Sentença de Julgado de Paz
Processo: 171/2017-JPCRS
Relator: ELISA FLORES
Descritores: REIVINDICAÇÃO
POSSESSÓRIAS
USUCAPIÃO
ACESSÃO E DIVISÃO DE COISA COMUM
Data da sentença: 02/21/2018
Julgado de Paz de : CARREGAL DO SAL
Decisão Texto Integral:
Decisão Texto Integral:
II ATA DE AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
Aos vinte e um dias do mês de fevereiro de dois mil e dezoito, pelas 15:45 horas, realizou-se no Julgado de Paz de Carregal do Sal, a continuação da Audiência de Julgamento do Processo n.º 171/2017 - JPCSal, em que são partes:
Demandantes:
- A, e mulher, B;
Demandados:
- C, e mulher, D; E, e mulher, F; G; H, e mulher, I; J, e mulher, L;
O Julgamento foi presidido pela Ex.ma Senhora Juíza de Paz, Dra. Elisa Flores.
Realizada a chamada verificou-se que apenas se encontrava presente a Ilustre Solicitadora dos demandantes.
Após, a Srª. Juíza de Paz proferiu a sentença anexa à presente ata e que dela faz parte integrante e entregou uma cópia à ilustre solicitadora presente que disse ficar ciente considerando-se notificada e comprometendo-se a notificar os seus constituintes.
Nada mais havendo a salientar a Sra. Juíza de Paz deu como encerrada a Audiência.-
Para constar se lavrou esta Ata que vai ser devidamente assinada.
A Juíza de Paz,
Elisa Flores
O Técnico de Apoio Administrativo,
Miguel Alberto Baptista Mendes

SENTENÇA
Demandantes:
- A, e mulher, B;
Demandados:
- C; G; E; F; H, e mulher, I; J, e mulher, L; Todos na qualidade de herdeiros da Herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de M e N.
RELATÓRIO:
Os demandantes propuseram contra os demandados, co-herdeiros, todos supra identificados, a presente ação declarativa que se enquadra na alínea e) do nº 1 do artigo 9.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, pedindo, com os fundamentos constantes do requerimento inicial, que: a) Se reconheça os demandantes como donos e legítimos proprietários do prédio que efetivamente possuem, identificado na alínea b) do artigo 4º da petição inicial e no levantamento topográfico junto, o qual passou a ser um prédio autónomo e distinto do identificado no artigo 1º da mesma petição inicial, e do qual se destacou; Se declare que o prédio rústico identificado no artigo 1.º da PI, tem efetivamente outra área e confrontações; Se condene os demandados no reconhecimento e aceitação da constituição e existência do prédio dos demandantes como autónomo e distinto, assim como o direito de propriedade dos demandantes sobre o mesmo; E, em consequência, se ordene a atribuição de um artigo matricial e registo do mesmo a seu favor.
Para o efeito juntaram seis documentos, que aqui se dão por reproduzidos.
Os demandados foram pessoal e regularmente citados e não apresentaram contestação não compareceram na Audiência de Julgamento nem justificaram as respetivas faltas.
Foi apresentado um requerimento inicial aperfeiçoado (cf. fls. 94 a 100 dos autos), que notificado aos demandados, não mereceu contestação.
Em Audiência de Julgamento só os demandantes apresentaram prova testemunhal. -
Valor da ação: € 4 000,00 (quatro mil um euros).

FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
Consideram-se provados os seguintes factos:
1.º- Encontra-se registado na Conservatória de Registo Predial de W, a favor de M e mulher N, entretanto falecidos (em 10/11/2017 e 02/05/2010) e autores da herança, o prédio rústico sito à Quinta da yyy, freguesia de xxx, concelho de W, composto de cultura de regadio e sequeiro, vinha, oliveiras e castanheiro, fruteiras, aveleiras, videiras, pinhal e mato de carvalhos, pastagem e dependências, a confrontar a Norte e a Poente com a Junta de Freguesia, a Nascente com O e a Sul com o caminho, inscrito na respetiva Matriz sob o artigo 000º e descrito na Conservatória de Registo Predial de W sob o nº 000/0000, da freguesia de xxx, com a área total de 75.899,66 m2;
2.º- A titularidade do mesmo adveio à posse dos titulares inscritos, por compra a P e mulher Q, por volta do ano de 1986;
3.º- No ano de 1987 os adquirentes, M e mulher N, procederam a uma operação de loteamento, autorizada pela Câmara Municipal de V, através da Autorização de Loteamento nº 2/87 e composto por seis lotes, tendo doado um lote a cada um dos seus seis filhos;
4.º- E neste mesmo ano, 1987, os então titulares, e pais do demandante e dos demandados, procederam à divisão material da restante parte do prédio rústico em cinco parcelas, completamente autónomas e distintas, devidamente demarcadas, com muros e estacas de madeira que cravaram no solo, ao longo das linhas divisórias de cada uma, em conformidade com o Levantamento Topográfico junto aos autos a fls. 27;
5.º- E doaram verbalmente aos filhos H, C, J e A, do seguinte modo e com as seguintes configuração e áreas:
a) A parcela 1, com a área de 6.298 m2, composta por terra de cultivo, a confrontar atualmente a Norte com C (Lote 1) e outros, a Sul com R, caminho e outros, a Nascente com A (parcela 2), e a Poente com Herdeiros de S, ficou a pertencer ao aqui demandado C;
b) A parcela 2, com a área de 5.941 m2, composta por terra de cultivo e mato, a confrontar atualmente a Norte com E (Lote 5) e outros, a Sul com R, caminho e outros, a Nascente com H (parcela 3), e a Poente com C (parcela 1), ficou a pertencer ao demandante, A;
c) A parcela 3, com a área de 8.831 m2, composta de terra de cultivo, a confrontar atualmente a Norte com H (Lote 6) e outros, a Sul com Herdeiros de T, a Nascente com o caminho e C (parcela 4) e a Poente com A (parcela 2), ficou a pertencer ao demandado H;
d) A parcela 4 com a área de 8.644 m2, composta de terra inculta, a confrontar atualmente a Norte com o caminho e U, a Sul com E e outro, a Nascente com E (parcela 5) e a Poente com H (parcela 3), ficou a pertencer ao aqui demandado C;
e) A parcela 5 com a área de 14.032,50 m2, composta de terra inculta, a confrontar atualmente a Norte com U, a Sul com J e outro, a Nascente com o caminho, e a Poente com C (parcela 4), ficou a pertencer ao aqui demandado E;
6.º- A parte restante do prédio originário, “prédio mãe”, identificado no nº 1.º supra, composta por pinhal e mato, designada Parcela 6 no Levantamento Topográfico, ficou com a área de 19.782,50 m2, a confrontar atualmente a Norte com a Junta de Freguesia e outros, a Sul e a Nascente com V e a Poente com o caminho;
7.º- À data os demandantes já eram casados entre si, tendo o casamento sido celebrado em 29 de julho de 1975, sem convenção antenupcial, e assim, no regime de bens supletivo de comunhão de adquiridos;
8.º- A partir da referida demarcação de facto, quer os demandantes quer os demandados, por si, ou interposta pessoa, por forma visível e permanente, passaram a exercer sobre as respetivas parcelas uma posse pacífica, contínua, individualizada, autónoma e distinta, como se de coisa sua se tratasse e separada das outras parcelas que compõem o “prédio mãe”;
9.º- Respeitando rigorosamente as suas extremas e divisórias com total exclusividade, autonomia e independência;
10.º- O que sempre fizeram e fazem à vista, e com o conhecimento, de toda a gente, de forma ininterrupta, agindo e comportando-se relativamente à sua parcela como seus verdadeiros e exclusivos proprietários, na convicção de que com a sua posse não lesavam direitos de outrem;
11.º- Fruindo-a, melhorando-a, benfeitorizando-a, e retirando dali todas as utilidades em proveito próprio;
12.º- Limpando-a de ervas e plantas, roçando o mato e as silvas que ali crescem, e abrindo poços;
13.º- Sem oposição de quem quer que seja;
14.º- Os demandantes têm tido, assim, a posse da sua parcela, já totalmente separada e distinta do prédio inicial, por divisão informal, na convicção de serem seus donos exclusivos;
15.º- E, também têm tido continuamente a fruição da mesma parcela, nas condições supra referidas, como coisa distinta e exclusivamente sua, cultivando-a e retirando dali todas as utilidades em proveito próprio;
16.º- Da medição efetuada, e de que resultou o levantamento topográfico junto aos autos, que corresponde à realidade física, resulta que o “prédio mãe” tem a área global de 63.529 m2, e não a constante da Matriz e da descrição predial, devendo-se esta discrepância seguramente a erro de medição, aquando das avaliações gerais, e ao facto do loteamento não ter respeitado a área real dos respetivos lotes, tendo-se no ano de 2014 procedido à alteração do loteamento nº 0/00, para a área real daqueles lotes.

Motivação dos factos provados:
Atendeu-se aos documentos juntos aos autos, nomeadamente o Levantamento Topográfico, e à não oposição dos demandados, consubstanciada na ausência de contestação e na falta injustificada à Audiência de Julgamento.

