Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0576/13
Data do Acordão:11/25/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FONSECA CARVALHO
Descritores:IVA
CLÁUSULA ANTI-ABUSO
Sumário:I - A Directiva do IVA preceitua sobre normas e princípios relativos à incidência, à isenção, à matéria colectável e a outras matérias de direito substantivo, mas não dispõe sobre questões processuais, designadamente sobre prazo de prescrição, de caducidade, formalismos inspectivos e exercício do contraditório entre outros.
II - É aos Estados Membros que compete elaborar as normas sobre procedimento.
III - A instauração do procedimento previsto no artigo 63 do CPPT previamente à liquidação dos tributos com base em disposições antiabuso é uma garantia dos contribuinte que tem de ser aplicado em situações análogas ao IVA por força do princípio da igualdade e a tal não se opor a Directiva do IVA dado não ser susceptível de violar os princípios da equivalência e da efectividade consagrados no direito da União.
IV - A liquidação do IVA com base em prática abusiva sem ter sido precedida da instauração do procedimento previsto no artigo 63 do CPPT é ilegal.
Nº Convencional:JSTA00069436
Nº do Documento:SA2201511250576
Data de Entrada:04/15/2013
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TT1INST LISBOA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART63.
LGT98 ART38.
CIVA08 ART9 N2 N28 N29 ART12 N1 B N2 N3 N4 N5 N6 N7 ART19 ART26 ART78 ART24 N5 ART4 N1 ART25
Legislação Comunitária:DIR CONS CEE 2006/112/CE DE 2006/11/28.
Jurisprudência Internacional:AC MARK & SPENCER C62/00 EU:C2002 453 N34.
AC ADV ALLROUND C218/10 EU:C2012 35 N35.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I. Relatório

1. A…………….., S. A. com os demais sinais dos autos, veio recorrer da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida, contra as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios, referente aos exercícios de 2005, 2006 e 2007, no montante de 1.762.111,04€, apresentando para o efeito, alegações nas quais concluiu:

Iª) A recorrente, em terreno da sua titularidade, edificou e construiu uma Clínica hospitalar vindo, depois, a ceder a exploração dessa clínica ou estabelecimento hospitalar a outra entidade;
IIª) A recorrente cedeu, também, a outra entidade, a exploração do bar e restaurante que funcionam na referida clínica;
IIIª) As referidas cedências de exploração são operações sujeitas e não isentas de IVA, pelo que a recorrente tem liquidado imposto sobre os quantitativos que cobra por tais cedências;
IVª) A recorrente é, deste modo, um sujeito passivo de IVA, realizando operações tributáveis que dão direito à dedução do IVA;
Vª) Assim, nos termos dos art°s 19° e 20º do Código do IVA, a recorrente tem deduzido o IVA que suportou na construção da clínica hospitalar na sua “equipagem”, como deduz o IVA que vai pagando e suportando na aquisição de bens e serviços necessários à manutenção da referida clínica hospitalar;
VIª) É que, nos termos do contrato de cedência de exploração da clínica hospitalar, a recorrente tem a obrigação de efetuar todas as obras necessárias referentes ao edifício onde funciona a clínica hospitalar, bem como todas as operações de limpeza e manutenção e ainda tem a obrigação de manter, reparar e substituir todo o equipamento necessário ao funcionamento da clínica;
VIIª) A Administração Tributária efetuou uma fiscalização à recorrente e veio considerar que esta não tinha direito à dedução do IVA que suportou, e suporta, a montante, referentes às indicadas operações (construção e manutenção da clínica) e, em consequência dessa correção, consistente não na aceitação da dedutibilidade do IVA, emitiu liquidações de imposto e de juros compensatórios, liquidações essas que são ilegais;
VIIIª) A fundamentação aduzida pela Administração Tributária para negar à recorrente o direito à dedução do IVA assenta no pressuposto de que se “usou abusivamente do direito ao reembolso”;
IXª) A Administração Tributária considerou terem existido factos que “consubstanciam uma prática abusiva no domínio do imposto sobre o valor acrescentado” razão pela qual considerou deverem “ser desconsiderados em sede de IVA os efeitos decorrentes” do contrato de cedência de exploração da clínica hospitalar celebrado pela recorrente;
Xª) A Administração Tributária não instaurou o procedimento especial previsto no artº 63° do CPPT, o que consubstancia uma ilegalidade que inquina, também de ilegalidade, as liquidações impugnadas;
XIª) Na verdade, o artº 63° do CPPT, na redação à época em vigor, exige a instauração do procedimento especial aí previsto, quando se pretenda efetuar correções com base em disposições antiabuso, considerando-se, como tal, as que estabelecem a ineficácia fiscal de negócios jurídicos celebrados com manifesto abuso de formas jurídicas, de que resulte a eliminação ou a redução de impostos que, de outro modo, seriam devidos;
XIIª) A aplicação dessas medidas ou correções antiabuso tem, nos termos do referido artº 63° do CPPT, que ser, obrigatoriamente, precedida e realizada através de um procedimento próprio, onde se exige uma especial fundamentação por parte da Administração Fiscal e onde se concede ao contribuinte o direito de audição em face de um projeto, direito a ser exercido no prazo de 30 dias;
XIIIª) A Administração Tributária, como resulta da fundamentação constante do Relatório da Inspeção Tributária, considerou que a celebração, pela recorrente, do contrato de cedência de exploração da clínica hospitalar, é uma prática abusiva, porque com tal contrato ela passou a ter o direito à dedução do IVA suportado a montante, direito que, de outro modo, não teria;
XIVª) E, em consequência desse juízo de prática abusiva, desconsiderou a existência do referido contrato;
XVª) Estão, assim, reunidos todos os pressupostos definidores do abuso e da aplicação de uma medida antiabuso, pelo que, nos termos do artº 63° do CPPT, era obrigatória a instauração do referido procedimento;
XVIª) O referido artº 63° do CPPT é uma norma de direito processual, pelo que a argumentação constante da decisão recorrida não pode proceder;
XVIIª) Na verdade, a Diretiva do IVA, e a sua interpretação, invocadas como fundamento para a aplicação da medida antiabuso, preceitua sobre normas e princípios relativos à incidência, à isenção, à matéria coletável e a outras matérias de direito substantivo, isto é, não dispõe sobre questões processuais, tais como prazo de prescrição, de caducidade, formalismos inspetivos, exercício de contraditório, etc.;
XVIIIª) Entender-se que o artº 63° do CPPT ao exigir um procedimento próprio, para a aplicação de disposições antiabuso, restringe a aplicação das normas e princípios da Diretiva IVA, é o mesmo que entender que o artº 45° da LGT, ao impor um prazo de caducidade na liquidação de IVA, restringe e limita a aplicação do direito comunitário relativo a este imposto, já que, como se referiu, a Diretiva IVA não contém normas sobre caducidade, prescrição, exercício do contraditório, etc.;
XIXª) A não aplicação do mecanismo procedimental do artº 63° do CPPT implicaria, além do mais, um tratamento discriminatório, sem sentido, nem fundamento, entre o IVA e outros impostos;
XXª) A não aplicação do mecanismo procedimental do artº 63° do CPPT implicaria a violação das especiais garantias estabelecidas para os contribuintes nos casos de aplicação de mecanismos antiabuso.
XXIª) Ao não ter instaurado tal procedimento, cometeu-se uma ilegalidade que implica, também, a ilegalidade das liquidações de IVA impugnadas;
XXIIª) A Administração Tributária considerou que através da cessão da exploração da clínica hospitalar, a recorrente obteve uma vantagem fiscal (o direito à dedução do IVA) que, de outro modo, não teria, já que se fosse ela a explorar diretamente a clínica hospitalar estar-lhe-ia vedado o acesso a esse direito à dedução;
XXIIIª) E isto seria assim, diz a Administração Tributária, porque a exploração do estabelecimento hospitalar é uma atividade isenta de IVA, nos termos do nº 2 do artº 9° do CIVA, pelo que, enquanto atividade isenta, não há o direito à dedução do IVA suportado a montante;
XXIVª) A referida Administração Tributária entende que seria este o quadro aplicável, em sede de IVA, se a exploração da clínica fosse feita diretamente pela recorrente, já que esta não poderia renunciar à isenção de imposto, nos termos do artº 12°, nº 1, b), CIVA;
XXVª) É que, diz a Administração Tributária, na medida em que foram celebrados acordos de prestação de cuidados de saúde com o Instituto de Ação Social das Forças Armadas, passou a integrar-se no Sistema Nacional de Saúde, pelo que, nos termos do referido artº 12°, nº 1, b) do CIVA, estaria vedada essa renúncia a isenção;
XXVIª) Ora, a recorrente não celebrou qualquer contrato ou acordo referente à prestação de cuidados de saúde - até porque não é essa sua atividade - sendo que, ainda que tivesse celebrado o contrato referido pela Administração Tributária, mesmo assim, teria direito a renunciar à isenção de IVA;
XXVIIª) Decorre dos nºs 1 e 2 da Base XII da Lei de Bases da Saúde, que só integram o Sistema Nacional de Saúde as entidades privadas que celebrem acordos com o Serviço Nacional de Saúde e este é constituído pelas instituições e serviços oficiais, prestadores de cuidados de saúde dependentes do Ministério da Saúde;
XXVIIIª) Ora, a entidade com a qual ter-se-ia celebrado um acordo - o Instituto de Ação Social das Forças Armadas - está na dependência do Ministério da Defesa Nacional e não na dependência do Ministério da Saúde, pelo que é indiscutível que a recorrente não integraria o Sistema Nacional de Saúde, razão pela qual poderia renunciar à isenção de IVA;
XXIXª) Essa renúncia à isenção do IVA - como aliás é reconhecido pela Administração Tributária - permitiria que a recorrente pudesse deduzir o IVA suportado a montante;
XXXª) Assim sendo, verifica-se que não há qualquer vantagem fiscal obtida pela recorrente ao ter optado pela cedência da exploração da clínica a outra entidade, em detrimento de ser ela a efetuar tal exploração;
XXXIª) A inexistência de qualquer vantagem fiscal é quanto basta para se considerar ilegal a aplicação da medida antiabuso e a não aceitação do direito à dedução do IVA suportado a montante;
XXXIIª) Sendo certo, em qualquer caso, que ainda houvesse, ou tivesse havido, uma vantagem fiscal na opção pela cedência da exploração da clínica hospitalar; como decorre da interpretação que a jurisprudência comunitária tem feito sobre o conceito de abuso, necessário seria que o ato ou negócio praticado fosse inusitado, anormal, e que esse caráter de anormalidade só encontrasse justificação na procura de uma vantagem fiscal;
XXXIIIª) Ora, a opção pela cessão de exploração do estabelecimento hospitalar, em lugar de ser a recorrente a explorar diretamente esse estabelecimento, é uma opção normal de gestão
XXXIVª) Normalidade que se encontra num modelo, conhecido, de racionalidade de gestão, separando em duas distintas entidades, a atividade referente ao Edifício Hospitalar e à atividade referente à exploração do estabelecimento hospitalar;
XXXVª) A complexidade referente à construção de uma clínica hospitalar, à sua “montagem”, com a aquisição ou o aluguer da maquinaria, bem como a sua manutenção, consistente não só em obras de reparação do edifício, mas também em reparação e substituição do equipamento, maxime, equipamento médico caro e complexo, justificam que essa atividade seja realizada por entidade que apenas se dedique a essa área;
XXXVIª) Por outro lado, e de forma complementar, a complexidade de gestão de uma unidade hospitalar, quer no que diz respeito à contratação de pessoal médico e paramédico, a montagem da estrutura de funcionamento, v.g., especialidades médicas e a complexidade da relação com utentes/doentes, justificam, impõem mesmo, que tal seja realizado por uma autónoma entidade que se especialize nessa área;
XXXVIIª) A normalidade dessa opção, em termos de gestão racional, demonstra-o, também, a circunstância de ser esse o modelo imposto pelo Estado, quanto à constituição e gestão dos novos hospitais, em que, também aí, há duas distintas entidades, em que uma explora a atividade hospitalar (prestação de cuidados médicos) e a outra constrói, equipa e faz a gestão e manutenção desse edifício;
XXXVIIIª) O caráter não inusitado - ao invés, o caráter de normal opção - afasta, de modo inelutável, qualquer juízo sobre prática abusiva;
XXXIX) Sendo certo, aliás, que a mais recente jurisprudência do TJCEC (Caso Weald Lesing, Processo C-103/09, Acórdão de 22/12/2010), considera mesmo que a existência de transações não normais, por si só, não consubstancia a existência de qualquer prática abusiva;
XLª) No referido Acórdão, sublinha-se que a inexistência de outra explicação, para além da obtenção de vantagens fiscais, é que pode consubstanciar uma prática abusiva;
XLIª) Ora, é indiscutível e indiscutido que, para além de não ter gerado vantagens fiscais, a opção da recorrente, na separação de atividades, é justificada e até imposta por uma gestão racional;
XLIIª) Aliás, a comparação da situação da recorrente com a situação que foi objeto de decisão pelo TJ, no Acórdão Halifax, bem como a comparação com as situações também objeto de recentes decisões pelo Tribunal Central Administrativo Sul, demonstra, também, que não existe no comportamento da recorrente qualquer prática abusiva;
XLIIIª) Não estamos perante a celebração de mais de 30 contratos, em menos de meio ano, destinados a criar artificialmente o suporte legal para a efetivação da dedução de IVA, ou perante criação de empresas para se transformarem juros em dividendos, mas apenas, e só, perante um normal contrato de cedência de exploração;
XLIVª) O contrato em apreço resulta exclusivamente de direito de escolha que assiste à recorrente, não havendo abuso de formas;
XLVª) O exercício do direito à dedução por parte da recorrente não é, assim, passível de qualquer censura, não emana de qualquer prática abusiva mas antes de um exercício legítimo e tutelado, seja pela ordem jurídica interna, seja pela comunitária;
XLVIª) As liquidações impugnadas são também ilegais, por violação dos princípios da confiança e da boa fé, na medida em que ao longo de vários anos, a Administração Tributária sempre teve um direto conhecimento da situação referente à recorrente e sempre considerou como legalmente dedutível o IVA suportado na aquisição de bens e serviços.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida, julgando-se procedente a impugnação, com todas as legais consequências, como é de Justiça.

