Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:031/19
Data do Acordão:06/25/2020
Tribunal:CONFLITOS
Relator:ANTÓNIO MAGALHÃES
Descritores:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P26096
Nº do Documento:SAC20200625031
Data de Entrada:06/11/2019
Recorrente:A... E ESPOSA, NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE PENAFIEL — U.O. 1 E O TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DO PORTO ESTE - JUÍZO LOCAL CÍVEL DE AMARANTE
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Conflito nº 31/19


Acordam no Tribunal de Conflitos:
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A……….. e mulher B………. intentaram no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, em 13.10.2013, acção administrativa comum contra Auto-Estrada do Marão, S.A, com sede em Linhó, Sintra, Infratúnel – Construtores do Túnel do Marão, A.C.E, com sede em Várzea, Amarante, e E.P. Estradas de Portugal, com sede em Almada, em que formulam aos seguintes pedidos:
a) ser declarado e reconhecido o direito de propriedade dos AA, sobre o prédio identificado no art. 1º:
b) ser declarado e reconhecido o direito de propriedade dos AA. sobre as águas que afluem e são represadas nas “Poça ……..”, “Poça ……..”, “Poça …………” e “Poça ………..”, e os direitos de servidão de presa e aqueduto sobre as ditas poças, regos a céu-aberto e aquedutos, a favor do prédio dos AA. supra descrito sob o artigo l.° e a onerar prédios de terceiros, tal como supra descritos sob os artigos 21.° a 39.°;
c) ser, as RR. condenadas a restituírem o prédio supra descrito sobre o artigo 1.° ao seu estado anterior, sem terra, areias, saibro, pedras, sedimentos, entulho e outros detritos provenientes da auto-estrada denominada A4-IP4, bem como condenadas a desaterrem e desentupirem os regos e aquedutos, a removerem as aberturas, regueiros e valas e a reporem a terra fértil (preta), de modo que o prédio seja restituído à sua fertilidade corrente e natural;
d) serem as RR. condenadas a efectuarem as obras necessárias ao desvio e canalização das águas pluviais provindas da dita auto-estrada e respectivos sublanços, de modo que deixem de invadir e prejudicar o prédio dos AA.;
e) Serem as RR. condenadas a efectuarem as obras necessárias à restituição da água das “Poça ………..”, “Poça ………”, “Poça ……….” e “Poça ……….” ao seu aludido prédio, de modo que possa ser utilizada na sua rega e lima;
f) Factos que devem praticar no prazo de 30 dias contados do trânsito em julgado da douta sentença que os condene;
OU, PARA O CASO DE NÃO SER POSSÍVEL PRATICAR O FACTO DA ALÍNEA E):
g) Serem as RR. condenadas a indemnizarem os AA. pelos prejuízos que lhe causaram e continuarão a causar, em virtude da privação da aludida água, cujo montante os AA. não conseguem para já apurar, pelo que se relega para momento posterior o seu cálculo, mormente, para a perícia que a final se requer;
E SEMPRE:
h) Serem as RR. condenadas a pagar aos AA., a título de danos patrimoniais, indemnização calculada à razão anual de €8.966,00, a contar do ano agrícola de 2011/2012, até efectivo e integral cumprimento dos factos descritos em c), d) e e), que por ora se computa em €17.932,00 (dois anos agrícolas);
i) Serem as RR. condenadas a indemnizar os AA., a título de danos não patrimoniais, no montante de €7.500,00;
j) Todas aquelas quantias acrescidas de juros à taxa legal de 4º/ao ano, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento; e ainda
k) Serem as RR. condenadas nas custas e demais encargos legais.”.
