Sentença de Julgado de Paz
Processo: 137/2018-JPCRS
Relator: ELISA FLORES
Descritores: USUCAPIÃO- AUTONOMIZAÇÃO DE PARCELA
Data da sentença: 10/16/2018
Julgado de Paz de : CARREGAL DO SAL
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA
Demandantes:
- A, e esposa, B.
Demandados:
- C; D; E e esposa, F;
Na qualidade de herdeiros da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de G. RELATÓRIO
Os demandantes propuseram contra os demandados, todos acima identificados, a presente ação declarativa para autonomização de parcela com base na usucapião, que se enquadra na alínea e) do nº 1 do artigo 9.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, pedindo, com os fundamentos constantes do requerimento inicial, que se declare que a parcela dos demandantes se autonomizou do prédio rústico identificado no artigo 1.º, “prédio mãe”, por via da usucapião, e atenta a demarcação de facto alegada; Se reconheça os demandantes como donos e legítimos proprietários do prédio melhor identificado na alínea b) do art.º 7.º e que consta delimitado a verde no Levantamento Topográfico junto, que efetivamente possuem; Se condene os demandados no reconhecimento e aceitação da constituição e existência de tal prédio como autónomo e distinto, assim como o direito de propriedade dos demandantes sobre o mesmo; E em consequência, se corrija a área do prédio originário, subtraindo a do prédio agora autonomizado e se ordene a atribuição de artigo matricial e registo deste a seu favor, cessando a sua compropriedade.
Para o efeito, juntaram cinco documentos, que aqui se dão por reproduzidos.
Os demandados, regular e pessoalmente citados, não apresentaram contestação mas compareceram na Audiência de Julgamento onde só os demandantes apresentaram prova testemunhal.
Valor da ação: Fixo em € 550,14 (quinhentos e cinquenta euros e catorze cêntimos).
FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
Consideram-se provados os seguintes factos:
1.º- Correu termos neste Julgado de Paz o Processo n.º XX/2018-JPCSal, em que intervieram como demandantes os ora demandados, e como demandados os aqui demandantes, cuja sentença já transitou em julgado no dia 20 de junho de 2018;
2.º- Após o trânsito em julgado da referida decisão nos autos supra identificados, no prédio rústico então inscrito na Matriz predial sob o artigo 3455.º em nome da herança de G e do primeiro demandante, e descrito na Conservatória do Registo Predial de L sob o n.º 0000/19941117 em nome do primeiro demandante e de C, na proporção de ½ para cada foi um, foi efetuada a correção na matriz predial da área total e da respetiva da titularidade;
3.º- Ficando os demandantes, na qualidade em que se encontram, donos e legítimos possuidores do prédio rústico sito ao Outeiro do Sacho, freguesia de M, composto de terra de cultura, vinha, 50 oliveiras, 6 fruteiras e 1 castanheiro, a confrontar a Norte com Caminho, a Sul com N, a Nascente com O e outro, e a Poente com caminho, inscrito na matriz predial sob o artigo 3455.º, com a área de 6.665 m2;
4.º- E ainda em cumprimento daquela decisão, foi autonomizada a parcela dos demandados, com 9.9960 m2, tendo sido abatida essa área no prédio mãe que ficou com a área final de 6.665m2, e que ficou a pertencer aos ora demandantes;
5.º- Tendo sido criado para os demandados o artigo matricial R 6580º da freguesia de M, cessando a sua compropriedade no “prédio mãe”;
6.º- Situação que se encontra apenas vertida na caderneta predial rústica;
7.º- A titularidade do prédio descrito no ponto 2.º supra adveio por partilha à titularidade do primeiro demandante na proporção de ½, sendo que a outra parte coube a seu irmão, aqui primeiro demandado, C;
8.º- Partilha realizada em 15 de março de 1990, no Cartório Notarial de L, por óbito do pai de ambos, P, que ocorreu em 11/10/1978;
9.º- E no ano de 1994 o demandante e a esposa e o irmão e falecida esposa procederam à divisão do referido prédio em duas parcelas completamente autónomas e distintas, devidamente demarcadas por um caminho fazendeiro, construído por ambos e que serviu de linha divisória entre as duas parcelas, tendo sido por ambos utilizado, e posteriormente a ter uso apenas pelos demandantes, a cuja parcela pertence e que nele colocaram um portão.
Assim:
a) C e a falecida esposa tomaram posse da parcela delimitada a vermelho no levantamento topográfico a fls. 28 dos autos, composta por terra de cultura, vinha, oliveiras, fruteiras e castanheiros, com a área de 9.960 m2, a confrontar atualmente a Norte com Caminho, a Sul com A, a Nascente com O e outro e a Poente com caminho, que lhes ficou a pertencer;