2. A Fazenda Publica não contra alegou.

3. O MP emitiu parecer que consta a fls. 295/297, no qual defendeu a procedência do recurso, argumentando em síntese que “… não tendo a AT instaurado o procedimento obrigatório regulado no artº 63º do CPPT as liquidações sindicadas são inválidas, não podendo vigorar na ordem jurídica, ficando, assim prejudicado o conhecimento das restantes questões”.

4. Neste Tribunal decidiu-se suspender a instância e colocar ao TJUE a seguinte questão prejudicial:

“Suspeitando a Administração Tributária de prática abusiva destinada a obter reembolso de IVA e prevendo o direito português um procedimento prévio obrigatório aplicável a práticas abusivas em matéria de impostos deve ou não entender-se que tal procedimento é inaplicável em matéria de IVA atenta a génese comunitária deste imposto?”

5. Em 12.02.2015, o TJUE emitiu o seguinte acórdão:

“1 O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO L 347, p. 1).
2 Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a A……………., SA (a seguir «A…………..»), à Fazenda Pública, a respeito da recusa desta em reembolsar o imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») pago a montante pela A……….., com fundamento em ela ter usado abusivamente do seu direito a dedução.

Quadro jurídico

Direito da União

3 O artigo 273.°, primeiro parágrafo, da Diretiva 2006/112 prevê:

«Os Estados-Membros podem prever outras obrigações que considerem necessárias para garantir a cobrança exata do IVA e para evitar a fraude, sob reserva da observância da igualdade de tratamento das operações internas e das operações efetuadas entre Estados-Membros por sujeitos passivos, e na condição de essas obrigações não darem origem, nas trocas comerciais entre Estados-Membros, a formalidades relacionadas com a passagem de uma fronteira.»

4 Nos termos do artigo 342.° desta diretiva:

«Os Estados‑Membros podem tomar medidas relativas ao direito à dedução do IVA a fim de evitar que os sujeitos passivos revendedores abrangidos por um dos regimes previstos na secção 2 beneficiem de vantagens injustificadas ou sofram prejuízos injustificados.»

Direito português

5 A Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei n.° 398/98, de 17 de dezembro, estabelece os princípios fundamentais do sistema fiscal, as garantias dos contribuintes e os poderes da Administração Tributária. O seu artigo 38.°, intitulado «Ineficácia de atos e negócios jurídicos», dispõe:

«1. A ineficácia dos negócios jurídicos não obsta à tributação, no momento em que esta deva legalmente ocorrer, caso já se tenham produzido os efeitos económicos pretendidos pelas partes.

2. São ineficazes no âmbito tributário os atos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação, ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, atos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efetuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas.»

6 O Código de Procedimento e de Processo Tributário (a seguir «CPPT») foi aprovado pelo Decreto-Lei n.° 433/99, de 26 de outubro de 1999, e entrou em vigor em 1 de janeiro de 2000. O seu artigo 63.°, intitulado «Aplicação das normas antiabuso», na sua versão aplicável aos factos do processo principal, tinha a seguinte redação:

«1 – A liquidação dos tributos com base em quaisquer disposições antiabuso nos termos dos códigos e outras leis tributárias depende da abertura para o efeito de procedimento próprio.

2 – Consideram-se disposições antiabuso, para os efeitos do presente Código, quaisquer normas legais que consagrem a ineficácia perante a administração tributária de negócios ou atos jurídicos celebrados ou praticados com manifesto abuso das formas jurídicas de que resulte a eliminação ou redução dos tributos que de outro modo seriam devidos.

3 – O procedimento referido no número anterior pode ser aberto no prazo de três anos após a realização do ato ou da celebração do negócio jurídico objeto da aplicação das disposições antiabuso.

4 – A aplicação das disposições antiabuso depende da audição do contribuinte, nos termos da lei.

5 – O direito de audição será exercido no prazo de 30 dias após a notificação, por carta registada, do contribuinte, para esse efeito.

6 – No prazo referido no número anterior, poderá o contribuinte apresentar as provas que entender pertinentes.

7 – A aplicação das disposições antiabuso será prévia e obrigatoriamente autorizada, após a observância do disposto nos números anteriores, pelo dirigente máximo do serviço ou pelo funcionário em quem ele tiver delegado essa competência.

8 – As disposições não serão aplicáveis se o contribuinte tiver solicitado à administração tributária informação vinculativa sobre os factos que a tiverem fundamentado e a administração tributária não responder no prazo de seis meses.

9 – Salvo quando de outro modo resulte de lei, a fundamentação da decisão referida no n.° 7 conterá:

a) A descrição do negócio jurídico celebrado ou do ato jurídico realizado e da sua verdadeira substância económica;

b) A indicação dos elementos que demonstrem que a celebração do negócio ou prática do ato tiveram como fim único ou determinante evitar a tributação que seria devida em caso de negócio ou ato de substância económica equivalente;

c) A descrição dos negócios ou atos de substância económica equivalente aos efetivamente celebrados ou praticados e das normas de incidência que se lhes aplicam.

10 – A autorização referida no n.° 7 do presente artigo é passível de recurso contencioso autónomo.»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

7 A A…………… é uma sociedade de direito português cujas atividades consistem, por um lado, na construção, na exploração e na gestão de unidades de saúde pertencentes à própria sociedade ou a terceiras entidades, públicas ou privadas, e, por outro lado, na prestação de serviços médicos e cirúrgicos em geral, de cuidados no domicílio e ambulatórios, bem como em atividades de diagnóstico e terapêutica e em atividades conexas ou complementares.