Invocaram, em resumo (aqui se aproveitando a fiel síntese feita no acórdão do TCAN): factos atinentes à propriedade e posse do prédio ali identificado, irrigado por águas de que eram proprietários, provenientes de “poças” (artigos 1º a 14º da petição); factos relativos à propriedade “durante meia-semana, todo o ano” sobre as águas das “Poça ………..” e “Poça ……….” (artigos 22° a 28°); factos referentes à “Poça ……….”, alegando pertencer-lhes a água daquela poça (artigos 29° a 31°); factos concernentes à “Poça ………..”, alegando pertencer-lhes toda a água dessa poça (artigos 32° a 34°); factos atinentes à posse e fruição da água que era captada e represada nas ditas poças e bem assim “dos povinheiros, dos regos a céu aberto e dos aquedutos que a derivam”, concluindo que “se de outros títulos não dispusessem, sempre e até por usucapião, que expressamente invocam, já há muito os AA adquiriram o direito de propriedade sobre as ditas águas que fluem e são represadas nas “Poça …………”, “Poça ……..”, Poça ………….” e “Poça …………”, e os direitos de servidão e presa e aqueduto sobre as ditas poças, regos a céu aberto e aquedutos, a favor do seu descrito prédio e a onerar prédios de terceiros” (artigos 35° a 42°); matéria atinente à actuação dos Réus com a construção da auto-estrada A4/IP4 - Amarante-Vila Real, e a consequente privação, pelos Autores, do uso das águas, quer porque algumas poças, regos e aquedutos foram aterrados e já não existem, quer por ter sido desviada a água para outros locais, quer por diminuição do caudal de nascente, concluindo que “desde finais de Outubro de 2010, estão privados do uso da água das ditas poças, para rega e lima do seu prédio”, impedindo-os de ali levar a cabo qualquer actividade agrícola, lucrativa ou de subsistência desde aquela data, “o que lhes acarreta avultado prejuízo, posto que a agricultura é seu principal meio de subsistência” (artigos 43° e seguintes, sempre da petição inicial).
Os RR contestaram a acção, por excepção (de ilegitimidade e não incompetência absoluta) e por impugnação.
Porém, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, em despacho saneador, julgou-se incompetente, em razão da matéria, para conhecer os pedidos formulados em a), b), e) e g) ordenando o prosseguimento da acção relativamente aos pedidos formulados nas al. c), d), e), h), j) e k).
Do despacho saneador vieram os autores interpor recurso de apelação, em separado, pedindo que seja revogado o despacho e, face ao disposto no art. 4º, nº 1, al. i) do ETAF e do art. 1º, nº 5 da Lei nº 67/2007, declarada a competência dos Tribunais Administrativos para apreciar e julgar todos os pedidos.
Sem sucesso, no entanto, uma vez que o TCAN declarou a incompetência dos tribunais da jurisdição administrativa para conhecer de todos os pedidos formulados pelos autores na petição inicial.
Para tanto, ponderou: “ O cerne da contenda situa-se, assim, na caracterização da acção quanto à sua natureza e objecto: se, como sustenta a decisão recorrida, estamos perante uma acção de reivindicação, então a competência para dela conhecer será dos tribunais judiciais; se, pelo contrário, se trata de uma acção de responsabilidade extracontratual a que seja aplicável o regime de responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público, será, em princípio, da jurisdição administrativa o seu conhecimento.”
Para, depois da invocação da jurisprudência do acórdão do tribunal de conflitos de 10.9.2014. p nº 16/14, que considerou transponível para o caso, concluir: “ Aqui como caso acabado de transcrever, a pretensão de condenação dos Réus a restituírem o prédio ao seu estado anterior, a efectuarem obras necessárias ao desvio e canalização das águas pluviais, e à restituição da água das 4 identificadas “poças” ao seu prédio, constituem o interesse primacial que os Autores visam obter com a presente acção, por forma a que lhes seja assegurado o aproveitamento das mesmas para “rega e lima” do seu aludido prédio. Estando em causa a restituição da água na medida do direito dos Autores, no que toca a indemnização, assevera o artigo 1284° do Código Civil, que o possuidor mantido ou restituído tem direito a ser indemnizado do prejuízo que haja sofrido em consequência da turbação ou do esbulho, na caracterização de um único pedido de natureza complexa. De resto, como se verteu no acórdão do Tribunal dos Conflitos, de 26-01-2017, P. n° 052/14, “...não é a circunstância de alguns pedidos poderem ser enquadrados no âmbito da responsabilidade civil extracontratual e, portanto, o seu conhecimento ser da competência dos tribunais administrativos, que pode por em crise este julgamento. A eventual incompetência material do tribunal para conhecer desses outros pedidos poderia equacionar uma questão de cumulação ilegal de pedidos [cfr. Acs. de 15/03/2005, P. n.º 15/04 e de 9/6/2010, P. n.º 12/10. Em face dos pedidos e causa de pedir, também neste caso, por esta via, fica de todo excluída a aplicação do regime constante das alíneas f) e g) do artigo 4º do ETAF. (…) ”
Transitado e a requerimento dos autores., nos termos do art. 99º, nº 2 do CPC, os autos foram remetidos ao Juízo local Cível de Amarante.
