativo aplicável ao caso sub judice, pelo que, tendo o Tribunal a quo adoptado solução jurídica diversa (como o próprio aliás o reconhece), deverá o douto Tribunal pugnar pela procedência do presente recurso e, bem assim, pela revogação do Acórdão ora recorrido.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, deve o presente recurso interposto ser julgado totalmente procedente e, em consequência, revogado o Acórdão ora recorrido, mantida a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, em 18.03.2012, e, por maioria de razão, julgada procedente a impugnação então deduzida pela ora Recorrente e assim se fazendo JUSTIÇA!».

1.4 O Município de Sintra contra-alegou, sustentando a manutenção do acórdão recorrido.

1.5 Distribuídos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, deu-se vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja concedido provimento ao recurso, revogado o acórdão recorrido e ser julgada procedente a impugnação judicial, com a consequente anulação da taxa pela ocupação/utilização do colo municipal.
Após enunciar os requisitos do recurso por oposição de acórdãos e resumir as posições assumidas nos acórdãos recorrido e fundamento quanto à questão jurídica alegadamente decidida em oposição, concluiu que se verifica «antagonismo relevante dos acórdãos em confronto na solução da mesma questão fundamental de direito, tornando imperativa a resolução do conflito de jurisprudência» e propôs que o mesmo seja resolvido no sentido da doutrina do acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo com a seguinte fundamentação:

«A. A questão supra enunciada foi apreciada pelo STA-SCT em acórdãos que permitiram a formação de jurisprudência consolidada, a qual deve ser mantida pela proficiência da fundamentação e por observância do princípio da interpretação e aplicação uniformes do direito (art. 8.º n.º 3 C.Civil / acórdãos 6.10.2010 processo n.º 363/10; 30.11.2010 processo n.º 513/10; 12.01.2011 processo n.º 751/10; 1.06.2011 processo n.º 179/11; 12.10.2011 processo n.º 631/11; 2.05.2012 processo n.º 693/11; 27.05.2012 processo n.º 428/12; 2.05.2012 processo n.º 693/11; 14.06.2012 processo n.º 281/12; 30.04.2013 processo n.º 1321/12; 6.03.2013 processo n.º 716/11; 22.04.2015 processo n.º 192/15).
Nesta conformidade transcreve-se o sumário doutrinário do acórdão proferido em 6.10.2010 processo n.º 363/10:
1. A partir da entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 Fevereiro, apenas se consente aos Municípios taxar as utilidades decorrentes da ocupação e utilização do domínio público municipal com a implementação e funcionamento de estruturas necessárias às redes de comunicações daquela natureza acessíveis ao público através da taxa municipal de direitos de passagem prevista naquela lei, não lhes sendo lícito taxá-las através de tributos ou encargos de outra espécie ou natureza;
2. Consequentemente, é ilegal a liquidação de taxa municipal de ocupação da via pública sindicada nos presentes autos, cuja contraprestação específica consiste na utilização do domínio público municipal com instalações e equipamentos necessários à ampliação de redes de televisão por cabo.

B. Considerações complementares:
- o DL n.º 123/2009, 21 Maio clarificando o regime plasmado na Lei n.º 5/2004, 10 Fevereiro proíbe a cobrança pelas autarquias locais de qualquer outra taxa, encargo ou remuneração pela utilização ou aproveitamento dos bens do domínio público e privado municipal ,para além da taxa municipal de direitos de passagem prevista nos termos do art. 106.º da Lei das Comunicações Electrónicas aprovada pela Lei n.º 5/2004, 10 Fevereiro, por forma a evitar a duplicação de taxas relativas ao mesmo facto tributário (preâmbulo do diploma; arts. 2.º al. a) e 12.º n.º 1);
- a tese do acórdão recorrido, segundo a qual a TMDP é correlativa de uma ocupação /utilização do domínio público municipal distinta da ocupação/utilização correlativa da taxa cobrada pelo município de Sintra (taxa por ocupação/utilização do solo municipal; factos provados al. B) fls. 234), ignora a pura instrumentalidade da prévia instalação da obra na via pública pela concessionária do serviço público, em relação à posterior ocupação /utilização do solo e subsolo municipal com a implantação das estruturas de rede para prestação de serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público sujeita ao pagamento da TMDP».

