Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01096/14
Data do Acordão:12/16/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:IRS
MAIS VALIAS
EXCLUSÃO DE TRIBUTAÇÃO
PME
Sumário:I - O n.º 3 do art. 43.º do CIRS, na redacção dada pela Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, prevê que o saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, respeitante às transmissões onerosas de partes sociais de micro e pequenas empresas não cotadas nos mercados regulamentado ou não regulamentado da bolsa de valores, quando positivo, seja considerado apenas em 50% do seu valor.
II - O n.º 4 do mesmo artigo, para efeitos de aplicação do supra referido regime de exclusão de tributação, remete a definição de micro e pequenas empresas para os termos do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro, diploma que regula a certificação das PME pelo IAPMEI, sendo que os requisitos materiais para essa qualificação se encontram fixados no respectivo anexo.
III - Nem a letra da lei nem a sua ratio permitem concluir que a aplicação daquele regime de tributação fica dependente da certificação da qualidade de PME pelo IAPMEI.
Nº Convencional:JSTA00069480
Nº do Documento:SA22015121601096
Data de Entrada:10/09/2014
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Ref. Acórdãos:
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF COIMBRA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR FISC - IRS.
DIR FISC - MAIS VALIA.
Legislação Nacional:CIRS ART43.
LEI 15/2010.
DL 372/07 ART1.
CCIV66 ART9.
LGT ART68-A.
Referência a Pareceres:CC PGR PARECER 62/96.
Referência a Doutrina:BAPTISTA MACHADO - INTRODUÇÃO AO DIREITO E AO DISCURSO LEGITIMADOR PAG182 PAG105.
MARCELLO CAETANO - MANUAL DE DIREITO ADMINISTRATIVO TOMOI 10 EDIÇÃO PAG245-246.
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 707/13.2BECBR

1. RELATÓRIO

1.1 O Ministério Público e a Fazenda Pública (adiante Recorrentes) recorreram para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que, julgando procedente a impugnação judicial deduzida por A………… (adiante Impugnante ou Recorrido), anulou a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) que a este foi efectuada relativamente ao ano de 2012 na parte respeitante a 50% do rendimento proveniente das mais-valias resultantes da transmissão da participação social que detinha numa sociedade com o fundamento de que a Administração tributária (AT) considerou erradamente que, para haver lugar à redução da tributação daquele rendimento ao abrigo do disposto no n.º 3 do art. 43.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), não bastava que a sociedade cuja quota foi alienada fosse uma micro ou pequena empresa, sendo também necessário que essa qualidade estivesse certificada pelo Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas (IAPMEI), sendo com fundamento na falta dessa certificação que desconsiderou a redução da tributação.

1.2 Os recursos foram admitidos, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

1.2.1 O Ministério Público apresentou alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«1. O impugnante vendeu a sua participação social na sociedade comercial “B…………, Lda.”, realizando mais-valias, venda essa ocorrida em 2012.

2. Em sede de tributação de mais-valias em Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares vigora o preceituado nos artigos 10.º n.º 1 b), 43.º n.ºs 1, 3 e 4, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.

3. O impugnante apenas obteve a certificação da sociedade comercial como PME em 2013, apenas podendo ser usada tal declaração a partir dessa data.

4. Pretende o impugnante que a tributação seja reduzida a 50%, uma vez que a empresa tinha menos de 50 trabalhadores e a facturação foi inferior a 2.000.000 € no ano da alienação.

5. Tal pretensão foi atendida na decisão recorrida, por se ter entendido que basta a empresa reunir os requisitos previstos no artigo 2.º, do Anexo do DL 372/2007, não sendo necessária a certificação prevista no articulado do referido diploma legal.

6. Todavia, quer no Preâmbulo do citado diploma, quer no seu articulado, prevê-se a necessidade da certificação para comprovar o estatuto de: PME, quer perante a Administração, quer perante o público em geral (artigos 1.º, 5.º, 6.º, 8.º, 10.º, 11.º e 13.º).

7. O Anexo reproduz o Anexo constante da Recomendação 2003/361/CE, da Comissão, Anexo que se destinou à «Definição de micro, pequena e médias empresas adoptada pela Comissão», ou seja, onde são descritos os elementos a atender para que a empresa possa obter essa qualificação, optando o legislador nacional por aproveitar tais definições e fazer no texto do diploma os requisitos para as sociedades comerciais poderem beneficiar desse estatuto.

8. A assim não ser não se justifica a certificação, certificação essa que permite à entidade certificada poder usar a mesma perante qualquer entidade, sem necessidade de exibir a contabilidade e demais elementos necessários, como seja o comprovativo do número de trabalhadores.

9. Em face disso a decisão recorrida, ao dispensar a certificação como elemento necessário para a obtenção do estatuto de PME violou o disposto nos artigos 10.º n.º 1 b), 43.º n.ºs 1, 3 e 4, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, artigos 1.º, 5.º, 6.º, 8.º, 10.º, 11.º e 13.º, do DL 372/2007, na redacção introduzida pelo DL 143/2009.

10. Deve, assim, a decisão ser revogada e substituída por outra que julgue improcedente a impugnação, por ser essa a interpretação que se mostra mais correcta, atento o preceituado no artigo 9.º, do Código Civil, e, ainda, à unidade do ordenamento jurídico.

Termos em que, julgando-se procedente o presente recurso, far-se-á JUSTIÇA!».

1.2.2 A Fazenda Pública apresentou as alegações, que rematou com conclusões do seguinte teor (Porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão, aqui como adiante, em tipo normal.):

«A- O impugnante e a esposa alienaram no ano de 2012, as participações sociais que detinham na sociedade comercial “B…………, Lda.”;

B- Apenas em 2013, obteve a sociedade, a certificação como PME, por ter sido requerida só nesse ano;

C- Pretende o impugnante que a tributação da mais valia obtida com a alienação das referidas participações, seja reduzida a 50%, conforme dispõe o art. 43.º do CIRS (n.ºs 3 e 4), considerando que a sociedade em causa se enquadrava no conceito de “Micro e Pequenas Empresas”.