Porém, este Tribunal, considerando o disposto no art. 15º, nº 1 do DL nº 214-G/2015 de 2.10 e na al. i) do nº 1 do art. 4º do ETAF, julgou-se incompetente em razão da matéria, declarou competente o Tribunal Administrativo e absolveu as rés da instância.
Após trânsito, vieram os autores suscitar o conflito negativo de jurisdição, ao abrigo do art. 4º, nº 1, al. i) do ETAF (mas na versão da Lei nº 59/2008 de 11/9), mantendo o entendimento de que a competência é dos tribunais administrativos.
O Ministério Púbico emitiu parecer, acompanhando o entendimento expresso no acórdão do TCAN no sentido de que deve ser declarado competente o tribunal judicial.
Após distribuição do projecto de acórdão, cumpre decidir.
A factualidade relevante para a resolução do conflito aqui em causa é a que resulta do relatório.
A questão que demanda resolução é, como decorre do exposto, a de saber qual a jurisdição competente para a presente acção: se a comum, se a administrativa.
Para o efeito, interessa qualificar a acção, tendo em vista os pedidos e a causa de pedir, pois é por estes (ou seja, pela relação jurídica tal como o autor a configura na petição) que se afere a competência em razão da matéria (cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, pág. 88; Ac STJ de 6.5.2010, proc. nº 3777/08.1TBMTS.P1.S1, em www.dgsi.pt).
Ora, analisando o caso sub judice, verifica-se que, dirigida, no caso presente, contra duas entidades privadas (a 1ª ré em regime de concessão até Junho de 2013 e a 2ª contratada pela 1ª para proceder à construção do número de vias do lanço de auto-estrada A4/IP 4) e uma pessoa colectiva de direito público (a 3ª Ré, que, por via da rescisão do contrato de concessão, passou a ocupar o lugar da 1ª ré a partir de Junho de 2013), a acção respeita: ao reconhecimento do direito de propriedade do prédio (a), das águas (b) e à restituição destas (e), pedidos que se inserem, directamente, no âmbito do disposto no art. 1311º do Código Civil; e, ainda, ao pedido de reconhecimento dos direitos de servidão de aqueduto e de presa, que oneram prédios de terceiro (b), ao pedido de restituição do prédio ao seu estado anterior, sem detritos da A4 (c), ao pedido de condenação a desaterrarem e a desentupirem regos e agueiros (c) e o pedido de condenação das RR a efectuarem obras necessárias ao desvio e canalização das águas pluviais provindas da auto-estrada (d), pedidos que se integram na previsão do art. 1315º do Código Civil (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume III, 2ª Edição, pág. 119).
Como é sabido, os pedidos de reconhecimento do direito de propriedade do prédio, das águas e dos direitos de servidão de aqueduto e de presa são pedidos meramente aparentes ou implícitos na medida em que são meros pressupostos dos pedidos de restituição da coisa reivindicada e dos outros pedidos mencionados que se mostram necessários à defesa dos direitos de servidão (Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., pág. 113; Ac. STJ de 2.12.2008, proc. nº 08A2353, in www.dgsi.pt).