8 Nos anos de 2003 a 2007, a A…………. construiu, em terreno de sua propriedade, um estabelecimento hospitalar e equipou‑o com material médico. Durante o período de construção e de montagem do estabelecimento hospitalar, a A…………. não efetuou operações tributáveis, pelo que acumulou créditos de IVA.

9 Após a edificação do estabelecimento hospitalar, a A……… cedeu, a partir de 1 de julho de 2007, a exploração deste à B……………, SA, uma sociedade que tinha os mesmos acionistas e pertencia ao mesmo grupo de sociedades da A……….., ou seja, ao grupo C………………

10 Na sequência desta cessão, que considerou uma operação sujeita a IVA, a A……….. deduziu do imposto devido aos cofres do Estado a título de rendas recebidas do cessionário o IVA suportado na aquisição de bens e serviços relativos à construção e à montagem do estabelecimento hospitalar. Enquanto sujeito passivo misto, utilizou o método de afetação real de todos os bens e serviços adquiridos.

11 A Fazenda Pública efetuou uma inspeção à atividade da A……….., referente aos anos de 2005 a 2007, e concluiu que a referida sociedade usou abusivamente do direito ao reembolso do IVA. Segundo esta autoridade, a cessão de exploração a uma sociedade criada para o efeito pelo mesmo grupo de sociedades teve como único objetivo permitir à A…………… justificar a posteriori a existência de um direito à dedução do IVA pago a montante no período em que decorreu a construção e o equipamento do imóvel, quando, se ela própria tivesse explorado esse estabelecimento hospitalar, não poderia ter beneficiado desse direito, uma vez que essa atividade está isenta de IVA. Por conseguinte, em 2010, a Fazenda Pública notificou à A……….. um aviso de liquidação do IVA abusivamente deduzido por ela durante os exercícios dos anos 2005 a 2007, acrescido de juros compensatórios, ou seja, um montante total de 1 762 111,04 euros.

12 A A……………..impugnou esse aviso de liquidação no Tribunal Tributário de Lisboa, considerando que este ato era ilegal porque, por um lado, a Fazenda Pública não tinha aplicado o procedimento especial obrigatório estabelecido no artigo 63.° do CPPT e, por outro lado, as práticas em causa não eram abusivas.

13 Por decisão de 25 de outubro de 2012, esse órgão jurisdicional julgou a impugnação improcedente. A A…………… interpôs recurso desta decisão para o órgão jurisdicional de reenvio.

14 Este último considera que a Fazenda Pública, caso suspeite da existência de uma prática abusiva, deve dar início ao procedimento previsto no artigo 63.° do CPPT. Todavia, sendo o sistema do IVA de génese comunitária, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se deve ou não ser seguido este procedimento.

15 Nestas circunstâncias, o Supremo Tribunal Administrativo decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a questão prejudicial seguinte:

«Suspeitando a Administração Tributária de prática abusiva destinada a obter reembolso de IVA e prevendo o direito português um procedimento prévio obrigatório aplicável a práticas abusivas em matéria de impostos, deve ou não entender-se que tal procedimento é inaplicável em matéria de IVA atenta a génese comunitária deste imposto?»

Quanto à questão prejudicial

Quanto à admissibilidade

16 O Governo português sustenta, a título principal, que o pedido de decisão prejudicial é manifestamente inadmissível, pelos seguintes motivos: em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio não indica as disposições ou as regras do direito da União cuja interpretação pretende; em segundo lugar, não explica a natureza das suas dúvidas quanto à compatibilidade da regra de direito nacional em causa no processo principal com o direito da União; e, em terceiro lugar, apresenta duas versões diferentes do artigo 63.° do CPPT, não sendo nenhuma das duas pertinente para efeitos da apreciação dos factos em causa no processo principal. Além do mais, o artigo 63.° do CPPT é uma disposição de natureza exclusivamente interna, que não visa reproduzir nem transpor qualquer norma do direito da União, pelo que não compete ao Tribunal de Justiça, no contexto de um processo de reenvio prejudicial, pronunciar-se sobre o teor, o conteúdo ou o alcance dessa disposição de direito nacional.

17 Em primeiro lugar, no que respeita à imprecisão das disposições do direito da União cuja interpretação é pedida, há que recordar que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, quando uma questão prejudicial se limita a remeter para o direito da União, sem mencionar as disposições desse direito a que é feita referência, cabe ao Tribunal de Justiça extrair do conjunto dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional de reenvio, nomeadamente da fundamentação da decisão de reenvio, as disposições de direito da União que necessitam de uma interpretação, tendo em conta o objeto do litígio (v., neste sentido, acórdãos Bekaert, 204/87, EU:C:1988:192, n.os 6 e 7, e Kattner Stahlbau, C-350/07, EU:C:2009:127, n.° 26).

18 Ora, resulta claramente da decisão de reenvio que esta questão visa determinar se o direito da União em matéria de IVA, nomeadamente as disposições desse direito relativas ao combate à fraude ao IVA, se opõe ao estabelecimento, no direito interno, de um procedimento administrativo que a Administração Tributária é obrigada a aplicar quando suspeite da existência de uma prática abusiva em matéria fiscal.

19 A este respeito, importa recordar que o combate à fraude, à evasão fiscal e aos eventuais abusos é um objetivo reconhecido e incentivado pelas diretivas da União em matéria de IVA (v. acórdãos Gemeente Leusden e Holin Groep, C-487/01 e C-7/02, EU:C:2004:263, n.° 76; Halifax e o., C-255/02, EU:C:2006:121, n.° 71; R., C-285/09, EU:C:2010:742, n.° 36; Tanoarch, C-504/10, EU:C:2011:707, n.° 50; e Bonik, C-285/11, EU:C:2012:774, n.° 35).

20 Assim, em conformidade com o artigo 273.° da Diretiva 2006/112, os Estados-Membros podem tomar as medidas necessárias para garantir a cobrança exata do IVA e para evitar a fraude. No que respeita, nomeadamente, ao direito a dedução do IVA, os Estados-Membros estão habilitados, em virtude do artigo 342.° da mesma diretiva, a prever os mecanismos que permitam evitar que os sujeitos passivos beneficiem de vantagens injustificadas ou sofram prejuízos injustificados.

21 Em segundo lugar, quanto ao facto de o órgão jurisdicional de reenvio não ter precisado as razões por que teve dúvidas sobre a compatibilidade do direito nacional com o direito da União, há que salientar que o referido órgão jurisdicional apresentou ao Tribunal de Justiça os argumentos em que as partes manifestavam essas dúvidas. Quanto à necessidade de resposta à questão submetida, para a resolução do litígio no processo principal, o órgão jurisdicional de reenvio observa que, caso o Tribunal de Justiça venha a concluir pela compatibilidade deste procedimento nacional com o direito da União, já não haveria que examinar a questão de saber se podia ser declarada uma prática abusiva nas circunstâncias do processo principal.

22 Em terceiro lugar, no que respeita à apresentação pretensamente inexata da regulamentação nacional na decisão de reenvio, há que recordar que cabe ao Tribunal de Justiça ter em conta o contexto factual e regulamentar tal como definido pelo órgão jurisdicional de reenvio. Com efeito, a determinação da legislação nacional aplicável ratione temporis constitui uma questão de interpretação do direito nacional que não é da competência do Tribunal de Justiça no âmbito de um pedido de decisão prejudicial (v. acórdão Texdata Software, C-418/11, EU:C:2013:588, n.os 29 e 41). Por conseguinte, há que responder à questão submetida, tendo em conta a versão do artigo 63.° do CPPT que, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, era aplicável na altura dos factos em causa no processo principal.

23 Resulta do que precede que o presente pedido de decisão prejudicial é admissível.

Quanto ao mérito

24 Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Diretiva 2006/112 se opõe à aplicação prévia e obrigatória de um procedimento administrativo nacional, como o previsto no artigo 63.° do CPPT, no caso de a Administração Tributária suspeitar da existência de uma prática abusiva.

25 Embora a Diretiva 2006/112 habilite os Estados-Membros, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.° 19 do presente acórdão, a tomarem as medidas necessárias para garantir a cobrança exata do imposto e para evitar a fraude, não contém nenhuma disposição que precise em concreto o conteúdo das medidas que devem ser tomadas pelos Estados‑Membros para esse efeito.

26 Na falta de regulamentação da União nesta matéria, a implementação de medidas de combate à fraude ao IVA compete ao ordenamento jurídico interno dos Estados‑Membros ao abrigo do princípio da autonomia processual destes últimos. A este respeito, resulta da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que cabe à ordem jurídica interna de cada Estado-Membro, nomeadamente, não só designar as autoridades competentes para combater a fraude ao IVA mas também regular as modalidades dos procedimentos destinados a assegurar a salvaguarda dos direitos que o direito da União confere aos particulares, desde que essas modalidades não sejam menos favoráveis do que as que regulam situações análogas de natureza interna (princípio da equivalência) e não tornem, na prática, impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (princípio da efetividade) (v., neste sentido, acórdãos Marks & Spencer, C-62/00, EU:C:2002:435, n.° 34; Fallimento Olimpiclub, C-2/08, EU:C:2009:506, n.° 24; Alstom Power Hydro, C-472/08, EU:C:2010:32, n.° 17; e ADV Allround, C-218/10, EU:C:2012:35, n.° 35).

27 Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar a compatibilidade das medidas nacionais com esses princípios, tendo em conta todas as circunstâncias do processo principal (v., neste sentido, acórdão Littlewoods Retail e o., C-591/10, EU:C:2012:478, n.° 30). Todavia, o Tribunal de Justiça, ao pronunciar -se sobre um reenvio prejudicial, pode fornecer-lhe todos os elementos úteis a esse respeito (v., nomeadamente, neste sentido, acórdão Partena, C-137/11, EU:C:2012:593, n.° 30).

