Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01496/13
Data do Acordão:11/27/2013
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ALBERTO AUGUSTO OLIVEIRA
Descritores:PENSÃO DE PREÇO DE SANGUE
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
REVISTA
Sumário:Não é de admitir revista de acórdão que julgou: para haver direito a uma pensão de preço de sangue é necessário o preenchimento dos requisitos gerais e especiais previstos nos artºs. 7º e 8º do D.L. nº 466/99, de 06/11, sendo que os ascendentes, enquanto classe de sucessíveis prevista no artº 5º, nº 1, alínea c), adquirem o direito à pensão quando atinjam os 65 anos de idade ou estejam numa situação de incapacidade permanente e absoluta para o trabalho; essa pensão vence-se no mês seguinte à data em que os ascendentes reúnam os requisitos especiais a que se refere aquele artigo, quando entreguem tempestivamente tal requerimento.
Nº Convencional:JSTA000P16648
Nº do Documento:SA12013112701496
Data de Entrada:09/30/2013
Recorrente:A...........
Recorrido 1:CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Formação de Apreciação Preliminar da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo.

1.

1.1. O Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, por sentença de 30/11/2011 (fls. 93 a 104), julgou improcedente a acção administrativa especial, intentada por A………., contra a Caixa Geral de Aposentações, em que requeria a condenação da entidade demandada ao reconhecimento do seu direito de receber, a título retroactivo, os montantes da pensão de preço de sangue desde Outubro de 1984 a Outubro de 2007.

1.2. A……….. recorreu desta sentença para o Tribunal Central Administrativo Sul que, por acórdão de 21/03/2013 (fls. 155 a 172), negou provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.

1.3. É desse acórdão que a ora Recorrente vem requerer a admissão do presente recurso, ao abrigo do artigo 150.º do CPTA, por entender que «a matéria delimitada no objeto do presente recurso pela sua importância, e necessária clarificação, tem relevância social para ser apresentada em sede de revista em virtude da consequência prática daí resultante e porque a interpretação jurídica que foi feita no douto acórdão recorrido não é só violadora da lei substantiva, como de princípios constitucionais».

E discutindo o mérito concluiu, nomeadamente:
«2.ª […] a Recorrente pretende que a entidade Recorrida seja condenada a ver reconhecido os efeitos da atribuição do direito à pensão de preço de sangue ao mês seguinte ao da morte do filho por ter sido requerida no prazo de dois anos após esse facto (nº 1 do artº 12 do DL 466/99 de 06/11, que neste particular não introduziu alterações ao regime anterior).
3.ª A recorrente nunca pôs em causa os efeitos consequentes do estabelecido na primeira norma, que fixa, em sede de requisitos especiais, a atribuição do direito à pensão. O que sempre colocou em causa foi o momento a partir do qual esta é devida, isto é, o seu quantitativo.
4.ª Numa interpretação puramente literal das duas normas poder-se-á, com efeito, retirar a conclusão imediata que o beneficiário da pensão só terá direito a recebe-la a partir do momento em que perfaça a idade fixada no nº 5 do artº 8, isto é, aos 65 anos de idade.
5.ª Porém, há que fazer uma interpretação mais abrangente e atenta da lei, em conformidade com os princípios e regras estabelecidos no nº 1 do artº 9º do Código Civil, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico.
6.ª A pensão de preço de sangue é hoje entendida e pacificamente aceite pela jurisprudência como tendo uma natureza indemnizatória, isto é, como uma verdadeira indemnização que cobre os danos morais e patrimoniais sofridos pelos beneficiários em virtude do falecimento em serviço público do seu familiar, e que tem, consequentemente, por finalidade cobrir todos os danos causados pela perda da capacidade de ganho da vítima.
(…).
9.ª Aplicando tal princípio ao caso concreto teremos, obviamente, que considerar o período entre o mês seguinte ao da morte do autor e o momento em que a lei confere à Recorrente o direito de poder reclamar o seu pagamento, isto é, os 65 anos de idade. Só assim se concretiza o princípio de uma justa indemnização.
10.ª Tal entendimento não contende com o artº 8º, que não afasta a consagração da reparação integral atrás defendida, mas tão só permite aos ascendentes que sofram de incapacidade absoluta e permanente para o trabalho que possam ter acesso a ela mais cedo, em face da sua especial situação».

1.4. A Recorrida contra alegou sustentando a não verificação dos requisitos de admissão da revista.

Cumpre apreciar e decidir.