b) E os demandantes tomaram posse da parcela delimitada a verde no levantamento topográfico, a fls. 28 dos autos, composta por terra de cultura, vinha, 50 oliveiras, 6 fruteiras e 1 castanheiro, com a área de 6.665 m2, a confrontar atualmente a Norte com herdeiros de G, a Sul com N, a Nascente com Q e a Poente com caminho, que lhes ficou a pertencer;
10.º- Tendo daí resultado dois prédios autónomos e independentes um do outro, conforme configuração constante no referido Levantamento topográfico;
11.º- À data os demandantes já eram casados entre si, tendo celebrado casamento em 22 de agosto de 1970, sem convenção antenupcial;
12.º- A partir da demarcação de facto, quer os demandantes, quer o primeiro demandado e a sua esposa até à data do seu falecimento, e posteriormente os seus herdeiros, passaram a usar e fruir cada parcela individualizada, autónoma e distinta, como coisa sua e exclusiva;
13.º- Respeitando rigorosamente as suas extremas e divisórias com total exclusividade, autonomia e independência;
14.º- Por forma visível e permanente;
15.º- Por si ou interposta pessoa, cuidando das videiras, colhendo as uvas, apanhando a azeitona, semeando batatas, milho, limpando o terreno de ervas e plantas que por ali crescem;
16.º- Retirando dali todas as utilidades em proveito próprio;
17.º- Melhorando-a e benfeitorizando-a;
18.º- Na convicção de que, com sua posse, não lesavam direitos de outrem;
19.º- O que sempre fizeram e fazem à vista e com o conhecimento de toda a gente, de forma singular, contínua e ininterrupta, pública e de boa-fé;
20.º- Sem oposição de quem quer que seja, nomeadamente dos aqui demandados;
21.º- E sempre na convicção de que a mesma lhes pertencia, como bem próprio, e separada da outra parcela que compunha o “prédio mãe”;
22.º- Atenta a autonomização da parcela dos demandados, o referido “prédio mãe” ficou a pertencer aos demandantes na sua totalidade, com a área reduzida a 6.665m2, mas no registo predial continua a pertencer-lhes apenas ½ do “prédio mãe”;
23.º- Pretendem assim os demandantes inscrever o respetivo prédio autonomizado na matriz predial e depois registá-lo na Conservatória do Registo Predial de acordo com a realidade factual e atual, invocando a usucapião que pretendem ver reconhecida e declarada por sentença.
Motivação dos factos provados:
Atendeu-se aos documentos juntos aos autos, nomeadamente ao Levantamento Topográfico, às declarações das partes e ao depoimento das testemunhas que os demandantes apresentaram e que já haviam deposto na Audiência de julgamento do processo anterior: I e J. O primeiro, com 70 anos de idade, que mora perto do prédio e que “quase sempre esteve por ali e já andou a cortar uvas no do Sr. C”; E a segunda, com 71 anos, prima afastada do demandante e do primeiro demandado, vizinha das terras e criada com eles e que, quando solteira, trabalhou no prédio dos autos, ainda para os pais daqueles. Ambos reiteraram os depoimentos anteriores e depuseram que nada se alterou entretanto. Revelaram conhecer o prédio desde muito jovens, as parcelas de cada um e os atos de posse, com exclusividade, e em nome próprio, pacífica e publicamente.
Ambos depuseram com isenção e conhecimento direto dos factos, tendo em conta o princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 607º, nº 5 do Código de Processo Civil (C P C), aplicável subsidiariamente e com as necessárias adaptações aos Julgados de Paz, por força do disposto no artigo 63º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, na redação que lhe foi conferida pelo mesmo artigo 2º da Lei nº 54/2013, de 31 de julho e no artigo 396º do Código Civil (doravante designado simplesmente C. Civil).
Factos não provados:
Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelos demandantes por falta de mobilidade probatória.
FUNDAMENTAÇÃO De direito:
Os demandantes visam com a presente ação adquirir por usucapião uma parcela do prédio descrito no ponto 2.º supra dos factos provados, identificada a verde no Levantamento Topográfico junto a fls. 28 dos autos e descrita no ponto 9.º, b) da factualidade assente, por dele se ter autonomizado. Resulta, efetivamente, da factualidade assente que, pelo menos desde 1994, o referido imóvel se encontra dividido, informalmente, em dois prédios perfeitamente autónomos, individualizados e demarcados, passando o demandante e a esposa a explorar exclusivamente a sua parcela, com a configuração que hoje tem.
Apurado ficou também que estes, bem como os demandados, têm exercido a posse, por inversão do título de comproprietário para proprietário exclusivo, desde o ano de 1994 té ao presente [cf. artigo 1263º, alínea d) e 1265º, ambos do C. Civil].