28 Em primeiro lugar, no que respeita ao princípio da efetividade, importa recordar que cada caso em que se coloque a questão de saber se uma disposição processual nacional torna impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos que a ordem jurídica da União confere aos particulares deve ser analisado tendo em conta o lugar que essa disposição ocupa no processo, visto como um todo, na tramitação deste e nas suas particularidades, perante as várias instâncias nacionais. Nesta perspetiva, há que tomar em consideração os princípios que estão na base do sistema jurisdicional nacional, como a proteção dos direitos de defesa, o princípio da segurança jurídica e a correta tramitação do processo (v. acórdãos Peterbroeck, C-312/93, EU:C:1995:437, n.° 14, e Fallimento Olimpiclub, EU:C:2009:506, n.° 27).

29 No caso vertente, importa salientar que o procedimento especial previsto no artigo 63.° do CPPT, sujeito a um prazo de prescrição de três anos, se caracteriza pela audição da pessoa em causa no prazo de 30 dias, pela apresentação, pelo interessado, das provas que entender pertinentes e pela obtenção de uma autorização do dirigente máximo do serviço ou do funcionário em quem este último tiver delegado a competência para aplicar as disposições antiabuso. Além disso, em conformidade com esta disposição, a decisão proferida deve ser fundamentada. Resulta destes elementos que o referido procedimento nacional é favorável à pessoa suspeita de ter cometido um abuso de direito, na medida em que visa garantir o respeito de certos direitos fundamentais, nomeadamente o direito de ser ouvido.

30 Em segundo lugar, quanto ao princípio da equivalência, importa recordar que o respeito desse princípio pressupõe que a regra nacional em causa seja aplicável indiferentemente aos recursos fundados na violação do direito da União e aos fundados na violação do direito interno que tenham um objeto e uma causa semelhantes (v. acórdão Littlewoods Retail e o., EU:C:2012:478, n.° 31).

31 No que respeita ao processo principal, como resulta das considerações que figuram no n.° 29 do presente acórdão, não se pode excluir que o respeito do princípio da equivalência imponha a aplicação do procedimento especial quando um sujeito passivo é suspeito da prática de uma fraude ao IVA.

32 Em qualquer caso, tendo em conta os elementos apresentados ao Tribunal de Justiça pelo órgão jurisdicional nacional, não se afigura que a aplicação do procedimento nacional previsto no artigo 63.° do CPPT contrarie o objetivo do combate à fraude, à evasão fiscal e aos eventuais abusos, reconhecido pela jurisprudência referida no n.° 19 do presente acórdão.

33 Além disso, embora a aplicação efetiva desse objetivo deva ser assegurada pelo legislador nacional, também é verdade que este é obrigado, nesse âmbito, a respeitar as exigências de uma tutela jurisdicional efetiva dos direitos que o direito da União confere aos particulares, como é garantida pelo artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (v., neste sentido, acórdão Banif Plus Bank, C-472/11, EU:C:2013:88, n.° 29 e jurisprudência referida).

34 Atendendo às considerações precedentes, há que responder à questão submetida que a Diretiva 2006/112 deve ser interpretada no sentido de que não se opõe à aplicação prévia e obrigatória de um procedimento administrativo nacional, como o previsto no artigo 63.° do CPPT, no caso de a Administração Tributária suspeitar da existência de uma prática abusiva.

Quanto às despesas

35 Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Nona Secção) declara:

A Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretada no sentido de que não se opõe à aplicação prévia e obrigatória de um procedimento administrativo nacional, como o previsto no artigo 63.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, no caso de a Administração Tributária suspeitar da existência de uma prática abusiva.”

6. O magistrado do Ministério Público pronunciou-se pelo provimento do recurso, conforme o parecer que se segue:

Por decisão de 4 de Dezembro de 2013, exarada a fls. 300/325, foi ordenada a suspensão da instância e colocada ao TJUE a seguinte questão prejudicial:
“Suspeitando a Administração Tributária de prática abusiva destinada a obter reembolso de IVA e prevendo o direito português um procedimento prévio obrigatório aplicável a práticas abusivas em matéria de impostos deve ou não entender-se que tal procedimento é inaplicável em matéria de IVA atenta a génese comunitária deste imposto?”
O TJUE, por decisão de 12 de Fevereiro de 2015, proferida no processo C-662/13 declarou que “A Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretada no sentido de que não se opõe à aplicação prévia e obrigatória de um procedimento administrativo nacional, como o previsto no artigo 61°, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, no caso de a Administração Tributária suspeitar da existência de uma prática abusiva”.
Termos em que se mantém a pronúncia emitida a fls. 295/297 no sentido do provimento do recurso.

7. Cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentos

De facto

A) A impugnante exerce a atividade de atividade de prática médica clínica geral, ambulatório, correspondente ao CAE n.º 86210 (cfr. fls. 126 do Processo Administrativo).

B) A impugnante foi objeto de uma ação de inspeção externa, em sede de IVA, no âmbito da qual foram efetuadas correções à matéria coletável, de natureza meramente aritmética resultante de imposição legal, ao ano de 2005, 2006 e 2007, no montante de 306.182,89€, 729.749,59€ e 538.698,01€, respetivamente (cfr. relatório de inspeção de fls. 128 do Processo Administrativo).

C) As correções mencionadas na alínea anterior foram efetuadas com o seguinte fundamento, que aqui se transcreve na parte com interesse para a decisão (cfr. relatório de inspeção tributária a fls. 137 a 156 dos autos):

“B.2. FACTOS VERIFICADOS

B.2.1. – PACTO SOCIAL

A sociedade encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa desde 2002/10/08, sob o n.º …………., a que corresponde a anterior inscrição n.º …………. A certidão permanente pode ser consultada através do código de acesso 4213-8138-5036.

O objecto social que consta da matricula é “a) a construção, exploração e gestão de unidades de saúde, pertencentes à sociedade ou a terceiras entidades, públicas ou privadas, nomeadamente hospitais, clínicas, unidades de apoio especializado às necessidades da população mais idosa como sejam lares, unidades residenciais assistidas, residências medicalizadas e centros de dia, ficando a sociedade nesse âmbito autorizada a celebrar quaisquer contratos, nomeadamente, a adquirir, alienar, arrendar, ceder ou tomar de exploração as referidas unidades de saúde; b) prestação de serviços médicos e cirúrgicos em geral, actividades de diagnóstico e terapêutica, em regime de internamento e ambulatório e ainda o desenvolvimento de programas de prevenção, prestação de cuidados continuados, cuidados no domicílio e apoio especializado em situações de dependência, incluindo reabilitação e terapia ocupacional, podendo também desenvolver outras actividades conexas ou complementares com as acima referidas.

Até à presente data, ocorreram apenas duas alterações ao pacto social, sujeitas a registo, concretamente:

i. 2007-07-26 Aumento do capital social, em 3.800.000,00€, integralmente realizado em dinheiro, na modalidade de novas entradas, permanecendo o valor do capital, após aumento, em 4.000.000,00€.

ii. 2007-11-19 Inscrição da nova morada da sede, localizada em Lisboa, na Rua ……………., n.º ……….-…………….

B.2.2. - MEMBROS DOS ÓRGÃOS SOCIAIS

Sendo a duração dos mandatos de 3 anos, foram inscritos para o triénio 2008/2010, os seguintes membros: (...)

B.2.3. PATRIMÓNIO

De acordo com o arquivo informático da DGCI, o sujeito passivo é proprietário de um prédio urbano, localizado na freguesia de ………. e ……………., registado na matriz sob o artigo 3818, e descrito como prédio em propriedade total sem andares nem divisões susceptíveis de utilização independente.

O referido prédio, encontra-se afecto à actividade de prática médica clínica, em ambulatório, é composto por 5 pisos e 75 divisões, e tem o valor patrimonial de 3.865.000,000€.

B.2.4. - PEDIDOS DE REEMBOLSO DE IVA

No período decorrido entre 2003 e 2007, foi efectuada a construção de um edifício destinado à instalação de uma unidade hospitalar.
O sujeito passivo, ao longo deste período, procedeu ao apuramento do imposto, nos termos dos artigos 19º a 26º e 78º do Código do IVA, facto esse, concordante com o enquadramento por si efectuado, uma vez que, declarou que iria praticar operações que conferem direito à dedução e operações que não conferem direito à dedução, utilizando na qualidade de sujeito passivo misto, o método de afectação reais de todos os bens e serviços gastos.

Resultou então, daquele comportamento, uma acumulação permanente de crédito de imposto, que permitiu ao sujeito passivo beneficiar do direito ao reembolso, previsto no artigo 23° do Diploma já citado.

Efectivamente confirma-se no arquivo informático da DGCI, que foram requeridos vários reembolsos de IVA, e que os mesmos foram anuídos e pagos pela Administração Tributária: (...

B.3. ANÁLISE DO ENQUADRAMENTO DAS ACTIVIDADES DECLARADAS
8.3.1. - CAE 86210 (RLV 3) • ACTIVIDADES DE PRÁTICA MÉDICA CLÍNICA GERAL, AMBULATÓRIO

I. Nos termos da alínea 2) do artigo 9º do Código do IVA, as prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas estreitamente conexas efectuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares, estão isentas do imposto. Assim, conclui-se que, a actividade principal, exercida pelo sujeito passivo, é uma actividade isenta, nos termos do artigo 9º do CIVA. De referir que, estas isenções são consideradas simples ou incompletas, na medida em que, o operador económico, não está obrigado a liquidar imposto nas transmissões de bens ou prestações de serviços que efectuar, mas, não pode em contrapartida, deduzir o imposto suportado nas aquisições. Deste modo, o valor do imposto não dedutível, faz parte do custo de aquisição de bens e serviços.