2.

2.1. Tem-se em atenção a matéria de facto considerada no acórdão recorrido.

2.2. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».
A jurisprudência deste STA, interpretando o comando legal, tem reiteradamente sublinhado a excepcionalidade deste recurso, referindo que o mesmo só pode ser admitido nos estritos limites fixados neste preceito. Trata-se, efectivamente, não de um recurso ordinário de revista, mas antes, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, de uma «válvula de segurança do sistema» que apenas deve ser accionada naqueles precisos termos.

2.3. No caso em apreço, a ora recorrente manifestou a pretensão de lhe ser reconhecido o direito de auferir a pensão de preço de sangue, prevista no artigo 5.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 466/99, de 06/11, desde o mês subsequente ao falecimento do seu filho (Setembro de 1984), ainda que ela só tenha completado 65 anos de idade em Outubro de 2007 e que o pagamento dessa pensão só se pudesse efectivar após ter atingido os 65 anos de idade.
A Recorrente entende que, preenchido o requisito estabelecido no artigo 8.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 466/99, tem direito a auferir a citada pensão desde Outubro de 1984 e não a partir de Novembro de 2007, pelo que reclama o pagamento, a título retroactivo, dos montantes referentes ao período em questão.

Nos termos instituídos pelo Decreto-Lei n.º 466/99, de 06/11, que fixa o regime jurídico das pensões de preço de sangue, a atribuição deste benefício depende do preenchimento dos requisitos gerais e especiais, previstos nos artigos 7.º e 8.º do citado diploma.

Sobre a questão, o acórdão recorrido ponderou, entre o mais:

«Para haver direito a uma pensão de preço de sangue é necessário que os titulares com direito a pensão preencham os requisitos gerais e especiais previstos nos art°s. 7° e 8° do D.L. n° 466/99, de 06/11, sendo que, os ascendentes, enquanto classe de sucessíveis prevista no art° 5°, n° 1, alínea c), só adquirem o direito à pensão quando atinjam os 65 anos de idade ou estejam numa situação de incapacidade permanente e absoluta para o trabalho.
Da interpretação conjugada do disposto nos arts° 8°, nº 5 e 12°, n° 1 do citado regime legal, no que concerne aos ascendentes, a pensão de preço de sangue vence-se no mês seguinte à data em que reúnam os requisitos especiais a que se refere aquele artigo quando entreguem tempestivamente tal requerimento.
Nem faria sentido defender outra interpretação, em face da redacção dos preceitos aplicáveis, pois senão carecia de sentido a previsão dos requisitos especiais.
Além disso, a vingar a interpretação da recorrente seria conceder um regime mais favorável a uma classe de sucessíveis, os ascendentes, em relação aos demais, o cônjuge sobrevivo e descendentes, já que aqueles, quando perfizessem os 65 anos de idade ou reunissem os requisitos especiais previstos, receberiam uma pensão de preço de sangue com efeitos reportados à data da morte, no caso, a recorrente receberia a pensão em 2007, com efeitos reportados a 1984.».

A apreciação realizada pelo acórdão, que atendeu à detalhada análise que provinha da sentença, afigura-se plausível. Aliás, não controvertido directamente nos autos o momento a partir do qual poderia a ora recorrente passar a receber a pensão (65 anos de idade, sendo que a interessada tentara por diversas vezes começara a receber a pensão antes dessa idade – cfr. matéria de facto), essa apreciação afigura-se mesmo, de provável acerto, nos seus termos.
A recorrente arvora a seu favor a natureza indemnizatória da pensão de preço de sangue, tal como reconhecido, nomeadamente, no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 308/2001 e no acórdão deste Supremo de 14.2.2002, no processo 48247. Ora, o primeiro tratou de problema de tributação em IRS. No segundo essa natureza serviu este Tribunal para aí sublinhar a independência do tipo de danos cobertos pela pensão e dos danos não patrimoniais, que foram os que teve de julgar nesse processo. Não se pode retirar daquela natureza qualquer desarmonia com o acórdão recorrido.
Não se lobriga que a questão suscitada pela Recorrente se revista de complexidade jurídica relevante, e também não se afigura existir qualquer problemática social importante atingida pela interpretação e aplicação realizada pelas instâncias, sendo que não vem trazida notícia dela por parte da recorrente.

3. Pelo exposto, não se admite a revista.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 27 de Novembro de 2013. - Alberto Augusto Oliveira (Relator) - Vítor Gomes - Rosendo José.