Sentença de Julgado de Paz
Processo: 153/2017-JPCRS
Relator: ELISA FLORES
Descritores: POSSE - USUCAPIÃO
Data da sentença: 03/16/2018
Julgado de Paz de : CARREGAL DO SAL
Decisão Texto Integral:
III ATA DE AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
Aos dezasseis dias do mês de março de dois mil e dezoito, pelas 14:45 horas, realizou-se no Julgado de Paz de Carregal do Sal, a continuação da Audiência de Julgamento do Processo n.º 153/2017 - JPCSal, em que são partes: Demandantes:-
A, e marido B; Demandados: C; D, e mulher E; F, e mulher G; e, H, e mulher, L;- Realizada a chamada verificou-se que apenas se encontrava presente a Ilustre Solicitadora, dos demandantes, Dr.ª M, com Procuração com poderes especiais a fls. 89 dos Autos.
O Julgamento foi presidido pela Ex.ma Senhora Juíza de Paz, Dra. Elisa Flores.
Aberta a Audiência, a. Juíza de Paz, proferiu a sentença anexa à presente ata e que dela faz parte integrante e entregou uma cópia à presente, que disse considerar-se notificada e comprometer-se a notificar os seus constituintes
Nada mais havendo a salientar a Sra. Juíza de Paz deu como encerrada a Audiência.
Para constar se lavrou esta Ata que vai ser devidamente assinada.
A Juíza de Paz, Elisa Flores
O Técnico de Apoio Administrativo, Carlos Oliveira
SENTENÇA
Demandantes:
A, e marido B
Demandados:
I- C
- D, e mulher, E
- F, e mulher G
- Todos na qualidade de herdeiros da Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de N;
II- H, e mulher, L
RELATÓRIO
Os demandantes propuseram contra os demandados supra identificados, a presente ação declarativa para autonomização de parcela que se enquadra na alínea e) do nº 1 do artigo 9.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, pedindo, com os fundamentos constantes do requerimento inicial, para: a) Declarar que a parcela dos demandantes, com a composição e configuração agora descritas, se autonomizou por via da usucapião, atenta a demarcação de facto alegada, a qual passou a ser um prédio autónomo e distinto do identificado no artigo 1.º da petição inicial e do qual se destacou; b) Reconhecer os demandantes como donos e legítimos proprietários do prédio que efetivamente possuem, melhor identificado na alínea a), prédio 2, do artigo 4.º da petição inicial e que consta delimitada a vermelho no levantamento topográfico junto como doc. n.º 6; c) Condenar-se os demandados no reconhecimento e aceitação da constituição e existência de tal prédio como autónomo e distinto, assim como o direito de propriedade dos demandantes sobre o mesmo; d) E em consequência, ordenar-se a atribuição de artigo matricial e registo do mesmo a seu favor, cessando a sua compropriedade na restante área do prédio.
Para o efeito, juntaram nove documentos, que aqui se dão por reproduzidos.
De referir que originalmente a presente ação se referia ainda a outro prédio (Prédio nº 1) e a outros demandados mas, entretanto, verificou-se a desistência da instância quanto a estes, que foi aceite e homologada.
Também primitivamente a ação foi proposta, no que à Herança de N diz respeito, apenas contra a cabeça de casal mas posteriormente, por absoluta economia processual, foi admitida a intervenção de todos os herdeiros para sanar a ilegitimidade passiva por preterição do litisconsórcio necessário, procedendo-se à respetiva citação e concedendo-lhes prazo para contestar.
Contudo, nem estes nem os primitivos demandados, regular e pessoalmente citados, e notificados para a Audiência de Julgamento, contestaram ou compareceram, nem apresentaram justificação.
Valor da ação: Fixo em € 2 501,00 (dois mil e quinhentos e um euros).

FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
Consideram-se provados os seguintes factos:
1.º- Encontra-se inscrito na Matriz predial, sob o artigo 0000º (que proveio do anterior artigo 000º), e descrito na Conservatória do Registo Predial de O, sob o n.º 000/0000, em nome do demandante e demandados, na proporção de 1/3 para cada um, com a área de 4 980m2, o prédio rústico sito à XXX, lugar de P, freguesia de Q, concelho de O, composto de terra de cultura e mato, a confrontar a Norte com caminho e H, a Nascente com R e caminho, a Sul com caminho e a Poente com S e outros; 2.º- Este prédio, na referida proporção, veio à titularidade dos demandantes por escritura de doação de T e U, pais do demandante, no dia 24 de agosto de 1982;
3.º- Nesse mesmo ano de 1982, demandantes, demandados e ante possuidores procederam à divisão material do referido prédio, nas seguintes parcelas completamente autónomas e distintas, devidamente demarcadas com marcos que cravaram no solo ao longo das linhas divisórias de cada uma;
a) A parcela 1, com a área de 2 600m2, que ficou a pertencer aos demandantes, composta por pinhal, a confrontar a Norte e a Sul com Herdeiros de R, a Nascente com caminho e a Poente com Herdeiros de R, e os aqui primeiros e segundos demandados, Herdeiros de N e H, delimitada a vermelho no Levantamento Topográfico, a fls. 27 dos autos;
b) A parcela 2, com a área de 1 630,00m2, que ficou a pertencer a C, e agora aos primeiros demandados, composta por terreno de semeadura, a confrontar a Norte com Herdeiros de R, a Sul com a Parcela 3, de onde já foi desanexado o artigo urbano 2794º que pertence ao segundo demandado, H, a Nascente com os aqui demandantes e Herdeiros de R, e a Poente com caminho, delimitada a azul no Levantamento Topográfico a fls. 27 dos autos;
c) A parcela 3, que atualmente tem a área de 1 365,00m2, que ficou a pertencer a V e marido e agora ao segundo demandado, H, que desanexou uma parcela urbana com 500m2, composta por terra de cultura, a confrontar atualmente a Norte com a Parcela 2, a Sul com W e outro, a Nascente com a Parcela 1, e a Poente com W e outro e com o próprio, delimitada a verde no Levantamento Topográfico a fls. 27 dos autos;
4.º- Tendo daí resultado três prédios autónomos e independentes uns dos outros; -5.º- A partir da referida demarcação de facto, quer os demandantes quer os demandados, ou os seus antepassados, por forma visível e permanente, passaram a exercer sobre as respetivas parcelas identificadas no art.º 3.º uma posse pública, pacífica, contínua e de boa-fé, passando a possuir, usar e fruir cada parcela individualizada, autónoma e distinta, como se de coisa sua se tratasse;
6.º- Respeitando rigorosamente as suas extremas e divisórias com total exclusividade, autonomia e independência;
7.º- Assim, desde pelo menos 1982, os demandantes, já então casados entre si, têm possuído e usufruído a respetiva parcela, identificada no ponto 3.º, alínea a) supra, por si ou interposta pessoa, por forma visível e permanente;
8.º- Colhendo os frutos daí provenientes, limpando o mato, cortando ou mandando cortar as árvores aí existentes;
9.º- Tudo em proveito próprio, agindo e comportando-se, relativamente à sua parcela, como seus verdadeiros e exclusivos proprietários;
10.º- Na convicção de que, com a sua posse, não lesavam direitos de outrem;
11.º- O que sempre fizeram, e fazem, à vista e com o conhecimento de toda a gente;
12.º- De forma contínua e ininterrupta;
13.º- Sem oposição de quem quer que seja, nomeadamente dos aqui demandados e/ou dos seus ante possuidores;
14.º- E sempre na convicção de que a mesma lhes pertencia como coisa própria e separada das outras parcelas que compõem o prédio identificado no ponto 1.º supra;
15.º- Os demandantes têm tido, assim, desde 1982 e ininterruptamente, a detenção da sua parcela, já totalmente separada e distinta do prédio inicial, por divisão informal, na convicção de serem seus donos exclusivos.

Motivação dos factos provados:
Atendeu-se aos documentos juntos aos autos, nomeadamente o Levantamento Topográfico, e à não oposição dos demandados, consubstanciada na ausência de contestação e na falta injustificada à Audiência de Julgamento.

FACTOS NÃO PROVADOS:
Não existem factos não provados.