II. Atente-se no entanto que, nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 12° do mesmo Diploma, poderão renunciar à isenção, optando pela aplicação do imposto às suas operações, os estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares não pertencentes a pessoas colectivas de direito público ou a instituições privadas integradas no sistema nacional de saúde, que efectuem prestações de serviços médicos e sanitários e operações com elas estreitamente conexas. Desta forma, os operadores económicos que optarem pela renúncia à isenção, ficam enquadrados no regime geral de tributação, aplicando o imposto às suas operações activas, podendo assim, usar o direito à dedução nas operações passivas. Refere também o n.º 2 e o n.º 3 do artigo 12º do CIVA, que a opção é exercida na declaração de início de actividade ou em declaração de alterações, produzindo efeitos a partir da data de entrega de uma ou de outra. Há ainda a obrigatoriedade do sujeito passivo renunciante, permanecer no regime geral, pelo qual optou, durante um período de cinco anos, no mínimo. No caso de, passados cinco anos, o sujeito passivo, desejar voltar à situação de isenção, terá que tributar as existências remanescentes e regularizar as deduções efectuadas aos bens do activo imobilizado, nos termos do n.º 5 do artigo 24° do CIVA.

III. No que respeita ao direito de opção pelo regime geral, há ainda que ter em consideração, os condicionalismos previstos no artigo 12° do Código do IVA. De facto, a alínea b) do n.º 1 do artigo 12º do CIVA, refere que “Poderão renunciar à isenção ... os estabelecimentos hospitalares, clínicas, ... NÃO pertencentes ... a instituições privadas integradas no Sistema Nacional de Saúde (SNS) ...”. Havendo excepções à possibilidade de renúncia e assentando as mesmas na integração ou não, no SNS, pelas entidades interessadas, importa conhecer a constituição daquele sistema:

a. A Lei n.º 48/90 de 24 de Agosto aprovou a Lei de Bases da Saúde. No capítulo II, a Base XII, referindo-se ao sistema de saúde define: 1 - O sistema de saúde é constituído pelo Serviço Nacional de Saúde e por todas as entidades públicas que desenvolvem actividades de promoção, prevenção e tratamento na área da saúde, bem como por todas as entidades privadas e por todos os profissionais livres que acordem com a primeira prestação de todas ou de algumas daquelas actividades. 4 - A rede nacional de prestação de cuidados de saúde abrange os estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde e os estabelecimentos privados e os profissionais em regime liberal com quem sejam celebrados contratos...
b. Por sua vez, o artigo 1º do Decreto Lei n.º 11/93 de 15 de Janeiro, aprova o Estatuto do Serviço Nacional de Saúde. O mesmo diploma no seu artigo 2º define a aplicabilidade do Estatuto, estendendo-a às entidades particulares integradas na rede nacional de prestação de cuidados de saúde,
c. Ainda reportando-nos ao Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, define-se no n.º 1 do artigo 37º, os termos em que se concretiza a articulação do SNS com as actividades particulares, considerando o n.º 2 do mesmo artigo, que, os estabelecimentos privados e os profissionais de saúde que trabalhem em regime liberal e que contratem nos termos do número anterior integram-se na rede nacional de prestação de cuidados de saúde …
d. Atente-se também no Decreto Lei n.º 97/98 de 18 de Abril, o qual regulamenta o regime de celebração das convenções previstas na Lei n.º 48/90 de 24 de Agosto - Lei de Bases da Saúde - que define claramente no seu preâmbulo que, aquela Lei, estabelece um modelo misto de sistema de saúde, consagrando a complementaridade e o carácter concorrencial do sector privado e de economia social na prestação de cuidados de saúde, INTEGRANDO NA REDE NACIONAL DE PRESTAÇÃO DE CUIDADOS DE SAÚDE AS ENTIDADES PRIVADAS E OS PROFISSIONAIS LIVRES QUE ACORDEM COM O SERVIÇO NACIONAL DE SAÚDE A PRESTAÇÃO DE TODAS OU DE ALGUMAS ACTIVIDADES DE PROMOÇÃO, PREVENÇÃO E TRATAMENTO NA ÁREA DA SAÚDE.
e. Constata-se ainda que, a Directiva 2006/112/CE, sob a epígrafe de “isenções em benefício de certas actividades de interesse geral”, isenta de imposto, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 132°, a “hospitalização e a assistência médica (...) asseguradas por organismos de direito público ou, em condições sociais análogas às que vigoram para estes últimos por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza, devidamente reconhecidos”.
f. O legislador nacional, foi mais abrangente, pois isentou do imposto, na alínea 2) do artigo 9º do Código do IVA, os serviços médicos e sanitários, prestados por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares, independentemente da natureza jurídica ou da qualidade do prestador de serviços. Em contrapartida, para os sujeitos passivos que não se encontram abrangidos pela citada alínea b) do n.º 1 do artigo 132° da Directiva, abriu a possibilidade de opção pelo regime de tributação, através da alínea b) do n.º 1 do artigo 12° do Código do IVA – Renúncia à isenção.
g. Concretizando, a impossibilidade de renúncia à isenção do imposto, abrange não só as pessoas colectivas de direito público, mas também, as entidades que prestem serviços em situações análogas às que vigoram para os organismos de direito público, ou seja, estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza, devidamente reconhecidos, desde que, integrados no sistema nacional de saúde.
h. Finalmente, face ao disposto no artigo 391º da mencionada Directiva, o âmbito da renuncia à isenção do imposto, depende unicamente da natureza dos sujeitos passivos, isto é, aplica-se estritamente àqueles que não sejam organismos de direito público ou que, não tendo essa natureza, não exerçam a sua actividade em condições análogas, verificando-se estas, face à jurisprudência comunitária, quando o organismo de direito privado, beneficia do custo das prestações de serviços, ser assumido em parte, pelas caixas de seguro de doença ou por outros organismos de segurança social.
i. Considerando a existência de convenções/acordos com vários subsistemas de saúde do Sistema Nacional de Saúde - Instituto de Acção Social das Forças Armadas (IASFA) - é nossa convicção, que nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 12º do Código do IVA, conjugada com a Base XII da Lei n.º 48/90 (Lei de Bases da Saúde), o sujeito passivo não poderia beneficiar do direito de opção, caso o pretendesse, já que, passou a estar integrado no Sistema Nacional de Saúde.

IV. DE FACTO, e pelo que nos foi dado a conhecer, quer pelo sistema informático da DGCI quer por consulta ao respectivo Serviço de Finanças, o sujeito passivo não optou, e nem o poderia fazer, pelo regime geral de tributação, o que nos permite, desde logo, concluir que, DE ACORDO COM A SUA SITUAÇÃO CADASTRAL, AS OPERAÇÕES QUE PRATICA CONSISTEM EM TRANSMISSÕES DE BENS OU SERVIÇOS, QUE NÃO CONFEREM DIREITO À DEDUÇÃO, POR SE ENQUADRAREM NA ALÍNEA 2) DO ARTIGO 9º DO CÓDIGO DO IVA.

B.3.2. - OPÇÃO POR OPERAÇÕES IMOBILIÁRIAS

I. Nos termos das alíneas 28) e 29) do artigo 9° do Código do IVA, a locação de bens imóveis e as operações sujeitas a IMT, estão isentas do imposto. Tratando-se de uma isenção prevista no artigo 9° do CIVA, é, como anteriormente se referiu, uma isenção simples e incompleta. Deste modo, o operador económico, não está obrigado a liquidar imposto nas transmissões de bens ou prestações de serviços que efectuar, mas, não pode em contrapartida, deduzir o imposto suportado nas aquisições.

II. No entanto, e também nos termos do artigo 12° do CIVA, concretamente nos seus n.ºs 4, 5, 6 e 7, o sujeito passivo pode renunciar à isenção, desde que cumpridas as regras estabelecidas no Decreto Lei 21/2007 de 29 de Janeiro, que revogou o Decreto Lei n.º 241/86 de 20 de Agosto.

III. De acordo com os n.º 4 e n.º 5 do artigo 12º, a renúncia à isenção só é permitida quando o locatário ou adquirente, é um sujeito passivo de imposto e utiliza o bem, total ou predominantemente em actividades tributadas. Reunidas as condições e cumpridos os formalismos que decorrem do Decreto Lei n.º 21/2007, o sujeito passivo pode renunciar à isenção, e esta produz efeitos a partir da data da celebração do contrato de locação ou de compra e venda do imóvel. Na mesma data, nasce o direito à dedução, que pode ser exercido de acordo com as regras constantes nos artigos 19° a 26° e 78° do CIVA, sem prejuízo do prazo estabelecido no nº 2 do artigo 98° (quatro anos) do mesmo Diploma, que pode ser estendido para o dobro (oito anos), de acordo e nas condições previstas no artigo 8° do Decreto Lei nº 21/2007 de 29 de Janeiro.

IV. Recorda-se no entanto que, mesmo havendo intenção por parte do sujeito passivo, de arrendar ou vender o prédio inscrito na matriz sob o artigo 3818, da freguesia ………….., à sociedade B…………, SA, não poderia usar do direito de opção pela sujeição a imposto, nos termos do artigo 12° do Código do IVA, uma vez que, a arrendatária, é isenta de imposto nos termos da alínea 2) do artigo 9º do Código do IVA, sem direito à dedução, situação esta que invalida desde logo, e nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 2° do Decreto Lei n.º 21/2007 de 29 de Janeiro, a possibilidade de renúncia à isenção, nesta operação imobiliária.

V. Atente-se no facto de, o sujeito passivo, ter assinalado na declaração de início de actividade, o campo 1 do quadro 12, indicando portanto que, optava pela aplicação do imposto às transmissões ou locações de bens imóveis, ou partes autónomas. De facto, se por um lado, o sujeito passivo, não transmitiu, nem locou qualquer bem imóvel ou parte autónoma, por outro, e como advém do Decreto Lei 21/2007, a renúncia à isenção só produz efeitos, a partir da data da celebração do contrato respectivo.