D- Tal pretensão foi atendida na decisão recorrida, por se ter entendido que basta a empresa reunir os requisitos previstos no artigo 2.º do Anexo que faz parte integrante do Decreto-Lei 372/2007, de 6 de Novembro, não sendo necessária a certificação prevista no articulado do diploma.

E- Ora, ressalvado o devido respeito com o que desta forma foi decidido, não se conforma a Fazenda Pública, sendo outro o seu entendimento, já que considera que a douta sentença sob recurso, incorreu em erro de julgamento na matéria de direito, como a seguir se argumentará e concluirá.

F- Em concretização da Recomendação n.º 2003/361/CE, foi publicado o Decreto-Lei n.º 372/2007, que definiu o procedimento de certificação, contendo o seu anexo os critérios e requisitos materiais para aferir da natureza das PME.

G- Quer no preâmbulo do citado diploma, quer no seu articulado, prevê-se a necessidade de certificação para comprovar o estatuto de PME, quer perante a Administração, quer perante o público em geral (artigos 1.º, 5.º, 6.º, 8.º, 10.º, 11.º e 13.º).

H- Da conjugação do art. 43.º do CIRS com o Decreto-Lei n.º 372/2007 resulta que o legislador estabeleceu as regras destinadas a uniformizar, de forma objectiva, os critérios a que as empresas devem recorrer para ver reconhecido o estatuto de PME, sem necessidade de que a todo o tempo tivessem de exibir a contabilidade, sempre que tal reconhecimento lhe fosse pretendido.

I- O n.º 1 do art. 11.º da LGT, impõe que na determinação do sentido das normas fiscais, sejam observados as regras e os princípios gerais de interpretação e aplicação das leis, designadamente aqueles que estão vertidos no art. 9.º do Código Civil.

J- Na interpretação das normas jurídicas, o texto é o ponto de partida da interpretação, mas há que olhar ao elemento racional ou teleológico, ou seja, a razão de ser da lei (ratio legis), o fim visado pelo legislador ao elaborar a norma, assim como ao elemento sistemático, compreendendo este a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretada, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto de lei) e ainda à “unidade do sistema jurídico”. Dos três factores interpretativos a que se refere o n.º 1 do art. 9.º do Código Civil, este é sem dúvida o mais importante (Neste sentido v. J. BAPTISTA MACHADO, in “Introdução ao Direito e ao discurso legitimador”, Almedina, Coimbra, pp. 182 a 192).

K- Considerar que, pelo facto de não estar expressamente referida a certificação no art. 43.º n.º 4 do CIRS que ela não é necessária, bastando-se apenas a mera definição do anexo ao Decreto-Lei, é uma forma de interpretação apenas literal e restritiva, sem olhar a outros elementos interpretativos, nem tão pouco à unidade do sistema jurídico, até porque o Anexo faz parte integrante do Decreto-Lei.

L- O intérprete não deve cingir-se à letra da lei fiscal, mas reconstituir aqui também, a partir dos textos, o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (Cfr. SÉRGIO VASQUES, in “Manual do Direito Fiscal”, Almedina, 2012, p. 307).

M- Além de que, do modelo de impresso (anexo G) aprovado pela Portaria n.º 421/2012. de 21 de Dezembro, apresentado pelo impugnante e esposa, relativa ao ano de 2012, consta:

“QUADRO 8A - ALIENAÇÃO ONEROSA DE PARTES SOCIAIS DE MICRO E PEQUENAS EMPRESAS
Destina-se a identificar os campos do quadro 8 onde foram inscritos os valores relativos à alienação onerosa de partes sociais de micro ou pequenas empresas, definidas nos termos do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2004 de 6 de Novembro, e certificadas como tal pelo IAPMEI, I.P., não cotadas nos mercados regulamentado ou não regulamentado da bolsa de valores. Estas empresas devem ser identificadas através do NIPC, sendo o saldo positivo entre as mais-valias e as menos-valias considerando em 50% do seu valor, como dispõe o n.º 3 do art. 43.º do Código do IRS. Considera-se pequena empresa a que emprega menos de 50 pessoas e cujo volume de negócios anual ou balanço total anual não excede 10 milhões de euros. Microempresa é aquela que emprega menos de 10 pessoas e cujo volume de negócios anual ou balanço total anual não excede 2 milhões de euros.

N- A Portaria é um regulamento administrativo do Governo, não carece de intervenção presidencial, mas deve ser publicada no Diário da República (art. 119.º n.º 1 h) da CRP).

O- A referida Portaria n.º 421/2012, foi emanada na sequência do disposto do n.º 1 do art. 144.º do CIRS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30/11, que dispõe: “1- O âmbito de obrigatoriedade, os suportes e os procedimentos relativos à utilização de modelos oficiais para cumprimento de obrigações acessórias, bem como o respectivo início de vigência, são definidos por portaria do Ministro das Finanças”.

P- Embora as portarias não sejam actos legislativos, visam regulamentar a lei, devendo indicar expressamente as leis que visam regulamentar ou que definem a competência subjectiva e objectiva para a sua emissão (art. 112.º n.º 7 da CRP).

Q- Nos termos do art. 199.º alínea c), da CRP, compete ao Governo, no exercício de funções administrativas, “Fazer regulamentos necessários à boa execução das leis”.

R- A decisão recorrida, ao dispensar a certificação como elemento necessário para a obtenção do estatuto do estatuto de PME violou o disposto nos artigos 10.º n.º 1 b), 43.º n.ºs 1, 3 e 4 do CIRS, artigos 1.º, 5.º, 6.º, 8.º, 10.º, 11.º e 13.º do Decreto-Lei n.º 372/2007, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 143/2009.