Posse que é titulada, por escritura de partilhas, mas que não reflete a realidade jurídica possessória, que existe há muitos anos.

O instituto da usucapião tem eficácia constitutiva, permitindo adquirir o direito sobre o qual foi constituída, e liga-se à posse, pública e pacífica, como um dos seus efeitos (cf. artigos 1251º, 1316º, 1287º, 1297º, 1258º a 1262º e 1300º, todos do C. Civil). E tem de se prolongar, de forma contínua, por um determinado prazo. Na situação dos autos, a mesma tem uma duração temporal superior à legalmente exigida.

O artigo 7º do Código de Registo Predial estabelece que o registo definitivo faz presumir que o direito existe e pertence ao titular inscrito, mas esta presunção legal no que à titularidade em regime de compropriedade respeita, foi aqui elidida mediante prova em contrário pelos demandantes (cf. artigo 350º, nº 2 do C. Civil) e a não oposição do outro comproprietário registado.

O artigo 1268º do C. Civil estabelece também uma presunção, a de que, quem está na posse de uma coisa é titular do direito correspondente aos atos que pratica sobre ela. Acresce ainda, que a posse é pública se é exercida de modo a que todos aqueles que possam invocar um direito contraditório com a coisa possam ter conhecimento dela. E é pacífica se adquirida sem violência. No caso dos autos resulta que a posse dos demandantes preenche também estes requisitos.

E presume-se que quem pratica os atos materiais, o “corpus”, tem igualmente o “animus possidendi”, presunção que não foi ilidida pelos demandados.

Resulta assim do exposto que os demandantes reúnem os requisitos legalmente exigidos para o efeito de aquisição por usucapião, da referida parcela [cf. ainda artigo 1722º, nº 1 alínea c) e nº 2, alínea b) do C. Civil, “a contrario”].

Mas esta não opera, contudo, automaticamente, pelo mero decurso do prazo, necessita de ser invocada, e declarada judicialmente, o que pretendem os demandantes com a presente ação, atendendo que da decisão que autonomizou a parcela dos demandados apenas foi possível atualizar a situação na Matriz predial. Assim sendo, o exercício efetivo e com caráter de reiteração, público e de boa-fé, da posse do prédio por ambos os demandantes, como titulares de um direito de propriedade, por mais de vinte anos, confere-lhes o direito de adquirir esse mesmo direito, por via da usucapião, nos termos do artigo 1287º e seguintes do C. Civil, por se encontrarem preenchidos os seus requisitos.

Por outro lado, é jurisprudência maioritária que não são impedimento as regras que visam evitar o fracionamento excessivo de prédios rústicos, porque cedem perante os direitos adquiridos por usucapião, forma de aquisição originária da propriedade (cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12/01/2006, P. nº 0536437, in www.dgsi.pt).
E não prejudica os interesses e reais direitos de ambas as partes a constituição de novo artigo rústico correspondente à parcela usucapida a favor dos demandantes.
Decisão:
Em face do exposto, julgo a ação procedente, por provada, e em consequência:
a) Declaro que pertence exclusivamente a A e esposa, B, por se ter autonomizado, por via da usucapião, do prédio originário inscrito na Matriz predial rústica sob o artigo 3455.º e descrito na Conservatória do Registo Predial de L sob o n.º 0000/19941117, “prédio mãe”, o seguinte prédio rústico situado ao Outeiro do Sacho, freguesia de M, concelho de L, identificado a verde no Levantamento Topográfico junto aos autos a fls. 28:
Terra de cultura, vinha, 50 oliveiras, 6 fruteiras e 1 castanheiro, com a área de 6.665 m2, a confrontar atualmente a Norte com herdeiros de G, a Sul com N, a Nascente com Q e a Poente com caminho, o qual passou a ser um prédio autónomo e distinto do “prédio mãe”, e do qual se destacou;
b) Condeno os demandados no reconhecimento e aceitação da constituição e existência deste prédio referido na alínea antecedente [a)] como autónomo e distinto do “prédio mãe”, assim como o direito de propriedade exclusiva de A e esposa, B, sobre o mesmo;
c) Em conformidade, ordeno:
- A atribuição de artigo matricial e o registo do prédio agora autonomizado a favor de A e esposa, B, com a composição e da forma indicada [cf. alínea a) supra], cessando a compropriedade no prédio originário. Dada a natureza do processo custas totais pelos demandantes
Registe e notifique.
Carregal do Sal, 16 de outubro de 2018
A Juíza de Paz, (Elisa Flores)
Processado por computador (art.131º, nº 5 do C P C)