VI. CONCLUI-SE ENTÃO QUE, NÃO TENDO OCORRIDO QUALQUER TIPO DE LOCAÇÃO NEM A TRANSMISSÃO, DO PRÉDIO URBANO REGISTADO SOB O ARTIGO MATRICIAL 3818 DA FREGUESIA …………., E DE QUE É PROPRIETÁRIO, ATÉ À PRESENTE DATA, E CONSIDERANDO A IMPOSSIBILIDADE DE RENÚNCIA À ISENÇÃO SE O TIVESSE FEITO – ALÍNEA D) DO Nº 1 DO ARTIGO 2º DO DECRETO LEI N° 21/2007 - O SEU ENQUADRAMENTO SITUA-SE NO REGIME DE ISENÇÃO PREVISTO NAS ALÍNEAS 28) E 29) DO ARTIGO 9º DO CÓDIGO DO IVA.

B.4. • ACTIVIDADE EFECTIVAMENTE EXERCIDA/ ENQUADRAMENTO EM SEDE DE IVA

Em 2 de Julho de 2007, foi reduzido a escrito, um contrato de cessão de exploração de estabelecimento hospitalar, entre o sujeito passivo, na qualidade de cedente e a pessoa colectiva, “B……………… SA”, na qualidade de cessionária. (anexos 1 a 19)

B.4.l. - ESTABELECIMENTO HOSPITALAR

O objecto da cessão, é constituído pelo estabelecimento hospitalar denominado B……….., de quem o sujeito passivo, é dono e legítimo proprietário.

Compreendidos no estabelecimento hospitalar objecto da cessão, estão também os seguintes elementos:

~ Clientela

~ Equipamento constante do anexo I ao contrato, denominado auto de entrega ~ Contratos operacionais tal como identificados no anexo II ao contrato

~ Licenças

No que concerne à preservação do património, constam do ponto 10 do contrato de cessão de exploração, as obrigações de custeio, que são da responsabilidade da cedente:

~ Obras de estrutura: trabalhos inerentes à estrutura do edifício e às grandes reparações das coisas móveis que nele se devam considerar integradas (redes de canalizações, esgotos e eléctrica)

~ Obras de conservação ordinária: relacionadas com reparação e limpeza geral do edifício, bem como dos elementos e outros dispositivos, que visam mantê-lo devidamente operacional.

~ Actividades de renovação: as que visam repor ou prolongar a vida útil dos equipamentos

A cessão de exploração, vigora pelo prazo de 10 (dez) anos, renovável por períodos de 5 (cinco) anos, a contar da data efectiva, inclusive, a qual se reporta a 01 de Julho de 2007.

O valor da renda, por cada ano civil do período de exploração, acrescido de IVA à taxa legal aplicável em cada momento, é variável, fixando-se em 10% (dez por cento) das receitas da cessionária, havendo contudo, um limite máximo e um limite mínimo, para aquele valor:

~ Valor máximo 1.080.000,00€

~ Valor mínimo 480.000,00€

Recorda-se ainda que, tanto a empresa cedente como a empresa cessionária, fazem parte do grupo de sociedades dominadas pela “C…………….. SGPS SA”, e que a administração é comum às duas.

(...)

Por via do contrato de cessão de exploração, o sujeito passivo facturou nos anos de 2007 e 2008, à entidade “B…………………. SA”, os montantes de 240.000,00€ e 480.000,00€, respectivamente, acrescidos de IVA à taxa normal em vigor, tendo em atenção que, o valor referente ao ano de 2007, respeita apenas ao período decorrido entre Julho e Dezembro.

De facto, a locação de máquinas e outros equipamentos de instalação fixa, bem como a de imóveis, de que resulte a transferência onerosa da exploração de estabelecimento comercial ou industrial, está sujeita a imposto, nos termos da alínea c) da alínea 28) do artigo 9º do Código do IVA. Trata-se portanto, de uma excepção à isenção prevista na alínea 28) do artigo 9º do CIVA.

Por sua vez, estabelece o n.º 1 do artigo 4° daquele Diploma, que são consideradas como prestações de serviços as operações efectuadas a título oneroso que não constituem transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens.

Nestes termos, pode afirmar-se que estamos perante uma prestação de serviços, sujeita a imposto e dele não isenta.

B.5. APLICAÇÃO DAS REGRAS RELATIVAS ÀS PRÁTICAS ABUSIVAS NO DOMÍNIO DO IVA

Recordamos mais uma vez, que a questão em análise, diz respeito a um sujeito passivo que adquire bens e serviços - equipamentos e construção de uma clínica médica - que se destinam à realização de operações isentas de imposto - práticas de serviços médicos - alínea 2) do artigo 9° do Código do IVA.

É oportuno recordar que, tal como se encontra concebido o SISTEMA DO IVA, ASSENTE NO PRINCÍPIO DA NEUTRALIDADE - Directiva Comunitária 77/388/CEE, reformulada pela Directiva Comunitária 2006/112/CE - o direito à dedução tem como pressuposto que a entidade que o suporta nas respectivas aquisições ou importações realiza, por sua vez, a jusante, operações tributadas ou operações isentas que conferem direito à dedução. Quer isto dizer que, a possibilidade de dedução do IVA suportado a montante, por um sujeito passivo, está dependente do tipo de operações activas que esse sujeito passivo pratica na sua actividade. Mais ainda, para que a dedução se possa concretizar, é necessário uma relação directa e imediata entre uma operação a montante e uma ou várias operações a jusante, que confiram direito à dedução. Estas disposições comunitárias, têm correspondência na legislação interna portuguesa, no n.º 1 do artigo 19° e no n.º 1 do artigo 20º do Código do IVA.

Sucede também, como é jurisprudência comunitária reiterada, que é com base nas circunstâncias iniciais de afectação de um dado bem, que se afere os condicionalismos legais, para que o correspondente IVA seja dedutível. A afectação que venha a ser dada ao bem em momento posterior não altera o estatuto, em matéria de direito à dedução, que de início foi conferida ao bem. De harmonia com a mesma jurisprudência, as alterações posteriormente ocorridas, só podem vir a dar azo a um eventual ajustamento, desde que reunidos os pressupostos do artigo 25° do Código do IVA.

Nesse sentido se pronunciou, o acórdão do TJCE de 6 de Abril de 1995, relativo ao processo C-4/94:

~ … quando um sujeito passivo presta serviços a outro sujeito passivo, que os utiliza para efectuar uma operação isenta, este último não tem o direito de deduzir o IVA pago a montante, mesmo quando o objectivo final da operação isenta é efectuar uma operação sujeita a imposto. Efectivamente para conferirem direito à dedução, os bens e serviços em causa, devem apresentar uma relação directa e imediata com as operações sujeitas a imposto e que, para este efeito, o objectivo final prosseguido pelo sujeito passivo é indiferente.

Nesta matéria, o TJCE já teve ocasião de frisar que “o princípio da neutralidade não implica que um sujeito passivo que tenha optado entre duas operações possa escolher uma e invocar os efeitos da outra”

Ora é sabido que, o sujeito passivo usou o direito à dedução em todas as operações realizadas a montante, desde o início da actividade, sabendo que a afectação da infra-estrutura da clínica, às suas necessidades, conforme consta no objecto social do contrato de sociedade, não proporcionaria aquela dedução, já que nos termos da alínea 2) do artigo 9º do Código do IVA, as operações relacionadas com serviços médicos prestados por estabelecimentos hospitalares, encontram-se isentas do imposto, sem direito à dedução.

Recorda-se porém que, após a construção e equipamento da infra-estrutura acima identificada, o sujeito passivo celebrou contrato de cedência de exploração da mesma, com uma sociedade criada para o efeito, pelos mesmos accionistas, recebendo em troca uma renda anual, operação activa esta, que encontrando-se sujeita a IVA, lhe permitiria a dedução do imposto suportado a montante.

Do exercício do direito à dedução, desde o início da actividade, resultou como já referido, vários pedidos de reembolso de IVA, que foram integralmente pagos pela Administração Tributária. Também é certo que, a partir de Julho de 2007, início das operações activas, o sujeito passivo procedeu ao apuramento do imposto a entregar nos cofres do Estado, deduzindo ao imposto liquidado, aquele que suportou nas aquisições de bens e serviços.

Acontece que, sendo as operações activas, apenas 10% das receitas obtidas pela sociedade B……………… SA, e cabendo ao sujeito passivo a responsabilidade pela preservação do património, resulta do apuramento do imposto, uma situação permanente de crédito.

De facto, não se vislumbra qualquer recuperação, no crédito de imposto acumulado, antes pelo contrário, como se pode verificar, pelos documentos arquivados no sistema informático da DGCI, aquele crédito, tem tendência a aumentar:

(....)

Pode então concluir-se que, o sujeito passivo não só se encontra em situação de crédito de imposto desde o início da actividade, mas também assim irá continuar, já que, do contrato estabelecido, resulta como se pode verificar, uma constante superioridade de custos e consequentemente uma dedução de imposto superior à liquidação proveniente dos proveitos.

(…)

À luz da jurisprudência do TJCE, reflectida no acórdão de 21 de Fevereiro de 2006, que recaiu sobre o processo C-255/02, referente a um pedido de decisão sobre prática abusiva - operações cujo único fim é a obtenção de uma vantagem fiscal, deve entender-se que, a verificação da existência de uma prática abusiva, pressupõe que:

~ As operações tenham como resultado a obtenção de uma vantagem fiscal cuja concessão seja contrária ao objectivo prosseguido pelas disposições que enformam o regime do IVA;

~ As operações em causa tenham como fito essencial a obtenção de um benefício ou vantagem fiscal;

Atente-se também que, a sexta Directiva 77/388, alterada pela Directiva IVA 2006/112/CEE, deve ser interpretada no sentido de que se opõe, ao direito do sujeito passivo a deduzir o IVA pago a montante, quando as operações em que esse direito se baseia, forem constitutivas de uma prática abusiva.