Nestes termos e com o douto suprimento de V. Exas., deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por douto acórdão que julgue totalmente improcedente a impugnação, assim se fazendo, JUSTIÇA!».

1.3 O Impugnante contra alegou, sustentando a manutenção da sentença em termos que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«1. O thema decidendum do processo vertente gravita na questão de saber quais as condições para a redução em 50% da tributação da venda de participações sociais, por pessoas singulares, em 2012;

2. Para responder à mencionada questão é necessário atender-se ao conceito de mais-valias preceituado nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do art. 10.º do CIRS;

3. No caso vertente cumpre igualmente aferir o disposto nos n.ºs 1, 3 e 4 do art. 43.º do CIRS;

4. Mais, as posições em conflito carecem também uma análise ao art. 1.º do Decreto-Lei n.º 372/2007, respeitante à certificação de micro, pequena e média empresa (as designadas PME);

5. O art. 2.º do Decreto-Lei n.º 372/2007, remete para o anexo do Decreto-Lei os conceitos e critérios que determinam o estatuto de PME;

6. Por seu turno o art. 5.º do Decreto-Lei n.º 372/2007, estabelece as finalidades da certificação;

7. Dos comandos legais enunciados não resulta qualquer arrimo para as conclusões constantes dos Recursos interpostos nos presentes autos;

8. As posições de MP e AT não só não possuem qualquer apoio no texto da lei, além de que a interpretação realizada é totalmente diversa do seu espírito e ratio legis;

9. Os recursos interpostos ao procurarem um pretenso espírito do Decreto-Lei n.º 372/2007, partindo da lei fiscal, ao invés de partir antes da análise ao espírito do legislador fiscal para o Decreto-Lei n.º 372/2007, enfermam, desde logo de um grave erro de análise;

10. Mais, laboram, ainda, no erro de que o Decreto-Lei n.º 372/2007 se dirige quer às empresas como aos respectivos sócios, quando tal não se verifica;

11. Nos recursos pretendem indicar um alegado equívoco do legislador fiscal que, quando no n.º 4 do art. 43.º do CIRS, remete para o anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, queria só remeter para o Decreto-Lei n.º 372/2007;

12. Da análise aos Recursos resulta que os mesmos conhecem bem a doutrina nacional em matéria de interpretação e hermenêutica jurídica. No entanto, parecem olvidar um princípio básico da mesma, de que não podemos partir de preconceito de que, quando o legislador se exprimiu, o fez incorrectamente!

13. Se o texto da lei tem uma determinada redacção, há que lograr apurar o respectivo sentido. Resultando assim que o raciocínio terá que ser exactamente o oposto;

14. Atente-se que se o legislador remete para o anexo e não para todo o diploma legal, poderá tê-lo efectuado com algum motivo. Sob pena de ser puramente descuidado, remetendo na legislação, ora para o texto do diploma, ora para anexos, indiscriminadamente!

15. Na legislação tributária nacional raramente o legislador remete especificamente para anexos a diplomas legais;

16. Donde, neste caso particular, o legislador fiscal ter feito uma remissão para o anexo ao decreto-lei, demonstra que sabe que o diploma contém um anexo!

17. Logo, será de elementar justiça colocar como hipótese que o legislador conheça, que o diploma legal tem duas partes diferenciadas: corpo do diploma e anexo;

18. Da análise ao Decreto-Lei n.º 372/2007 e respectivo anexo, facilmente se verifica, não sendo, tal colocado em causa nos recursos, que a matéria regulada no corpo do decreto-lei é totalmente diversa da constante do anexo: (i) O corpo do decreto-lei fala da certificação, da justificação do diploma legal, a quem se aplica e para que serve; (ii) O anexo refere as condições para que uma entidade seja considerada PME;

19. Nem o corpo do diploma estabelece as condições para uma entidade ser PME, nem o anexo estabelece rigorosamente nada acerca de certificação;

20. O legislador fiscal sabe que a matéria vertida no corpo do diploma é diferente da vertida no anexo, e que conhece o que se encontra em cada parte. Logo, a não ser que motivos adicionais apareçam, não é justo concluir, à partida e sem mais que o legislador se equivocou ao remeter para o anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007.

21. Da redacção dos n.ºs 3 e 4 do art. 43.º do CIRS é apodíctico que o legislador pretendeu beneficiar com uma redução de IRS as mais-valias resultantes da transmissão onerosa de participações sociais de micro e pequenas entidades.

22. Agora, será que de todas as que preencham os requisitos para serem consideradas como tal ou as preencham os requisitos e que sejam certificadas como tal?

23. Da análise à letra da lei – n.ºs 3 e 4 do art. 43.º do CIRS, não se encontra qualquer referência a certificação, conforme advogam os recursos.

24. Do Decreto-Lei n.º 372/2007 e respectivo anexo resulta que o corpo do diploma fala em certificação, mas o anexo, pelo contrário, apenas indica quais os requisitos para uma empresa se enquadrar no conceito de PME.

25. A remissão efectuada pelo legislador fiscal, no n.º 4 do art. 43.º do CIRS, cinge a remissão da norma tributária para o anexo ao citado Decreto-Lei n.º 372/2007, para efeitos de se apurar o que se entende por micro e pequena entidade.

26. Pelo que, independentemente do constante no Decreto-Lei n.º 372/2007, verificamos que o legislador fiscal, para efeitos de IRS limitou a referência ao anexo para efeitos de determinação do que se entende por micro e pequena entidade.

27. Assim, independentemente do âmbito, objectivos e abrangência do Decreto-Lei n.º 372/2007, o legislador fiscal não consagrou qualquer limitação ao regime previsto no art. 43.º do CIRS à existência de certificação PME, socorrendo-se daquele diploma legal apenas para evitar transcrever no n.º 4 do art. 43.º do CIRS os conceitos de micro e pequena entidade.

