Sentença de Julgado de Paz
Processo: 109/2018-JPCRS
Relator: ELISA FLORES
Descritores: USUCAPIÃO- AUTONOMIZAÇÃO DE PARCELA
Data da sentença: 08/16/2018
Julgado de Paz de : CARREGAL DO SAL
Decisão Texto Integral: Demandantes:
A, e B, casada, no regime de comunhão de adquiridos, com C, ambas na qualidade de herdeiras da Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de D;
-Demandados: E e mulher, F.
RELATÓRIO
As demandantes propuseram contra os demandados, todos acima identificados, a presente ação declarativa para autonomização de parcela com base na usucapião, que se enquadra na alínea e) do nº 1 do artigo 9.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, pedindo, com os fundamentos constantes do requerimento inicial, que se declare que a parcela das demandantes se autonomizou por via da usucapião, atenta a demarcação de facto alegada, e é composta por terra de semeadura e 5 oliveiras, dispondo da área total de 950m2, a confrontar a Norte com G; a Sul com H; a Nascente com E, aqui demandado, e a Poente com H; Se reconheça as demandantes como donas e legítimas proprietárias do prédio que efetivamente possuem, em comum e sem determinação de parte ou direito, melhor identificado na alínea b) do art.º 18.º da petição inicial e que consta delimitado a azul no levantamento topográfico junto; Se condene os demandados no reconhecimento e aceitação da constituição e existência de tal prédio como autónomo e distinto, assim como o direito de propriedade das demandantes sobre o mesmo; E em consequência, se ordene a atribuição de artigo matricial e registo deste a seu favor, cessando a sua compropriedade na restante área do prédio.
Para o efeito, juntaram cinco documentos, que aqui se dão por reproduzidos.
Os demandados, regular e pessoalmente citados, não apresentaram contestação mas compareceram na Audiência de Julgamento
Em Audiência de Julgamento só as demandantes apresentaram prova testemunhal.
Valor da ação: € 159,12 (cento e cinquenta e nove euros e doze cêntimos).
FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
Consideram-se provados os seguintes factos:
1.º- O autor da herança demandante, D, faleceu em 23/03/2004, sem deixar testamento, ou qualquer outra disposição de última vontade, no estado de casado e em primeiras núpcias de ambos, e sob o regime da comunhão geral de bens, com A;
2.º- Para além desta última, sua esposa, sucedeu-lhe ainda a filha do casal, B, casada sob o regime da comunhão de adquiridos com C;
3.º- Do acervo hereditário do referido D, faz parte o prédio rústico, sito ao Pisão, lugar de I, freguesia de I, concelho de J, na proporção de ½, composto por terra de semeadura com 25 oliveiras e 250 videiras e pinhal, a confrontar a Norte com M, G e Estrada; a Sul com Estrada e E; a Nascente com E e a Poente com Estrada, inscrito na Matriz Predial sob o artigo 1264.º, com a área de 1.900m2 e registado na respetiva na Conservatória do Registo Predial de J sob o nº 000/19861027;
4.º- Tal prédio rústico pertenceu a N e mulher, L, os quais residiram na freguesia de I;
5.º- E após o falecimento de ambos, por sucessão hereditária, veio à posse de seus filhos, O, P, Q, R e S, na proporção de 1/5 para cada um; 6.º- Em data que as demandantes não sabem precisar, mas seguramente, antes de 1970, P e os irmãos, nomeadamente o O, respetivamente pai e avô das demandantes, procederam à divisão do prédio rústico sito ao Pisão em cinco parcelas distintas;
7.º- Uns anos mais tarde, J, adquiriu as parcelas dos seus irmãos R e S, através de doação verbal dos mesmos, ficando a possuir 3 parcelas;
8.º- E veio também a adquirir a parcela da sua irmã Q através de compra e venda verbal;
9.º- Ficando assim, o referido P possuidor de 4/5 do artigo rústico supra identificado e 1/5 na posse do seu irmão O;
10.º- Sucede que, em 20 de dezembro de 1978, por escritura de doação outorgada no Cartório Notarial do Concelho de J, os tios da primeira demandante, P e T, doaram à sua filha H, com dispensa de colação, o prédio identificado no nº 3.º supra, sito ao Pisão ou Vale da Ribeira;
11.º- Mas os pais da demandante eram apenas legítimos donos e possuidores de 4/5 do deste prédio rústico;
12.º- Pelo que, apenas por lapso, terá ficado a constar na escritura de Doação, acima referida, que doavam “uma terra de semeadura e mato, sita ao Pisão ou Vale da Ribeira”;
13.º- Pertencendo os outros 1/5 à sobrinha dos doadores, A e marido D, que o adquiriram por sucessão hereditária de O;
14.º- Em 06 de maio de 1983, por escritura de compra e venda outorgada no Cartório Notarial de J, a prima da primeira demandante, a referida H, vendeu 1/5 do prédio identificado no nº 3.º supra, aos pais do primeiro demandado, U e V, casados no regime da comunhão geral de bens;