Permitir aos sujeitos passivos deduzir a totalidade do IVA pago a montante, quando no âmbito das suas transacções comerciais normais, a legislação em vigor não lhes permitiria, seria contrário ao princípio da neutralidade fiscal, como anteriormente referido.

O outro aspecto que o TJCE aponta como indiciador do objectivo essencial, de se visar obter uma vantagem no domínio do IVA, consiste na existência de relações especiais entre as partes contratantes.

Não há qualquer dúvida que, não só as sociedades intervenientes nos contratos de cedência de exploração são administradas pelas mesmas pessoas, mas também que as duas fazem parte do mesmo grupo, na qualidade de sociedades dominadas.

Pode então afirmar-se que, é nossa convicção, que a efectivação do contrato de cedência de exploração, teve como único objectivo, justificar à posteriori, a dedução indevida do IVA, no período em que decorreu a construção e o equipamento do imóvel. De facto, o exercício da actividade desenvolvida naquela infra-estrutura - prestação de serviços médicos - não permite, nos termos da alínea 2) do artigo 9º do Código do IVA, qualquer dedução de imposto a montante.

Note-se que, a afectação da infra-estrutura do estabelecimento hospitalar, às necessidades decorrentes do objecto social do sujeito passivo, seu proprietário e legítimo dono, não proporcionaria a dedução do IVA suportado a montante. As alterações posteriormente ocorridas - contrato de cedência de exploração - permitiriam, caso não estivéssemos na presença de uma prática abusiva, a regularização prevista no artigo 25° do Código do IVA, na sequência da comunicação à Administração Tributária, da alteração verificada no pacto social, quanto ao objecto da sociedade, a qual se encontraria já, devidamente registada na Conservatória respectiva.

No que concerne à verificação do segundo pressuposto apontado pela jurisprudência comunitária, isto é, se o objectivo essencial que esteve na base da realização de um contrato de cedência de exploração, foi a obtenção de um benefício ou vantagem em sede de IVA, há que referir que, na acepção do TJCE, não seria necessário demonstrar a própria intenção subjectiva das partes, sendo bastante induzi-la através de elementos objectivos, os quais podem consistir no carácter puramente artificial da operação, ou nas relações de natureza jurídica, económica ou pessoal, existentes entre as partes envolvidas.

No tocante às relações económicas e pessoais existentes entre as partes envolvidas, já nos pronunciamos no ponto III-B.1.1, não deixando de reafirmar que, as sociedades contratantes fazem parte do mesmo grupo económico, C……………. SGPS SA, na qualidade de sociedades dominadas. Os administradores são comuns não só às sociedades dominadas, mas também à sociedade dominante.

NESTES TERMOS, CABE-NOS AFIRMAR QUE OS FACTOS DESCRITOS, CONSUBSTANCIAM UMA PRÁTICA ABUSIVA NO DOMÍNIO DO IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO.

B.6. PROCEDIMENTO A ADOPTAR

De harmonia com o sentido da jurisprudência comunitária decorrente do acórdão proferido no processo C-255/02 de 21 de Fevereiro de 2006, uma operação que visa permitir a dedução da totalidade do IVA a um sujeito passivo que, em circunstâncias normais, não poderia deduzir o IVA, é contrária ao princípio da neutralidade e contrária ao objectivo do sistema do IVA.

Nestes termos, a decisão do TJCE foi no sentido de que o direito à dedução, só pode subsistir na ausência de circunstâncias abusivas e que a legislação do IVA, se opõe ao direito de deduzir o IVA a montante, quando as operações em que esse direito se baseia, forem constitutivas de uma prática abusiva.

Perante a constatação de uma situação conducente a uma prática considerada abusiva no domínio do IVA, o TJCE decidiu que deveria ser reposto o tratamento da situação em sede de IVA, como se o acto que sustentou uma tal prática, não tivesse ocorrido.

Resulta daqui que as operações implicadas numa prática abusiva devem ser redefinidas, de forma a restabelecer a situação, tal como ela existiria se não se tivessem verificado operações constitutivas da referida prática abusiva.

Considerando então, que não haveria direito à dedução do IVA suportado na construção e equipamento do imóvel, que detém a infra-estrutura para a prática de serviços médicos, fica desde logo prejudicada a posterior liquidação do IVA ao abrigo do n.º 1 do artigo 4° do Código do IVA, assim como, qualquer regularização da dedução nos termos previstos no artigo 25º do mesmo Diploma.

Neste contexto a Administração Fiscal pode reclamar, com efeitos retroactivos, a restituição dos montantes deduzidos por cada operação em que verifique que o direito à dedução foi exercido de forma abusiva.

No entanto, deve também a Administração Fiscal, subtrair qualquer imposto que tenha incidido sobre a operação efectuada a jusante, imposto em relação ao qual o sujeito passivo em causa, é artificialmente devedor, no âmbito de um plano de redução da carga fiscal.

B7. CONCLUSÃO

Em face do exposto, e considerando os factos ocorridos no período volvido entre o ano de 2003 e o ano de 2007, bem como o comportamento do sujeito passivo, perante as obrigações decorrentes das normas impostas pelo Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA):

1. A actividade a desenvolver no estabelecimento hospitalar a construir, enquadra-se na isenção de imposto, prevista na alínea 2) do artigo 9º do CIVA;

2. Esta isenção, é denominada de incompleta, já que, o operador económico não está obrigado à liquidação de imposto nas transacções activas, mas, por outro lado, não pode aproveitar o direito à dedução do imposto suportado nas transacções passivas;

3. A actividade a desenvolver no estabelecimento hospitalar, permitiria a renúncia à isenção nos termos do artigo 12° do CIVA, caso não tivessem sido estabelecidos, acordos com alguns subsistemas de saúde;

4. A indicação de práticas de operações imobiliárias enquadra-se na isenção de imposto prevista nas alíneas 28) e 29) do artigo 9° do CIVA, com a possibilidade de renúncia indicada no ponto 3;

5. O desenvolvimento daquela actividade não se verificou, mas, caso tivesse acontecido, também não permitiria a renúncia à isenção do imposto, nos termos artigo 12º do CIVA, uma vez que, o arrendatário/adquirente iria desenvolver actividades isentas de imposto, nos termos da alínea 2) do artigo 9º;

6. A realização, no final da construção, de um contrato de cedência de exploração, do estabelecimento hospitalar, com uma sociedade, que para além de estar integrada no mesmo grupo de empresas, tem administradores comuns;

7. A renda estipulada no contrato, não permitiu, até à presente data, que do apuramento do imposto, resultasse qualquer valor a entregar nos cofres do Estado, antes pelo contrário, o resultado que se tem verificado, é o aumento gradual do crédito de imposto;

é nossa convicção que devem ser desconsiderados em sede de IVA, os efeitos decorrentes do contrato de cedência de exploração, celebrado entre a empresa A……………. SA, na qualidade de cedente, e a empresa B…………………. SA, na qualidade de cessionário, tendo como consequência a inviabilidade da dedução e reembolso do IVA suportado pela primeira entidade, na construção e equipamento do imóvel que detém a Infra-estrutura designada no referido contrato, como estabelecimento hospitalar,

Como tal, o IVA que foi deduzido a montante, desde o início da actividade até à presente data, deve ser anulado, bem como, e da mesma forma, o IVA que foi liquidado a jusante, no mesmo período, também deve ser anulado.

Como corolário desta correcção, devem ser emitidas liquidações adicionais nos termos do artigo 87° do Código do IVA, tendo em atenção o disposto no n.º 1 do artigo 45º da Lei Geral Tributária (LGT), aprovada pelo Decreto Lei n.º 398/98 de 17 de Dezembro, considerando os montantes que já foram recebidos pelo sujeito passivo e que abaixo se identificam, SEM Prejuízo DA DECISÃO QUE SUPERIORMENTE VIER A SER TOMADA E QUE CONSTARÁ DO PARECER E DESPACHO QUE SANCIONARÃO ESTE PROJECTO DE RELATÓRIO.

(...)”

D) Na sequência das correcções efectuadas, em 07/06/2010, foram emitidas as liquidações nºs 10094236 a 10094243, respeitantes a IVA dos anos de 2005, 2006 e 2007, e juros compensatórios, cujo prazo limite de pagamento voluntário terminou a 29/11/2010 (cfr. documento de fls. 66 e ss dos autos).

E) A Impugnante prestou garantia bancária em 17/11/2010 para suspender o processo de execução fiscal n.º 3247201001137220 (cfr. fls. 118 do processo Administrativo e fls. 114 dos autos).

F) A Impugnante celebrou com a sociedade “D……………, Lda” contrato de cessão de exploração da cafetaria/bar localizada na B…………… (cfr. contrato de fls. 79 e ss dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido).
G) A Impugnação foi remetida ao tribunal tributário de Lisboa por carta registada datada de 29/11/2010 (cfr. fls. 116 dos autos).


De direito

Na presente impugnação judicial a impugnante A………………… SA pretendia a anulação da liquidação de IVA e juros compensatórios no montante de € 1.762.111,06 referente ao período de 2006 e 2007 por considerar que a cedência da exploração da B………….. à sociedade B……………… SA: entidade não podia ser qualificada como o fez a Administração Tributária como prática abusiva no domínio do IVA e porque mesmo que assim o entendesse e qualificasse como efectivamente o fez a liquidação impugnada estava ferida de ilegalidade por tal acto tributário não ter sido precedido da instauração do procedimento prévio previsto no artigo 63 do CPPT.

