Sentença de Julgado de Paz
Processo: 125/2017-JPCSC
Relator: SÓNIA ISABEL DOS SANTOS PINHEIRO
Descritores: AÇÃO DE NULIDADE DO CONTRATO DE MÚTUO
Data da sentença: 12/04/2018
Julgado de Paz de : CASCAIS
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
I - Identificação das partes
Demandantes: A., NIF ...... e mulher B., NIF ....., residentes na Rua...., Estoril.
Demandados: C., NIF ......, com domicílio profissional na Rua ....., Carnaxide, e D., NIF ......., ausente, com última residência conhecida na Rua ..... Charneca da Caparica, Almada.

II – Objeto do litígio
Os Demandantes vieram propor contra os Demandados a presente acção declarativa, enquadrada na al. j) do n.º 1 do art.º 9º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 54/2013, de 31 de Julho (doravante LJP), pedindo que fosse declarado nulo o contrato de mútuo identificado no artº 1º do Requerimento Inicial e a condenação dos Demandados a pagar-lhes a quantia de € 9.500,00 (nove mil e quinhentos euros), acrescida dos juros à taxa legal desde a citação até efectivo pagamento e ainda nas custas, procuradoria e demais encargos legais.
Alegaram os factos constantes do Requerimento Inicial de flªs. 1 a 19, que aqui se dá por reproduzido, e em resumo, que entregaram aos Demandados, a pedido destes, a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros), com a obrigação destes restituírem tal quantia no prazo de um ano, com términos em 22 de setembro de 2016. Que na altura foi assinado um documento particular a assumir a divida pelos Demandados. Findo aquele prazo os Demandados apenas restituíram aos Demandantes a quantia de € 500,00 (quinhentos euros), em 04 de outubro de 2016. Apesar de interpelados para o efeito, os Demandados não mais restituíram qualquer quantia aos Demandantes. Juntaram 4 documentos (de flªs. 5 a 18).
O Demandado foi regularmente citado (cf. aviso de receção de fls. 43) e não apresentou contestação.
Tendo-se frustrado a citação da Demandada e não se tendo logrado obter através da base de dados das entidades oficiadas, bem como das demais diligências realizadas, informações sobre o seu paradeiro, foi nomeado Defensor Oficioso à ausente, Dr. G.. Citado nessa qualidade, não apresentou contestação. Pedida por este a suspensão da sua inscrição na Ordem dos Advogados veio a ser nomeada, em sua substituição, a Drª F.
A fase da mediação não se aplica nos autos.
Procedeu-se à realização da audiência de julgamento com obediência às formalidades legais como das atas se infere, sendo que o Demandado faltou às sessões agendadas, sem que viesse justificar a sua falta.
Fixo à causa o valor de € 9.500,00 (nove mil e quinhentos euros) - cfr. artºs 306º nº 1, 299º nº 1, 297º nº 1 e 2 do CPC, ex vi artº 63.º da LJP.
Atenta a competência do Julgado de Paz e a capacidade e personalidade judiciária das partes, cabe apreciar e decidir, tendo em conta o que se dispõe no artº 60º da LJP.

III. Fundamentação
Com interesse para a decisão da causa, ficou provado que:
1. A pedido do Demandado, os Demandantes entregaram-lhe, por empréstimo, a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros), o que fizeram mediante transferência bancária de 23 de março de 2016;
2. Mais ajustaram que a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros) seria liquidada pelo Demandado até 22 de setembro de 2016;
3. Findo esse prazo, o Demandado apenas restituiu aos Demandantes a quantia de € 500,00 (quinhentos euros), por transferência bancária de 04 de Outubro de 2016;
4. Apesar de interpelado para o efeito o Demandado não mais restituiu qualquer quantia aos Demandantes;
5. O empréstimo foi efectuado para fazer face a dificuldades financeiras temporárias do Demandado;
6. O Demandado assinou um documento a assumir a divida;
Com interesse para a apreciação da causa nada mais ficou provado, considerando-se não provados todos os factos alegados e que sejam de sentido contrário aos provados.
Nomeadamente, não se provou que:
a) a Demandada D. pediu aos Demandantes a entrega da quantia de € 10.000,00, por empréstimo, com a obrigação de a restituir até 22 de Setembro de 2016, para fazer face a dificuldades financeiras temporárias;
b) na altura a Demandada assinou um documento a assumir a divida.