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:
Os demandados, regular e pessoalmente citados, não apresentaram contestação, não compareceram à Audiência de Julgamento, e não justificaram as respetivas faltas.
Assim, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 58.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 2º da Lei nº 54/2013, de 31 de julho, consideram-se confessados os factos articulados pelos demandantes, suscetíveis de prova por confissão.
Os demandantes visam com a presente ação adquirir, por usucapião, a parcela designada por “1” no Levantamento Topográfico de fls. 27, descrita no ponto 3.º, a) da factualidade assente, por se ter autonomizado do prédio originário, “prédio mãe”. Resulta da matéria de facto dada como provada que o imóvel se encontra dividido, de facto e informalmente, em três prédios perfeitamente autónomos, individualizados e demarcados, há mais de vinte anos, passando demandantes, demandados e ante possuidores, a explorar cada um deles exclusivamente a sua parte. Apurado ficou também que os demandantes têm exercido a posse, por inversão do título de comproprietário para proprietário exclusivo, desde o ano de 1982 até ao presente, por forma correspondente ao direito de propriedade, assumindo-se como legítimos e exclusivos proprietários da sua parcela. Posse que é titulada, por escritura de doação, mas que não reflete a realidade jurídica possessória, que existe há muitos anos. O instituto da usucapião tem eficácia constitutiva, permitindo adquirir o direito sobre o qual foi constituída, e liga-se à posse, pública e pacífica, como um dos seus efeitos (cf. artigos 1316º, 1287º, 1297º, 1265º e 1300º, todos do C. Civil); E tem de se prolongar, de forma contínua, por um determinado prazo. Na situação dos autos, a mesma tem uma duração temporal superior à legalmente exigida, uma vez que se trata de posse de boa-fé, por ter sido elidida a presunção do nº 2 do artigo 1260.º do C. Civil. O artigo 7º do Código de Registo Predial estabelece que o registo definitivo faz presumir que o direito existe e pertence ao titular inscrito, mas esta presunção legal foi aqui elidida mediante prova em contrário pelos demandantes (cf. artigo 350º, nº 2 do C. Civil), que provaram que o prédio originário, “prédio mãe” foi dividido informalmente em três partes e uma dela lhes pertence em exclusividade e não em compropriedade como se encontra refletido no Registo Predial. O artigo 1268º do C. Civil estabelece também uma presunção, a de que, quem está na posse de uma coisa é titular do direito correspondente aos atos que pratica sobre ela. Acresce ainda, que a posse é pública se é exercida de modo a que todos aqueles que possam invocar um direito contraditório com a coisa possam ter conhecimento dela. E é pacífica se adquirida sem violência. No caso dos autos resulta que a posse dos demandantes preenche também estes requisitos. E presumindo-se que quem pratica os atos materiais, o “corpus”, tem igualmente o “animus possidendi”, presunção que não foi ilidida pelos demandados, resulta do exposto que os demandantes reúnem, assim, os requisitos legalmente exigidos para o efeito de aquisição por usucapião, da referida parcela. Mas aquela não opera, contudo, automaticamente, pelo mero decurso do prazo, necessita de ser invocada, o que pretendem os demandantes com a presente ação. Assim sendo, o exercício efetivo e com caráter de reiteração, público e de boa-fé, da posse do prédio pelos demandantes, como titulares de um direito de propriedade, por mais de vinte anos, confere-lhes o direito de adquirir esse mesmo direito, por via da usucapião, nos termos do artigo 1287º e seguintes do C. Civil, por se encontrarem preenchidos os seus requisitos.

Por outro lado, é jurisprudência maioritária que não são impedimento as regras que visam evitar o fracionamento excessivo de prédios rústicos, porque cedem perante os direitos adquiridos por usucapião, forma de aquisição originária da propriedade (cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12/01/2006, P. nº 0536437, in www.dgsi.pt).
E não prejudica os interesses e reais direitos dos demandados a constituição de novo artigo rústico correspondente à parcela usucapida a favor dos demandantes.

decisão:
Em face do exposto, julgo a ação procedente, por provada, e em consequência:
a) Declaro que o prédio rústico, com a área de 2 600m2, identificado como “1” e delimitado a vermelho no Levantamento Topográfico junto a fls. 27 dos autos, e que desta decisão faz parte integrante, pertence exclusivamente aos demandantes, A, e marido B, por se ter autonomizado, por via da usucapião, do prédio originário, “prédio mãe”, e é composto por pinhal, a confrontar a Norte e a Sul com Herdeiros de R, a Nascente com caminho e a Poente com Herdeiros de R, Herdeiros de N e H;
b) Condeno os demandados no reconhecimento e aceitação da constituição e existência deste prédio, identificado na anterior alínea a), bem como o direito de propriedade exclusiva dos demandantes sobre o mesmo, prédio autónomo e distinto do inscrito na Matriz sob o artigo 0000º e descrito na Conservatória do Registo Predial de O, sob o n.º 000/000, cessando a compropriedade no restante;
c) Em conformidade, ordeno:
- A atribuição de artigo matricial e o registo do prédio agora autonomizado, a favor dos demandantes com a composição e da forma indicada na alínea a) da presente decisão;
- O abatimento na área do “prédio mãe” na Matriz Predial da área do prédio agora autonomizado;
Dada a natureza do processo, custas pelos demandantes.
Registe e notifique.
Carregal do Sal, 16 de março de 2018
A Juíza de Paz, (Elisa Flores)
Processado por computador (art.131º, nº5 do C P C)