15.º- E nesta data procederam a nova divisão fática do prédio, em três parcelas devidamente demarcadas entre si através de marcos que cravaram no solo ao longo da sua linha divisória;
16.º- E assim, de acordo com a referida divisão e sucessivas transmissões, o prédio referido no nº 1.º supra ficou desde 1983 repartido em três parcelas completamente autónomas e distintas com a configuração que ainda hoje têm:
- Parcela A, com a área total de 4570 m2, que ficou a pertencer a H, composta por terra de semeadura e onde foi construída a sua casa de habitação, com a área de 200m2, que confronta a Norte com M, G e Estrada; a Nascente com herdeiros de D; a Sul com Estrada e E e a Poente com Estrada, e que foi objeto de autonomização do “prédio mãe”, no processo n.º 60/2016-JP que correu termos neste Julgado de Paz, e já transitou em julgado;
- Parcela B, delimitada a azul no Levantamento Topográfico, com a área total de 950 m2, composta por terra de semeadura, com 5 oliveiras, a confrontar a Norte com G; a Sul com H, a Nascente com E e a Poente com H, que agora pertence às aqui demandantes, herdeiras de D, sem determinação de parte ou direito;
- Parcela C, com a área total de 950m2, que pertence agora aos demandados, E e F, composta por terra de semeadura, a confrontar a Norte com G, a Sul com H, a Nascente com o próprio e a Poente com herdeiras de D, ora demandantes;
17º- Tudo conforme a configuração constante do Levantamento Topográfico dos autos;
18.º- A referida parcela C veio à titularidade e posse do primeiro demandado, E, através de partilha da herança dos seus pais, em 22 de maio de 1997;
19.º- A partir da referida demarcação de facto, quer a primeira demandante e o seu marido e agora a sua filha, quer a sua prima H, quer os pais do demandado, quer posteriormente os demandados, por forma visível e permanente, por si ou interposta pessoa, passaram a exercer sobre as suas parcelas uma posse pública, pacífica, contínua e de boa-fé;
20.º- Passando a usar e fruir cada parcela individualizada, autónoma e distinta, como se de coisa sua se tratasse;
21.º- Respeitando rigorosamente as suas extremas e divisórias com total exclusividade e autonomia;
22.º- Contudo, atenta a autonomização da Parcela A, o referido prédio mãe, ficou a pertencer na proporção de 1/2 ao acervo hereditário deixado aberto por óbito de D, aqui representado pelas suas únicas e universais herdeiras e ½ aos demandados, tendo ainda sido corrigida a área total do prédio, abatendo-se a área de 4570m2 que correspondiam à parcela que foi autonomizada;
23.º- Ora, tal situação matricial e registal não retrata a situação de facto existente no prédio há mais de 20 anos, 30 anos;
24.º- Dado que, desde pelo menos 1983 que a primeira demandante e seu falecido marido, e após o falecimento do seu marido, também a filha, têm, por si ou interposta pessoa, possuído e usado a respetiva parcela – Parcela B, fruindo-a, cultivando-a e colhendo os seus frutos;
25.º- O que sempre fizeram e fazem à vista e com o conhecimento de toda a gente, de forma contínua e ininterrupta, agindo e comportando-se, relativamente à sua parcela como suas verdadeiras e exclusivas proprietárias na convicção de que, com sua posse, não lesavam direitos de outrem;
26.º- Sem oposição de quem quer que seja, nomeadamente dos aqui demandados;
27.º- E sempre na convicção de que a mesma lhe pertencia como coisa própria e separada das outras duas parcelas que compunham o “prédio mãe”;
28.º- Atos materiais de posse, uso e fruição, exercidos de forma pacífica, pública, contínua, de boa-fé, e com “animus domini”, pela primeira demandante e seu falecido marido, A e após o seu falecimento pelas demandantes, durante mais de 20, 30 anos.
Motivação dos factos provados:
Atendeu-se aos documentos juntos aos autos, nomeadamente ao Levantamento Topográfico, às declarações das partes e ao depoimento das testemunhas que as demandantes apresentaram: X, com 89 anos de idade, que vivia perto do prédio, “das três partes” e conhecia até os antigos donos e Z, com 71 anos de idade, que sempre viveu na povoação, e conhece o prédio e há muitos anos que se lembra de ver a D. A a tratar da sua parte.
Ambos revelaram conhecer o prédio e a divisão de há muitos anos e depuseram com isenção e conhecimento direto dos factos, tendo em conta o princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 607º, nº 5 do Código de Processo Civil (C P C), aplicável subsidiariamente e com as necessárias adaptações aos Julgados de Paz, por força do disposto no artigo 63º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, na redação que lhe foi conferida pelo mesmo artigo 2º da Lei nº 54/2013, de 31 de julho e no artigo 396º do Código Civil.