1.6 Colhidos os vistos dos Conselheiros desta Secção do Contencioso Tributário, cumpre apreciar e decidir, sendo que, antes do mais, há que verificar da existência da invocada contradição entre os acórdãos em confronto e só na afirmativa se passará, depois, a averiguar das infracções imputadas ao acórdão recorrido [cfr. art. 152.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA)].


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2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

2.1.1 O acórdão recorrido deu como assente a seguinte matéria de facto:

«A) A Impugnante é titular de licença para a ocupação da Via Pública/Subsolo, com construções ou instalações no solo em diversos pontos no país.

B) Mediante ofício n.º 2309/11, datado de 26.01.2011, a Câmara Municipal de Sintra notificou a Impugnante para, proceder ao pagamento da factura n.º 02000001146, no valor de € 1.694,90 respeitante à taxa devida pela ocupação/utilização do solo municipal prevista no n.º 19.1 do artigo 28.º da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra – cfr. ofício de fls. 43 a 47, dos autos.

C) No dia 28.02.2011, a Impugnante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação da taxa devida pela ocupação/utilização do solo municipal a que alude a al. B) do probatório.

D) Por deliberação da Câmara Municipal de Sintra datada de 31.08.2011, constante de fls. 174 v. a 175 v. e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, a reclamação referida na al. C) do probatório foi indeferida (Doc. fls. 128/178 do processo administrativo tributário apenso).

E) No dia 25.01.2011, a Impugnante procedeu ao pagamento da quantia aposta na liquidação a que alude a al. B) do probatório (Doc. n.º 5 junto à p.i.)

F) A presente petição inicial deu entrada em Tribunal em 04.11.2003, tendo sido remetida por correio registado no dia 03.11.2011 (cf. carimbo aposto sobre a PI de fls. 3).».

2.1.2 O acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo indicado como fundamento – proferido em 21 de Outubro de 2015 no processo n.º 691/15 – deu como assente a seguinte matéria de facto:

«A) A Oponente dedica-se, designadamente, à distribuição de televisão por cabo, satélite ou qualquer outra plataforma (facto alegado no artigo 7.º da petição inicial e não contestado);

B) A prossecução da sua actividade implica que possua equipamentos e redes de distribuição por cabo, designadamente, na área geográfica do Município de Almada (facto alegado no artigo 8.º da p.i. e não contestado);

C) A Oponente é titular de licenças para a ocupação do espaço público subsolo com construções ou instalações no solo em diversos pontos da cidade de Almada, emitidas pela respectiva Câmara Municipal (facto alegado no artigo 9.º da p.i. e não contestado);

D) Contra a Oponente, foram instaurados pelo Gabinete de Execuções Fiscais do Município de Almada os processos de execução fiscal que infra se descrevem e respeitantes a dívidas de taxas de ocupação do espaço público de subsolo, referentes ao ano de 2005, no montante total de € 119.835,95, e que infra se enumeram:








sendo que doc. 1 junto com a p.i. a fls. 39 a 250 dos autos)

E) Os processos de execução fiscal descritos na alínea antecedente foram apensos ao processo de execução fiscal n.º 7270/12, eleito processo principal (cfr. ofício de deferimento da apensação a fls. 251 dos autos);

F) A Oponente foi citada para os processos de execução fiscal n.º 7270/12 e respectivos apensos em Agosto de 2012 (facto não controvertido – facto alegado no artigo 1.º da p.i. e não contestado)».