Fundamentação de direito:
Os demandados, regular e pessoalmente citados, não apresentaram contestação, não compareceram à Audiência de Julgamento e não justificaram as respetivas faltas, pelo que, de acordo com o disposto no nº 2 do artigo 58º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 2º da Lei nº 54/2013, de 31 de julho, consideram-se confessados os factos articulados pelos demandantes. ---
Os demandantes visam com a presente ação retificar a área e atualizar confrontações do prédio descrito no ponto 1.º supra e adquirir, por usucapião, a parcela 2, descrita no ponto 5.º, supra, alínea c) por se ter autonomizado deste “prédio mãe”.
Resulta da matéria de facto dada como provada, que este prédio, a que se refere o ponto 1º dos factos provados, tem, efetivamente, a área global de 63.529 m2 e tem atualmente as confrontações alegadas relativamente a cada uma das parcelas, sendo que a função do instituto da usucapião é não só atribuir o direito de propriedade ao possuidor, mas também consolidar, afirmar e determinar com rigor os limites materiais do objeto sobre o qual se praticam os atos materiais, reveladores do direito real de gozo em causa (cf. artigo 1251º do Código Civil, doravante designado C. Civil).
Apurado ficou também que este imóvel se encontra dividido, informalmente, em cinco prédios perfeitamente autónomos, individualizados e demarcados, há mais de vinte anos, passando demandantes e demandados a explorar cada um deles exclusivamente a sua parte.
Os demandantes têm exercido desde 1987 a posse, não titulada, atendendo a que se tratou de uma doação verbal ao demandante marido, por forma correspondente ao direito de propriedade, assumindo-se como legítimos proprietários;
O instituto da usucapião tem eficácia constitutiva, permitindo adquirir o direito sobre o qual foi constituída, e liga-se à posse, pública e pacífica, como um dos seus efeitos (cf. 1287º, 1297º e 1300º, todos do C. Civil);
E tem de se prolongar, de forma contínua, por um determinado prazo. Na situação dos autos, a mesma tem uma duração temporal largamente superior à legalmente exigida (cf. 1296º também do C. Civil).
A posse é pública se é exercida de modo a que todos aqueles que possam invocar um direito contraditório com a coisa possam ter conhecimento dela. E é pacífica se adquirida sem violência. No caso dos autos resulta que a posse dos demandantes preenche ambos os requisitos.
E presumindo-se que quem pratica os atos materiais, o “corpus”, tem igualmente o “animus possidendi”, presunção que não foi elidida pelos demandados, resulta do exposto que os demandantes reúnem, assim, os requisitos legalmente exigidos para o efeito de aquisição por usucapião, da referida parcela (cf. ainda artigo 1722º, nº 1, alínea c) e nº 2, alínea b), “a contrario”, do C. Civil).
Mas esta não opera, contudo, automaticamente, pelo mero decurso do prazo, necessita de ser invocada, o que pretendem os demandantes com a presente ação. -
Assim sendo, o exercício efetivo e com carácter de reiteração, público e de boa-fé, da posse do direito de propriedade pelos demandantes, por mais de vinte anos, confere-lhes o direito de adquirir esse mesmo direito, nos termos do artigo 000º e seguintes do C. Civil, por se encontrarem preenchidos os seus requisitos.
Por outro lado, é jurisprudência maioritária que não são impedimento as regras que visam evitar o fracionamento excessivo de prédios rústicos, porque cedem perante os direitos adquiridos por usucapião, forma de aquisição originária da propriedade (cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12-01-2006, P. nº 0536437, in www.dgsi.pt).
E não prejudica os interesses e reais direitos de ambas as partes a inevitável correção por esta via, da área do originário artigo rústico 932º da freguesia de Quintela de Azurara, do concelho de Mangualde, bem como a constituição de novo artigo rústico correspondente à parcela usucapida a favor dos demandantes.
Nem são prejudicados os direitos de terceiros, nomeadamente os confinantes, com a correção da área, uma vez que se trata de uma redução relativamente à que está inscrita.

decisão:
Em face do exposto, julgo a ação procedente, por provada, e em consequência:
a) Declaro que o prédio rústico originário, “prédio mãe”, sito à Quinta da yyy, freguesia de xxx, concelho de W, inscrito na respetiva Matriz sob o artigo 000º e descrito na Conservatória de Registo Predial de W sob o nº 000/000, da freguesia de xxx, tem, efetiva e atualmente, a área global de 63.529 m2;
b) Declaro que este prédio rústico, “prédio mãe”, foi dividido em substância, desde há mais de 20 anos, dando origem, pelas regras da usucapião, a cinco parcelas autónomas, definidas, e identificadas, no Levantamento Topográfico com a composição, área e limites aí descritos;
c) Declaro que o prédio rústico com a área de 5.941 m2, identificado no Levantamento Topográfico como Parcela 2, pertence em exclusivo aos demandantes, A, e mulher, B, por se ter autonomizado, por via da usucapião, do prédio originário, e é composto por terra de cultivo e mato, a confrontar atualmente a Norte com E e outros, a Sul com R, caminho e outros, a Nascente com H, e a Poente com C;
d) Condeno os demandados, no reconhecimento e aceitação da constituição e existência do prédio supra descrito, como autónomo e distinto do inscrito na matriz sob o artigo 000º e descrito na Conservatória de Registo Predial de W sob o nº 000/00000, da freguesia de xxx, bem como o direito de propriedade dos demandantes sobre o mesmo;
e) Em conformidade, ordeno:
- A retificação da área do “prédio mãe”, devendo a área do prédio agora autonomizado ser nela abatida;
- A atribuição de artigo matricial e o registo do prédio autonomizado a favor dos demandantes, A, e mulher, B, com a composição e da forma indicada.
Dada a natureza do processo, custas a pagar pelos demandantes.
Registe e notifique.
Carregal do Sal, 21 de fevereiro de 2018
A Juíza de Paz,
(Elisa Flores)
Processado por computador (art.131º, nº5 do C P C)