Factos não provados:
Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas demandantes com interesse para a decisão da causa.

FUNDAMENTAÇÃO De direito:
As demandantes, enquanto únicas e universais herdeiras da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de D, e possuidoras do prédio correspondente à parcela B do Levantamento Topográfico, descrita no ponto 16.º da factualidade assente, já totalmente separada e distinta do prédio inicial, por divisão informal, na convicção de serem suas donas exclusivas, visam com a presente ação adquiri-la por usucapião, em comum e sem determinação de parte ou direito.
Resulta, efetivamente, da matéria de facto dada como provada que o prédio originário, “prédio mãe”, desde 1983 se encontra dividido, informalmente, em três prédios perfeitamente autónomos, individualizados e demarcados, passando a primeira demandante e seu marido, e após a morte deste, ambas as demandantes, a explorar exclusivamente a sua parcela, com a configuração que hoje tem.
E que desde essa data a posse tem sido exercida por forma correspondente ao direito de propriedade.
O instituto da usucapião tem eficácia constitutiva, permitindo adquirir o direito sobre o qual foi constituída, e liga-se à posse, pública e pacífica, como um dos seus efeitos (cf. 1287º, 1297º e 1300º, todos do C. Civil).
E tem de se prolongar, de forma contínua, por um determinado prazo. Na situação dos autos, a mesma tem uma duração temporal largamente superior à legalmente exigida, uma vez que se trata de posse de boa-fé (cf. 1296º também do C. Civil).
A posse é pública se é exercida de modo a que todos aqueles que possam invocar um direito contraditório com a coisa possam ter conhecimento dela. E é pacífica se adquirida sem violência. No caso dos autos resulta que a posse das demandantes preenche ambos os requisitos.
E presume-se que quem pratica os atos materiais, o “corpus”, tem igualmente o “animus possidendi”, presunção que não foi elidida pelos demandados.
Mas a mesma não opera, contudo, automaticamente, pelo mero decurso do prazo, necessita de ser invocada, o que pretendem as demandantes com a presente ação.
Assim sendo, o exercício efetivo e com carácter de reiteração, público e de boa-fé, da posse da parcela por estas, como titulares de um direito de propriedade, por mais de vinte anos, confere-lhes o direito de adquirir esse mesmo direito, nos termos do artigo 1287º e seguintes do C. Civil, por se encontrarem preenchidos os seus requisitos.
Por outro lado, é a jurisprudência maioritária de que não são impedimento as regras que visam evitar o fracionamento excessivo de prédios rústicos, porque cedem perante os direitos adquiridos por usucapião, forma de aquisição originária da propriedade (cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12/01/2006, P. nº 0536437, in www.dgsi.pt).
E não prejudica os interesses e reais direitos de ambas as partes a constituição de novo artigo rústico correspondente à parcela usucapida a favor das demandantes, sem determinação de parte ou direito.
decisão:
Em face do exposto, julgo a ação procedente, por provada, e em consequência:
a) Declaro que pertence exclusivamente às herdeiras de D, A e B, sem determinação de parte ou direito, por se ter autonomizado, por via da usucapião, do prédio originário - inscrito na Matriz Predial sob o artigo 1264.º, com a área de 1.900m2 e registado na respetiva na Conservatória do Registo Predial de J sob o nº 000/19861027-, o seguinte prédio rústico situado ao Pisão, também conhecido por Vale da Ribeira, freguesia de I, concelho de J, identificado e delimitado a azul no Levantamento Topográfico junto aos autos, anexo à presente Decisão e que dela faz parte, como Parcela B:
- Terra de semeadura, com 5 oliveiras, com a área total de 950 m2, a confrontar a Norte com G; a Sul com H, a Nascente com E e a Poente com H, o qual passou a ser um prédio autónomo e distinto do “prédio mãe”, e do qual se destacou;
b) Condeno os demandados no reconhecimento e aceitação da constituição e existência deste prédio referido na alínea antecedente [a)] como autónomo e distinto do prédio rústico inscrito na Matriz Predial sob o artigo 1264.º e registado na Conservatória do Registo Predial de J sob o nº 000/19861027, “prédio mãe”, assim como o direito de propriedade exclusiva das demandantes sobre o mesmo;
c) Em conformidade, ordeno a atribuição de artigo matricial e o registo do prédio agora autonomizado, a favor das demandantes, A e B, sem determinação de parte ou direito, com a composição e da forma indicada [cf. alínea a) supra], cessando a sua compropriedade no “prédio mãe”. Dada a natureza do processo, custas totais pelas demandantes, que já se encontram pagas.
Registe e notifique.
Carregal do Sal, 16 de agosto de 2018
A Juíza de Paz, (Elisa Flores)
Processado por computador (art.131º, nº 5 do C P C)