28. Mais, os recursos entendem ser necessária uma análise para efeitos fiscais da ratio de diplomas que não têm qualquer aplicação tributária, contudo tal não se afigura necessário.

29. Porquanto, nenhuma norma tributária remete para o para Decreto-Lei n.º 372/2007, donde o não há que o analisar.

30. Logo, os recursos interpostos devem ser votados ao insucesso e manter-se a decisão recorrida, por total ausência de aderência à lei.

31. Porém, caso se entendesse relevante analisar a ratio do Decreto-Lei n.º 372/2007, de igual modo os recursos vertentes não poderiam ser julgados procedentes.

32. O não tem nem espírito nem letra condizente com o aventado por AT e MP.

33. É falso que o processo de certificação PME não seja meramente formal e burocrático. A certificação passa apenas pelo preenchimento electrónico de um formulário com identificação da entidade e remessa de elementos contabilísticos existentes nas declarações IRS.

34. A certificação redunda numa mera verificação formal, através das IES de que uma entidade tem actividade económica, número de trabalhadores, balanço e volume de negócios, dentro dos limites estabelecidos no anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007.

35. Não há aqui qualquer juízo de oportunidade ou discricionariedade pela entidade certificadora. Desde que sejam remetidos os elementos e se cumpram os rácios a entidade é certificada!

36. A certificação não tem qualquer natureza constitutiva. Tem uma mera função declarativa, desonerando – conforme reconhece o MP no respectivo recurso – a entidade “... de apresentar sempre que pretenda usufruir dessa qualidade, os elementos contabilísticos e de identificação dos seus colaboradores em termos de relação de trabalho”.

37. Do art. 5.º do Decreto-Lei n.º 372/2007 resulta que a certificação serve apenas para simplificar e desburocratizar. Nada mais.

38. Seria irracional limitar em sede fiscal o que não é limitado pelo Decreto-Lei n.º 372/2007.

39. Mais, qual o motivo para a transmissão de participações de uma entidade certificada como PME terem um regime fiscal privilegiado em relação às não certificadas, que cumprissem com os requisitos materiais para serem entendidas como tal? Tal não se compreende.

40. Com o regime previsto nos n.ºs 3 e 4 do art. 43.º do CIRS, o pretendido pelo legislador foi criar um regime especial, menos oneroso para a tributação das mais-valias resultantes da transmissão de partes sociais de micro e pequenas entidades.

41. Se a entidade está certificada ou não é irrelevante pois a AT, ao contrário da generalidade dos restantes organismos públicos, tem acesso aos elementos contabilísticos da empresas – IES – através dos quais pode facilmente, sem necessidade de qualquer outro elemento, aferir a qualidade de micro e pequena entidade.

42. Esse foi o motivo pelo qual o legislador remeteu apenas para o anexo e não para todo o decreto-lei.

43. E tal nem podia ser diferente, Porquanto, a certificação é dirigida para as entidades. O benefício fiscal é dirigido aos sócios/accionistas da empresa.

44. Só a empresa tem legitimidade para requerer a certificação PME. Sendo que tal é igualmente reconhecido no recurso do MP: “…sendo a obtenção dessa certificação destinada às empresas que necessitem de comprovar a sua qualidade de PME ...”

45. Note-se bem: a certificação é destinada às empresas, que necessitem de certificação, não aos sócios/accionistas que necessitem da certificação para obterem o benefício fiscal.

46. O sócio que pretenda usufruir do benefício não pode determinar o pedido de certificação PME. Tal cabe à gerência da administração da sociedade que pode pura e simplesmente não aceder.

47. Como poderia o legislador pretender que o benefício ficasse condicionado aos sócios que conseguissem que a sociedade pedisse a certificação PME? Tal seria completamente absurdo, além grosseiramente violador do princípio da igualdade com assento constitucional no art. 13.º da CRP.

48. Donde igualmente pelo referido os recursos interpostos não poderão proceder.

49. E quanto à Portaria, que estabelece as regras de preenchimento da declaração modelo 3, exigir a certificação, basta apenas referir que, na medida em que a mesma ultrapassa a lei, impondo requisitos extra para a atribuição do benefício fiscal – certificação –, a mesma será inconstitucional, por clara violação do princípio da separação de poderes e de interferência em matéria de competência relativa da Assembleia da República.

50. Em matéria de impostos vigora o princípio constitucional da reserva relativa da Assembleia da República, conforme disposto no art. 165.º n.º 1 al. i) da CRP.

51. Inexiste qualquer lei habilitante ao governo, para restringir ou alterar as condições previstas nos n.ºs 3 e 4 do art. 43.º e no n.º 4 do art. 72.º do CIRS.

52. Logo, a Portaria será organicamente inconstitucional se interpretada no sentido de que restringe a aplicação do regime previsto nas mencionadas disposições legais, pelo que não poderá ser mobilizada para legalmente justificar a liquidação impugnada, o que igualmente deverá conduzir à anulação da mesma.

53. Além do supra exposto refira-se que as teses defendidas nos recursos interpostos são inclusivamente contraditórias com a posição assumida pela AT na temática sub judice.

54. Porquanto, tendo sido colocado à apreciação da Direcção de Serviços do IRS pedidos de esclarecimentos quanto ao conceito de micro e pequenas empresas, nos termos do preceituado no n.º 3 e 4 do art. 43.º do CIRS, o Director-Geral, na circular n.º 7/2014, de 29/07/2014, sancionou o entendimento defendido pelo Recorrido.

55. Donde, igualmente pelo supra referido não resulta dúvida alguma que os recursos interpostos deverão ser julgados improcedentes».

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer do seguinte teor:

«Uma vez que o MP é um dos recorrentes e sustenta posição jurídica idêntica à FP, não há lugar à emissão de parecer, nos termos do disposto no artigo 146.º/1 do CPTA, ex vi do artigo 2.º/c) do CPPT (CPPT, anotado e comentado, 6.ª edição, 2011, IV volume, página 522, Conselheiro Jorge Lopes de Sousa).
Assim, devem os autos prosseguir seus legais trâmites.».