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2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

Pretende a Recorrente a uniformização da jurisprudência relativamente a uma questão fundamental de direito, que considera que o acórdão recorrido decidiu em contradição com o decidido pelo acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 21 de Outubro de 2015, proferido no processo n.º 691/15 ( Acórdão disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/725a3bebced6cf5680257eec004dc33d.): a de saber se pode cobrar-se taxa por ocupação do domínio público municipal para instalação de infra-estruturas necessárias à implantação de redes de comunicação electrónicas acessíveis ao público, em cumulação com a cobrança da TMDP.
Como deixámos acima referido, antes do mais, há que averiguar da alegada contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento. Só depois, se esta questão for respondida afirmativamente, se passará a averiguar das infracções imputadas ao acórdão recorrido.

2.2.2 DOS REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO POR OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS

2.2.2.1 O presente processo de impugnação judicial iniciou-se no ano de 2011, pelo que lhe é aplicável o regime legal resultante do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) de 2002, nos termos dos arts. 2.º, n.º 1, e 4.º, n.º 2, da Lei n.º 13/2002 de 19 de Fevereiro, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 107-D/2003 de 31 de Dezembro, dos quais decorre que a data da entrada em vigor do novo Estatuto ocorreu em 1 de Janeiro de 2004.
Assim, a admissibilidade dos recursos por oposição de acórdãos, tendo em conta o regime previsto nos arts. 27.º, alínea b) do ETAF, 284.º do CPPT e 152.º do CPTA, depende de (i) existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e (ii) a decisão impugnada não estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
No que ao primeiro requisito respeita, como tem sido inúmeras vezes dito pelo Pleno desta Secção relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, para detectar a existência de uma contradição, quais sejam:
i. identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, o que pressupõe uma identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais;
ii. que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica, a qual se verifica sempre que as eventuais modificações legislativas possam servir de base a diferentes argumentos que possam ser valorados para determinação da solução jurídica;
iii. que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta e esta oposição decorra de decisões expressas, não bastando a simples oposição entre razões ou argumentos enformadores das decisões finais ou a invocação de decisões implícitas ou a pronúncia implícita ou consideração colateral tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.

2.2.2.2 Começaremos por apreciar se estão verificados os requisitos da alegada contradição de julgados à luz dos supra referidos princípios, já que a sua inexistência obstará, lógica e necessariamente, ao conhecimento do mérito do recurso.
Vejamos, pois, o que os dois acórdãos em confronto decidiram, no que à invocada oposição se refere.
O acórdão recorrido concedeu provimento ao recurso interposto pelo Município de Sintra, revogando a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgara procedente a impugnação judicial deduzida pela ora Recorrente contra o indeferimento de reclamação graciosa tendo por objecto taxa municipal de ocupação do domínio público cobrada pelo Município a operadora de comunicações electrónicas.
A sentença de 1.ª instância, aderindo à jurisprudência consolidada da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, que cita e subscreve, entendeu que a partir da entrada em vigor da Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, a aplicação da TMDP prevista no art. 106.º afasta a taxa municipal de ocupação do domínio público, razão pela qual anulou a liquidação sindicada.
O acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul recorrido revogou aquela decisão e julgou improcedente a impugnação, aderindo ao entendimento expresso pelo mesmo Tribunal no acórdão de 5 de Março de 2015, proferido no processo n.º 7033/13 ( Acórdão disponível em
http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/7bf3df010d1c6b8080257e05004f52dd.
), de que a taxa correspondente ao tributo devido pela utilização do domínio público com a realização de obras de implantação dos cabos a instalar pelo operador de rede de comunicações electrónicas não se confunde com a TMDP, que uma e outra tributam utilidades distintas, incidentes sobre bens do domínio público, também distintos, concluindo não ser ilegal a cobrança de tal taxa às operadoras por obras por estas realizadas para implantação dos equipamentos necessários à prestação dos seus serviços.
Por seu turno, o Acórdão fundamento confirmou a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que, se bem que em sede de oposição à execução fiscal, também conheceu da legalidade (abstracta) da liquidação de uma taxa por ocupação da via pública, extinguindo a execução fiscal onde a mesma estava a ser cobrada. Essa sentença, aderindo à jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, considerou que, como veio a clarificar o Decreto-Lei n.º 123/2009, de 21 de Maio, a Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, proibia a cobrança pelas autarquias locais de qualquer outra taxa, encargo ou remuneração pela utilização ou aproveitamento dos bens do domínio público e privado municipal, para além da taxa municipal de direitos de passagem prevista nos termos do art. 106.º da Lei das Comunicações Electrónicas aprovada por aquela referida Lei, por forma a evitar a duplicação de taxas relativas ao mesmo facto tributário.
O acórdão fundamento reafirmou a jurisprudência consolidada da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, no sentido de que «[a] partir da entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10/2, apenas se consente aos Municípios taxar as utilidades decorrentes da ocupação e utilização do domínio público municipal com a implementação e funcionamento de estruturas necessárias às redes de comunicações daquela natureza acessíveis ao público através da taxa municipal de direitos de passagem prevista naquela lei, não lhes sendo lícito taxá-las através de tributos ou encargos de outra espécie ou natureza».

