Sentença de Julgado de Paz
Processo: 195/2015-JP
Relator: ELISA FLORES
Descritores: AÇÃO POSSESSÓRIA (USUCAPIÃO)
Data da sentença: 11/18/2016
Julgado de Paz de : TAROUCA
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA

RELATÓRIO
A, divorciado, propôs contra B, e C, a presente ação declarativa, enquadrada na alínea e) do n.º 1 do artigo 9º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, pedindo que:
-Se declare que o prédio identificado no art.º 8º do requerimento inicial, na proporção de metade, é propriedade do demandante, o qual lhe adveio por herança havido por morte dos pais e cuja posse continuou, havendo-o adquirido por usucapião;
- Se declare que, pelo instituto do Usucapião essa metade indivisa se autonomizou de modo a constituir um prédio independente e distinto de qualquer outro, com a composição, área e confrontações referidas a n.º 10-1 do art.º 10º do requerimento inicial e assim constituído já era propriedade da herança aberta por morte dos pais do demandante e, como tal, se lhe transmitiu como único herdeiro que foi, condenando-se os demandados a reconhecê-lo;
- Se declare que só a outra metade identificada a n. 10-2 do artigo 10 é propriedade exclusiva dos demandados;
- E, por via disso, se ordene o cancelamento do registo da totalidade do prédio em nome dos demandados e se ordene que a metade aludida no pedido formulado a n.ºs 1 e 2 seja inscrita, como prédio distinto, a favor do demandante, quer nas Finanças com o artigo rústico que lhe venha a ser atribuído pelos Serviços cadastrais competentes, quer na Conservatória do Registo Predial de Lamego;
Ou, e, sempre a título subsidiário, caso outra coisa se venha a provar:
- Se declare que o demandante é proprietário de metade indivisa do prédio identificado a artigo 8 do requerimento inicial que lhe adveio por herança dos seus falecidos pais D e E que, à data da morte já o haviam adquirido por usucapião e se continuou no demandante;
- Se declare a outra metade indivisa é propriedade dos demandados, ordenando-se o cancelamento do registo definitivo que os demandados efetuaram, a seu favor, da totalidade do identificado prédio no artigo 8ºpela Apresentação xxxx.30 na Conservatória do Registo Predial de Lamego, com o n.º xx/2xxx30 – Penajóia, ordenando-se o registo na proporção das respetivas partes.
Para o efeito, alegou os factos constantes do requerimento inicial de fls. 1 a 6 e juntou 13 documentos, que aqui se dão por reproduzidos.
-A demandada, regular e pessoalmente citada, não apresentou contestação e faltou reiteradamente à Audiência de Julgamento e não justificou a falta.
Quanto ao demandado, não tendo sido possível citá-lo nos termos do artigo 228º do Código de Processo Civil, por se encontrar ausente em parte incerta, face ao disposto no n.º 2 do art.º 46.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho e ao abrigo do artigo 21.º do Código de Processo Civil, aplicável ao caso por força do artigo 63.º daquele diploma legal, na redação do artigo 2º da Lei nº 54/2013, de 31 de julho, e por não haver Ministério Público junto dos Julgados de Paz, foi-lhe nomeada defensora oficiosa, que, citada em sua representação, contestou nos termos constantes de fls. 152 e compareceu na Audiência de Julgamento.
Valor da ação: € 5 000,00 (cinco mil euros).
FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
Consideram-se provados os seguintes factos:
1.º- O demandante é filho de E e D, falecidos respetivamente em 27/03/2001 e 01/11/2013;
2.º- A suceder-lhes ficaram os filhos A, ora demandante, já divorciado, e F;
3.º- A 28.08.2014, foi lavrada Escritura de Habilitação de Herdeiros, a folhas duas verso do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º xx6-E, do Cartório Notarial de Lamego, onde foram habilitados, como herdeiros de E, o viúvo, D e aqueles dois filhos, e como herdeiros de D, os dois filhos;
4.º- Por escritura pública de Repúdio, lavrada a 16/09/2014, de fls. 41 a 41v do Livro de Notas para Escrituras Diversas número xxx-A, do Cartório Notarial de Lisboa da Notária G, a herdeira F, contribuinte nº xxx, no estado de divorciada e sem descendentes, declarou Repudiar a herança de ambos os pais, E e D;
5.º- Além do demandante, que já aceitou a herança, nenhuns outros existem que com ele concorram à herança ou a ela tenham melhor direito, porquanto os falecidos seus pais não deixaram testamento ou qualquer outra disposição de última vontade;
6.º- Na freguesia de Penajóia, concelho de Lamego, existe o seguinte bem imóvel:
“ Um prédio rústico de cultura arvense de regadio, castanheiros, macieiras e mato, denominado Trancoso, com a área toral de 812 m2, a confrontar do Norte e do Sul com H, de Nascente com o ribeiro e do Poente com I, inscrito na matriz sob o art.º xx3 – E”;
7.º- Por morte dos pais do falecido D, pai do demandante, por partilhas orais efetuadas entre os seus herdeiros, há mais de 40 anos, aquele prédio rústico foi dividido em duas partes iguais, cabendo uma, ao filho D e a outra, a sua irmã J ou J1;
8.º- De os ante possuidores dos demandados há mais de 30 anos, de comum acordo, procederam à demarcação deste prédio rústico, através de marcos de pedras de bardo, orientados no sentido sul/ norte (de cima a baixo), com áreas sensivelmente iguais de 406 m2 para cada uma, formando duas parcelas distintas e independentes entre si, com a seguinte composição:
a) –“Um prédio rústico de cultura arvense de regadio, castanheiros, macieiras e mato, denominado xxx, da freguesia de Penajóia, com a área de 406 m2, a confrontar do Nascente com a J, do Poente com I, do Norte e do Sul com H, inscrito na matriz rústica da freguesia de Penajóia, concelho de Lamego, como metade do art.º xx3º-E”, que ficou a pertencer a D;
b) –“Um prédio rústico de cultura arvense de regadio, castanheiros, macieiras e mato, denominado xxx, da mesma freguesia da Penajóia, a confrontar do Nascente com o ribeiro, do Poente com D, do Norte e do Sul com H, inscrito na matriz como metade indivisa do art.º xx3º-E, da freguesia da Penajóia, concelho de Lamego”, que ficou a pertencer a J ou J1;
9.º- Desde então cada um dos irmãos entrou no uso e fruição da respetiva metade daquele imóvel;
10.º- Cultivando-o, semeando e colhendo o que nele se produzia, plantando árvores, colhendo os frutos, cortando o mato e vendendo as madeiras;
11.º- Atos que sempre praticaram à vista de toda a gente e de forma a por todos serem vistos, designadamente, pelos sucessivos titulares da restante parte;
12.º- Sempre sem oposição de ninguém, de forma continuada e ininterrupta e na convicção de exercerem sobre essa metade do prédio um direito próprio de propriedade e não lesarem o de outrem, em tudo se comportando como seus únicos proprietários e, como tais, sendo considerados pela generalidade das pessoas;
13.º- Durante o decurso de todo aquele tempo, os titulares das respetivas partes respeitaram a divisão acordada, limitando-se a usar, fruir, cultivar e colher, na metade que a cada um coube;
14.º- À data da morte dos pais do demandante a metade do prédio identificada alínea a) do ponto 8.º já fazia parte integrante do património comum do casal;
15.º- Mas, no Processo de Imposto Sucessório sobre as Sucessões e Doações com o n.º x.x31, instaurado por morte da esposa, no 12º Serviço de Finanças de Lisboa, o viúvo D relacionou o dito imóvel na sua totalidade;
16.º- Sendo assim que o demandante A o relacionou no Processo de Imposto Sucessório, para efeitos do Imposto de Selo, aberto por óbito de seu pai D, na Repartição de Finanças de Lisboa – 4 em 27/01/2014;
17.º- Ora, o relacionamento da totalidade do prédio deveu-se a errada suposição de assim lhes ser legalmente imposto;
18.º- Contudo, ao património comum dos pais do demandante apenas pertencia metade do imóvel aludido no ponto 6.º supra, no ato da partilha como metade indivisa e, com o decurso do tempo, como parte autónoma com a composição referida na alínea a) do ponto 8.º;
19.º- O demandante, como único herdeiro de seus pais, após a sua morte continuou a posse daqueles, assim o usando e fruindo o dito prédio, por si ou por alguém a seu mando;
20.º- Atos que sempre praticou à vista de toda a gente e de forma a por todos ser visto, designadamente, pelos titulares da restante parte, ora demandados;