Motivação da matéria de facto provada e não provada:
Constata-se dos autos que, regularmente citado, o Demandado teve oportunidade de se defender do alegado contra si nestes autos, designadamente contestando, bem como comparecendo à audiência de julgamento. Porém, nada fez para se defender, mantendo-se assim alheio a este processo.
O facto de o Demandado ter sido regularmente citado, não ter contestado, ter faltado à audiência de julgamento e não ter justificado a falta, fez operar a cominação legal prevista no nº 2 do artº 58º da LJP, considerando-se confessados os factos articulados pelos Demandantes quanto ao Demandado, devendo o Tribunal julgar a causa conforme for de direito.
Já o mesmo não se pode dizer da Demandada, ausente.
Assim, quanto a esta considerou o Tribunal não se ter feito prova cabal da sua intervenção no contrato dos autos.
Para tal considerou-se os elementos documentais juntos pelos Demandantes que aqui se dão por reproduzidos, de fls. 5 (comprovativo da transferência bancária da quantia de € 10.000,00, em 23.03.2016, em nome do Demandado); de flªs 8 (e-mail datado de 18.03.2016, enviado pelo Demandado onde identifica os elementos da conta bancária para onde deveria ser transferida a quantia de € 10.000,00); de flªs 9 e 10 (e-mail datado de 06.01.2017, enviado pelo Demandante ao Demandado e resposta deste, onde confirma o atraso no pagamento da quantia mutuada), conjugados com as declarações de parte dos Demandantes e com o depoimento da testemunha arrolada pelos Demandantes, H.
Assim, o Demandante referiu conhecer o Demandado por ter celebrado alguns negócios com ele no ramo imobiliário. Que o Demandado pediu-lhes a quantia de € 10.000,00 invocando estar a atravessar dificuldades financeiras. Que acederam a tal pedido tendo efectuado uma transferência bancária, em 23.03.2016, do valor pedido de € 10.000,00 da conta dos Demandantes para conta indicada pelo Demandado no seu e-mail datado de 18.03.2016. Que após essa data o Demandado apenas lhes pagou a quantia de € 500,00 por transferência bancária, em 04.10.2016. Que até hoje não receberam o remanescente de € 9.500,00, apesar das insistências nesse sentido. Que nunca falou com a Demandada sobre o empréstimo. Por sua vez, em declarações de parte a Demandante confirmou as declarações prestadas pelo seu marido, acrescentando que chegou a pedir à Demandada a restituição do valor emprestado, nomeadamente por e-mail, mas que não tinha tais elementos na sua posse.
Por último, mostrou-se credível e espontâneo o depoimento da testemunha H., que referiu ser amiga dos Demandantes há cerca de 20 anos quando estes ainda residiam em França. Que conheceu os Demandados numa festa organizada pelos Demandantes em casa destes. Que o Demandado trabalhava na I., e vendia apartamentos. Que sobre o empréstimo dos autos o que sabia era por lhe ter sido transmitido pelos Demandantes, concretamente que o mesmo ocorreu há cerca de 2 anos e meio, que não foi totalmente devolvido e que os Demandantes precisavam do dinheiro para fazer face a dificuldades económicas vivenciadas por uma filha que reside actualmente em Portugal.
Ainda quanto à al. b) dos factos não provados cumpre referir que, como o próprio Demandante admitiu em declarações, o documento de flªs 6 foi-lhe enviado pelo Demandado por e-mail, sem qualquer intervenção da Demandada, com quem, aliás, nunca falou sobre o empréstimo.

IV - O Direito
Nos presentes autos vêm os Demandantes pedir a restituição pelos Demandados da quantia de € 9.500,00, acrescida dos juros de mora desde a citação. Sustentam esse pedido na nulidade do contrato de mútuo que celebraram com os Demandados.
Resultou provado que os Demandantes emprestaram ao Demandado, a pedido deste, a quantia de € 10.000,00, o que se concretizou em 23.03.2016, por transferência bancária, para conta que este indicou.
Mais ficou provado que foi ajustado que tal quantia deveria ser restituída até 22 de setembro de 2016, tendo apenas sido restituída a quantia de € 500,00 em 04 de outubro de 2016, não obstante as interpelações dos Demandantes nesse sentido.
Ora, estamos perante um contrato de mútuo do qual resulta para o mutuário a obrigação de restituição da quantia mutuada (artº 1142º do Cód. Civil).
Segundo o artº 1143º do Cód. Civil, quanto à forma do contrato, “sem prejuízo do disposto em lei especial, o contrato de mútuo de valor superior a € 25.000,00 só é válido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado e o de valor superior a € 2.500,00 se o for por documento assinado pelo mutuário”.
Por outro lado, de acordo com o disposto no artº 220º do Cód. Civil, “a declaração negocial que careça da forma legalmente prescrita é nula, quando outra não seja a sanção especialmente prevista na lei”.
Resultando provado que o contrato de mútuo celebrado entre os Demandantes e o Demandado foi verbal quando deveria ter sido por documento assinado pelo mutuário, que formalizasse esse empréstimo (não logrando o documento mencionado em 6. dos factos provados formalizar o mútuo dos autos, mas apenas a existência de uma divida), deve tal negócio ser declarado nulo por falta de forma “ad substantiam” (artº 220º do Cód. Civil), declaração de nulidade essa que acarreta para o mutuário o dever de restituir tudo quanto haja recebido dos mutuantes (artº 289º, nº 1 do Cód. Civil).
Ora, tendo sido restituído o valor de € 500,00, terá o Demandado de restituir aos Demandantes o remanescente de € 9.500,00, no que vai condenado.