2.2.2.3 Ou seja, em ambos os arestos estão em causa taxas cobradas por municípios, ao abrigo dos respectivos Regulamentos de Taxas, a operadoras de serviços de telecomunicações pela ocupação do espaço público municipal com obras necessárias à instalação de equipamentos para serviços de comunicações. Embora as taxas em causa estivessem, num e noutro aresto, previstas em diferente Regulamento Municipal e sejam de montante diverso, para a questão decidenda – a de saber se a cobrança de tais taxas por parte dos municípios a operadoras de comunicações é ou não legalmente admissível – a situação de facto subjacente a ambos não apresenta contornos substancialmente diversos. Isto porque as taxas em causa foram ambas liquidadas após a entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas – e tributam utilidades semelhantes (ocupação do domínio público municipal com obras), havendo, pois, identidade substancial das situações de facto entre os arestos em confronto, para além de identidade da questão decidenda no âmbito de um quadro jurídico de referência idêntico.
Verificando-se, como acima exposto, a identidade de questões de facto e de direito e, bem assim, a oposição de decisões expressas entre os acórdãos em confronto, encontra-se demonstrada a questão preliminar da oposição de acórdãos, exigida no art. 284.º, n.º 3, do CPPT.

2.2.2.4 Verificado que está o primeiro requisito de admissibilidade do recurso, cumpre agora indagar da verificação do segundo requisito, qual seja que o acórdão recorrido não tenha acolhido jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal Administrativo.
A resposta é inequívoca, pois o acórdão recorrido não só não acolhe tal jurisprudência como a contraria.
Verificados os requisitos de admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos, passemos a apreciar do mérito do recurso.

2.2.3 DO MÉRITO DO RECURSO

A questão que cumpre apreciar e decidir foi decidida por esta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em pleno, por acórdão proferido em 29 de Março p.p. no processo n.º 1091/16 ( Acórdão disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/7848fe75bd1bf87f802580f700558174.). Porque concordamos integralmente com o que ali ficou decidido e respectivos fundamentos, vamos passar a citar o mencionado acórdão:

«Importa decidir se o acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento ao julgar improcedente a impugnação deduzida pela ora recorrente contra o indeferimento da reclamação graciosa tendo por objecto a liquidação de taxa devida pela ocupação/utilização do solo municipal prevista no n.º 19.1 do artigo 28.º da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra.
A questão não é nova na jurisprudência deste STA e tem recebido por parte do órgão de cúpula da jurisdição resposta uniforme, no sentido de que «A partir da entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei nº 5/2004, de 10 Fevereiro, apenas se consente aos Municípios taxar as utilidades decorrentes da ocupação e utilização do domínio público municipal com a implementação e funcionamento de estruturas necessárias às redes de comunicações daquela natureza acessíveis ao público através da taxa municipal de direitos de passagem prevista naquela lei, não lhes sendo lícito taxá-las através de tributos ou encargos de outra espécie ou natureza», acrescentando-se em Acórdãos mais recente – designadamente do acórdão fundamento –, que o DL n.º 123/2009, de 21/5 (…) clarificando o regime plasmado na Lei n.º 5/2004, de 10/2, proíbe a cobrança pelas autarquias locais de qualquer outra taxa, encargo ou remuneração pela utilização ou aproveitamento dos bens do domínio público e privado municipal, para além da taxa municipal de direitos de passagem prevista nos termos do art. 106.º da Lei das Comunicações Electrónicas aprovada por aquela referida Lei, por forma a evitar a duplicação de taxas relativas ao mesmo facto tributário (cfr. o Preâmbulo do diploma e os arts. 2.º al. a) e 12.º n.º 1) – sublinhados nossos.
Isto porque, como se diz, entre outros, no Acórdão deste STA de 22 de Abril de 2015 (rec. n.º 192/15) invocando jurisprudência anterior, “a Taxa Municipal de Direitos de Passagem tem como contrapartida o direito de acesso e utilização do domínio público para a implementação, a passagem e o atravessamento necessários à instalação de sistemas, equipamentos e demais recursos das empresas que fornecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público.”//. Por outro lado o facto gerador da Taxa de Ocupação da Via Pública liquidada é precisamente a ocupação da via pública com vista à instalação dos ditos equipamentos, os quais se incluem “no conceito de «equipamentos e demais recursos das empresas que fornecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público» adoptado no referido n.º 2 do art. 106.º da Lei 5/2004.// Verifica-se assim a sobreposição de normas de incidência em causa poderá integrar uma situação de dupla tributação.// É certo que a dupla tributação não integra em si mesmo um vício do acto tributário. Trata-se de situações em que legislativamente se pretendeu que o mesmo facto tributário fosse objecto de incidência de mais do que um tributo (cf. Código de Procedimento e Processo Tributário anotado de Jorge Lopes de Sousa, vol. II, pag. 396).// Como sublinha o prof. JOSÉ CASALTA NABAIS, DIREITO FISCAL, 2.ª edição, pág. 230/231 a dupla tributação “configura uma situação em que o mesmo facto tributário se integra na hipótese de incidência de duas normas tributárias diferentes, o que implica, de um lado, a identidade do facto tributário e, do outro, a pluralidade de normas tributárias”.// Porém, no caso subjudice estão em causa taxas. Ora, em matéria de taxas devidas pela ocupação de bens de domínio público é de excluir a admissibilidade de dupla tributação, pois sendo aquelas a contrapartida do benefício obtido, não se pode justificar um duplo pagamento pelo mesmo benefício – cf. Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 20.11.2010, recurso 513/10, in www.dgsi.pt.// Tendo em conta esta realidade e a possibilidade de sobreposição de normas de incidência que visam a tributação do mesmo facto e com idêntica finalidade, parece claro poder concluir-se, até com recurso ao elemento sistemático, que o legislador expressou intenção de obviar a que o acesso e utilização do domínio público para a implementação de redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público fosse objecto de incidência de mais do que um tributo.
Isto mesmo foi sublinhado no DL 123/2009 de 21 de Maio, que define o regime jurídico da construção, do acesso e da instalação de redes e infra-estruturas de comunicações electrónicas, e em cujo art. 12.º refere expressamente que «pela utilização e aproveitamento dos bens do domínio público e privado municipal, que se traduza na construção ou instalação, por parte de empresas que ofereçam redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, de infra-estruturas aptas ao alojamento de comunicações electrónicas, é devida a taxa municipal de direitos de passagem, nos termos do artigo 106.º da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, não sendo permitida a cobrança de quaisquer outras taxas, encargos ou remunerações por aquela utilização e aproveitamento».