Todavia, com os pedidos reais de restituição e de defesa dos direitos de servidão, cumulam-se, ainda, outros que não são característicos da acção de revindicação: o pedido de indemnização dos prejuízos em resultado da privação da água (g), subsidiário do pedido de e), o pedido de indemnização por danos patrimoniais até cumprimento dos factos descritos em c), d) e e) (h) e o pedido de indemnização por danos não patrimoniais (i). E esta cumulação já não é aparente mas real, na medida em que, ao invés do que sucede na acção possessória, de cuja procedência resulta necessariamente o direito à indemnização de acordo com o disposto no art. 1284º do Código Civil, a restituição na acção reivindicatória não origina, por si só, a obrigação de indemnizar (cfr. Ac. STJ de 28.9.2006, Proc. nº 06A2464 e Ac. STJ 10.7.2008, proc. nº 08A2179 e o acórdão do Tribunal de Conflitos de 18.12.2013, proc. nº 18/13, todos acessíveis no site do IGFEJ). Nem a restituição nem a defesa dos direitos de servidão (art. 1315º do Código Civil).
Portanto, apenas os pedidos de reconhecimento dos direitos de propriedade e de servidão e os pedidos de restituição e de defesa dos direitos de servidão, que se fundam na usucapião, se integram na acção de reivindicação.
O que não impede que os tribunais comuns sejam competentes, quer para a apreciação dos pedidos próprios da acção de reivindicação quer para a apreciação dos outros de indemnização.
Com efeito, e em primeiro lugar, a acção de reivindicação corresponde à sequela característica dos direitos reais (cfr. o acórdão do Tribunal de Conflitos de 18.12.2013 e o acórdão do mesmo tribunal de 9.6.2010, no proc. nº 12/10; Santos Justo, Direitos Reais, 5ª edição, págs. 24 e 25). Não corresponde ao exercício da responsabilidade civil extracontratual a que aludem as als. g) e i) do nº 1 do art. 4º do ETAF (versão da Lei n.º 107-D/2003, de 31/12, mantida na Lei n.º 20/2012, de 14/05), em que se prevê: “1 - Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto: (…) “g) Questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo a resultante do exercício da função jurisdicional e da função legislativa; h) (…); i) Responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público.” E não corresponde na medida em que estes últimos preceitos devem ser interpretados à luz do critério constitucional plasmado no artº 212º, nº 3 da CRP segundo o qual compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal o “julgamento de acções que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas” e do art. 1º, nº 1 do ETAF que dispõe também que “ os Tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais” (cfr. Ac. STJ de 13.3.2008, proc. nº 08A391 e Ac. STJ de 7.10.2004, proc. nº 04B3003, ambos in www.dgsi.pt). E também – no que respeita à definição da relação jurídica administrativa - à luz do disposto no art. 1º, nº 1 e 2 da Lei nº 67/2007 de 31.12 (diploma que aprovou o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas e que, conforme o art. 6 do diploma, entrou em vigor em 30 de Janeiro de 2008, antes, portanto, da propositura da presente acção) que veio densificar o princípio delineado no art. 4º, nº 1, al, g) do ETAF de 2003 e do nº 5 do art. 1º da Lei nº 67/2007 que, ao alargar o âmbito subjectivo do diploma às pessoas colectivas de direito privado, veio concretizar o princípio delineado no art. 4, nº 1, al, i) do ETAF de 2003, indicando as situações em que as entidades privadas (no caso a 1ª e a 2ª Rés) poderão ser submetidas a um regime de responsabilidade administrativa e, consequentemente, demandadas perante os tribunais administrativos (Ac. Tribunal dos Conflitos de 20.1.2010, proc. nº 025/09, in www.dgsi.pt). Com efeito, dispõem os nº 1 e 2 do art. 1º Lei nº 67/2007:” 1 - A responsabilidade civil extracontratual do Estado e das demais pessoas colectivas de direito público por danos resultantes do exercício da função legislativa, jurisdicional e administrativa rege-se pelo disposto na presente lei, em tudo o que não esteja previsto em lei especial. 2 - Para os efeitos do disposto no número anterior, correspondem ao exercício da função administrativa as acções e omissões adoptadas no exercício de prerrogativas de poder público ou reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo; e o art. nº 5 do mesmo artigo que “as disposições que, na presente lei, regulam a responsabilidade das pessoas colectivas de direito público, bem como dos titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, por danos decorrentes do exercício da função administrativa, são também aplicáveis à responsabilidade civil de pessoas colectivas de direito privado e respectivos trabalhadores, titulares de órgãos sociais, representantes legais ou auxiliares, por acções ou omissões que adoptem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam regulados por disposições ou princípios de direito administrativo”.