1.5 Colheram-se os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos.

1.6 A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença fez correcto julgamento ao considerar que a AT incorrera em vício de violação de lei ao liquidar IRS ao ora Recorrente relativamente ao ano de 1991 e à totalidade da mais-valia obtida com a venda de uma participação social, o que, como procuraremos demonstrar, passa por indagar se o benefício em causa (exclusão parcial de tributação) depende da prévia certificação da sociedade como pequena ou média empresa (PME) pelo IAPMEI.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra deu como provados os seguintes factos:

«A- Em Abril de 1996, o Impugnante adquiriu participação no capital da B…………, Lda. NIPC ………, pelo valor declarado de € 20.000,00 (cf. doc. a fls. 25 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

B- Em Junho de 2007, a C…………, adquiriu participação social da sociedade referida na alínea anterior pelo valor declarado de € 5.000,00 (cf. doc. a fls. 25 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

C- Em 2011, a sociedade referida nas alíneas anteriores contava com 9 funcionários, tinha um volume de negócios de € 989.061,68 e um volume anual de balanço de 375.950,00 € (cf. docs. a fls. 26 a 81 dos autos que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).

D- Em 2012, a sociedade referida nas alíneas anteriores contava com 14 funcionários, tinha um volume de negócios de € 1.322.327,12 e um volume anual de balanço de 375.950,00 € (cf. docs. a fls. 82 a 138 dos autos que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).

E- Em Junho de 2012, o Impugnante procedeu à venda da respectiva participação no capital da sociedade referida nas alíneas anteriores, pelo valor declarado de € 50.000,00 (cf. doc. a fls. 25 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

F- Em Junho de 2012, a C………… procedeu à venda da respectiva participação no capital da sociedade referida nas alíneas anteriores, pelo valor declarado de € 5.000,00 (cf. doc. a fls. 25 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

G- Em 16.02.2013, a sociedade referida nas alíneas anteriores solicitou ao IAPMEI a certificação como PME na qualidade de pequena empresa, com base nos dados provisórios estimados para o exercício de 2012 (cf. doc. a fls. 139 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

H- Em 18.12.2013, a sociedade referida nas alíneas anteriores recebeu do IAPMEI, uma certificação como PME, na qualidade de pequena empresa, condicionada à confirmação através do envio da declaração anual contabilística e fiscal das contas de 2012 (cf. doc. a fls. 139 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

I- Em 17.07.2013, a sociedade referida nas alíneas anteriores recebeu do IAPMEI a certificação definitiva, após o envio do IES de 2012 (cf. doc. a fls. 140 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

J- A sociedade referida nas alíneas anteriores não está cotada em mercado regulamentado nem não regulamentado da bolsa de valores (cf. docs. a fls. 139 a 140 dos autos que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).

K- Em 24.05.2013, o Impugnante submeteu, através do portal da AT, a declaração de rendimentos Modelo 3, com os rendimentos obtidos em 2012, fazendo constar nos campos 801 e 802 do anexo G, os valores declarados de aquisição e alienação, das participações sociais na empresa referida nas alíneas anteriores, inscrevendo no campo 8A que as participações sociais alienadas eram reportadas a uma sociedade que se enquadrava no conceito de “Micro, pequenas e médias empresas” (cf. doc. a fls. 8 a 13 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

L- O Impugnante recebeu a liquidação n.º 2013 53683379, emitida em 19/06/2013, no valor global de € 4.105,43, com data limite de pagamento de 31.08.2013, dela constando a título de tributação autónoma a quantia de € 7.817,50 (cf. doc. a fls. 14 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

M- Em 09.08,2013, o Impugnante apresentou uma exposição escrita junto dos serviços da Impugnada, insurgindo-se contra a liquidação referida na alínea anterior e pedindo o recálculo da mesma (cf. doc. a fls. 7 a 21 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

N- Na sequência de notificação feita pelos serviços da Impugnada, o Impugnante apresentou nova exposição escrita, juntando documento, em complemento da referida na alínea anterior (cf. docs. a fls. 22 a 27 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais como integralmente reproduzidos).

O- Em informação dos serviços da Impugnada, datada de 25.09.2013, relativamente às exposições escritas referidas nas duas alíneas anteriores, conclui-se que: “[...] a mais-valia declarada, pela alienação onerosa de partes sociais relativas à empresa B………… Lda., NIPC ………, não poderá beneficiar da tributação em apenas 50%, nos termos no n.º 3 do art. 43.º do CIRS, por não se tratar de empresa certificada como PME no ano de 2012, pelo que a liquidação reclamada não enferma de qualquer ilegalidade, pelo que a presente reclamação merece ser indeferida [...]” (cf. doc. a fls. 31 a 33 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, corro integralmente reproduzido).

P- Na informação referida na alínea anterior, foi aposto despacho datado de 25.09.2013, do qual se extrai que: “Concordo. Indefiro o pedido com os fundamentos constantes da informação da página seguinte. Dispenso a audição prévia de acordo com a al. a) do n.º 3 da circular 13/99 de 8 de Julho, uma vez que, apenas está em causa a interpretação das normas legais. […]” (cf. doc. a fls. 31 a 33 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

Q- Ao Impugnante foi dado conhecimento do parecer e do despacho referidos nas duas alíneas anteriores por ofício dos serviços da Impugnada datado de 25.09.2013 e recebido a 30.09.2013 (cf. docs. a fls. 32 a 34 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais como integralmente reproduzidos).

R- A petição inicial do presente meio processual deu entrada neste Tribunal via SITAF em 14.10.2013 (cf. fls. 2 a 143 dos autos)».