21.º-Sempre sem oposição de ninguém, de forma continuada e ininterrupta e na convicção de exercer sobre a sua metade do prédio um direito próprio de propriedade, e não lesar o direito de outrem;
22.º-Em tudo se comportando como seu único proprietário e como tal sendo considerado pela generalidade das pessoas;
23.º- Mas quando se propunha efetuar o registo, em seu favor, dos bens imóveis que constituíam o património comum dos falecidos pais, tomou conhecimento que o prédio referido ponto6.º supra figurava como sendo da exclusiva titularidade dos demandados, quer na Repartição de Finanças, quer na Conservatória do Registo Predial de Lamego;
24.º- Pedidos que os demandados instruíram mediante uma certidão extraída do inventário que correu termos pelo Tribunal Judicial de Lamego com o n.º xx0/09.0TBLMG-2º Juízo, onde foi inventariado o seu pai K e inventariante sua mãe L, com quem fora casado sob o regime de comunhão geral de bens;
25.º- Na relação de bens apresentada pela cabeça de casal deste Inventário, na verba n.º 15, o prédio referido ponto 6.º supra foi relacionado como pertencendo na totalidade, ao património comum do casal e, com essa composição, foi licitado e adjudicado ao interessado ora demandado, B, tendo a sentença transitado em julgado em 20/09/2010;
26.º- Até então, o prédio estava omisso na Conservatória do Registo Predial, embora na Repartição de Finanças constassem como titulares D e K, o que lhes facilitou o registo;
27.º- Os demandados, pela Apresentação xxxx0.09.30 fizeram descrever e inscrever definitivamente, a seu favor, a totalidade do dito prédio na Conservatória do Registo Predial de Lamego, cabendo-lhe o n.º xxx/xxxxx30;
28.º- O demandante não foi parte no referido Inventário e desconhecia a sua abertura mas, ao saber do sucedido no decurso do ano de 2014, contactou alguns herdeiros que, reconhecendo o erro, ainda não o retificaram.
Motivação dos factos provados:
Atendeu-se aos documentos juntos aos autos, às declarações do demandante, e ao depoimento das testemunhas por si apresentadas: M, seu primo, com 57 anos de idade, que vive na povoação, que referiu que o prédio era do seu avô e que lá trabalhou com o irmão N muitas vezes e ainda há dois, três anos, na parte do demandante, a seu pedido; Que conhece assim dividido há mais de 40 anos e que se notavam bem os marcos e o que era de um e o que era do outro; O, com 69 anos de idade, primo em terceiro grau, que disse que tinham uma leira mais abaixo do prédio, que sempre conheceu o prédio dividido de cima a baixo, com marcos de lousa, e via o sr. D e a D. J a trabalharem cada um “no terreno que era deles… esta, na parte mais encostada à linha de água e o sr. D no outro lado”; Que se davam muito bem e respeitavam as suas partes; Que mais recentemente o sr. A andou lá na sua parte com a máquina a limpar e plantou lá árvores; E, P, com 61 anos de idade, jornaleiro, primo de ambas as partes, que depôs que trabalha na parte do prédio do demandante desde 1990, na altura ainda a mando do tio D, e que o prédio estava “partido ao meio, de cima a baixo”; Que só cultivava a parte do tio D e que na altura ” a parte da tia J, para o lado do ribeiro, já estava de monte”; Que o viam na parte do tio e que nunca o impediram e que o que cultivava era para ele, todos sabiam que o dono era ele; Que depois já fez lá trabalhos, de limpeza e plantação por conta do A;
Todos depuseram com isenção e conhecimento direto dos factos, tendo em conta o princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 607º, nº 5 do Código e Processo Civil (C P C), aplicável subsidiariamente e com as necessárias adaptações aos Julgados de Paz, por força do disposto no artigo 63º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, na redação que lhe foi conferida pelo mesmo artigo 2º da Lei nº 54/2013, de 31 de julho e no artigo 396º do Código Civil.
Factos não provados e respectiva motivação:
Não ficaram provados quaisquer outros factos alegados pelos demandantes por falta de mobilidade probatória.
Fundamentação de direito:
Resulta da factualidade assente que, foi arrolada, objecto de licitação e adjudicação ao demandado, no Inventário nº xx0/09.0TBLMG-2º Juízo do Tribunal Judicial de Lamego aberto por óbito de seu pai, a totalidade do prédio identificado no ponto 6.º supra, quando apenas pertencia à herança dos pais uma metade indivisa. E assim, se incorreu, como alega o demandante, no vício de partilhar um bem alheio, pelo que será a partilha nula nessa parte- cabendo aos demandados acordar com os restantes herdeiros o eventual direito de evicção-, nos termos do disposto no nº1 do artigo 2123º, sendo lhe aplicável, com as necessárias adaptações o regime previsto nos artigos 892º a 940º, todos do Código Civil, como também invoca o demandante.
Todavia, o demandante alegou também, e sobretudo, na presente ação, a aquisição da outra metade indivisa por usucapião, que é uma forma de aquisição originária da propriedade.