O Mº juiz “a quo” considerou que a aplicação do procedimento do artigo 63 do CPPT apenas é de instaurar quando estiver em causa a aplicação da norma anti abuso geral prevista no artigo 38 da LGT.
E porque no caso em apreço a liquidação fora efectuada não com base em normas jurídicas anti abuso mas fundamentada no regime jurídico do IVA considerou não se verificar caso de aplicação do artigo 63 do CPPT.
Seguidamente e relativamente à ilegalidade da liquidação o mº juiz “a quo” considerou que estando demonstrado que o contrato de cessão de exploração teve por finalidade essencial a obtenção de uma vantagem fiscal que foi o da impugnante ter a possibilidade de deduzir o IVA suportado a montante, que de outra forma não poderia obter, por ser sujeito passivo isento de IVA, o que lhe permite dessa forma uma situação permanente de crédito e de reembolsos de IVA sucessivos, consubstanciando tal facto uma prática abusiva, a impugnante não podia por tal razão usufruir das regras de dedução do IVA.
E porque nessa situação o princípio da legalidade que enforma todo o sistema fiscal se sobrepõe aos princípios invocados da confiança já que no caso a não actuação anterior da Administração Tributária não gera expectativa legitima o Mº juiz “a quo” julgou a impugnação improcedente.

Foi contra esta decisão que se insurgiu a recorrente tendo questionado, como sinteticamente se refere no acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 04 12 2013 a folhas 321, em primeiro lugar, a não consideração da omissão do invocado procedimento prévio do artigo 63 do CPPT e, em segundo lugar, a legalidade da liquidação por inexistência de prática abusiva.

Este Supremo Tribunal considerou que Directiva do IVA e a sua interpretação invocada pela Administração Tributária como fundamento para aplicação de uma medida anti abuso preceitua sobre normas e princípios relativos à incidência, à isenção, à matéria colectável e a outras matérias de direito substantivo, mas não dispõe sobre questões processuais, designadamente sobre prazo de prescrição, de caducidade, formalismos inspectivos e exercício do contraditório entre outros. Entendeu que o artigo 63 do CPPT ao exigir um procedimento próprio para aplicação das normas anti abuso não parece restringir a aplicação das normas e princípios da Directiva do IVA, sendo que essa restrição implicaria um tratamento discriminatório entre o IVA e os outros impostos o que não faria sentido e violava as garantias dos contribuintes na prática das normas anti abuso.
Por isso suspendendo a instância entendeu colocar ao TJUE a seguinte questão, em sede de reenvio prejudicial:
Suspeitando a Administração Tributária da prática abusiva destinada a obter o reembolso de IVA e prevendo o direito português um procedimento prévio obrigatório aplicável a práticas abusivas em matéria de impostos deve ou não entender-se que tal procedimento é inaplicável em matéria de IVA atenta a génese comunitária deste imposto?

O TJUE, por decisão de 12 de Fevereiro de 2015, proferida no processo C-662/13 declarou que:
“A Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretada no sentido de que não se opõe à aplicação prévia e obrigatória de um procedimento administrativo nacional, como o previsto no artigo 63°, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, no caso de a Administração Tributária suspeitar da existência de uma prática abusiva”.

Perante esta resposta importa então decidir se a Administração Tributária cometeu ilegalidade ao proceder às correcções e liquidação impugnadas sem previamente ter feito uso do procedimento a que alude o ao artigo 63 do CPPT.
Decorre da factualidade dada como provada que a Administração Tributária como se vê do ponto B.5 do probatório sob a epígrafe “Aplicação das regras relativas às práticas abusivas no domínio do IVA” afirma:
“É nossa convicção que a efectivação do contrato de cedência de exploração teve como único objectivo justificar “a posteriori” a dedução indevida de IVA no período em que decorreu a construção e equipamento do imóvel. De facto o exercício da actividade desenvolvida naquela infra-estrutura -prestação de serviços médicos – não permite nos termos da alínea 2) do artigo 9º do CIVA qualquer dedução do imposto a montante.”
Para concluir:
“Nestes termos cabe-nos afirmar que os factos descritos consubstanciam uma prática abusiva no domínio do Imposto Sobre o Valor Acrescentado”
E neste entendimento foi corrigido o IVA objecto de dedução pela cedência da exploração.
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Ora desta factualidade podemos facilmente concluir que o que a Administração Tributária fez não foi apenas desconsiderar a dedução do IVA, por, como bem salienta o Mº Pº, considerar esta operação ineficaz sob o ponto de vista fiscal.
Efectivamente não teve por inexistente nem ilegal o contrato de cessão de exploração.
O que fez foi vê-lo como efectuado ao abrigo da cláusula geral anti abuso que o artigo 38 da LGT, mais concretamente do nº 2 do preceito em causa que assim prescreve:
Ineficácia de actos e negócios jurídicos

1 - A ineficácia dos negócios jurídicos não obsta à tributação, no momento em que esta deva legalmente ocorrer, caso já se tenham produzido os efeitos económicos pretendidos pelas partes.

2 - São ineficazes no âmbito tributário os actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas. (Lei n.º 30-G/2000 de 29 de Dezembro)


Importa ter presente que como se refere in Códigos Anotados & Comentados LGT Lexit pp 98 que a cláusula geral anti abuso contida no artigo 38 da LGT “não é um instrumento subordinado a uma cega arrecadação de receita e que ela só é invocável quando reunidos todos os outros requisitos se demonstre uma intenção inequívoca por parte do legislador de tributar aquele negócio jurídico“.
Ora suspeitando dessa prática abusiva a Administração Tributária tem ao seu dispor um meio processual de verificação, o procedimento consagrado no artigo 63 do CPPT.

E esse procedimento tem de ser obrigatoriamente usado mesmo estando em causa uma situação regulada pelo IVA.
É que a Directiva 2006/112 habilita os Estados Membros a tomarem as medidas necessárias para garantir a cobrança exacta do Imposto e evitar as fraude mas não concretiza ou especifica nenhuma dessas medidas.
E de acordo com a jurisprudência comunitária designadamente da decorrente dos acórdãos MarK & Spencer C62/00, EU: C 2002.453,nº 34;e ADV Allround, C218/10 EU: C 2012:35, nº 35, arestos referidos a folhas 418 dos autos compete ao ordenamento jurídico de cada Estado Membro a implementação dessas medidas designadamente regular as modalidades de procedimento para combater a fraude ao IVA e simultaneamente assegurar aos particulares os direitos que o direito da União confere, em situação análoga aos procedimentos ou procedimento adoptados nas situações reguladas pelo direito interno o chamado princípio da equivalência com respeito pelo princípio da efectividade que ó de não tornar na prática o exercício dos direitos concedidos pela União impossível ou excessivamente difíceis.

No caso dos autos a instauração do procedimento previsto no artigo 63 do CPPT também aqui de mostrava e mostra obrigatório.



Em primeiro lugar porque a lei não distingue o IVA dos demais impostos e “ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus.”
Depois porque a Directiva do IVA não se opõe à aplicação deste procedimento prévio.
E porque não existindo essa oposição a não aplicação desse meio processual traduziria uma violação das garantias que são dadas aos contribuintes em situações análogas nos restantes impostos quando numa situação de combate à fraude o que seria uma violação injustificada do princípio da igualdade.

E sendo assim e não violando ou restringindo a aplicação da Directiva o procedimento do artigo 63 do CPPT a omissão de procedimento do artigo 63 da LGT constitui ilegalidade que inquina a liquidação impugnada
Efectivamente tendo a AT posto em causa a dedução do IVA com base numa prática abusiva, face ao disposto do artigo 38 da LGT estava a mesma obrigada a previamente a lançar mão do procedimento consagrado no artigo 63 do CPPT que assim dispõe

Artigo 63.º

Aplicação de disposição antiabuso

1 - A liquidação de tributos com base na disposição antiabuso constante do n.º 2 do artigo 38.º da lei geral tributária segue os termos previstos neste artigo. (Redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)

2 - (Revogado.) (Redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)

3 - A fundamentação do projecto e da decisão de aplicação da disposição antiabuso referida no n.º 1 contém necessariamente: (Redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)

a) A descrição do negócio jurídico celebrado ou do acto jurídico realizado e dos negócios ou actos de idêntico fim económico, bem como a indicação das normas de incidência que se lhes aplicam; (Redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)

b) A demonstração de que a celebração do negócio jurídico ou prática do acto jurídico foi essencial ou principalmente dirigida à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em caso de negócio ou acto com idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais. (Redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)

4 - A aplicação da disposição antiabuso referida no n.º 1 depende da audição prévia do contribuinte, nos termos da lei. (Redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)

5 - O direito de audição prévia é exercido no prazo de 30 dias a contar da notificação do projecto de aplicação da disposição antiabuso ao contribuinte. (Redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)

6 - No prazo referido no número anterior, poderá o contribuinte apresentar as provas que entender pertinentes.

7 - A aplicação da disposição antiabuso referida no n.º 1 é prévia e obrigatoriamente autorizada, após a audição prévia do contribuinte prevista no n.º 5, pelo dirigente máximo do serviço ou pelo funcionário em quem ele tiver delegado essa competência. (Redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)

8 - A disposição antiabuso referida no n.º 1 não é aplicável se o contribuinte tiver solicitado à administração tributária informação vinculativa sobre os factos que a tiverem fundamentado e a administração tributária não responder no prazo de 150 dias. (Redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)

9 - (Revogado.) (Redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)

10 - (Revogado.) (Redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro).

O conhecimento desta ilegalidade prejudica o conhecimento das restantes questões.



Decisão

Face ao exposto acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso e em consequência revogar a sentença recorrida e em substituição julgar procedente a impugnação e anular as liquidações impugnadas.

Custas pela recorrida.

Lisboa, 25 de Novembro de 2015. - Fonseca Carvalho (relator) – Isabel Marques da Silva – Pedro Delgado.