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2.2 DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

No ano de 2012, o ora Recorrente vendeu duas quotas que detinha numa sociedade e, na declaração de rendimentos que apresentou para efeitos de IRS desse ano, fez constar nos campos 801 e 802 do anexo G, os valores declarados de aquisição e alienação dessas participações sociais, inscrevendo no campo 8A que a mesma se refere a uma sociedade enquadrada, à data, no conceito de “Micro, pequenas e médias empresas”. Isto em ordem a beneficiar do regime de exclusão parcial de tributação previsto no n.º 3 do art. 43.º do CIRS, na redacção aplicável, que é a do art. 1.º da Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho.
A AT liquidou o IRS sem atender a essa exclusão parcial de tributação por entender que, para beneficiar da mesma, devia o Contribuinte ter apresentado certificação, emitida pelo IAPMEI, nos termos do Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro, de que a sociedade a que respeitam as participações alienadas era uma PME, certificação que considerou requisito necessário para aplicar o referido regime de exclusão parcial.
Discordando desse entendimento, o Contribuinte, após ver indeferida a reclamação graciosa que deduziu contra a liquidação, veio impugná-la. Sustentou, em síntese, que, para beneficiar da exclusão parcial de tributação ao abrigo do n.º 3 do art. 43.º do CIRS, e como decorre do n.º 4 do mesmo artigo, basta que a sociedade cujas participações foram alienadas possa ser considerada uma PME, à luz dos critérios definidos pelo anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007. Assim, e porque tais critérios estão preenchidos, concluiu que a AT incorreu em vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito ao exigir a certificação pelo IAPMEI para a aplicação do referido regime de exclusão parcial de tributação.
O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra julgou procedente a impugnação judicial e anulou a liquidação na parte impugnada. Isto porque considerou, em resumo, que não deve confundir-se a qualidade de PME com a respectiva certificação, sendo que do art. 43.º, n.ºs 3 e 4, do CIRS, resulta que apenas aquela, e já não esta, é condição para aproveitar o regime de exclusão parcial de tributação aí previsto.
A Fazenda Pública e o Ministério Público discordaram da sentença e dela recorreram para este Supremo Tribunal Administrativo, sustentando que a sentença não fez a melhor interpretação das disposições legais aplicáveis, uma vez que a certificação como PME pelo IAPMEI é imprescindível em ordem a poder usufruir do regime de exclusão parcial de tributação.
Assim, como deixámos dito em 1.6, a questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença fez correcto julgamento ao considerar que a AT incorrera em vício de violação de lei ao liquidar o IRS de 2012 ao ora Recorrente relativamente à totalidade da mais-valia obtida com a venda de participações sociais, o que, como procuraremos demonstrar, passa por indagar se o benefício em causa (exclusão parcial de tributação) depende da prévia certificação da sociedade como PME pelo IAPMEI.

2.2.2 DA ISENÇÃO PARCIAL DE TRIBUTAÇÃO DAS MAIS-VALIAS OBTIDAS COM A VENDA DE PARTES SOCIAIS DAS PME – A PROVA DA QUALIDADE DE PME

2.2.2.1 O n.º 3 do art. 43.º do CIRS, na redacção do art. 1.º da Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, dispunha: «O saldo referido no n.º 1, respeitante às transmissões previstas na alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º, relativo a micro e pequenas empresas não cotadas nos mercados regulamentado ou não regulamentado da bolsa de valores, quando positivo, é igualmente considerado em 50 % do seu valor».
No n.º 4 do mesmo artigo estabelecia-se: «Para efeitos do número anterior entende-se por micro e pequenas empresas as entidades definidas, nos termos do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro».
No caso, não é controvertido que a sociedade a que se referem as quotas alienadas é uma PME (requisito material do benefício). A controvérsia surge exclusivamente em relação ao meio de prova (requisito formal) desse estatuto para efeitos da aplicação do regime de exclusão parcial de tributação previsto no n.º 3 do art. 43.º do CIRS: é necessária a certificação como PME pelo IAPMEI, como sustentam ambos os Recorrentes, ou basta que a sociedade preencha os requisitos da qualificação como PME previstos no Decreto-Lei n.º 372/2007, como sustenta o Recorrido e entendeu o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra?
Salvo o devido respeito, a tese dos Recorrentes não encontra apoio na letra da lei nem na sua teleologia.