O instituto da usucapião tem, na verdade, eficácia constitutiva, permitindo adquirir o direito sobre o qual foi constituída, até mesmo quando a posse é de ma fé (cf. artigos 1287º e 1296º ambos do C. Civil).
E resulta da matéria de facto dada como prova que a posse do demandante é de boa-fé.
De facto, resulta da factualidade assente que o imóvel, a que se refere o ponto 6.º supra se encontra dividido, informalmente, em dois prédios perfeitamente autónomos, individualizados e demarcados, há mais de quarenta anos, passando os ante possuidores do demandante e dos demandados, e posteriormente os próprios, a explorar, cada um deles, exclusivamente a sua parte.
Posse exercida por forma correspondente ao direito de propriedade, assumindo-se como legítimos e exclusivos proprietários da sua parcela.
O instituto da usucapião liga-se à posse pública e pacífica, como um dos seus efeitos (cf. artigos 1287º e 1297º, ambos do C. Civil).
E tem de se prolongar, de forma contínua, por um determinado prazo. Na situação dos autos, a mesma tem uma duração temporal largamente superior à legalmente exigida (cf. 1255º e 1296º também do C. Civil).
A posse é pública se é exercida de modo a que todos aqueles que possam invocar um direito contraditório com a coisa possam ter conhecimento dela. E é pacífica se adquirida sem violência. No caso dos autos resulta que a posse do demandante preenche ambos os requisitos.
E presume-se que quem pratica os atos materiais, o “corpus”, tem igualmente o “animus possidendi”, presunção que não foi elidida pelos demandados.
Mas a mesma não opera, contudo, automaticamente, pelo mero decurso do prazo, necessita de ser invocada, o que pretende o demandante com a presente ação.
Assim sendo, o exercício efetivo e com carácter de reiteração, público e de boa-fé, da posse pelo demandante do prédio a que se refere a alínea a) do ponto 8.º da matéria dada como provada, como titular de um direito de propriedade, por mais de vinte anos, confere-lhe o direito de adquirir esse mesmo direito, nos termos do artigo 1287º e seguintes do C. Civil, por se encontrarem preenchidos os seus requisitos.
E é a jurisprudência maioritária no sentido de que não são impedimento da aquisição por usucapião as regras que visam evitar o fracionamento excessivo de prédios rústicos, porque cedem perante os direitos adquiridos por esta forma de aquisição originária da propriedade (cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12/01/2006, P. nº 0536437, inwww.dgsi.pt).
Decisão:
Em face do exposto, julgo a ação procedente, por provada, e em consequência:
a) Declaro que o prédio rústico, “prédio mãe”, de cultura arvense de regadio, castanheiros, macieiras e mato, denominado Trancoso, com a área total de 812 m2, a confrontar do Norte e do Sul com H, de Nascente com o ribeiro e do Poente com I, inscrito na matriz sob o art.º xx3 – E, e registado pela Apresentação xxxx.30 na Conservatória do Registo Predial de Lamego com o n.º xxx/xxx30- Penajoia, na totalidade a favor do demandado, no estado de casado com a demandada, foi,há mais de quarenta anos, objeto de divisão, em substância ,em dois prédios, autónomos e independentes um do outro;
b) Declaro que pertence exclusivamente ao demandante, A, por se ter autonomizado, por via da usucapião, do prédio originário a que se refere a alínea anterior [a)], o seguinte prédio:
- Prédio rústico de cultura arvense de regadio, castanheiros, macieiras e mato, denominado Trancoso, da freguesia de Penajóia, com a área de 406 m2, a confrontar do Nascente com a J, do Poente com I, do Norte e do Sul com H, inscrito na matriz rústica da freguesia de Penajóia, concelho de Lamego, como metade do art.º xx3º-E;
Prédio autónomo e distinto do “prédio mãe”, e do qual se destacou;
c) Condeno os demandados no reconhecimento e aceitação da constituição e existência deste prédio referido na alínea antecedente [b)] como autónomo e distinto do prédio rústico originário [a que se refere a alínea a) deste decisório], assim como o direito de propriedade exclusiva do demandante sobre o mesmo;
d) Em conformidade, ordeno:
O cancelamento do registo da totalidade do prédio originário a que se refere a alínea a) supra em nome dos demandados;
- A atribuição de artigo matricial e o registo do prédio agora autonomizado, a favor do demandante, com a composição e da forma indicada [cf. alínea b) supra], cessando a compropriedade do demandante no prédio originário;

Dada a natureza do processo, custas a pagar pelo demandante.
Registe e notifique.

Tarouca, 18 de novembro de 2016
A Juíza de Paz,

Elisa Flores
Processado por computador (art.131º, nº5 do C P C)