Peticionam ainda os Demandantes a condenação no pagamento de juros de mora.
A obrigação do mutuário de restituir tudo quanto haja recebido tem efeito retroactivo e abrange os juros, como frutos civis que são.
Vejamos,
O nº 3 do artº 289º do Cód. Civil refere que “é aplicável em qualquer dos casos previstos nos números anteriores, directamente ou por analogia, o disposto nos artºs 1269º e seguintes”.
Nos termos do disposto no artº 1270º, nº 1 do Cód. Civil, “o possuidor de boa fé faz seus os frutos naturais ou civis, percebidos até ao dia em que souber que está a lesar com a sua posse o direito de outrem...”.
E, nos termos do art.º 1271º do mesmo diploma legal, “o possuidor de má-fé deve restituir os frutos que a coisa produziu até ao termo da posse e responde, além disso, pelo valor daqueles que um proprietário diligente poderia ter obtido”, pelo que, deve o Demandado restituir os frutos (no caso os juros de mora) até ao pagamento da quantia recebida, contabilizados desde a data da sua citação para a presente acção (art.º 564º, al. a) do C.P.C. ex vi artº 63º da LJP) – v. a este respeito o seguinte aresto: “Tendo as partes celebrado um contrato de mútuo oneroso, nulo por falta de forma, são devidos juros, não a título de indemnização moratória, mas de frutos civis, a partir da citação, data em que cessou a sua posse de boa-fé sobre a quantia a restituir” – cfr. Ac. RP de 95.09.19, BMJ, 449, pág. 442; e ainda Ac.s STJ de 23.11.99 e de 18.09.2003, in www.dgsi.pt.).
Acresce que dispõe o nº 1 do artº 559º do Cód. Civil que “Os juros legais e os estipulados sem determinação de taxa ou quantitativo são fixados em portaria conjunta dos Ministros da Justiça, das Finanças e do Plano.”, sendo que a taxa de juros legalmente fixada e aplicável ao caso sub judice é actualmente de 4% ao ano (Portaria nº 291/2003, de 8 de Abril).

Peticionam os Demandantes a condenação dos Demandados nas custas, procuradoria condigna e demais encargos legais. Ora, quanto à procuradoria e custas de parte, nos Julgados de Paz não tem aplicação o Regulamento das custas Processuais, mas Portaria própria – a Portaria nº 1456/2001 de 28 de Dezembro -, a qual não prevê a condenação da parte vencida em procuradoria e em custas de parte, pelo que, por falta de normativo legal que o fundamente, tem tal pedido de improceder.

Atendendo ao exposto, decide-se declarar nulo o contrato de mútuo dos autos, e, por via disso, condenar o Demandado a restituir aos Demandantes a quantia de € 9.500,00, acrescida dos juros, à taxa legal de 4% ao ano ou outra que vier a ser fixada, contados desde a data da sua citação e até efectivo e integral pagamento, indo no demais absolvido. Como não resultou provado quanto à Demandada a existência de qualquer contrato de mútuo, sendo que essa era a única causa de pedir em que assentava o pedido formulado, sem necessidade de mais considerandos, improcede, na totalidade a presente acção em relação à Demandada, concluindo-se pela absolvição da mesma do pedido.

V - DECISÃO
Face a quanto antecede, julgo parcialmente procedente a presente acção e, em consequência:

a) Declaro nulo o contrato de mútuo celebrado entre os Demandantes e Demandado e, por via disso, condeno o Demandado a restituir aos Demandantes a quantia de € 9.500,00 (nove mil e quinhentos euros), acrescida de juros, à taxa de 4% ao ano ou outra que vier a ser fixada, contados desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento, indo absolvido no demais;

b) Absolvo a Demandada do pedido.

Custas
Declaro os Demandantes e Demandado responsáveis pelas custas, na proporção de 50% e 50%, respectivamente (artigos 8º e 9º da Portaria 1456/2001, de 28.12).
Custas: € 70,00. Em divida a quantia de € 35,00.

*
O Demandado deverá efetuar o pagamento das custas de sua responsabilidade, no valor de € 35,00 no prazo de três dias úteis a contar da notificação da presente decisão sob pena de incorrer numa penalização de € 10,00 por cada dia de atraso, nos termos do nº 10 da Portaria 1456/2001, de 28 de Dezembro, e até um máximo de € 140,00. Decorridos 15 dias sobre o termo do prazo, sem que se mostre efetuado o pagamento, será extraída a competente certidão e remetida ao Ministério Público junto do Tribunal Judicial da Comarca de Cascais para efeitos de eventual execução por custas e penalidade em dívida (€ 210,00).
*
Registe, dê cópia aos Demandantes e à I. Defensora Oficiosa da Demandada, e notifique o Demandado que, na presente data, reiterou a falta.
*
Mais, notifique o Ministério Publico, junto do Tribunal Judicial da Comarca do Oeste Cascais, do teor da sentença, de acordo com o n.º 3 do artº 60º da LJP (considerando a Demandada ausente).
*
Da sentença que antecede foram todos os presentes notificados.
Para constar se lavrou a presente ata, por meios informáticos, que, depois de revista e achada conforme, vai assinada, sendo entregue uma cópia da mesma a cada uma das partes.
Cascais, Julgado de Paz, 04 de dezembro de 2018
A Técnica do Serviço de Atendimento A Juíza de Paz