Sendo que tal intuito do legislador é também patente nos arts. 13.º, n.º 4 e 34.º do mesmo diploma legal e ainda o respectivo preâmbulo, onde expressamente se refere que «no que respeita às taxas devidas pelos direitos de passagem nos bens do domínio público e privado municipal, o presente decreto-lei remete para a Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, a qual prevê a taxa municipal de direito de passagem (TMDP). Porém, e em cumprimento dos princípios constitucionais aplicáveis, é clarificado que neste âmbito não podem ser exigidas outras taxas, encargos ou remunerações pelos direitos de passagem, evitando-se, assim, a duplicação de taxas relativas ao mesmo facto”.// Em suma, conclui-se que a partir da entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10/2, apenas se consente aos Municípios taxar as utilidades decorrentes da ocupação e utilização do domínio público municipal com a implementação e funcionamento de estruturas necessárias às redes de comunicações daquela natureza acessíveis ao público através da Taxa Municipal de Direitos de Passagem prevista naquela lei, não lhes sendo lícito taxá-las através de tributos ou encargos de outra espécie ou natureza.
Consequentemente, é ilegal a liquidação de Taxa Municipal de Ocupação da Via Pública sindicada nos presentes autos, cuja contraprestação específica consiste na utilização do domínio público municipal com instalações e equipamentos necessários à implantação de infra-estruturas atinentes às redes de comunicação electrónica.
É este julgamento que aqui se reitera, não apenas em cumprimento do dever de contribuir para uma interpretação e aplicação uniformes do direito – o que seria já razão bastante –, mas convictos do acerto do assim decidido.
De facto, em face do artigo 106.º da Lei das Comunicações Electrónicas parece claro que a Taxa Municipal de Direitos de Passagem não representa a mera remuneração do atravessamento duradouro do domínio público municipal por equipamentos de comunicações electrónicas mas também da sua “implantação” (cfr. os seus números 2 e 5), sendo destituído de base legal, e artificiosa, a desagregação, para efeitos de tributação, da “implantação” vs. “atravessamento” de equipamentos.
Acresce que, se aos municípios fosse permitida essa desagregação, facilmente se poderia subverter a Lei através da multiplicação de encargos sobre uma actividade que aquela quis fomentar, dotando-a de um quadro racional, transparente e uniforme no quadro da União Europeia.
Incorreu, pois, o acórdão recorrido em erro de julgamento, determinante da sua revogação, ao julgar não ser ilegal a taxa municipal impugnada.
No provimento do recurso, haverá, pois, que revogar o acórdão recorrido e repristinar o julgado em 1.ª instância, que, em conformidade com a jurisprudência deste STA que aqui se reafirma, bem julgou».
Perante a identidade de situações, também no caso sub judice concluímos no mesmo sentido.

2.2.4 CONCLUSÃO

Preparando a decisão, formulamos a seguinte conclusão, decalcada do sumário doutrinal do citado acórdão:

A partir da entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, apenas se consente aos Municípios taxar as utilidades decorrentes da ocupação e utilização do domínio público municipal com a implementação e funcionamento de estruturas necessárias às redes de comunicações daquela natureza acessíveis ao público através da Taxa Municipal de Direitos de Passagem prevista naquela lei, não lhes sendo lícito taxá-las através de tributos ou encargos de outra espécie ou natureza, designadamente através de taxa de ocupação/utilização do solo municipal com obras necessárias à implantação de infra-estruturas ou equipamentos.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em pleno, em, julgando verificada a invocada oposição de acórdãos, conceder provimento ao recurso, revogar o acórdão recorrido e repristinar a decisão da 1.ª instância.

Custas pela Recorrida, que contra-alegou o recurso.


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Lisboa, 3 de Maio de 2017. – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (relator) – Pedro Manuel Dias Delgado – Ana Paula Fonseca Lobo – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Joaquim Casimiro Gonçalves – Dulce Manuel da Conceição Neto – José da Ascensão Nunes Lopes.