2.2.2.2 Desde logo, não podemos perder de vista que a letra da lei – que constitui «o ponto de partida da interpretação» (Cfr. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, pág. 182, que assinala uma dupla função à letra da lei enquanto factor hermenêutico: por um lado, «uma função negativa», qual seja «a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer “correspondência” ou ressonância nas palavras da lei»; por outro lado, «uma função positiva», que se reconduz a dois efeitos, sendo o primeiro, que, «se o texto comporta apenas um sentido, é esse o sentido da norma – com a ressalva, porém, de se poder concluir com base noutras normas que a redacção do texto atraiçoou o pensamento do legislador» e o segundo «quando, como é de regra, as normas (fórmulas legislativas) comportam mais de um significado)», «dar mais forte apoio a, ou sugerir mais fortemente um dos sentidos possíveis».) – aponta nesse sentido. Na verdade, como bem assinalou o Juiz do Tribunal a quo e bem argumenta o Recorrido, no n.º 4 do art. 43.º do CIRS diz-se o que se deve entender por micro e pequenas empresas, para o efeito de aplicação do regime de exclusão parcial da tributação previsto no número anterior: «as entidades definidas, nos termos do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro».
Ou seja, o legislador para definir as empresas que, para o referido efeito, se entendia constituírem micro e pequenas empresas, assim integrando a previsão do n.º 3 do art. 43.º do CIRS, não disse que eram as que estejam como tal certificadas pelo IAPMEI; disse, isso sim, que eram as que estejam como tal definidas no anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007.
É, aliás, bem esclarecedor que a redacção escolhida para o n.º 4 do art. 43.º do CIRS se refira ao anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007 e não, singelamente, a este diploma legal: é que, enquanto neste se regula o procedimento de certificação, sendo esse o seu objecto [cfr. n.º 1 do art. 1.º («É criada a certificação por via electrónica de micro, pequena e média empresas, adiante designadas por PME».)], é naquele (i.e., no seu anexo) que se estabelecem os critérios, as condições materiais, a que devem obedecer as empresas em ordem a poderem ser qualificadas como PME [cfr. art. 2.º («Para efeitos do presente decreto-lei, a definição de PME, bem como os conceitos e critérios a utilizar para aferir o respectivo estatuto, constam do seu anexo, que dele faz parte integrante, e correspondem aos previstos na Recomendação n.º 2003/361/CE, da Comissão Europeia, de 6 de Maio».)].
O legislador nunca se referiu ao certificado de PME, criado pelo Decreto-Lei n.º 372/2007, a emitir pelo IAPMEI, mas apenas aos requisitos de qualificação como PME, fixados no Anexo àquele diploma legal. O que sucedeu foi que o legislador, ao invés de no n.º 4 do art. 43.º do CIRS enunciar os requisitos materiais da qualificação de uma empresa como PME, repetindo a norma do Anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, remeteu (A remissão é um «expediente técnico-legislativo de que o legislador se serve com frequência para evitar a repetição de normas» (Cfr. BAPTISTA MACHADO, ob. cit, pág. 105).) para este Anexo, onde tais requisitos se encontravam já enunciados.
O que, por si só, afasta a tese dos Recorrentes. Tanto mais que o n.º 3 do art. 9.º do Código Civil (CC) impõe-nos presumir, não só «que o legislador consagrou as soluções mais acertadas», como também que «soube exprimir o seu pensamento em termos adequados».
Mas ainda que se pudesse considerar que a letra da lei comportava o significado que a Recorrente lhe aponta – e, a nosso ver, não pode –, sempre teríamos de ter presente que «na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas» (Cfr. BAPTISTA MACHADO, ob. cit., pág. 182.). Ora, anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007 não é sinónimo de certificação prevista no Decreto-Lei n.º 372/2007, sendo que aquela primeira expressão tem, manifestamente, um carácter mais preciso e restritivo relativamente a esta última.
Mas não é só a letra da lei a apontar esse significado. Também a sua razão de ser (a ratio legis) – factor hermenêutico cuja consideração é imposta ao intérprete pelo n.º 1 do art. 9.º do CC (Nos termos do art. 9.º, n.º 1, do Código Civil, a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, antes procurando reconstituir a partir do seu texto o pensamento legislativo.) – vai no mesmo sentido.
Na verdade, a certificação como PME, criada pelo Decreto-Lei n.º 372/2007, é uma exigência que o legislador faz às próprias empresas que pretendam valer-se dessa condição [cfr. arts. 1.º, n.º 2 («A certificação referida no número anterior permite aferir o estatuto de PME de qualquer empresa interessada em obter tal qualidade» (sublinhado nosso).), e 3.º, n.º 1 («A certificação de PME, nos termos do presente decreto-lei, é aplicável às empresas que exerçam a sua actividade nas áreas sob tutela do Ministério da Economia e da Inovação (MEI) e que necessitem de apresentar e comprovar o estatuto de PME no âmbito dos procedimentos administrativos para cuja instrução ou decisão final seja legalmente ou regulamentarmente exigido» (sublinhado nosso).)]. Salvo o devido respeito, nenhum sentido faria essa exigência se dirigida a alguém que, como resulta da economia de todo o diploma, não tem legitimidade para requerer essa certificação.
Em conclusão, para efeitos da aplicação do regime de exclusão parcial de tributação previsto no n.º 3 do art. 43.º do CIRS, o legislador, a fim de delimitar o conceito de PME, limitou-se a remeter para a definição já constante do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, o que significa que, para aplicação daquele regime tributário, basta que a empresa a que pertencem as participações sociais alienadas cumpra os requisitos materiais enunciados naquele anexo para que possa ser considerada como PME, não se exigindo que o sujeito passivo do imposto logre também a demonstração de que a empresa está certificada pelo IAPMEI como PME.
O legislador não faz essa exigência em ordem à comprovação da qualidade de PME para o referido efeito, nem faria sentido que a fizesse.