Ora, revertendo ao caso sub judice, verifica-se que nenhuma das rés (seja a entidade pública sejam as entidades privadas) agiu, no que se refere à alegada ofensa dos direitos que os autores reclamam, no exercício de prerrogativas de poder público ou ao abrigo de disposições ou princípios de direito administrativo.
Assim, tendo em conta os factos essenciais que consubstanciam a causa de pedir e os pedidos da presente acção verifica-se que não está em causa qualquer relação jurídico-administrativa mas apenas um conflito de direito privado (Ac. STJ de 27.5.2008, Proc. nº 08A1111, in www.dgsi.pt), pois as questões a dirimir traduzem-se na revindicação de propriedade privada (cfr. o supracitado Ac. STJ de 13.3.2008) e na defesa dos direitos de servidão de aqueduto e de presa. A alegada violação do direito de propriedade das águas (e dos direitos de servidão de aqueduto e de presa) exorbita a competência da rés, são actos que não se inserem no exercício de qualquer autoridade pública (ou privada dotada desses poderes), que não estão inseridos numa relação jurídica administrativa (Ac. STJ de 13.5.2004, Proc. nº 04A1213, in www.dgsi.pt)
Deste modo, a acção de revindicação não se insere na previsão do art. 4º, nº 1, al. g) e i) do ETAF, na versão considerada. Nem configura qualquer litígio sobre uma relação jurídica administrativa, susceptível de integração na competência dos tribunais administrativos que não se esgota na enunciação exemplificativa (devido ao uso do termo “nomeadamente”) das alíneas do nº 1 do art. 4 do ETAF (Mário Aroso Almeida, in Manuel de Processo Administrativo, 2012, pág. 156 e 157). Não cabendo na competência dos tribunais administrativos cabe na dos tribunais judiciais, por competir a estes, residualmente, o julgamento das causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional (cfr. art. 212º, nº 1 do CRP, art. 40º, n.º 1, da LOSJ e art. 64º do CPC). Aliás, a jurisprudência do Tribunal dos Conflitos orienta-se, uniformemente, no sentido de que a competência para discutir direitos reais pertence aos tribunais comuns (cfr. v.g., já citado o acórdão de 18.12.2013, o de 10.9.2014, Proc. nº 16/14, o de 13.12.2018, proc. nº 43/18, o de 20.9.2018, proc. nº 8/18 e o Ac Tribunal dos Conflitos de 26.1.2017, P. nº 52/14)
Mas aos pedidos de indemnização, que se cumulam (e que não se confundem com os pedidos característicos da reivindicação) não corresponde também o exercício de qualquer responsabilidade civil extracontratual, da competência dos tribunais administrativos. A apreciação de tais pedidos não se insere em quaisquer das alíneas do nº 1 do art. 4 do ETAF, designadamente, das referidas al. g) e i), interpretadas da forma que acima se enunciou, nem diz respeito a qualquer relação jurídica administrativa.
Assim, não estando os pedidos de indemnização por danos causadas pela actividade das rés reservado aos tribunais administrativos, o tribunal competente para conhecer de tais pedidos só pode ser também o comum, de competência residual.
Pelo exposto, acorda-se em resolver o presente conflito de jurisdição no sentido de atribuir a competência para conhecer da ação aos tribunais da jurisdição comum.
Sem custas.
Nos termos do art. 15º-A do DL nº 10-A/2020 de 13.3., como relator, atesto o voto de conformidade dos Srs. Juízes Conselheiros Adjuntos Dr.ª Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa, Dr. Paulo Jorge Fonseca Ferreira da Cunha, Dr. Carlos Luís Medeiros de Carvalho, Dr.ª Maria Paula Moreira Sá Fernandes e Dr.ª Ana Paula Soares Leite Martins Portela, que não puderam assinar.
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Lisboa, 25 de Junho de 2020. - António Moura de Magalhães (relator) - Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa - Paulo Jorge Fonseca Ferreira da Cunha - Carlos Luís Medeiros de Carvalho - Maria Paula Moreira Sá Fernandes - Ana Paula Soares Leite Martins Portela.