2.2.2.3 Aliás, a própria AT, afirmando que têm «sido suscitadas dúvidas sobre a aferição dos pressupostos do conceito de micro e pequenas empresas, para aferição do disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 43.º do Código do IRS (CIRS), na redacção dada pela Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho», entendeu veicular instruções, através da Circular n.º 7/2014, de 29 de Julho (Disponível em
http://info.portaldasfinancas.gov.pt/NR/rdonlyres/4B7156A6-94F4-4618-B4C5-AF9F15EEEDB3/0/Circular_7_2014.pdf.), do seguinte teor:
«1. O n.º 3 do artigo 43.º do CIRS, na redacção dada pela Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, prevê que o saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, respeitante às transmissões onerosas de partes sociais de micro e pequenas empresas não cotadas nos mercados regulamentado ou não regulamentado da bolsa de valores, quando positivo, seja considerado apenas em 50% do seu valor.
2. Por remissão expressa do n.º 4 do artigo 43.º do CIRS, entende-se por micro e pequenas empresas as entidades definidas no anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro (alterado pelo Decreto-Lei n.º 143/2009, de 16 de Julho), diploma que define o procedimento de certificação por via electrónica de micro, pequena e média empresas (“PME”), da competência do Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e à Inovação, I.P. (IAPMEI).
3. O Decreto-Lei em referência não contém no seu articulado uma definição de PME, dispondo apenas que os conceitos e os critérios a utilizar, para aferir o respectivo estatuto de PME para efeitos de certificação, constam do anexo ao diploma legal, que dele faz parte integrante.
4. Nos termos do artigo 2.º deste anexo, verifica-se que a qualidade de PME depende, essencialmente, da verificação de um conjunto de requisitos materiais – (I) os efectivos e (II) os limiares financeiros – tendo como referência os dados do último exercício contabilístico encerrado, calculados numa base anual (cfr. artigo 4.º do anexo ao Decreto-Lei n.º 373/2007 [trata-se de um lapso já que o diploma em questão é o Decreto-Lei n.º 372/2007]).
5. Assim, a qualificação de micro ou pequena empresa para efeitos da aplicação dos n.ºs 3 e 4 do artigo 43.º do CIRS, deve assentar na realidade material das entidades cujas partes sociais foram objecto de transmissão onerosa, com base na verificação dos requisitos materiais vertidos no anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro, à data da alienação, impendendo sobre os sujeitos passivos o respectivo ónus da prova, nos termos do n.º 1 do artigo 74.º da Lei Geral Tributária.
6. Por conseguinte:
a) A existência de Certificação emitida pelo IAPMEI, válida à data da alienação das partes sociais, faz presumir a verificação dos requisitos materiais constantes do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro, pelo que releva como prova bastante do estatuto de micro ou pequena empresa para efeitos do regime previsto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 43.º do CIRS.
b) Caso a empresa não seja detentora de Certificação como micro ou pequena empresa, nos termos antes referidos, cumpre, ainda assim, aferir se a entidade, à data da alienação das partes sociais, preenchia os requisitos materiais constantes do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro, com a consequente e eventual qualificação da entidade como micro ou pequena empresa para efeitos do n.º 3 do artigo 43.º do CIRS».
Ou seja, a AT, dando-se conta de que os seus serviços nem sempre estavam a fazer a melhor interpretação da lei – pois exigiam a certificação como PME da sociedade cujas partes sociais eram alienadas como condição para aplicarem o regime do n.º 3 do art. 43.º do CIRS – veio emitir uma circular impondo aos seus serviços a interpretação a adoptar.
Note-se que as circulares são orientações genéricas emitidas sobre a interpretação das normas tributárias que estiverem em vigor no momento do facto tributário e que vinculam a administração tributária. São actos do poder de direcção (MARCELLO CAETANO, in Manual de Direito Administrativo, Tomo I, 10.ª edição, 5.ª Reimpressão, Coimbra 1991, págs. 245/246, dizia:
«O poder de direcção é a competência que o superior tem de dar ordens e de expender instruções para impor aos seus subordinados a prática dos actos necessários ao bom funcionamento do serviço ou à mais conveniente interpretação da lei.
Ordem é a imposição ao agente de uma acção ou abstenção concreta, em objecto de serviço. Pode ser verbal ou escrita.
Se a ordem envolve directrizes de acção futura para casos que venham a produzir-se, toma a forma de instruções; e se é transmitida por escrito a todos os subalternos, por igual, é uma circular».) (típico da relação de hierarquia administrativa, mas que pode verificar-se fora do âmbito desta) que difundem instruções gerais, vinculativas, dirigidas aos órgãos, funcionários e agentes subalternos, acerca do sentido em que devem – mediante interpretação ou integração – entender-se as normas ou princípios jurídicos que, no âmbito do exercício das suas funções, lhes caiba aplicar (Cfr. Parecer n.º 62/96, do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, publicado na II Série do Diário da República de 24 de Outubro de 1998 (https://dre.pt/application/file/728823), págs. 14960 a 14971, também disponível em
http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf/7fc0bd52c6f5cd5a802568c0003fb410/b15849c24b1fc53e8025661700420f90.).
Assim, verificamos que também a AT, se bem que em momento ulterior àquele em que foi praticada a liquidação, veio a entender – com força vinculativa para os seus serviços [cfr. art. 68.º-A, n.º 1, da LGT (Esta norma, aditada pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2009), reproduz o que constava já da alínea a) do n.º 4 do art. 68.º, na redacção inicial da LGT, e dispõe: «A administração tributária está vinculada às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza, independentemente da sua forma de comunicação, visando a uniformização da interpretação e da aplicação das normas tributárias».)] – que a melhor interpretação da lei é a que aqui defendemos e que foi a efectuada pelo Juiz do Tribunal a quo.

2.2.2.4 Por tudo o que ficou exposto, os recursos da Fazenda Pública e do Ministério Público não merecem provimento, sendo de manter a sentença recorrida, que, fazendo correcta interpretação dos preceitos legais aplicáveis, julgou a impugnação judicial procedente e anulou a liquidação na parte viciada, ou seja, na parte em que não aceitou a exclusão parcial da tributação dos referidos rendimentos de mais-valias.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - O n.º 3 do art. 43.º do CIRS, na redacção dada pela Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, prevê que o saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, respeitante às transmissões onerosas de partes sociais de micro e pequenas empresas não cotadas nos mercados regulamentado ou não regulamentado da bolsa de valores, quando positivo, seja considerado apenas em 50% do seu valor.
II - O n.º 4 do mesmo artigo, para efeitos de aplicação do supra referido regime de exclusão de tributação, remete a definição de micro e pequenas empresas para os termos do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro, diploma que regula a certificação das PME pelo IAPMEI, sendo que os requisitos materiais para essa qualificação se encontram fixados no respectivo anexo.
III - Nem a letra da lei nem a sua ratio permitem concluir que a aplicação daquele regime de tributação fica dependente da certificação da qualidade de PME pelo IAPMEI.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento aos recursos.

A Fazenda Pública suportará as custas do seu recurso.

O recurso do Ministério Público é sem custas, por delas estar isento, em face do disposto no art. 4.º, n.º 1, alínea a), do Regulamento das Custas Processuais.


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Lisboa, 16 de Dezembro de 2015. – Francisco Rothes (relator) – Aragão SeiaCasimiro Gonçalves.